sexta-feira, 9 de julho de 2021

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XI)

Capítulo XI

A Dor do Sentido: Tormento do Fogo e Tormento do Frio - Venerável ​​Beda e a Ressurreição de Drithelm

Se a dor da perda não nos causa senão uma fraca impressão, é muito diferente em relação à dor dos sentidos; o tormento do fogo ou a tortura de um frio cortante e intenso apavoram a nossa sensibilidade. É por isso que a Divina Misericórdia, desejando despertar um santo temor em nossas almas, fala pouco da dor da perda, mas continuamente nos é mostrado o fogo, o frio e outros tormentos, que constituem a dor dos sentidos. Isso é o que vemos no Evangelho, e em revelações particulares, pelas quais Deus se grada em manifestar aos seus servos de vez em quando os mistérios da outra vida. Vamos mencionar uma dessas revelações. Em primeiro lugar, vejamos o que o piedoso e erudito Cardeal Belarmino cita do Venerável Beda

A Inglaterra foi testemunha em nossos dias, escreve Beda, de um prodígio singular, que pode ser comparado aos milagres dos primeiros tempos da Igreja. Para estimular os vivos a temer a morte da alma, Deus permitiu que um homem, depois de ter dormido o sono da morte, voltasse à vida e revelasse o que tinha visto no outro mundo. Os detalhes terríveis e inéditos que ele relata, e sua vida de extraordinária penitência, que correspondeu às suas palavras, produziram uma impressão viva em todo o país. Vou agora retomar as principais circunstâncias desta história. 

Havia em Northumberland um homem chamado Drithelm que, com a sua família, levava uma vida cristã. Ele adoeceu em com a sua enfermidade aumentando a cada dia, entrou em estado terminal e morreu, para grande desolação e tristeza de sua esposa e filhos. Velaram toda a noite em lágrimas diante dos seus restos mortais mas, no dia seguinte, antes do seu enterro, eles o viram de repente voltar à vida, levantar-se e colocar-se em uma postura sentada. Ao ver isso, foram tomados de tanto medo que todos fugiram, com exceção da esposa, que, tremendo, ficou sozinha com o marido ressuscitado. 

Ele a tranquilizou imediatamente: 'Não tema', disse ele, 'É Deus quem me restaura a vida. Ele deseja mostrar, na minha pessoa, um homem ressuscitado dos mortos. Ainda tenho muito tempo para viver nesta terra, mas a minha nova vida será muito diferente daquela que levei até agora'. Então, ele se levantou cheio de saúde, foi direto para a capela ou a igreja do lugar, e ali permaneceu muito tempo em oração. Ele voltou para casa apenas para se despedir daqueles que lhe eram queridos na terra, aos quais declarou que viveria apenas para se preparar para a morte, e os aconselhou a fazer o mesmo. 

Em seguida, dividiu a sua propriedade em três partes, dando uma para os seus filhos, outra para a sua esposa e reservou a terceira parte para dar em esmolas. Depois de ter distribuído tudo aos pobres e ficar reduzido à indigência extrema, foi bater à porta de um mosteiro e implorou ao abade do lugar que o recebesse como religioso penitente, que ele se tornaria o servo de todos os outros. O abade reservou-lhe uma cela isolada, a qual ocupou pelo resto de sua vida. Três exercícios dividiam o seu tempo - oração, o trabalho mais difícil e penitências extraordinárias. Os jejuns mais rigorosos ele considerava como nada. No inverno, ele mergulhava em água congelada e permanecia ali por horas e horas em oração, enquanto recitava todo o Saltério de Davi.

A vida mortificada de Drithelm, seus olhos sempre abaixados e até mesmo as suas feições indicavam uma alma atingida pelo medo dos julgamentos de Deus. Ele manteve um silêncio perpétuo mas, ao ser pressionado a relatar, para a edificação dos outros, o que Deus havia manifestado a ele após sua morte, ele assim descreveu sua visão:

'Ao deixar o meu corpo, fui recebido por uma pessoa benevolente, que me acolheu. Seu rosto estava brilhante e ele parecia rodeado de luz. Ele me levou a um grande vale profundo e de imensa extensão, que tinha fogo de um lado e era todo gelo e neve do outro; de um lado braseiros e caldeirões de fogo e, de outro, o frio mais intenso e o sopro de um vento glacial. Este vale misterioso estava cheio de inúmeras almas, que, sacudidas como por uma furiosa tempestade, eram jogadas de um lado para o outro. Quando não podiam mais suportar a violência do fogo, buscavam alívio em meio ao gelo e à neve mas, encontrando ali apenas uma nova tortura, lançavam-se novamente no meio das chamas.

