quarta-feira, 27 de setembro de 2017

VIRTUDES DE SALVAÇÃO

Eu tive três virtudes em minha morte. Primeiro, a fé, quando dobrei meus joelhos e rezei, sabendo que o Pai podia livrar-me de meus sofrimentos. Segundo, esperança, quando perseverei resolutamente dizendo: ‘Não se faça a minha vontade’. Terceiro, caridade, quando disse: ‘Faça-se tua vontade!’ Também padeci agonia física devido ao temor natural de sofrer e um suor de sangue emanou do meu corpo. Por isso, para que meus amigos não temam ser abandonados quando lhes chegar o momento da prova, Eu lhes demonstrei em mim que a débil carne sempre trata de escapar da dor. 

Poderias perguntar, talvez, como foi que meu corpo segregou um suor de sangue. Bem, da mesma forma em que o sangue de uma pessoa enferma se resseca e se consome em suas veias, meu sangue se consumiu pela angústia natural da morte. Querendo mostrar a maneira em que o Céu se abriria e como as pessoas poderiam entrar nele depois de seu exílio, o Pai amorosamente entregou-me à minha Paixão para que meu corpo fosse glorificado, uma vez que a paixão se tinha consumado. Porque minha natureza humana não podia simplesmente entrar em sua glória sem sofrer, apesar de que Eu fui capaz de fazê-lo mediante o poder de minha natureza divina. 

Por que, então, as pessoas com pouca fé, vãs esperanças e sem amor, mereceriam entrar em minha glória? Se tivessem fé no gozo eterno e no terrível castigo, não desejariam nada mais que a mim. Se elas realmente cressem que Eu vejo todas as coisas e tenho poder sobre todas as coisas e que exijo um juízo para cada uma, o mundo lhes resultaria repugnante e não ousariam pecar na minha presença por temor a mim e não pela opinião humana. Se tivessem uma firme esperança, todo seu pensamento e entendimento se dirigiriam até mim. Se tivessem amor divino, suas mentes pensariam, ao menos, sobre o que fiz por eles, os esforços que fiz ao ensinar, a dor que padeci em minha Paixão, o grande amor que tive ao morrer, tanto que preferi morrer antes que perdê-los. 

Mas sua fé é débil e vacilante, apontando a uma queda fulminante, porque estão dispostos a crer quando estão ausentes dos impulsos da tentação, mas perdem confiança quando se veem de frente com a adversidade. Sua esperança é vã, porque esperam que seu pecado seja perdoado sem um juízo e sem uma correta sentença. Confiam que podem conseguir o Reino dos Céus gratuitamente. Desejam receber minha misericórdia sem a atuação da justiça. 

Seu amor para comigo é frio, pois nunca se põem a buscar-me ardentemente a menos que se sintam forçados pela tribulação. Como vou compadecer-me das pessoas que nem sustentam uma fé reta nem uma firme esperança nem uma fervente caridade por mim? Por isso, quando me implorarem e disserem: ‘Senhor, tem piedade de mim!’, não merecerão ser ouvidas nem entrar na minha glória. Se não querem acompanhar o seu Senhor no sofrimento, não o acompanharão na glória. Nenhum soldado pode agradar ao seu senhor e ser bem recebido de novo, depois de um deslize, a menos que primeiro se humilhe para reparar a sua ofensa.

(Das Revelações de Santa Brígida)

terça-feira, 26 de setembro de 2017

PORQUE 23 DE SETEMBRO FOI UM DIA QUE PASSOU...

Acabamos de assistir a mais um grande pandemônio escatológico: centenas de textos e vídeos propagaram à exaustão o fim dos tempos neste último sábado, dia 23 de setembro, com base numa conjunção raríssima de corpos celestes, pretensiosamente induzida por passagens bíblicas do Apocalipse. Teve de tudo proposto para acontecer neste dia, no vômito comum do misticismo de gueto: passagem do planeta X, estrelas em delírio, constelações alinhadas, liberação de uma grande energia cósmica indutora da Nova Era, mudanças no eixo da Terra, visita de extraterrestres, arrebatamento dos eleitos, delírios de toda ordem, insensatez, insensatez e loucura. 

