domingo, 9 de maio de 2021

EVANGELHO DO DOMINGO

  

'O Senhor fez conhecer a salvação e revelou sua justiça às nações' 
(Sl 97)

 09/05/2021 - Sexto Domingo da Páscoa

24. 'PERMANECEI NO MEU AMOR'


Neste Sexto Domingo da Páscoa, somos chamados a vivenciar em plenitude o amor de Deus. Jesus encontra-se no Cenáculo, pouco antes de sua ida até o Horto das Oliveiras e da sua prisão e morte na cruz. E acaba de revelar aos seus discípulos amados, mais uma vez, a identidade do amor divino entre o Pai e o Filho: 'Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no meu amor' (Jo 15, 9). 'Permanecei no meu amor'; sim, porque o Amor precisa ser amado e é na reciprocidade deste amor que procede do Pai e do Filho, por intermédio do Espírito Santo, que se vive em plenitude a graça de sermos Filhos de Deus. E a posse dessa graça suprema se dá no despojamento do eu e na estrita observância aos mandamentos do Senhor: 'Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como eu guardei os mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor' (Jo 15, 10).

O maior tributo da graça divina é o mandamento do amor. 'Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei' (Jo 15, 12). Sim, como Cristo nos amou. Na nossa impossibilidade humana de amar como Cristo nos ama, isso significa amar sem rodeios, amar sem vanglória, amar sem zelos de gratidão, amar de forma despojada e sincera aos que nos amam e aos que não nos amam, a quem não conhecemos, a quem apenas tangenciamos por um momento na vida, a todos os homem criados pelos desígnios imensuráveis do intelecto divino, à sombra e imersos na dimensão do infinito amor de Cristo por nós.

Ainda que na nossa proposição distorcida e acanhada do amor divino, o amor humano se projeta a alturas inimagináveis de santificação, quando expressa a sua identificação de forma incisiva no projeto de redenção de Cristo: 'Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos' (Jo 15, 13). Eis aí a essência do novo mandamento: amar, com igual despojamento, toda a dimensão da humanidade pecadora, a exemplo de um Deus que se entregou à morte de cruz para nos redimir da morte e mostrar que o verdadeiro amor não tem limites nem medida alguma.

O mandamento do amor é fundamentado num conceito inteiramente novo, cujo significado vai muito além dos sentimentos efêmeros deste mundo e que exclui quaisquer padrões de interesses desordenados e subterfúgios: a amizade sincera com Jesus. Neste amor, já não somos servos, mas amigos do Senhor e co-participantes de sua glória, escolhidos desde toda a eternidade: 'Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai. Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi e vos designei para irdes e para que produzais fruto e o vosso fruto permaneça' (Jo 15, 15 - 16). Eis o princípio fundamental do mandamento do amor: amar ao próximo como se ama a Cristo, e sermos frutos de salvação para muitos e arrastar conosco almas, muitas almas, às moradas eternas do Pai, como instrumentos silentes e perfeitos do puro amor de Deus.

sábado, 8 de maio de 2021

A VIDA OCULTA EM DEUS: ACEITAR A PROVAÇÃO EM PAZ


O sofrimento que provém de suas tentações será útil a partir do momento em que você rejeitar, por um um ato de vontade própria, tudo o que manifestar em você contra Deus. Caridade e egoísmo lutam um contra o outro. E a sua alma é o seu campo de batalha consciente. É daí que vem a dor, que é um efeito, e não uma causa. É o resgate necessário para a purificação. Mas tenha ciência então que a união, pelo menos das duas vontades, acabou e que isso incorre em uma ruptura. E que essa união é tudo para você.

Aceita aquele estado que Deus deseja para você, entre o céu e a terra. Renuncie cada vez mais às alegrias deste mundo e aguarde em paz, com confiança e com alegria pelas tão consoladoras visitas de Jesus. Porque virá o Calvário. Essa é a rigorosa lei do progresso espiritual; esse é o caminho da verdadeira união.

Portanto, permaneça nele, custe o que custar; nunca o abandone, por nenhum pretexto. Espera, espera e ame: 'Porventura não era necessário que Cristo sofresse essas coisas e assim entrasse na sua glória?' (Lc 24, 26). O discípulo não pode ser maior que o Mestre. Pode acontecer que você se sinta muito distante de Deus e, na verdade, esteja realmente mais próximo dEle.