Eu contemplei em estupor essas vicissitudes contínuas de tormentos horríveis e, até onde a minha vista podia se estender, não vi nada além de uma multidão de almas que sofriam sem ter repouso algum. Os aspectos delas me inspiraram medo. A princípio, pensei tratar-se do inferno, mas meu guia, que caminhava diante de mim, voltou-se para mim e disse: 'Não; este não é, como você pensa, o inferno dos réprobos. Você sabe' - continuou ele - 'que lugar é este?' 'Não', respondi. 'Saiba', ele resumiu, 'que este vale, onde você vê tanto fogo e tanto gelo, é o lugar onde permanecem as almas daqueles que, durante a vida, negligenciaram confessar os seus pecados, e que adiaram a sua conversão até o fim. Graças a uma misericórdia especial de Deus, eles tiveram a felicidade de se arrepender sinceramente antes da morte, de confessar e detestar os seus pecados. É por isso que eles não estão condenados, e no grande dia do julgamento entrarão no Reino dos Céus. Vários deles, entretanto, vão alcançar a sua libertação antes desse tempo final, pelos méritos de orações, esmolas e jejuns, oferecidos em seu favor pelos vivos, e especialmente, em virtude do Santo Sacrifício da Missa oferecido para o alívio de suas almas'.

Assim foi a descrição feita por Drithelm. Quando perguntado por que ele tratou seu corpo tão rudemente e por que havia mergulhado na água congelada, ele respondeu que tinha visto tormentos e frio de outro tipo. Quando os seus irmãos expressavam surpresa por ele poder suportar tais austeridades extraordinárias, ele respondia ter visto 'penitências muito mais excruciantes'. Até o dia em que aprouve a Deus chamá-lo para si em definitivo, não cessou de afligir o seu corpo e, ainda que alquebrado pela idade, nunca aceitava nenhum tipo de alívio.

Este evento produziu uma sensação profunda na Inglaterra; um grande número de pecadores, tocados pelas palavras de Drithelm e atingidos pela austeridade de sua vida, converteram-se sinceramente. Este fato, acrescenta Belarmino, parece-me de verdade incontestável, pois, além de estar conforme às palavras da Sagrada Escritura que diz que 'os mortos passam das águas da neve ao calor do fogo abrasador' (Jó, 24, 19), o Venerável Beda relata o fato como sendo recente e evento bem conhecido. Mais do que isso, seguiu-se ao mesmo a conversão de um grande número de pecadores, sinal da obra de Deus, que costuma fazer prodígios para produzir frutos nas almas.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)

PARA VIVER A DIVINA MISERICÓRDIA UM DIA POR SEMANA⁹

 

Ó Sangue e Água que jorrastes do Coração de Jesus como fonte de misericórdia para nós,
eu confio em Vós!

'Fala ao mundo da Minha Misericórdia, que toda a humanidade conheça a Minha insondável misericórdia. Este é o sinal para os últimos tempos; depois dele virá o dia da justiça. Enquanto é tempo, recorram à fonte da Minha Misericórdia'

Intenção do Dia - Nona Semana

levar a nossa cruz com paciência e resignação

Ó meu Jesus de infinita misericórdia / ajudai-me a levar a minha cruz / com paciência e resignação perfeita / pelos caminhos do mundo rumo ao Céu

quinta-feira, 8 de julho de 2021

AD DEUM STILLAT OCULUS MEUS!


AD DEUM STILLAT OCULUS MEUS!

'MEUS OLHOS CHORAM DIANTE DE DEUS!'