Leigos falando de eventos astronômicos é insensatez. Pastores analfabetos interpretando passagens bíblicas é loucura. E dezenas, centenas de pessoas ouvindo e dando crédito a uns e outros apenas mostra a imensa capacidade do ser humano se se comprazer da ignorância explícita. E, infelizmente, nesta cepa de alienados, muitos, muitos católicos. Mas, como em tudo, há que se separar o joio do trigo. E é por isso que seria bom falar na verdadeira astronomia e nas verdadeiras profecias apocalípticas.

Antes de mais nada, porém, como católicos, temos ou não temos por premissa os próprios ensinamentos de Jesus? E o Senhor é claríssimo ao pontuar sobre uma possível data dos fins dos tempos: 'Quanto àquele dia e àquela hora, ninguém o sabe, nem mesmo os anjos do céu, mas somente o Pai' (Mt 24, 36). Até a sacerdotisa meia-boca de Gaia ou o pastor de esquina sabiam que isso seria no dia 23 de setembro? Jesus nos atentou a ficar alertas aos sinais dos tempos (e realmente eles são muitíssimos hoje), a nos prepararmos para os grandes eventos escatológicos, mas nunca perdermos tempo com os que vendem datas como pedras de escândalo.  

É óbvio que os eventos escatológicos estarão associados a fenômenos astronômicos, mesmo porque se inserem num contexto cosmológico. A astronomia é a ciência que estuda os corpos celestes e a interação entre eles no cosmos. Assim, é óbvio que podem ocorrer alinhamentos de planetas, explosões de supernovas, detecção de radiações eletromagnéticas e matéria escura, existência de estrelas anãs e de buracos negros e de outras centenas de fenômenos extraordinários do universo conhecido (conformando algo como umas 200 bilhões de galáxias). Mas a astronomia, como ciência, não faz analogias espúrias ou simbolismos esotéricos! Esse é o campo para uma farsa chamada astrologia...que não possui nada de sagrado, muito pelo contrário!

Ilustremos com um exemplo direto destas libertinagens astrológicas da semana passada: o texto inicial do Apocalipse 12. Com efeito, o texto bíblico é este: 'Apareceu em seguida um grande sinal no céu: uma Mulher revestida do sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas. Estava grávida e gritava de dores, sentindo as angústias de dar à luz' (Ap 12, 1-2). Na interpretação livre dos profetas dos tempos finais, a Mulher seria simbolicamente a constelação de Virgem, com sol, lua, planeta e estrelas conspirando a favor do texto bíblico. E a gravidez seria expressa pela saída do planeta Júpiter da região que representaria o ventre da tal constelação exatamente no dia 23 de setembro...

Isso não é nem astronomia, nem interpretação bíblica definida e estabelecida pela tradição bimilenar da Santa Igreja Católica. É misticismo vulgar, crendice de crentes de arrebatamentos e beijos de luz. É a mais renomada astrologia, esoterismo de baixo nível capaz de associar as figuras bíblicas de Nossa Senhora e Jesus com a constelação de Virgem e o planeta Júpiter, respectivamente. É blasfêmia pura e simples tais simbolismos esotéricos, jamais promovidos pelos Padres da Igreja, pela Tradição e pela sã doutrina da Igreja de Cristo. Céu, lua, estrelas, planetas... são astros celestes, movidos por leis físicas específicas; não são meros artefatos que rodopiam pelo firmamento e que conspiram para justificar crendices humanas. Essa estultice nasce no mesmo esgoto diabólico que considera os Reis Magos como sábios de eventos astrológicos e conjunções planetárias que os teriam permitido atentar para a Estrela de Belém como um artefato cósmico que os levariam até à humilde manjedoura de Jesus. Santos não se moldam em alfarrábios e mapas astrológicos...

A crendice é o postulado de crentes; o esoterismo é a ferramenta do ocultismo; a adivinhação é a prática comum de feiticeiros. Nós, os católicos, não temos o livre arbítrio de prantear crendices, adivinhações ou ocultismo. O Magistério da Igreja fala por nós. O Espírito Santo fala por nós, por meio do Magistério da Igreja. Mais do que isso, é se alinhavar com constelações e pseudociências. A astronomia e a Bíblia não se confrontam nos planos do sagrado. Mas podem ser usados (e como!) pelo Pai da Mentira para fazer os seus filhos, já embrutecidos de orgulho e de ignorância, azedarem ainda mais o caldo diabólico de suas entranhas. 