Não, você não está fora do seu caminho. Ao contrário: você caminha por ele, embora não o veja. Você tem consciência apenas da escuridão e da amargura. Mas Deus faz seu dever de casa e é a luz dEle que lhe cega. É a sua doçura que lhe faz sentir essa impressão de cinzas e fel. Deus está dentro de você e lhe fortalece. Acredite nisso com simplicidade e humildade. Para onde tudo isso está lhe conduzindo? Para Deus. Seja paciente. Esconda a sua provação.

Se puder, sorria exteriormente e esteja convencido de que ninguém pode intervir nisso. Deus está trabalhando, e você tem que deixar que Ele realize o seu trabalho. Mesmo porque ninguém o deterá. Você pode apenas apressar a ação dele, amando-o e dizendo: Adveniat regnum tuum; fiat voluntas tua - 'Venha a nós o Vosso reino e seja feita a Vossa vontade'.

Creia, uma vez mais, que este é um processo de amor. Que tende a lhe humilhar, purificar no sentido espiritual e universal da palavra, fortalecer e lhe temperar. Você sofrerá tanto mais quanto maior for a tarefa a realizar e quanto mais completa essa for realizada; mas tudo isso será para a sua verdadeira felicidade. Você ficará feliz quando já não for mais você mesmo e quando tudo for mudado em você por obra dEle. É preciso orar, santificar e esperar.

Não é adequado analisar e reanalisar suas próprias provações. Vale mil vezes mais aceitar de uma vez, orar e se entregar direta e imediatamente a Deus. Temos que nos voltar francamente para Deus e nos entregar totalmente a Ele, apesar da relutância humana. Reze sempre, medite bem no fundo do seu coração; contemple-se no seu íntimo. Mas o que o irá iluminar de verdade e acima de tudo será a sua oração confiante.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte II -  A Ação de Deus; tradução do autor do blog)

sexta-feira, 7 de maio de 2021

APENAS A VIDA ETERNA PODE SER FELIZ

Todos os homens querem ser felizes; não há ninguém que não o queira, e com tanta intensidade que o deseja acima de tudo. Melhor ainda: tudo o que querem, para além disso, querem-no para isso. Os homens perseguem paixões diferentes, um esta, outro aquela; também existem muitas maneiras de ganhar a vida neste mundo: cada um escolhe a sua profissão e a exerce. Mas quer adotem este ou aquele gênero de vida, todos os homens agem nesta vida para serem felizes. O que há então nesta vida capaz de nos fazer felizes, que todos desejam mas que nem todos alcançam? Procuremo-lo.

Se eu perguntar a alguém: 'Queres viver?', ninguém se sentiria tentado a responder-me: 'Não quero'. Do mesmo modo, se eu perguntar: 'Queres ser saudável?', ninguém me responderá: 'Não quero'. A saúde é um bem precioso aos olhos do rico e, para o pobre, ela é muitas vezes o único bem que ele possui. Todos concordam no amor pela vida e pela saúde. Ora quando o homem desfruta da vida e é saudável, poderá contentar-se com isso?

Um homem rico perguntou ao Senhor: 'Mestre, que devo fazer para ter a vida eterna?' (Mc 10, 17). Ele temia morrer e era forçado a morrer. Ele sabia que uma vida de dor e de tormentos não é vida, e que se lhe deveria antes dar o nome de morte. Apenas a vida eterna pode ser feliz. A saúde e a vida neste mundo não a garantem, tememos demasiado perdê-las: chamai a isto 'temer sempre' e não 'viver sempre'. Se a nossa vida não é eterna, se não satisfaz eternamente os nossos desejos, não pode ser feliz, nem sequer é vida. Quando entrarmos nessa vida, teremos a certeza de aí ficar para sempre. Teremos a certeza de possuir eternamente a verdadeira vida sem qualquer temor, pois encontrar-nos-emos naquele Reino sobre o qual se diz: 'E o Seu reino não terá fim' (Lc 1, 33).