'Por que ficamos tão angustiados? Volvemos os olhos para o Senhor com confiança, pois a sua consolação não nos é dada sobre a terra mas no Céu. Apenas Deus nos conhece realmente, somente Deus pode compadecer-se de nós, somente Deus pode nos consolar. Os homens sobre a terra são loquazes, mas só sabem dizer palavras, e repetir palavras, que são muitas vezes enfadonhas, mesmo quando se quer que sejam consoladoras. 

Nossos olhos desfazem-se em lágrimas apenas diante de Deus: Ad Deum stillat oculus meus!. Como é bonita essa frase de Jó! [Jó, 16,21]. Chore diante de Deus estes olhos que não pode ser saciados por nenhuma visão terrena, que derrame lágrimas diante de Deus porque não é possível encontrar um pai mais terno do que Ele, derrame lágrimas diante de Deus, depositando no divino coração, junto com as lágrimas, também o sofrimento, a confiança, o amor, a esperança e a união perfeita à sua santa vontade: Ad Deum stillat oculus meus! 

Os anos passam, o caminho que percorremos não conhece retorno nesta terra, tudo muda ao nosso redor, e somente Deus permanece, como a nossa única esperança: Ad Deum stillat oculus meus! A nossa testemunha está no Céu! Com efeito, Deus conhece a nossa fragilidade e dela se compadece; conhece as nossas misérias e as perdoa, quando recorremos à sua misericórdia com sincero arrependimento; conhece os limites da nossa peregrinação nesta vida e nos ampara. 

Que conforto nos é dado, quando as criaturas se irrompem contra nós e nos julgam mal, pensar que a nossa testemunha está no Céu e que Deus nos conhece! O Senhor nunca deixa vã a nossa esperança e, quando tudo nos parece perdido, intervém para nos defender e para fazer a luz brilhar nas trevas. Repitamos com Jó, quando as tempestades são mais violentas: Ad Deum stillat oculus meus!'

(Excertos da obra 'La Sacra Scrittura', por Dom Dolindo Ruotolo)

quarta-feira, 7 de julho de 2021

PROFECIA DE NOSSA SENHORA DE LA SALETTE

 

'Os sacerdotes, ministros de meu Filho, os sacerdotes, por sua má vida, por sua irreverência e sua impiedade na celebração dos santos mistérios, por seu amor ao dinheiro, às honras e aos prazeres, tornaram-se esgotos de impurezas. Sim, os sacerdotes pedem vingança, e a vingança paira sobre suas cabeças. Ai dos sacerdotes e das pessoas consagradas a Deus, que com sua infidelidade e má vida crucificam meu Filho novamente! Os pecados das pessoas consagradas a Deus clamam ao céu e pedem vingança, e eis que a vingança está à porta, porque não há quem implore por misericórdia e perdão para o povo; não há mais almas generosas ou pessoas dignas de oferecer a Vítima Imaculada ao Eterno em favor do mundo'.
(Nossa Senhora de La Salette)

terça-feira, 6 de julho de 2021

A COMUNHÃO NA MÃO É TRÊS VEZES INDEVIDA, MAS...


Aos católicos que 'acham' e aos católicos que 'não acham': não existe nenhum texto da Tradição da Igreja que sustente a comunhão na mão. Nenhum. Mas, você vai ler por aí fantasias como estas dos que se extrapolam na arte de mentir, distorcer ou compartilhar sofregamente inverdades e heresias, no afã de defender como elemento da tradição litúrgica da Igreja o que nunca foi dela:

(i) a comunhão na mão era uma prática comum nos primórdios da Igreja e assim foi distribuída, seja no Oriente como no Ocidente, por mais de dez séculos [o que era praticado, como um procedimento corrente e generalizado, era o acesso à sagrada comunhão pós-confissão e consubstanciado por um jejum eucarístico de algumas horas, o que, evidentemente, não é objeto de referência alguma a ser explicitada do tesouro da tradição litúrgica da Igreja]; trata-se, portanto, de uma alegação completamente falsa, mas...