E, mais que isso, propagar entre o 'pequeno resto' o descrédito das verdades bíblicas incontestáveis. Os sinais destas verdades estão claros e cada vez mais insistentes. Assim, aos que cremos, basta a confiança de que estaremos sempre nas mãos de Deus para cumprir, como Filhos da Luz, a sua Santa Vontade hoje, amanhã, nos dias da grande tribulação ou nos tempos do fim. Sem quaisquer apegos ou afagos a astrólogos de sótão ou a crentes de porão.

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

DOCUMENTOS DE FÁTIMA (VI)

TRANSCRIÇÃO DO SEGUNDO INTERROGATÓRIO DOS VIDENTES (11/10/1917)

(pelo Pe. MANUEL NUNES FORMIGÃO)

 Interrogatório da Mãe de Lúcia


– Sua filha é parente do Francisco e da Jacinta? 
– É prima, porque meu marido é irmão da mãe deles. 
– Como soube que a Senhora apareceu à sua filha da primeira vez? Foi ela que lhe contou? 
– Tive conhecimento desse fato pela família das outras crianças, porque a Lúcia aconselhou os seus companheiros a não dizerem nada com receio de que lhes ralhassem. Só depois de interrogada por mim é que disse o que tinha visto. 
– Nunca repreendeu a sua filha por ir à Cova da Iria? Deu-lhe sempre inteira liberdade de lá ir, no dia 13 de cada mês? 
– Nunca a proibi de ir a esse sítio. Umas vezes perguntava-lhe se queria ir e ela respondia afirmativamente, outras vezes ela mesma dizia que ia, se eu lhe desse licença. 
– As três crianças costumam ir sozinhas ao local das aparições ou vão acompanhadas de outras crianças?
– Vão sós. Quase sempre vão também outras crianças, mas acompanhadas dos pais e ficam ao pé deles, não se juntam com a Lúcia e os primos dela. 
– As crianças guardavam gado? A quem é que ele pertencia? 
– A Lúcia guardava um pequeno rebanho de ovelhas e os primos outro. Pertenciam esses rebanhos às respetivas famílias. Às vezes juntavam o gado, mas unicamente porque queriam. As ovelhas que a Lúcia guardava, já as vendi. 
– Como é que as crianças têm ido vestidas? 
– Da primeira vez iam mal arranjadas, como andam quase sempre os pastores. Das outras vezes, no dia 13 de cada mês, vão vestidas de fato claro e levam um lenço branco na cabeça. 
– Consta-me que possui um livro intitulado 'Missão Abreviada'*, e que às vezes o lê a seus filhos. É verdade?
–  É verdade; possuo esse livro e tenho-o lido a meus filhos.
– Leu a história da aparição de La Salette diante da Lúcia e de outras crianças? 
– Só diante da Lúcia e dos outros meus filhos. 
– A Lúcia falava às vezes na história de La Salette, mostrando de qualquer modo que essa história tinha produzido grande impressão no seu espírito? 
– Nunca lhe ouvi dizer nada a esse respeito, se bem me recordo. 
– Quando as crianças foram presas pelo administrador de Vila Nova de Ourém foi alguém reclamar que as restituíssem aos pais? 
– Um irmão do Francisco e da Jacinta foi falar com elas na casa do administrador. A senhora do administrador perguntou se ia buscar as crianças, ao que ele respondeu negativamente. O próprio administrador as veio trazer à Fátima. 
– Tem vindo muita gente ver sua filha? 
– Tem vindo muita gente, quase todos os dias.

* 'Missão Abreviada' é o título de um livro do Pe. José Gonçalves Couto, publicado originalmente em 1859, com várias reimpressões. A 'Aparição de Nossa Senhora no Monte La Salette' foi publicada desde a segunda edição (1861) até a nona edição (1873) do livro.