(Santo Agostinho)


in Sermão 306

PORQUE HOJE É A PRIMEIRA SEXTA-FEIRA DO MÊS

    

quinta-feira, 6 de maio de 2021

VERSUS: CONTOS DA MORTE X CÂNTICOS DA MORTE

'... A partir do momento em que entreis no reino animal, a lei universal da morte toma, subitamente, uma medonha evidência. Uma força, ao mesmo tempo escondida e palpável, se mostra continuamente ocupada em colocar em evidência o princípio da vida por meios violentos. Em cada grande divisão da espécie animal, ela escolheu certo número de animais que ela encarregou de devorar os outros. Assim, há insetos presas, peixes presas, aves presas, répteis presas e quadrúpedes presas. Não há um instante qualquer onde o ser vivo não seja devorado por outro. Acima dessas numerosas raças de animais, está colocado o homem, cuja mão destrutiva não poupa nada do que vive. Ele mata para se alimentar; ele mata para se vestir; ele mata para se adornar; ele mata para se defender; ele mata para atacar; ele mata para se instruir; ele mata para se divertir; ele mata por matar. Esse rei, soberbo e terrível, precisa de tudo, e nada lhe resiste.

Ele sabe quanto a cabeça do tubarão ou do cachalote lhe fornecerá de barris de óleo; seu alfinete aguilhoa, sobre o papelão em museus, a elegante borboleta que ele surpreendeu durante o voo no topo do monte Branco ou do Chimboraço; ele empalha o crocodilo; ele embalsama o colibri; à sua ordem, a cascavel vem morrer no licor que a conserva e a mantém intacta aos olhos de um longo séquito de observadores. O homem pede tudo: ao cordeiro, suas entranhas para fazer retinir sua harpa; à baleia, suas barbas para sustentar o espartilho da jovem virgem; ao lobo, seu dente mais mortífero, para polir as obras mais leves da arte; ao elefante, seus marfins para adornar o brinquedo de uma criança. Suas mesas estão cobertas de cadáveres... Mas esta lei se deterá ao homem? Não, sem dúvida. Contudo, qual ser exterminará aquele que extermina todos? Ele; é o homem que está encarregado de degolar o homem'.

(Joseph-Marie de Maistre, escritor e filósofo francês)


'Louvado seja Deus, meu Senhor, por todas suas criaturas! especialmente por nosso irmão, o sol, que nos dá o dia e a luz. Radiante e belo em seus esplendores, ó meu Deus! Ele é vossa imagem!

Louvado seja Deus, meu Senhor, por nossa irmã, a lua e pelas estrelas! É Ele quem as formou no céu, tão brilhantes e tão límpidas!

Louvado seja Deus, meu Senhor, por nosso irmão, o vento, pelo ar nublado ou sereno, por todos os tempos pelos quais ele dá subsistência à todas as criaturas!

Louvado seja Deus, meu Senhor, por nossa irmã, a água, que é humilde e útil, preciosa e casta!

Louvado seja Deus, meu Senhor, por nosso irmão, o fogo, pelo qual, iluminas as trevas, e que é belo, forte e poderoso!

Louvado seja Deus, meu Senhor, por nossa irmã, a terra, que, por sua ordem, nos sustenta e nos alimenta, produzindo os frutos, as flores e as ervas!

Louvado seja Deus, meu Senhor, naqueles que perdoam por seu amor e naqueles que suportam o sofrimento e a tribulação! Felizes aqueles que perseveram na paz; eles serão coroados pelo Altíssimo.

Louvado seja Deus, meu Senhor, por nossa irmã, a morte, da qual nenhum homem vivo pode escapar! Ela é boa. Ela nos retira do exílio; ela nos devolve à nossa pátria.

Ai daqueles que morrem no pecado mortal! Felizes aqueles que repousam, Senhor, fiéis à vossas santas vontades! A segunda morte, que é a única verdadeira, não os atingirá jamais'.

(São Francisco de Assis)

quarta-feira, 5 de maio de 2021

FLORES DA VIRTUDE


O mês de maio é o mês de Maria, que começa com o dia dedicado a São José e que deve terminar com o oferecimento de vida a Jesus Cristo, na invocação da Sagrada Família três vezes santa. A cada dia, eleve o seu pensamento à Senhora da Sagrada Família, faça a oferta diária de uma das flores de virtude abaixo, reze pela conversão dos pecadores e pela Igreja de Cristo e se coloque nas mãos da Providência Divina sob a intercessão de Nossa Senhora.