(ii) compartilham, como tocadores de tuba inflamados de ociosidade febril, as 'palavras' de São Cirilo de Jerusalém:

'Dirigindo-se, pois [à Comunhão], aproximai-vos com as palmas da mão abertas, nem com os dedos disjuntos, mas tendo a esquerda em forma de um trono sob aquela mão que está por acolher o Rei e com a direita côncava, recebei o corpo de Cristo, respondendo amém' [normalmente somente este trecho], desconectado do texto maior, que se segue nos seguintes termos:  

'Depois que tu, com cautela tiver santificado os teus olhos pondo-te em contato com o corpo de Cristo, aproximai também do cálice do sangue: não tendo as mãos estendidas, mas genuflexo de modo a expressar senso de adoração e veneração. Dizendo Amém te santificarás, tomando também o sangue de Cristo. E tendo ainda os lábios úmidos, tocai-o com as mãos e depois com esse santificarás os teus olhos, a fronte e os outros sentidos. Da Comunhão jamais vos afastai, nem vos privai destes sagrados e espirituais mistérios, ainda que estejais manchados pelo pecado'.

A simples consideração do trecho final - de que não se deve privar jamais da sagrada eucaristia, 'ainda que estejais manchados pelo pecado' - já seria razão suficiente para caracterizar esse texto como blasfemo e herético. Mas, ao contrário, esse pseudo-ritual é entranhadamente citado como um subsídio formal à comunhão eucarística na mão, por supostamente ter sido exposto por São Cirilo de Jerusalém, sem sequer considerar alguma objeção ou contestação à prática assumida como 'corrente por séculos pela Igreja' da comunhão eucarística sob as duas espécies. A incorporação deste texto herético na Catequese Mistagógica foi obra de um bispo pelagiano e, evidentemente, essa digressão absurda e ritualística não tem nada a ver com a densidade teológica dos escritos de São Cirilo de Jerusalém. Mas...

(iii) a comunhão na mão é equivalente à comunhão na boca (e, nestes tempos de pandemia, muito mais higiênica e racional), desde que feita com a devida devoção e percepção dos sagrados mistérios.

O terreno é fértil quando se abre mão (desculpem-me o trocadilho) do que é 'mais sagrado' pelo 'racional'. A tibieza do sacerdote, a complacência do bispo, a indolência do fiel ou a pandemia podem ter e ser a razão de tudo. Mas um perfeito e completo entendimento dos sagrados mistérios do banquete eucarístico não admitiria concessão alguma. Por que essa - a comunhão nos lábios distribuída por um sacerdote ou um diácono - é a única verdade proposta e imposta pelo catecismo e pela tradição litúrgica da Santa Igreja de Cristo. Baseado nesta tradição litúrgica, São Tomás de Aquino (Summa Theologica, III, q. 82, a 3) consubstanciou de forma explícita os motivos pelos quais é vetado aos fiéis leigos tocar as Sagradas Espécies. Bastaria ler na fonte os Doutores da Igreja. Mas...

segunda-feira, 5 de julho de 2021

TESOURO DE EXEMPLOS (82/84)

 

82. OS QUARENTA LEGIONÁRIOS

A famosa Legião Fulminante, junto com outras forças, estava acampada na cidade de Sebaste (na Armênia) quando, por ordem do governador daquela região, o feroz Agrícola, foi lido um edito do imperador Licínio, em que se ordenava aos cristãos que oferecessem sacrifícios aos falsos deuses.

Quarenta daqueles legionários negaram-se a cumprir a ordem do imperador. Conduzidos à presença de Agrícola, responderam aos seus agrados e ameaças dizendo: 'Tu mesmo reconheces que pelejamos heroicamente pelo imperador da terra. Combatemos, todavia, com mais valor pelo do céu'. Entre outros suplícios, quebraram-lhes os dentes com pedras e arrancaram-lhes as carnes com garfos. Finalmente, levaram-nos a um tanque gelado e ali tiveram de passar a noite despidos, no maior frio do inverno.

Junto ao tanque, Agrícola mandou colocar alguns banhos, cuja água, aquecida por braseiros, convidava os mártires a renegar sua fé e a submergir-se nelas. Durante a noite, os guardas adormeceram; só ficou acordada a sentinela. Um dos quarenta cristãos não resistiu à tentação. Gritando que renegava a Cristo, saiu do tanque e submergiu no banho quente; mas aquela mudança de temperatura, por demais rápida, ocasionou-lhe a morte, perdendo, assim, a vida temporal e a eterna.