Interrogatório de Lúcia

– Disseste-me há dias que Nossa Senhora queria que o dinheiro oferecido pelo povo fosse levado para a igreja da freguesia em dois andores. Como é que arranjam os andores e quando é que eles devem ser levados para a igreja?
– Os andores compram-se com  dinheiro oferecido e serão levados nas festas da Senhora do Rosário. 
– Sabes com certeza em que sítio é que Nossa Senhora deseja que seja edificada uma capela em sua honra? 
– Não sei ao certo, mas julgo que Ela quer a capela na Cova da Iria. 
– O que é que Ela disse que havia de fazer para que todo o povo acreditasse que ela aparecia? 
– Disse que havia de fazer um milagre. 
– Quando foi que ela disse isso?
– Disse-o umas poucas de vezes, mas só uma vez, na ocasião da primeira aparição é que lhe fiz essa pergunta. 
– Não tens medo de que o povo te faça mal se não vir nada de extraordinário nesse dia? 
– Não tenho medo nenhum. 
– Sentes dentro de ti alguma coisa, alguma força que te arraste para a Cova da Iria no dia 13 de cada mês? 
– Sinto vontade de lá ir e ficava triste se não fosse. 
– Viste alguma vez a Senhora benzer-se, rezar ou desfiar as contas do Rosário? 
– Não vi. 
– Mandou-te rezar? 
– Mandou-me rezar umas poucas de vezes. 
– Disse-te que rezasses pela conversão dos pecadores? 
– Não disse; mandou-me só rezar a Nossa Senhora do Rosário para que acabasse a guerra. 
– Viste os sinais que outras pessoas dizem ter visto, como uma estrela, rosas a despregarem-se do vestido da Senhora, etc.? 
– Não vi a estrela nem outros sinais extraordinários. 
– Ouviste algum rumor, trovão ou tremor de terra? 
– Nunca ouvi. 
– Sabes ler? 
– Não sei. 
– Andas a aprender a ler? 
– Não ando. 
– Como cumpres então a ordem que a Senhora te deu nesse sentido? 
– !....... 
– Quando dizes ao povo que ajoelhe e reze, é a Senhora que manda que o digas? 
– Não é a Senhora que manda, sou eu que quero. 
– Sempre que ela aparece, tu ajoelhas?
– Às vezes fico de pé, outras vezes ajoelho-me.
– Quando fala, a sua voz é doce e agradável? 
– É. 
– Que idade parece ter a Senhora? 
– Parece ter uns quinze anos. 
– De que cor é o cadeado do rosário? 
– É branco. 
– E a do crucifixo? 
– O crucifixo também é branco. 
– O véu cobre a testa da Senhora? 
– Não cobre. Vê-se-lhe a testa bem. 
– O esplendor que a envolve é bonito? 
– É mais bonito que a luz do sol e muito brilhante.
– A Senhora nunca te saudou com a cabeça ou com as mãos? 
– Nunca. 
– Nunca sorriu para ti? 
– Também não. 
– Costuma olhar para o povo? 
– Nunca a vi olhar para ele. 
– Ouves as conversas, rumores e gritos do povo, durante o tempo que vês a Senhora?
– Não ouço. 
– A Senhora pediu-te em maio que voltasses todos os meses até outubro à Cova da Iria? 
– Disse que voltássemos lá de mês a mês durante seis meses, no dia 13. 
– Ouviste ler a tua mãe o livro chamado 'Missão Abreviada' onde se conta a história da aparição de Nossa Senhora a um menino e uma menina?
– Ouvi. 
– Pensavas muitas vezes nessa história e falavas dela a outras crianças? 
– Não pensava nessa história nem a contei a ninguém.