1. Vencer a preguiça ao levantar-se e cumprir com os seus deveres diários.
2. Guardar modéstia de olhos e dos demais sentidos.
3. Ouvir missa pelas almas devotas de Nossa Senhora.
4. Ler algum livro espiritual pelo menos por quinze minutos.
5. Mortificar a gula por amor de Maria.
6. Dar alguma esmola.
7. Invocar o socorro de Maria nas tentações.
8. Pedir a bênção à Virgem Maria ao começar qualquer ação.
9. Obedecer com gosto por amor à Santíssima Virgem.
10. Não censurar o próximo, nem mesmo em coisas levíssimas.
11. Visitar a Virgem por alguma imagem.
12. Evitar cometer faltas voluntárias.
13. Convidar alguém a fazer algum ato religioso.
14. Perdoar por amor de Maria.
15. Pedir à Virgem o conforto espiritual diante o sofrimento.
16. Levar com paciência qualquer adversidade.
17. Mortificar a curiosidade.
18. Mortificar a vaidade.
19. Rezar com mais devoção.
20. Fazer algum ato de humildade.
21. Evitar leituras indecentes ou escandalosas.
22. Estudar ou trabalhar com gosto pelo amor à Virgem.
23. Abster-se de algum divertimento ainda que inocente.
24. Dar boa instrução por palavras ou por obras.
25. Sofrer com paciência as investidas ou injustiças alheias.
26. Vencer alguma aversão do gênio.
27. Fazer correntemente o exame de consciência e rezar o ato de contrição.
28. Caindo em tentação, fazer o firme propósito de emenda.
29. Buscar fazer atos de conformidade com a vontade de Deus.
30. Fugir das situações de pecado.
31. Fazer o ato de oferecimento de vida a Nosso Senhor Jesus Cristo.

terça-feira, 4 de maio de 2021

O DOGMA DO PURGATÓRIO (VI)


Capítulo VI

Localização do Purgatório - Santa Francisca Romana - Santa Maria Madalena de Pazzi

Aprouve a Deus mostrar em espírito as moradas sombrias do Purgatório a algumas almas privilegiadas, que deviam revelar os seus tristes mistérios para a edificação dos fiéis. Dentre este número, encontra-se a ilustre Santa Francisca Romana, fundadora dos Oblatos, que morreu em Roma em 1440. Deus a favoreceu com grandes luzes sobre o estado das almas na outra vida. Ela viu o inferno e seus tormentos horríveis; viu também o interior do Purgatório e a misteriosa ordem - que dizia estabelecer uma hierarquia das expiações - que reina nesta porção da Igreja de Jesus Cristo.

Em obediência aos seus superiores, que se julgavam obrigados a impor-lhe esta obrigação, ela deu a conhecer tudo o que Deus lhe havia manifestado; e suas visões, escritas a pedido do venerável Cônego Matteotti, seu diretor espiritual, têm toda a autenticidade que se pode desejar em tais assuntos. Assim, a serva de Deus declarou que, após ter suportado com indizível horror a visão do Inferno, ela saiu daquele abismo e foi conduzida por seu guia celestial - o Arcanjo Rafael - para as regiões do Purgatório. Ali não reinava nem horror, nem desordem, nem desespero e nem escuridão eterna; ali a esperança divina difundia a sua luz e ela foi informada de que este lugar de purificação era também chamado de 'portal da esperança'. Ela viu que as almas sofriam cruelmente, mas os anjos as visitavam e as ajudavam em seus sofrimentos.

O purgatório - disse ela - é dividido em três partes distintas, que são as três grandes províncias daquele reino do sofrimento. Eles estão situados um abaixo do outro e ocupados por almas de diferentes ordens. Essas almas estão aprisionadas mais profundamente na medida em que estão mais conspurcadas e mais distantes do momento de sua libertação.

