terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

DICIONÁRIO DA DOUTRINA CATÓLICA (XXI/Final)


UNIÃO HIPOSTÁTICA

É a união misteriosa da natureza divina e da natureza humana, na Pessoa do Verbo divino com as duas naturezas distintas, conservando cada uma os atributos que lhe são próprios.

VASO DE ABLUÇÕES

É  um pequenino vaso, de vidro ou de prata com água, que deve estar junto do sacrário para o sacerdote purificar os dedos, antes e depois da comunhão aos fiéis. Com esse vaso deve haver um manustérgio para enxugar os dedos. Deve estar coberto e a água deve ser renovada com alguma frequência.

VASOS SAGRADOS

São aqueles que, consagrados pelo bispo, só podem servir para os atos do culto divino.

VERBO DIVINO

É o Filho de Deus, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, como o ensina o Evangelho: 'No princípio era o Verbo e o Verbo estava junto de Deus, e o Verbo era Deus (Jo 1,1)... O Verbo fez-se homem e habitou entre nós e nós vimos a sua glória, glória como Filho unigênito do Pai' (Jo 1, 14). O Verbo feito homem é Jesus Cristo.

VÉSPERAS

É o nome da quinta Hora do Ofício divino, que corresponde às seis horas da tarde, segundo o modo de contar dos antigos.

VESTES LITÚRGICAS

São aquelas que, benzidas pelo bispo ou pelo sacerdote, só podem ser usadas nos atos do culto divino.

VIA SACRA

É uma devoção que tem por objeto a contemplação dos sofrimentos, crucificação e morte de Jesus Cristo. Costuma ser instituída nas igrejas e capelas em que é permitido rezar a missa. Só pode ser instituída por sacerdote que tenha recebido essa faculdade da Santa Sé ou do Geral dos Franciscanos e a faculdade está sujeita a uma autorização do bispo do lugar, dada por escrito para cada instituição. É essencial que haja 14 cruzes de madeira benzidas no lugar em que se faz a instituição, antes ou depois de estarem afixadas na parede; devem estar afixadas a alguma distância umas das outras. As cruzes podem ser afixadas na parede por qualquer pessoa, antes ou depois da bênção. Não é necessário colocar quadros ou pinturas relativas à Paixão e Morte de Jesus. Se todas as cruzes, ou ao menos metade delas, tiverem sido tiradas e substituídas, é preciso fazer uma nova instituição canônica; caso contrário, não. Faz-se a Via Sacra visitando-se as 14 cruzes (estações), uma após outra, sem grande interrupção, e meditando em cada estação, ainda que por pouco tempo, sobre a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. São estas as condições necessárias para poder lucrar as indulgências que se ganhariam visitando pessoalmente as Estações da Via Sacra em Jerusalém, sendo todas as indulgências aplicáveis às almas do Purgatório. Na Via Sacra, feita em oratórios ou capelas domésticas, somente podem lucrar as indulgências os seus proprietários, os seus parentes e seus criados, que morarem na casa. Os doentes e as pessoas que se encontram numa real impossibilidade, mesmo moral, de ir à Igreja fazer a Via Sacra, podem lucrar as mesmas indulgências, com a condição de terem na mão um crucifixo (não uma cruz somente), benzido expressamente para esse efeito por quem para isso tenha faculdade, e de recitarem com piedade e contrição 20 vezes o Pai Nosso, Ave Maria e Glória ao Pai; 4 vezes para recordar as 14 Estações, 5 em honra das cinco chagas de Jesus Cristo e a última pelo Sumo Pontífice. Quando muitas pessoas, legitimamente impedidas de visitar as estações, recitam em comum vinte vezes - Pai Nosso, Ave Maria e Glória ao Pai - basta que uma só delas tenha em mãos um crucifixo devidamente benzido.

VIÁTICO

É a comunhão aos enfermos em perigo de morte. Em perigo de morte, seja qual for a causa, os fiéis são obrigados a receber a Sagrada Comunhão e não é necessário que o perigo seja certo; basta que seja provável. O Viático pode e deve ser dado às crianças perigosamente enfermas, que tenham chegado ao uso da razão. Para isso basta que saibam distinguir do alimento comum o Corpo de Cristo e adorá-lo com reverência. Ainda que o fiel tenha recebido a comunhão por devoção no mesmo dia, dando-se o perigo de morte, deve ser muito exortado a que comungue outra vez por Viático e, perdurando o mesmo perigo, é lícito e convém recebê-lo mais vezes, em dias distintos, segundo o prudente conselho do confessor.