 Interrogatório de Jacinta

– A Senhora recomendou que rezassem o terço? 
– Recomendou.
– Quando?
– Quando apareceu pela primeira vez. 
– Ouviste também o segredo ou foi só a Lúcia que o ouviu?
– Eu também ouvi. 
– Quando o ouviste? 
– Da segunda vez, no dia de Santo António. 
– Esse segredo é para serem ricos? 
– Não é. 
– É para serem bons e felizes? 
– É. É para bem de todos três. 
– É para irem para o Céu? 
– Não é. 
– Não podes revelar o segredo?
– Não posso. 
– Por quê? 
– Porque a Senhora disse que não disséssemos o segredo a ninguém. 
– Se o povo soubesse o segredo, ficava triste? 
– Ficava. 
– Como tinha a Senhora as mãos? 
– Tinha-as erguidas. 
– Sempre erguidas? 
– Às vezes volta as palmas para o céu. 
– A Senhora disse em maio que queria que fossem à Cova da Iria mais vezes? 
– Disse que queria que fôssemos lá durante seis meses, de mês a mês, até que em outubro dissesse o que queria. 
– Ela tem na cabeça algum resplendor?
– Tem. 
– Podes olhar bem para o rosto? 
– Não posso, porque faz mal aos olhos. 
– Ouviste sempre bem o que a Senhora disse? 
– Da última vez não ouvi tudo por causa do barulho que o povo fazia. 

 Interrogatório de Francisco

– Que idade é que tens? 
– Tenho nove anos feitos.
– Só vês a Senhora ou ouves também o que Ela diz? 
– Só a vejo, não ouço nada do que Ela diz. 
– Tem algum clarão em volta da cabeça?
– Tem. 
– Podes olhar bem para a cara dela? 
– Posso olhar, mas pouco, por causa da luz. 
– Tem alguns enfeites no vestido? 
– Tem uns cordões de ouro. 
– De que cor é o crucifixo do rosário? 
– É branco. 
– E a cadeia do rosário? 
– Também é branca. 
– O povo ficava triste se soubesse o segredo? 
– Ficava.

[Documentação Crítica de Fátima - Seleção de Documentos (1917 - 1930), Doc. 11]

domingo, 24 de setembro de 2017

NAS VINHAS DO SENHOR

Páginas do Evangelho - Vigésimo Quinto Domingo do Tempo Comum


Estamos na fase final da pregação pública de Jesus; depois da longa preparação dos discípulos e das premissas do seu Evangelho, aproxima-se o momento do sacrifício do Cordeiro Imolado para a salvação do mundo. Resta ao Senhor pouco tempo para consolidar, entre os seus, os fundamentos da Igreja e das realidades do Reino dos Céus. E, numa parábola magnífica, Jesus nos ensina que Deus nos chama a todos à perfeição e concede o mesmo prêmio de salvação eterna, independentemente de quando os seus escolhidos encontraram definitivamente o caminho da graça. 

'O Reino dos Céus é como a história do patrão que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha. Combinou com os trabalhadores uma moeda de prata por dia, e os mandou para a vinha' (Mt 20, 1-2). Desde o batismo, desde a primeira hora, desde 'a madrugada' dos tempos, somos chamados a partilhar e compartilhar a glória de Deus nas vinhas do Senhor, como fieis da Igreja, como discípulos do Cristo, como filhos de Deus. No mundo dos homens, desde o batismo nos tornamos herdeiros potenciais da graça, operários da messe a caminho do Céu.

Mas o mundo nos empurra e confunde a caminhada da graça; as aspirações humanas nos tolhem e retêm os propósitos de santificação. Ficamos à mercê dos tempos e dos contratempos. Deus não nos abandona nunca e, como o patrão persistente e incansável, volta pela manhã, pelo meio-dia, pela tarde, pelo final do dia, à espera do 'sim' filial, pela conversão definitiva, pelo retorno do filho pródigo. Na parábola dos operários da vinha, todos receberam igualmente o mesmo prêmio, o mesmo pagamento, mesmo os que foram chamados por último: 'cada um deles também recebeu uma moeda de prata' (Mt 20, 10). Porque a medida da justiça de Deus não é feita pelas medidas humanas: a misericórdia de Deus é infinita para os que O amam; todos os trabalhadores foram contemplados com o mesmo salário, porque todos responderam prontamente ao chamado à vinha e tornaram-se, assim, herdeiros comuns da mesma graça: a vida eterna em Deus.