Em seguida, a sentinela viu um anjo que, descendo do céu, coroava sucessivamente os trinta e nove que haviam permanecido no tanque. Ficou o anjo com uma coroa na mão, parecendo aguardar alguém que substituísse o apóstata. A sentinela, iluminada e movida pelo Espírito Santo, exclamou: 'Eu também sou cristão'. Seus companheiros, que despertaram ao grito, viram-no despir-se e entrar no tanque gelado, onde o anjo o esperava para coroá-lo. Não era cristão, mas recebeu o batismo de sangue.

Ao romper do dia, os guardas quebraram as pernas dos quarenta legionários e recolheram os seus cadáveres num carro para reduzi-los a cinzas. Somente um, o mais moço de todos, chamado Militão, sobrevivera à temperatura glacial e à fratura das pernas. Durante o trajeto para a fogueira, os verdugos exortavam-no a apostatar: 'Ainda podes salvar a tua vida' - diziam a ele - e Agrícola há de te dar muita riqueza'.

Mas a mãe do jovem, que com outros parentes dos mártires acompanhavam o carro, sobrepondo-se ao amor natural que sentia pelo filho, exortava-o a manter-se fiel a Jesus Cristo, dizendo: 'Termina com teus companheiros esta bendita viagem, pois, ainda que sejas o último a chegar no céu, não o serás diante de Deus'. Ressoavam ainda estas palavras e já aquele filho bendito voava para o céu. A festa dos 40 mártires de Sebaste é celebrada no dia 10 de março.

83. SÃO CLEMENTE MARIA

Nasceu São Clemente a 26 de dezembro de 1751 numa aldeazinha da Áustria. Contava sete anos apenas quando perdeu o pai. A mãe, tomando um dia o filhinho pela mão, levou-o à igreja e, diante de um belo e devoto Crucifixo, disse-lhe: 'Meu filho, de hoje em diante teu pai é Jesus; não te apartes jamais do caminho que não seja o dele'. 

Esse conselho ficou gravado no coração e na memória de Clemente, servindo-lhe de estímulo nas horas difíceis de sua vida. Depois de ter sido, sucessivamente, aprendiz, eremita, peregrino e estudante, entrou, afinal, na Congregação dos Padres Redentoristas, em Roma, ordenando-se sacerdote, quando já contava 34 anos de idade. Santo Afonso, ouvindo falar dele, disse profeticamente: 'Esse padre fará grandes coisas para a glória de Deus'.

Em favor das crianças pobres e órfãs, saía o santo a esmolar, expondo-se a humilhações e vexames. Sacrificava-se pelo bem das crianças. Saiu, um dia, a esmolar e vendo na varanda de uma casa muitos homens em alegre reunião, julgou que ali receberia um bom auxílio para o orfanato. Aproximando-se modestamente de um daqueles senhores disse-lhe:
➖ Meu amigo, venho pedir-lhe um auxílio para os meus pequenos órfãos.

O homem, nada amigo de padres e ainda menos disposto a dar esmolas, cobriu-o de injúrias e, exaltado ao extremo e com sumo desprezo, escarrou no seu rosto. Clemente, com grande calma e paciência, toma o lenço, limpa o rosto, e diz:
➖ Meu amigo! isto foi para mim; agora dê-me alguma coisa para os meus pequenos órfãos.
Não houve, entre aqueles homens, quem não admirasse a heroica mansidão de Clemente. O próprio ofensor, arrependido, deu-lhe uma boa esmola e tornou-se grande admirador do santo.

Em suas pregações era Clemente bastante original. Havia no lugar, onde pregava, uma velha, mulher do ferreiro da vila, que se contentava com uma única confissão anual. Clemente exortou-a a confessar-se mais vezes, pois não demoraria a comparecer diante de Deus.
➖ Mas, padre, que diria a gente se a mulher do ferreiro fosse confessar-se muitas vezes?
No domingo seguinte, depois de pregar sobre a frequência aos sacramentos, de repente repete o dito pela esposa do ferreiro: 'que diria a gente se a mulher do ferreiro fosse confessar-se muitas vezes?' para, em seguida, indagar a própria  que ali se encontrava:
➖ Ó boa 'ferreirinha', o que diria a gente se a 'ferreira' estivesse no inferno?