VÍCIO

É a tendência habitual para o mal. Os vícios podem ser tantos como o número dos deveres, porque a falta do cumprimento do dever é um mal. Um ato mau isolado é uma falta; a repetição habitual desse ato constitui o vício, que é coisa detestável e difícil de curar.

VIDA ETERNA

É a felicidade do homem, é a sua aspiração suprema. Só a pode realizar depois da vida terrena, vendo Deus, amando-o e o possuindo eternamente. Para consegui-la, é necessário crer e praticar o que Jesus Cristo ensinou: 'Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna' (Jo 5, 21); 'Se queres entrar na vida eterna guarda os mandamentos' (Mt 19, 17). 

VIDA RELIGIOSA

É um gênero de vida fundada sobre o Evangelho e aprovada pela Igreja, que tem por fim procurar a perfeição da vida cristã, pela prática dos três votos — pobreza, obediência, castidade — segundo regras determinadas. Os três votos de religião são os meios mais próprios para conseguir a perfeição, porque se opõem diretamente aos três grandes obstáculos da santidade. Pelo voto de pobreza, afasta-se a cobiça das riquezas; pelo voto de obediência, afasta-se o amor desordenado da vontade própria; pelo voto de castidade, afasta-se o amor dos prazeres sensuais.

VIDA SOBRENATURAL

É a vida do cristão habitualmente na graça de Deus, procedendo sempre de harmonia com as virtudes teologais — fé, esperança e caridade — e com as virtudes morais — prudência, justiça, fortaleza e temperança.

VIGÍLIAS

Chamam-se assim as vésperas das grandes festas da Igreja — Natal, Páscoa, Pentecostes, Assunção e Festa de Todos os Santos. A Igreja prescreve o jejum e a abstinência nesses dias, com o fim de os fiéis se prepararem, pela mortificação dos sentidos, para a celebração mais piedosa e mais espiritual, dessas grandes solenidades.

VISÃO BEATÍFICA

É a clara e intuitiva, mas não compreensível visão de Deus face a face.

VISITA AD SACRA LIMINA

É a visita que o bispo de cada diocese tem obrigação de fazer periodicamente ao papa, com o fim de informá-lo do estado da sua diocese, no que diz respeito à disciplina eclesiástica, à vida religiosa do povo cristão e às relações da Igreja com o Estado. Por este meio o papa assegura a unidade da Igreja na diversidade dos povos.

VOTO

É uma promessa deliberada e livre, feita a Deus, de um bem possível e melhor. Nem todas as promessas que fazemos a Deus têm a natureza de voto. Se não temos intenção de nos obrigar a fazer o que prometemos, emitimos apenas um propósito de fazer alguma coisa em honra de Deus, mas não foi um voto o que fizemos. Há várias espécies de voto: (i) público ou privado, conforme é ou não é aceite em nome da Igreja pelo legítimo superior eclesiástico; (ii) solene ou simples, conforme é considerado pela Igreja; (iii) reservado, quando só a Sé Apostólica o pode dispensar; (iv) pessoal, quando o que se promete é uma ação do postulante (jejum por exemplo); (v) real, quando se promete alguma coisa (uma esmola, por exemplo); (vi) misto, quando o que se promete é ao mesmo tempo uma coisa e uma ação do postulante; (vii) temporário, perpétuo o, condicional. O voto deve ser cumprido como se promete e sem demora: 'Quando fizeres voto ao Senhor, não demores em cumpri-lo, porque o Senhor, teu Deus, o exigirá, e, se tardares, a demora te será imputada como pecado' (Dt 23, 21). Se o voto é condicional, só obriga depois de satisfeita a condição; se é pessoal, só obriga aquele que o fez; se é real e não foi cumprido em vida pelo postulante, a obrigação passa para os seus herdeiros, não obrigando mais do que a herança permite. Por vários motivos a obrigação do voto pode cessar. Entre os motivos, está a dispensa dada em nome de Deus pela autoridade eclesiástica. O papa pode dispensar de todos os votos. O bispo pode dispensar dos votos não reservados ao papa, que são: o voto privado de perfeita e perpétua castidade e o voto de entrar em ordem religiosa de votos solenes, quando feito de modo absoluto e depois de 18 anos de idade. O voto solene de castidade constitui impedimento dirimente do Matrimônio. Os votos simples de castidade, mesmo em Congregação Religiosa onde se fazem somente 
votos simples, o de virgindade e o de receber Ordens Sacras, são impedimentos impedientes do Matrimônio.