Ainda assim, nas sementeiras da graça, fomentaram-se os espinhos da discórdia e da inveja, por parte dos operários que se julgaram injustiçados com o pagamento equivalente: 'Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualaste a nós, que suportamos o cansaço e o calor o dia inteiro’ (Mt 20, 12). Pelo olhar da inveja humana, a misericórdia infinita de Deus teria que ter dimensões paralelas e distintas; a inveja obscurece o valor da graça daquele que a recebeu mais cedo pela concessão da mesma graça concedida ao que chegou mais tarde a ela nos caminhos da vida e, tantas vezes por isso, 'os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos' (Mt 20, 16). Porque a inveja mata e aniquila as sementes da graça recebida e é a caridade comum entre todos que produz, em todos, os mesmos frutos de vida eterna, nas vinhas do Senhor.

sábado, 23 de setembro de 2017

LUZ NAS TREVAS DA HERESIA PROTESTANTE (XXI / Final)

Ao iniciar este trabalho de respostas, eu disse, na Introdução, que 'atacar a crença dos outros não é provar a autenticidade de sua própria crença'. Nas páginas precedentes tenho atacado o protestantismo e refutado as objeções* que ele formula, provando assim a doutrina legítima, autêntica e divina, da Igreja Católica, Apostólica, Romana.

O protestante que ler estas respostas deve ficar convencido, tanto pelo raciocínio do seu bom senso, como pelas mil provas da Sagrada Escritura, que o protestantismo é um erro, uma heresia, o antípoda da religião verdadeira, enquanto a Igreja Católica segue integralmente os ensinos, os preceitos, os conselhos e as intuições de Jesus Cristo.

Não receio repetir que as respostas dadas são absolutamente irrefutáveis. Não há uma única resposta que não esteja baseada e firmada no texto sagrado do Evangelho, como o leitor pode ver. Nenhum sofisma, nenhuma interpretação ambígua ou incerta entra nestas páginas. É a Sagrada Escritura, clara nas suas expressões e clara na sua interpretação. É um trabalho de exegese séria, que não admite réplica, porque a palavra de Deus, no seu sentido óbvio, é indiscutível. Possa este livrinho ser um raio de luz para nossos pobres irmãos separados, – os protestantes, – como para os próprios católicos.

Os primeiros precisam de luz para ver; os segundos precisam dela para ver melhor. Os primeiros precisam ver o erro que professam e a verdade que ignoram; os segundos devem ver o erro, para evitá-lo, e a verdade, para continuarem a seguirem, com convicção e desassombro. Peço ao divino Mestre, pela intercessão da Virgem Imaculada, ser para todos os que ele disse de si mesmo a Tomé: via, veritas et vita (Jo 14, 6): o caminho, a verdade e a vida.

O caminho é a moral ensinada por Jesus Cristo.
A verdade é o dogma revelado por ele.
A vida é a união com ele pela graça divina.
É o tríplice laço que prende o homem a Deus:
A moral dirige as faculdades e as ações.
O dogma nutre-lhe o espírito e o coração.
A graça transforma-lhe a alma.
A moral é o indicador do caminho.
O dogma é o indicador da verdade.
A graça é o indicador da vida.
Pela moral o homem faz o bem.
Pelo dogma, o homem segue a verdade.
Pela graça, o homem se transforma.

Pelo bem, feito na verdade, o homem se transforma em santo. Sejamos, pois, santos, como Deus é santo – Sancti estote, quia ego sanctus sum (Lv 11, 14).

* Estas 'objeções' foram propostas por 'um crente' como um desafio público ao Pe. Júlio Maria e que foi tornado público durante as festas marianas de 1928 em Manhumirim, o que levou às refutações imediatas do sacerdote, e mais tarde, mediante a inclusão de respostas mais abrangentes e detalhadas, na publicação da obra 'Luz nas Trevas - Respostas Irrefutáveis às Objeções Protestantes', ora republicada em partes neste blog.