A região mais inferior é tomada por um fogo devorador, mas que não é escuro como o do inferno; é um vasto mar de fogo que projeta labaredas imensas. Inúmeras almas estão mergulhadas em suas profundezas: são aquelas que se tornaram culpadas de pecado mortal, devidamente confessados, mas que não foram expiados suficientemente em vida. A serva de Deus teve ciência então que, para cada pecado mortal perdoado, ainda faz-se necessário um período de expiação de sete anos. Este período não deve ser entendido como uma medida fixa, uma vez que os pecados mortais podem diferir enormemente, mas como um tempo médio de expiação. Embora as almas estejam envoltas nas mesmas chamas, seus sofrimentos não são os mesmos; estes diferem de acordo com o número e a natureza dos pecados de cada alma.

Neste Purgatório Inferior, a santa viu leigos e também pessoas consagradas a Deus. Os leigos eram aqueles que, depois de uma vida de pecado, tiveram a felicidade de se converterem sinceramente; as pessoas consagradas a Deus eram aquelas que não tinham vivido de acordo com a santidade do seu estado religioso. Nesse mesmo momento, ela viu descer a alma de um sacerdote que ela conhecia, mas cujo nome ela não revela. Ela observou que ele tinha o rosto coberto por um véu que escondia uma mancha - a mancha da sensualidade. Embora tivesse levado uma vida edificante, esse padre nem sempre mantivera uma rígida temperança e buscara com demasiada ansiedade as satisfações à mesa.

A santa foi levada então ao Purgatório Intermediário, destinado às almas que mereciam um castigo menos rigoroso. Ele tinha três compartimentos distintos; um parecia uma imensa masmorra de gelo, cujo frio era indescritivelmente intenso; o segundo, ao contrário, era como um enorme caldeirão de óleo fervente e piche; o terceiro tinha a aparência de um lago de metal líquido semelhante ao ouro ou a prata fundidos.

O Purgatório Superior - que a santa não descreve - é a morada temporária das almas que, tendo sido purificadas pelas dores dos sentidos, sofrem agora tão somente a dor da separação de Deus, à medida em que se aproximam do feliz momento de sua libertação.

Essa é, em substância, a visão de Santa Francisca Romana em relação ao Purgatório. O que se segue é um relato de Santa Madalena de Pazzi, uma carmelita florentina, como é relatado em sua vida pelo Padre Cepari. Ele dá uma imagem mais completa do Purgatório, enquanto a visão anterior apenas projetava os seus contornos.

Algum tempo antes de sua morte, que ocorreu em 1607, a serva de Deus, estando uma noite com várias outras religiosas no jardim do convento, foi arrebatada em êxtase e viu o Purgatório aberto diante dela. Ao mesmo tempo, como ela fez saber mais tarde, uma voz a convidou a visitar todas as prisões da Justiça Divina, e ver quão verdadeiramente dignas de compaixão são as almas ali aprisionadas.

Nesse momento, ela disse: 'Sim, irei'. Ela consentiu em empreender esta dolorosa jornada. Na verdade, ela caminhou por duas horas através do jardim, que era muito grande, parando de vez em quando. Cada vez que interrompia a sua caminhada, ela contemplava com atenção os sofrimentos que lhe eram mostrados. Ela então foi vista torcendo as mãos de compaixão, o seu rosto empalideceu, e o seu corpo curvou-se sob o peso do sofrimento diante do que se passava aos seus olhos.

Ela começou a chorar e a lamentar em alta voz: 'Misericórdia, meu Deus, misericórdia! Desce, ó Sangue Precioso, e livra essas almas de sua prisão. Pobres almas que sofrem tão cruelmente e, ainda assim, estão felizes e alegres. As masmorras dos mártires, em comparação a essas, eram jardins de deleite. No entanto, existem outras ainda mais profundas. Quão feliz eu deveria me considerar se não fosse obrigada a me adentrar nessas profundezas'.