VULGATA

Chama se Vulgata à tradução latina da Bíblia, na sua maior parte obra de São Jerônimo, declarada autêntica pelo Concílio de Trento. Na composição da Vulgata, entraram elementos de três origens diferentes. Alguns oriundos de antigas versões latinas, que não foram revistas por São Jerônimo, são os chamados elementos deuterocanônicos do Antigo Testamento, com exceção dos livros de Tobias e Judite. Outros faziam parte de versões anteriormente revistas pelo Santo Doutor; tais são os livros do Novo Testamento e o Saltério chamado galicano. E, finalmente, também fazem parte da Vulgata versões feitas por São Jerônimo diretamente sobre o texto original (hebreu e caldeu); são deste grupo os livros protocanônicos do Antigo Testamento exceto o Saltério, os livros de Tobias e Judite e as partes deuterocanônicas de Daniel e de Ester.

ZELO

É a chama do amor manifestado exteriormente pela ação. Quem ama a Deus procura em tudo a sua maior glória; quem ama o próximo procura contribuir o melhor que pode para a salvação da sua alma. Nisso consiste o zelo cristão. O verdadeiro zelo é: (i) sobrenatural, procurando em tudo a glória de Deus; (ii) prudente, evitando o ardor do temperamento e as atitudes irrefletidas; (iii) forte e corajoso, capaz de vencer os maiores obstáculos; (iv) paciente, suportando os defeitos do próximo; (v) constante e perseverante, não se deixando dominar pelo desânimo; (vi) desprendido dos interesses próprios, sacrificando-os na medida do possível; (vii) generoso, fazendo apostolado por meio da palavra e do exemplo e auxiliando, com trabalho ou com dinheiro, as várias obras de caridade aprovadas pela Igreja.

(Verbetes da obra 'Dicionário da Doutrina Católica', do Pe. José Lourenço, 1945)

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

22 DE FEVEREIRO - A CÁTEDRA DE PEDRO

A celebração da festa litúrgica da Cátedra de São Pedro no dia 22 de fevereiro tem origem muito antiga e está documentada por sua inclusão num calendário do ano 354 e no Martyrologium Hieronymianum, o mais antigo da Igreja Latina, composto entre 431 e 450. Na pessoa de São Pedro (e de todos os seus sucessores), insere-se o fundamento visível da unidade da Igreja, nascida de Deus e glória de Deus até os confins dos séculos 'porque as portas do inferno não prevalecerão contra ela' (Mt 16,18).

'O chamado de Pedro' (Giorgio Vasari)

'Feliz és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus. E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus' (Mt 16, 17-19)

domingo, 21 de fevereiro de 2021

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Verdade e amor são os caminhos do Senhor' (Sl 24)

 21/02/2021 - Primeiro Domingo da Quaresma

13. O RETIRO NO DESERTO


Jesus acabara de se submeter ao batismo nas águas do Jordão, evento que deflagara, então, pela manifestação expressa nas palavras do Pai e pela ação do Espírito Santo descido do céu na forma de uma pomba, o início do tempo de sua pregação pública, na investidura messiânica do Filho de Deus Vivo. E, diante desta missão portentosa, a primeira medida do Espírito Santo é conduzir Jesus ao deserto, para um tempo singular de devoção, oração e profundo recolhimento interior, na consumação da alma elevada à divina perfeição.  

Neste Primeiro Domingo da Quaresma, o Evangelho nos invoca a começar também esse tempo de jejuns e penitência seguindo o exemplo de Jesus, com um retiro no deserto. O deserto para nós representa um lugar de provação, de tentação e de exílio; afastados do cotidiano do mundo, somos desafiados a viver um tempo singular de conscientização e de reflexão sobre a limitação dos valores mundanos e da preparação de almas perseverantes na superação destes limites e indo mais além, para águas mais profundas, na busca dos valores da graça santificante que nos forjam herdeiros dos Céus.

Ir ao deserto afastado do mundo não implica se esconder do mundo. Jesus 'ficou no deserto durante quarenta dias, e aí foi tentado por Satanás. Vivia entre animais selvagens, e os anjos o serviam' (Mc 1, 13). Quarenta dias é o tempo bíblico de referência para tempos de grande provação; as tentações de satanás no deserto repetem as tentações que nos são impostas pelo demônio durante toda a nossa vida, até no momento da morte; a vida entre animais selvagens caracteriza uma vida no exílio, longe do cotidiano do mundo.

