Oração
Exame Prático sobre a Virtude da Humildade
Agora que já conheceis a idéia da humildade, da sua necessidade, da sua excelência e dos seus motivos, estou persuadido de que se despertou no vosso coração um desejo ardente de a praticar. Mas, porque, por um lado, não o podeis fazer sem a ajuda especial de Deus e, por outro, Deus nada fará em vós sem a cooperação da vossa vontade, segue-se, portanto, que, depois de terdes invocado o auxílio divino, não duvidando senão de que o recebereis, deveis aplicar-vos a adotar os meios que mais vos ajudem a alcançar essa virtude. E porque todos os mestres de vida espiritual concordam nisto, que é mais eficaz fazer todos os dias um exame particular sobre a virtude que queremos adquirir, vou expor para vosso esclarecimento um exame prático sobre a humildade cristã; e, para que façais bom uso dele, dou-vos três conselhos.
O primeiro é que, ao fazerdes o vosso exame uma vez por dia, pelo menos, para assinalardes as faltas que porventura tenhais cometido contra a humildade, não escolhais mais do que uma ou duas das mais flagrantes que tenhais o hábito de cometer, e assim, depois de vos terdes habituado a emendá-las, passareis pouco a pouco às outras, até que o orgulho seja gradualmente erradicado e a humildade brote no vosso coração.
É assim também que devemos meditar. Certas resoluções gerais, tais como dominar o orgulho e praticar a humildade, nunca servem para nada; pelo contrário, geram frequentemente confusão e criam conflitos na mente: por isso é necessário entrar em pormenores sobre as coisas em que durante o dia fomos mais sensíveis às nossas imperfeições e, mesmo assim, não devemos formar uma intenção geral de não voltar a cair nelas durante toda a nossa vida, mas basta que tomemos a firme resolução de não voltar a cair nelas durante esse dia. Foi assim que o santo rei Davi tomou resoluções e as renovou, não tentando mantê-las de ano para ano, nem de mês para mês, mas de dia para dia: 'Pagarei os meus votos a cada dia' [SL 60,9]. E, para as manter, nunca é demais insistir na necessidade de impor a si mesmo uma penitência e de a cumprir fielmente. Por exemplo, quantas vezes eu não tiver cumprido as minhas resoluções de hoje, tantas vezes beijarei a chaga do lado de Cristo e recitarei devotamente tantas Ave-Marias...
A segunda é tomar estas faltas que constituem o objeto do nosso exame e acusarmo-nos delas nas nossas confissões, para nos envergonharmos ainda mais da nossa soberba diante de Deus, e também porque o sacramento da Penitência confere uma graça singular que nos ajuda a emendar as faltas de que nos acusamos, como ensina São Tomás [P. 3. qu. lxxxiv, art. 8 ad 1]. E embora nenhum desses defeitos possa absolutamente ser chamado de pecado, e sejam simplesmente imperfeições, não se segue que não devamos prestar atenção a eles, porque ou servem para nos manter no vício ou são um impedimento para a virtude.
Quando se trata de humildade, que é a virtude mais necessária para a nossa salvação eterna, é sempre melhor e mais seguro tê-la em excesso do que tê-la em falta. E é certo que aquele que se contenta em ter apenas a quantidade que lhe é absolutamente essencial nunca adquirirá realmente essa virtude. 'Se não vos tornardes como criancinhas, não podereis entrar no reino dos céus', disse o Salvador do mundo, e não temos outro meio de nos tornarmos como criancinhas senão eliminar o nosso amor-próprio pelo exercício vigoroso da humildade.
A terceira é que deves ler frequentemente este exame prático, para refletires seriamente sobre ti mesmo e veres como estás em relação à humildade, para que não sejas daqueles que se julgam humildes e não o são realmente. São Tomás diz que é próprio da humildade examinar as faltas cometidas contra qualquer virtude que seja. Quanto mais, portanto, deve examinar as faltas que se cometem contra essa mesma humildade!
Você encontrará muitos pontos pequenos nesse exame, mas se você se achar defeituoso em muitos deles, não deve considerá-los do ponto de vista de seu tamanho, mas de seu número, e quanto mais você descobrir que eles são habituais em você, mais eles devem enchê-lo de medo e apreensão. E na medida em que descobrir que não é humilde nesse ou naquele ponto, poderá inferir que é orgulhoso; e se esse exame sobre humildade apenas o ensinar a conhecer seu próprio orgulho, não será um ganho pequeno, porque começamos a ser humildes quando abrimos os olhos e reconhecemos que somos orgulhosos.
Muitas coisas consideradas em si mesmas são apenas um conselho; mas, em relação a tais e tais circunstâncias, elas podem, no entanto, ser obrigatórias, e são necessárias também para que não transgridamos o preceito, de acordo com o ensinamento de São Tomás [2a 2æ, qu. lxxii, art. 3; et qu. clxxxvi, art. 2] Em conclusão, você não deve fazer esse exame com escrúpulos ou muita ansiedade, como se toda imperfeição fosse um pecado e como se você tivesse a presunção de querer ser humilde de uma só vez, nem deve rejeitar com desprezo tudo o que não lhe parece positivamente de preceito.
Você deve ser solícito em seu desejo e vontade de adquirir humildade e deve ter diligência e cuidado para não omitir os meios que o levariam a obtê-la, e então, recomendando-se a Deus, continue a fazer esse exame de acordo com a inspiração de Deus e os ditames de sua própria consciência. Como a humildade pode ser considerada sob três aspectos diferentes, em relação a Deus, ao próximo e a nós mesmos, e praticada de duas maneiras, isto é, interior e exteriormente, segue-se, portanto, que podemos pecar dessas várias maneiras, assim como pecamos contra as leis de qualquer outra virtude, seja por nossos pensamentos, palavras, atos ou omissões.
('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)