Uma testemunha de suas pregações dizia: 'Quando pregava, parecia um serafim. Por diversas vezes os numerosos ouvintes não podiam conter as lágrimas nem reprimir os soluços. Como confessor, era extraordinário. Parecia ler as consciências. Uma vez, um moço, logo após o sermão, procurou-o para confessar-se.
➖ Ainda não - respondeu o santo - vem comigo. E conduzindo-o a um quarto, aponta para o Crucifixo e diz: 'Olhe para o Crucificado e converta-se de fato'.

Rosa, aluna de um colégio, estava à morte. Agitava-se e gritava:
➖ O cão preto quer me devorar... o cão preto quer me devorar...
Chamaram a Clemente. Apenas penetrou no quarto, exclamou a menina: 
➖O cão preto está fugindo... O cão preto desapareceu...
O santo preparou a jovem para a morte, que não demorou: 'Irmãs' - disse - 'temos agora no céu mais um anjo que rezará por nós'.

Chamado com razão de Apóstolo de Viena e de Propagador Insigne da Congregação Redentorista, após uma atividade estupenda, São Clemente entregou a sua bela alma a Deus no dia 15 de março de 1820, na idade de 69 anos. Foi canonizado a 20 de maio de 1909. Sus festa litúrgica é celebrada no dia 15 de março. 

84. SANTA CATARINA DE GÊNOVA

Esta santa, falecida em 1510, não foi santa desde os seus primeiros anos de vida. Nasceu rica, viveu entre as diversões e nos dias de sua mocidade não foi lá muito piedosa, não. Era como tantas de hoje que pensam ser muito santas, só porque vão à missa de preceito e não dão graves escândalos. Casou-se, afinal, com um moço muito rico, o qual de cristão tinha apenas o nome. Isso bem o sabia ela antes de casar-se; mas, como acontece, deixou-se fascinar pelas riquezas, pela elegância e até pelas audácias daquele aventureiro do amor.

E sucedeu o que era de esperar: aquele homem, por causa de sua vida licenciosa, não pôde fazê-la feliz. Enquanto ela, em casa, chorava a sua desgraça, ele, como louco, corria de orgia em orgia. Esquecida de Deus, a pobre mulher maldizia a hora em que se casara com um pervertido como aquele. Menos mal. Morreu o canalha (e dizem que morreu convertido), e a jovem viúva pôde enfim respirar. Buscou ainda a felicidade nas diversões, reuniões barulhentas e nos espetáculos. Tinha uma fome canina de felicidade, e cada dia se sentia mais desgraçada.

Mas certo dia, ouviu uma voz interior que lhe dizia: 'Catarina, só em Deus acharás o verdadeiro amor e a felicidade'. A jovem viúva ficou muito comovida. Parecia-lhe, porém, impossível que a felicidade estivesse escondida atrás das grades de um convento e debaixo de um grosseiro hábito religioso. Não entrava em sua cabeça que o amor pudesse viver no silêncio do claustro e entre cilícios e disciplinas.

Catarina tinha uma irmã que, mais piedosa do que ela, se fizera religiosa e vivia contentíssima no convento. Quantas vezes esta santa religiosa, prostrada aos pés do sacrário, havia pedido a Jesus por aquela sua irmãzinha, que andava pelo mundo tão fútil, tão infeliz! Deus atendeu a sua oração. Um dia Catarina foi visitá-la. Estava triste como nunca a pobre viúva. E ali, no regaço de sua santa irmã, deixou correr lágrimas muito amargas. Disse-lhe: 'Sou uma desgraçada; o mundo é um impostor; o amor não é mais que um egoísmo brutal; não, não aguento mais! quero morrer'.

A santa irmã deixou que ela se desabafasse e, enxugando as lágrimas disse-lhe:
➖ Catarina, parece mentira que andes tão louca e enganada. Já não te disse mil vezes que só Deus é a verdadeira felicidade, que só nele encontrarás o amor puro que não deixa na alma remorsos e desenganos? Deus te chama ao seu amor e tu te empenhas em fazer-te surda às suas vozes amorosas. Resolve-te de uma vez a consagrar-te a Deus e encontrarás a paz e o amor. Faça uma boa confissão e confie na divina misericórdia. Estou certa de que Nosso Senhor há de te fazer feliz.