Estar no deserto não significa um isolamento da alma. Deus está presente em nós em todos os momentos, com as graças necessárias para a plena superação de todas as provações, tentações e abatimentos da caminhada e, por isso, 'os anjos o serviam' (Mc 1, 13). Encerrado o tempo de vigília e de preparação no deserto e dado o sinal final da Providência Divina, pela prisão de João Batista, o Antigo Testamento torna-se passado de vez e tem início a pregação da Boa Nova para a salvação da humanidade, evocada com os próprios termos com que o Precursor anunciara os tempos da redenção (conforme Mt 3, 1-2): 'O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho!' (Mc 1, 15).

sábado, 20 de fevereiro de 2021

A VIDA OCULTA EM DEUS: PRESENÇAS E AUSÊNCIAS DE DEUS


A vida espiritual, exceto em sua última fase, desenvolve-se assim: nós a perdemos, procuramos de novo e a reencontramos: 'Vós estais aí, meu Deus; fico feliz em saber que Vós estais presente'. Sim, Deus trabalha assim. Ele vem e depois se afasta de nós para ser procurado novamente. Ah, quando você vai compreender que se deve ir até Ele apenas pelo que Ele é e não pela alegria que a sua presença pode nos proporcionar?

Devemos receber as graças de Deus sem muito entusiasmo natural, para não nos sentirmos abatidos quando a graça sensível diminuir. Fiquemos sempre tranquilos porque Deus não age exceto na serenidade. Quando Jesus se esconde, devemos buscá-lo de todo o coração. Não podemos viver sem Ele e, no entanto, nem sempre podemos estar com Ele. Devemos, pois, procurá-lo e procurá-lo sem tréguas.

Nós vamos encontrar Jesus naquela alma escurecida que iluminamos, naquela alma entristecida que consolamos, naquela alma abatida que encorajamos ou ainda naquela alma abençoada de Deus que admiramos e invejamos. Também o encontraremos no Tabernáculo, onde se esconde e onde se doa; nós o encontraremos em nós mesmos, bem no fundo de nosso coração. Ali Ele está de forma misteriosa, que não sendo uma presença eucarística é, no entanto, muito real. No fundo, a maneira de encontrar Jesus, em todos os lugares, é levá-lo sempre conosco, quer o sintamos ou não.

Não se canse de buscar a Deus. Diga a Ele para frequentemente se esconder bem no seu íntimo para que você possa perceber, sem o som das palavras, que Ele está ali e ali Ele está por você. Permita que ilumine, fortifique e console a sua alma. Peça a Ele para guiar a sua vida do íntimo em que se encontra, oculto e revelado ao mesmo tempo. Seu sofrimento vem do que você não vê. Faça com frequência esta oração dos cegos: 'Senhor, faça que eu veja!'. E assim, por meios que desconhecemos, uma intervenção sobre os seus defeitos, uma leitura ou uma palavra de Deus irá iluminá-lo e dar-lhe a luz que você procura.

O que transparece como obstáculo é o medo. Por humildade ou por timidez, temos medo de Deus. Nada vemos nEle senão a infinita grandeza, a onipotência e a majestade, e tendemos a esquecer a bondade, a misericórdia, a infinita condescendência daquele Deus que se fez homem por amor a nós. Ele disse: 'Venham todos a mim' (Mt 11,28) e tememos ir até Ele. Ele como que nos revela: 'Eis aqui o Coração que tanto amou os homens', e tememos ser amados por Ele. Modicae fidei! [homens de pouca fé!].

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte II -  A Ação de Deus; tradução do autor do blog)

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

REFLEXÕES PARA A QUARESMA 2021 - III

QUESTÕES E RESPOSTAS SOBRE O DOGMA DA SALVAÇÃO

Q. Mas não é uma falta de caridade professar a doutrina de que ninguém pode ser salvo fora da Igreja?
R. Pelo contrário, é grande ato de caridade afirmá-lo enfaticamente.