Ela desceu, no entanto, porque foi forçada a continuar o seu caminho. Mas, depois de dar alguns passos, parou apavorada e, suspirando profundamente, gritou: 'Como? Religiosos estão também nesta morada sombria? Ó Bom Deus, como são atormentados! Ah, Senhor!'. Ela não explica a natureza destes sofrimentos; mas o horror que ela manifestava ao contemplá-los a fazia suspirar a cada passo. Ela passou dali para lugares menos sombrios. Eram masmorras de almas simples e de crianças nas quais a ignorância e a falta de razão atenuavam muitos defeitos. Seus tormentos pareciam-lhe muito mais suportáveis ​​do que os dos outros. Nada além de gelo e fogo estavam lá. Ela notou que as almas tinham consigo os seus anjos da guarda, que as fortificavam enormemente com a sua presença; mas ela viu também demônios cujas formas terríveis faziam aumentar os seus sofrimentos.

Avançando mais alguns passos, ela viu almas ainda mais infelizes e foi ouvida gritando: 'Ó quão horrível é este lugar; está cheio de demônios horríveis e tormentos incríveis! Quem, ó meu Deus, são as vítimas dessas torturas cruéis? Ai de mim! Elas estão sendo perfurados com espadas afiadas, sendo cortadas em pedaços!'. Ela recebeu como resposta que eram as almas cuja conduta havia sido marcada pela hipocrisia.

Avançando ainda um pouco, viu uma grande multidão de almas que estavam pisoteadas por assim dizer, e esmagadas por uma prensa; e compreendeu que eram as almas vitimadas pela impaciência e pela desobediência em vida. Enquanto as contemplava, seus olhares, seus suspiros e toda a atitude delas  expressavam compaixão e terror.

Um momento depois, a sua agitação aumentou e ela soltou um grito terrível. Era a masmorra das almas dos mentirosos que agora estava aberta diante dela. Depois de considerá-los com atenção, gritou em voz alta: 'Os mentirosos estão confinados em um lugar próximo ao inferno e os seus sofrimentos são particularmente intensos: chumbo derretido é derramado em suas bocas e eu os via queimar e, ao mesmo tempo, tremer de frio'.

Ela foi então para a prisão das almas que haviam pecado por fraqueza e foi ouvida a exclamar: 'Ai de mim! Pensei que te encontraria entre aqueles que pecaram por ignorância, mas estava enganada: você queima com um fogo mais intenso'. Mais adiante, ela percebeu almas que haviam se apegado demais aos bens deste mundo e pecaram por avareza: 'Que cegueira' - disse ela - 'para buscar avidamente uma fortuna perecível! Aqueles que antes as riquezas não podiam saciar o suficiente, estão aqui fartos de tormentos. Eles são fundidos como o metal na fornalha'. 

Dali ela passou para o lugar onde estavam aprisionadas as almas manchadas de impureza. Ela os viu em uma masmorra tão imunda e pestilenta que a visão lhe produziu náusea. Ela se afastou rapidamente daquele lugar repugnante. Vendo os ambiciosos e os orgulhosos, ela disse: 'Eis aqueles que desejavam brilhar diante dos homens; e que agora estão condenados a viver nesta obscuridade terrível!'. Então ela viu as almas que haviam sido culpadas de ingratidão para com Deus. Eles eram vítimas de tormentos indizíveis e, por assim dizer, afogadas em um lago de chumbo derretido, por terem, por sua ingratidão, secado a fonte de piedade.

Finalmente, em uma última masmorra, ela viu almas que não haviam sido entregues a nenhum vício em particular, mas que, por falta de vigilância adequada sobre si mesmas, cometeram todos os tipos de falhas triviais. Ela observou que essas almas participavam das punições de todos os vícios, em grau atenuado, porque as faltas cometidas apenas de vez em quando as tornavam menos culpadas do que as cometidas repetidamente pelo hábito.

Depois desta última estação, a santa deixou o jardim, implorando a Deus que nunca mais a fizesse testemunhar um espetáculo tão comovente, pois sentia que não tinha mais forças para suportá-lo. Seu êxtase ainda continuava e, conversando com Jesus, ela lhe disse: 'Diga-me, Senhor, qual foi o seu desígnio ao desvelar para mim aquelas terríveis prisões, das quais eu sabia tão pouco e compreendia ainda menos? Ah! Agora vejo: queria dar-me o conhecimento da Vossa santidade infinita e fazer-me detestar cada vez mais a menor mancha do pecado, que é tão abominável aos Vossos olhos'. 

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)