(Excertos da obra 'Luz nas Trevas - Respostas Irrefutáveis às Objeções Protestantes', do Pe. Júlio Maria de Lombaerde)

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

BREVIÁRIO DIGITAL - ILUSTRAÇÕES DE NADAL (VII)

 Docet IESVS; concitantur contra eum Iudaei

51. Evangelho (Jo 7): Jesus ensina e os judeus conspiram contra Ele

Mittunt Iudaei ministros, ut IESVM comprehendant

52. Evangelho (Jo 7): Os judeus mandam prender Jesus

Liberatur Adultera

53. Evangelho (Jo 8): Jesus e a mulher adúltera

Docet IESVS in templo

54. Evangelho (Jo 8): Jesus ensinando no templo

Incredulis predicit damnationem IESVS

55. Evangelho (Jo 8): Jesus prega a condenação dos incrédulos

Acerrima confutatio Iudaeorum, & eorum contra IESVM conatus

56. Evangelho (Jo 8): A discussão e as confrontações dos judeus contra Jesus

Sanatur Caecus natus

57. Evangelho (Jo 9): A cura do homem cego 

De Pastore bono, ostio, ostiario, ouili

58. Evangelho (Jo 10): Jesus, o Bom Pastor

Malitiose Iudaei IESVM interrogare aggrediuntur

59. Evangelho (Jo 10): Os judeus voltam a confrontar Jesus

Explicat doctrinam de traditionibus

60. Evangelho (Mt 15, Mc 7): Jesus ensina sobre a tradição

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

DOCUMENTOS DE FÁTIMA (V)

TRANSCRIÇÃO DO PRIMEIRO INTERROGATÓRIO DOS VIDENTES (27/09/1917)

(pelo Pe. MANUEL NUNES FORMIGÃO)


⧫ Interrogatório de Francisco

– Que é que tens visto na Cova da Iria nos últimos meses? 
– Tenho visto Nossa Senhora.
– Onde aparece ela? 
– Em cima duma carrasqueira. 
– Aparece de repente ou tu vê-la vir de alguma parte?
– Vejo-a vir do lado onde nasce o sol e colocar-se sobre a carrasqueira. 
– Vem devagar ou depressa? 
– Vem sempre depressa. 
– Ouves o que ela diz à Lúcia? 
– Não ouço. 
– Falaste alguma vez com a Senhora? Ela já te dirigiu a palavra? 
– Não, nunca lhe perguntei nada; fala só com a Lúcia.
– Para quem olha ela, também para ti e para a Jacinta, ou só para a Lúcia?
– Olha para todos três; mas olha durante mais tempo para a Lúcia. 

⧫ Interrogatório de Jacinta

– Tens visto Nossa Senhora no dia 13 de cada mês desde maio para cá? 
– Tenho visto. 
– Donde é que ela vem?
– Vem do Céu, do lado do sol. 
– Como está vestida?
– Tem um vestido branco, enfeitado a ouro, e na cabeça tem um manto, também branco. Em volta da cintura há uma fita doirada que desce até à orla do vestido. 
– Usa botas ou sapatos? 
– Não usa botas nem sapatos. 
– Então tem só meias? 
– Parece que tem meias, mas talvez os pés sejam tão brancos que pareçam trazer meias calçadas. 
– De que cor são os cabelos? 
– Não se lhe veem os cabelos, que estão cobertos com o manto. 
– Traz brincos nas orelhas?
– Não sei, porque não se lhe veem também as orelhas. 
– Qual é a posição das mãos? 
– As mãos estão postas sobre o peito, com os dedos voltados para cima. 
– As contas estão na mão direita ou na mão esquerda?
–  ........  (a esta pergunta a criança responde primeiro que estavam na mão direita mas, em seguida, devido a insistência da minha parte, mostra-se confusa quanto a resposta correta).
– O que é que a Senhora recomendou à Lúcia com mais empenho? 
– Mandou que rezássemos o terço todos os dias. 
– E tu reza-o? 
– Rezo-o todos os dias com o Francisco e a Lúcia. 