Q. Por que?
R. Porque o próprio Jesus Cristo e seus Apóstolos o ensinaram em linguagem bastante clara.

Q. Não é grande prova de amor alertar o próximo quando ele está em perigo de cair no fundo de um abismo?
R. Certamente.

Q. Não estão todos aqueles que se encontram fora da Igreja em grande perigo de cair no abismo do inferno?
R. Sim.

Q. Não é, pois, grande caridade alertá-los sobre este perigo?
R. Seria uma crueldade não o fazer.

Q. São todos aqueles que estão fora da Igreja igualmente passíveis de culpa e danação perante Deus?
R. Não, alguns são mais do que outros.

Q. Quem são os menos passíveis de culpa e danação?
R. Aqueles que sem culpa de sua parte não sabem nada sobre Jesus e sua doutrina.

Q. Quem são os mais passíveis de culpa e danação?
R. Aqueles que reconhecem a Igreja Católica como a verdadeira e única Igreja, mas não abraçam sua fé, assim como aqueles que poderiam reconhecê-la como tal, caso procurassem com diligência, mas negligenciam em fazê-lo por indiferença ou outros motivos culpáveis.

Q. O que devemos pensar da salvação daqueles que, sem culpa de sua parte, encontram-se fora do redil da Igreja e que nunca tiveram a oportunidade de conhecê-la melhor?
R. Devemos pensar que sua ignorância invencível não os salvará; mas, se tiverem sido tementes a Deus e vivido de acordo com sua consciência, Deus, em sua misericórdia infinita, provê-los-á com os meios necessários à salvação; mesmo ao ponto, se preciso for, de enviar um anjo para instruí-los na doutrina católica, em vez de deixá-los perecer por ignorância invencível.

Q. É correto dizer que quem não tenha sido recebido no seio da Igreja antes de sua morte está condenado?
R. Não.

Q. Por que não?
R. Porque ninguém pode saber o que se passa entre Deus e a alma no momento terrível da morte.

Q. O que isso significa?
R. Significa que Deus, em sua misericórdia infinita, pode iluminar na hora da morte alguém que ainda não é católico de modo que este alguém possa reconhecer a verdade da fé católica, arrepender-se verdadeiramente de seus pecados e sinceramente desejar morrer como um bom católico.

Q. O que dizer daqueles que recebem tal graça extraordinária e morrem desta maneira?
R. Dizemos que eles morreram unidos, pelo menos, à alma da Igreja Católica e que, por causa disso, foram salvos.

Q. O que sucede com aqueles que, estando fora da Igreja Católica, morrem sem receber esta graça extraordinária na hora da morte?
R. A danação eterna.

Q. Mas não haveriam muitos que perderiam a afeição de seus amigos, o conforto de seus lares, seus bens temporais e prospectos de negócio caso se tornassem católicos? Jesus Cristo não os dispensaria em tais circunstâncias de se tornarem católicos?
R. Quanto à afeição dos amigos, Jesus Cristo solenemente declarou: 'O que ama o pai, ou a mãe, mais do que a mim, não é digno de mim; e o que ama o filho, ou a filha, mais do que a mim, não é digno de mim' (Mt 10, 37) e sobre a perda dos ganhos temporais, Ele respondeu: 'De que aproveitará ao homem, se ganhar o mundo inteiro, e perder a sua alma?' (Mc 8, 36).

Q. Mas não bastaria a uma pessoa ser católica somente no coração, sem professar sua religião publicamente?
R. Não, pois Jesus solenemente declarou que: 'Se alguém se envergonhar de mim, e de minhas palavras, também o Filho do homem e envergonhará dele, quando vier na sua majestade, e na de seu Pai e santos anjos' (Lc 9, 26).

Q. Mas uma pessoa não poderia esperar para ser recebida na Igreja Católica até a hora de sua morte?
R. Isto seria abusar da misericórdia de Deus.

Q. Qual poderia ser o castigo deste pecado?
R. Perder a luz e a graça da fé, e morrer como réprobo.

Q. Há mais alguma coisa que impeça as pessoas de se tornarem católicas?
R. Seria isto: elas sabem muito bem que, caso se tornem católicas, terão de levar uma vida honesta e sóbria, ser puras e frear suas paixões pecaminosas, e isso elas não estão dispostas a fazer. 'Os homens amaram mais as trevas do que a luz' disse Jesus Cristo, 'pois eram más as suas obras' (Jo 3, 19). Não há pior surdo do que aquele que não quer ouvir.

Q. O que se conclui a partir do que foi dito sobre só haver salvação dentro da Igreja Católica?
R. Que é muito ímpio pensar e dizer que pouco importa o que um homem creia desde que ele seja uma pessoa honesta.