A dor e os desenganos e, mais que tudo, a própria graça de Deus haviam já preparado o coração de Catarina. Caiu de joelhos diante de uma imagem de Jesus crucificado e chorou amargamente, dizendo: 'Meu Jesus, não quero mais pecar, não quero mais pecar. Jesus, Amor infinito das almas, toma o meu coração. Ele é teu'. E assim, banhada em lágrimas, ajoelhou-se aos pés de um santo confessor. Ali esteve longo tempo. Quando se levantou, já era outra. Ajoelhara-se pecadora e levantara-se santa, porque esse foi o dia de sua definitiva conversão. Daí em diante viveu e morreu como santa. Sua festa litúrgica é celebrada no dia 22 de março.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

ver PÁGINA: TESOURO DE EXEMPLOS

domingo, 4 de julho de 2021

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'De todos os temores me livrou o Senhor Deus' (Sl 33)

 04/07/2021 - Solenidade de São Pedro e São Paulo

32. AS COLUNAS DA IGREJA


Neste domingo, a liturgia católica celebra a Solenidade dos Apóstolos São Pedro e São Paulo, primícias da fé, fundamentos da Igreja. 'Naquele tempo', as mensagens e as pregações públicas de Jesus estavam consolidadas; os milagres e os poderes sobrenaturais do Senhor eram de conhecimento generalizado; multidões acorriam para ver e ouvir o Mestre, dominados pela falsa expectativa de encontrar um personagem mítico e um Messias dominador do mundo. Na oração profunda, Jesus afasta-se do júbilo fácil do mundo e das multidões errantes, que O tomam por João Batista, por Elias, por um dos antigos profetas. Jesus, então, reúne os seus discípulos e lhes pede o testemunho próprio: 'E vós, quem dizeis que eu sou?' (Mt 16, 15). Por inspiração divina, a resposta de Pedro é uma confissão extremada da fé humana: 'Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo' (Mt 16, 16).

E, diante tal testemunho do Apóstolo, Jesus impõe a ele as primícias do papado e da Igreja: 'Por isso eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la' (Mt 16, 18). Esta será a Igreja Militante, a Igreja Temporal, A Igreja da terra, obra temporária a caminho da Igreja Eterna do Céu. Mas ligada a Pedro e aos sucessores de Pedro, sumos pontífices herdeiros da glória, poder e realeza de Cristo.

(Cristo entrega as chaves a São Pedro - Basílica de Paray-le-Monial, França)

E Jesus vai declarar, em seguida e sem condicionantes, o poder universal e sobrenatural da Santa Igreja Católica Apostólica e Romana: 'Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que desligares na terra será desligado nos céus' (Mt 16, 19). Ligado ou desligado. Poder absoluto, domínio universal, primado da verdade, Cátedra de Pedro. Na terra árida de algum ermo qualquer da 'Cesareia de Felipe', erigiu-se naquele dia, pela Vontade Divina, nas sementeiras da humanidade pecadora, a Santa Igreja, a Videira Eterna.

Com São Paulo, a Igreja que nasce, nasce com um gigante do apostolado e se afirma como escola de salvação universal. Eis aí a síntese do espírito cristão levado à plenitude da graça: Paulo se fez 'outro Cristo' em Roma, na Grécia, entre os gentios do mundo. No apostolado cristão de São Paulo, está o apostolado cristão de todos os tempos; a síntese da cristandade nasceu, cresceu e se moldou nos acordes pautados em suas epístolas singulares proferidas aos Tessalonicenses, em Éfeso ou em Corinto. Síntese de fé, que será expressa pelas próprias palavras de São Paulo: 'Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé' (2Tm 4,7).

(São Paulo Apóstolo - Basílica de Alba, Itália)

São Pedro foi o patriarca dos bispos de Roma, São Paulo foi o patriarca do apostolado cristão. Homens de fé e coragem extremadas, foram as colunas da Igreja. São Pedro morreu na cruz, São Paulo morreu por decapitação pela espada. Mártires, percorreram ambos os mesmos passos da Paixão do Senhor. E se ergueram juntos na Glória de Deus pela Ressurreição de Cristo.