Q. Qual resposta podemos dar a quem pensa de tal modo?
R. Podemos dizer: acaso você crê que sua honestidade e justiça é maior do que a dos escribas e fariseus no Evangelho?

Q. No que consistia a justiça dos escribas e fariseus?
R. Eles viviam em constante oração, pagavam seus dízimos conforme a lei, davam grandes esmolas, jejuavam duas vezes por semana e atravessavam céus e terra para fazer um converso e trazê-lo ao conhecimento de Deus.

Q. O que Jesus Cristo disse sobre esta justiça dos fariseus?
R. Ele disse: 'Se a vossa justiça não for maior e mais perfeita do que a dos escribas e dos fariseus, não entrareis no reino dos céus' (Mt 5, 20).

Q. Então, a justiça dos fariseus foi insuficiente aos olhos de Deus?
R. Sem a menor dúvida. Sua justiça era apenas exibição de si mesmos e ostentação. Eles faziam o bem somente para serem louvados e admirados pelos homens; mas no interior, suas almas estavam cheias de impureza e malícia. Eles eram hipócritas, que ocultavam grandes vícios sob as aparências de amor a Deus, caridade aos pobres e severidade consigo mesmos. Sua devoção consistia em atos exteriores, e eles desprezavam aqueles que não viviam como eles viviam; eles eram estritos na observância de tradições humanas, mas não tiveram o escrúpulo de não violar os mandamentos de Deus.

Q. O que, pois, pensar dos homens que dizem: 'pouco importa o que um homem creia desde que ele seja uma pessoa honesta'?
R. Que a sua honestidade exterior, assim como a dos fariseus, pode ser o bastante para mantê-los fora da prisão, mas não o suficiente para livrá-los do inferno.

Q. Se um não católico disser: 'Eu bem que gostaria de crer na doutrina da Igreja Católica, mas eu não posso', como se deveria responder?
R. Responder-se-ia que, sem dúvida, é vontade de Deus que 'todos os homens se salvem, e que cheguem a ter conhecimento da verdade' (I Tm 2, 4); mas que também é, ao mesmo tempo, vontade de Deus que você empregue com dedicação todos os meios próprios para adquirir este conhecimento necessário; de outro modo, você revela claramente que não deseja crer.

Q. Quais são estes meios próprios?
R. A sinceridade de coração que deve provar a si própria, pelo ardente desejo de conhecer a verdadeira religião, pela busca dela com diligência e perseverança, pela oração frequente e fervorosa diante de Deus, pedindo o dom da fé e, finalmente, pela firme resolução de tirar do caminho qualquer obstáculo que possa impedi-lo ou retardá-lo de abraçar a verdade conhecida.

(Excertos da obra 'O Dogma da Salvação', do Pe. Michael Müller, publicado originalmente no blog http://rainhaddosmartires.blogspot.com/)

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

TRÊS REFLEXÕES PARA A QUARESMA 2021 - II

SOBRE A ORAÇÃO, O JEJUM E A MISERICÓRDIA

Há três atos, meus irmãos, em que a fé se sustenta, a piedade consiste e a virtude se mantém: a oração, o jejum e a misericórdia. A oração bate à porta, o jejum obtém, a misericórdia recebe. Oração, misericórdia e jejum são uma só coisa, dando-se mutuamente a vida.

Com efeito, o jejum é a alma da oração e a misericórdia é a vida do jejum. Que ninguém os divida, pois não podem ser separados. Quem pratica apenas um ou dois deles, esse nada tem. Assim, pois, aquele que reza tem de jejuar, e aquele que jejua tem de ter piedade, escutando o homem que pede e que, ao pedir, deseja ser escutado. Pois aquele que não se recusa a ouvir os outros quando lhe pedem alguma coisa, esse faz-se ouvir por Deus.

Aquele que pratica o jejum tem de compreender o jejum; isto é, tem de ter compaixão do homem que tem fome, se quer que Deus tenha compaixão da sua própria fome. Aquele que espera obter misericórdia tem de ter misericórdia; aquele que quer beneficiar da bondade tem de praticá-la; aquele que quer que lhe deem tem de dar.

Sê pois a norma da misericórdia a teu respeito: se queres que tenham misericórdia de ti de certa maneira, em certa medida, com tal prontidão, sê tu misericordioso com os outros com a mesma prontidão, a mesma medida e da mesma maneira.

A oração, a misericórdia e o jejum devem, pois, constituir uma unidade, para nos recomendarem diante de Deus; devem ser a nossa defesa, pois são uma oração a nosso favor com este triplo formato.

(São Pedro Crisólogo)

Recomendações de Jejum pela Santa Igreja:

Jejum consiste em tomar apenas uma das grandes refeições do dia (almoço ou jantar) e depois outras duas pequenas, de tal maneira que estas duas juntas não cheguem a uma grande refeição. Isto é o mínimo para que se possa considerar que a pessoa fez jejum. Mas há quem passe o dia a pão e água e até quem não coma nada durante esse dia. Abstinência consiste em não comer carne nem derivados da carne. É também recomendável que nos dias de abstinência se evite refeições muito luxuosas, mesmo que não tenham carne.

O jejum e a abstinência são obrigatórios em Quarta-Feira de Cinzas e em Sexta-Feira Santa. A abstinência é obrigatória, no decurso do ano, em todas as sextas-feiras que não coincidam com algum dia enumerado entre as solenidades. Esta forma de penitência reveste-se, no entanto, de significado especial nas sextas-feiras da Quaresma.

O preceito da abstinência obriga os fiéis a partir dos 14 anos completos. O preceito do jejum obriga os fiéis que tenham feito 18 anos até terem completado os 59. Aos que tiverem menos de 14 anos, deverão os pastores de almas e os pais procurar atentamente formá-los no verdadeiro sentido da penitência, sugerindo-lhes outros modos de a expressarem. As presentes determinações sobre o jejum e a abstinência apenas se aplicam em condições normais de saúde, estando os doentes, por conseguinte, dispensados da sua observância.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

QUARTA DE CINZAS

 


Memento, homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris

'Lembra-te, homem, que és pó e ao pó retornarás!(Gn 3,19). A Quarta-Feira de Cinzas é o primeiro dia do tempo da Quaresma, quarenta dias antes da Páscoa. Neste dia por excelência refletimos sobre a nossa condição mortal nesta vida e a eternidade de nossas almas na vida futura. Num tempo em que se valoriza tanto a dimensão física, a beleza do corpo, a imposição das cinzas nos desvela a dura realidade do nosso corpo mortal: apenas pó que há de se consumir em cinzas.

Esse dia dá início, portanto,  a um tempo de profunda meditação sobre a nossa condição humana diante da grandeza e misericórdia de Deus. Tempo para fazer da nossa absurda fragilidade, sustentáculos da verdade e da fé; tempo para fazer de nossa pequenez e miséria, um templo de oração e um arcabouço de graças; tempo para transformar a argila pálida de nossos feitos e conquistas, em patamares seguros para a glória de Deus. Um tempo de oração, jejum e caridade. Um tempo de oração, desagravo, conversão, reparação. E um tempo de penitência, penitência, penitência...

A penitência é traduzida por atos de mortificação, seja na caridade silenciosa de um pequeno gesto, seja na determinação silenciosa de um pequeno 'não!' Pequenos gestos: uma visita a um amigo doente, uma palavra de conforto a quem padece ausências, um bom dia ainda nunca ofertado; ou um pequeno 'não': à abstinência de carne ou refrigerante ou ao fumo; abrir mão de ter sempre a última resposta ou para aquela hora a mais de sono; simplesmente dizer não a um livro, a uma música, a uma revista, a um programa de televisão. 

Propague o silêncio, sirva-se da modéstia; invista no anonimato, não se ensoberbeça, pratique a tolerância, estanque a frivolidade, consuma-se na obediência. Lembra-te que és pó e todas as tuas ações, aspirações e pensamentos vão reverberar em ti as glórias de Deus.

Abre-se hoje o Tempo da Quaresma: 'convertei-vos e crede no Evangelho'. Pois é no Evangelho (Mt 6, 1-6.16-18) que Jesus nos dá os instrumentos para a realização de uma autêntica renovação interior: oração, jejum e caridade. Com estas três práticas fundamentais, o tempo de penitência da quaresma é convertido em caminho de santificação ao encontro de Jesus Ressuscitado que vem, na Festa da Páscoa.

O índice Leituras para os Tempos da Quaresma, localizado na barra lateral direita do blog, contempla uma seleção de orações e textos específicos para devoção e orientação espiritual durante estes tempos litúrgicos.