⧫ Interrogatório de Lúcia

– É verdade que Nossa Senhora te tem aparecido no local chamado Cova da Iria? 
– É verdade. 
– Quantas vezes te apareceu já? 
– Cinco vezes, sendo uma cada mês. 
– Em que dia do mês? 
– Sempre no dia treze, exceto no mês de agosto, em que fui presa e levada para a vila (Vila Nova de Ourém) pelo sr. administrador. Nesse mês vi-a só alguns dias depois, a dezenove, no sítio dos Valinhos. 
– Diz-se que a Senhora te apareceu também o ano passado. Que há de verdade a este respeito?
– O ano passado nunca me apareceu (nem antes de maio deste ano); nem eu disse isso a pessoa alguma, porque não é exato.
– Donde é que ela vem? Das bandas do nascente?
– Não sei; não a vejo vir de parte alguma; aparece sobre a carrasqueira, e quando se retira é que toma a direção donde nasce o sol. 
– Quanto tempo se demora? Muito ou pouco? 
– Pouco tempo. 
– O suficiente para se recitar um Padre Nosso e uma Ave Maria, ou mais? 
– Mais, bastante mais, mas nem sempre o mesmo tempo (talvez não chegasse para rezar o terço). 
– Da primeira vez que a viste não ficaste assustada? 
– Fiquei, e tanto assim que quis fugir, com a Jacinta e o Francisco, mas Ela disse-nos que não tivéssemos medo, porque não nos faria mal. Disse: 'não tenham medo que eu não vos faço mal'.
 – Como é que está vestida? 
– Tem um vestido branco, que desce até um pouco abaixo do meio da perna, e cobre-lhe a cabeça um manto, da mesma cor, e do mesmo comprimento que o vestido. 
– O vestido não tem enfeites?
– Veem-se nele, na parte anterior, dois cordões dourados, que descem do pescoço e se reúnem por uma borla, também dourada, à altura do meio do corpo. 
– Tem algum cinto ou alguma fita?
– Não tem.
– Usa brincos nas orelhas?
– Usa umas argolas pequenas e de cor amarela.
– Qual das mãos segura as contas?
– A mão direita. 
– Eram um terço ou um rosário?
– Não reparei bem. 
– Terminavam por uma cruz? 
– Terminavam por uma cruz branca, sendo as contas também brancas. A cadeia era também branca.
– Perguntaste-lhe alguma vez quem era? 
– Perguntei, mas declarou que só o diria a 13 de outubro.
– Não lhe perguntaste de onde vinha? 
– Perguntei de onde era, e ela respondeu-me que era do Céu. 
– E quando foi que lhe fizeste essa pergunta?
– Da segunda vez, a treze de junho. 
– Sorriu alguma vez ou mostrou-se triste?
– Nunca sorriu nem se mostrou triste, mas sempre séria.
– Recomendou-te, e aos teus primos, que rezassem algumas orações? 
– Recomendou-nos que rezássemos o terço em honra de Nossa Senhora do Rosário, a fim de se alcançar a paz para o mundo. 
– Mostrou desejos de que no dia treze de cada mês estivessem presentes muitas pessoas na Cova da Iria? 
– Não disse nada a esse respeito. 
– É certo que te disse um segredo, proibindo que o revelasses a quem quer que fosse? 
– É certo. 
– Diz respeito só a ti ou também aos teus companheiros? 
– A todos três. 
– Não o podes manifestar ao menos ao teu confessor? (A esta pergunta guardou silêncio, parecendo um tanto enleada e julguei não dever insistir, repetindo a pergunta).
– Consta que, para te veres livre das importunações do sr. administrador, no dia em que foste presa, lhe contaste, como se fosse o segredo uma coisa que o não era, enganando-o assim e gabando-te depois de lhe teres feito essa partida: é verdade? 
– Não é; o sr. administrador quis realmente que eu lhe revelasse o segredo, mas como eu não o podia dizer a ninguém, não lhe disse, apesar de ter insistido muito comigo para esse fim. O que fiz foi contar tudo o que a Senhora me disse, exceto o segredo, e talvez por esse motivo o sr. administrador ficasse julgando que eu lhe tinha revelado também o segredo. Não o quis enganar. 
– A Senhora mandou que aprendesses a ler?
– Mandou, sim, da segunda vez que apareceu. 
– Mas se a Senhora disse que te levaria para o Céu no mês de outubro próximo, para que te serviria aprenderes a ler? 
– Não é verdade isso: a Senhora nunca disse que me levaria para o Céu em outubro, e eu nunca afirmei que ela me tivesse dito tal coisa. 
– O que declarou a Senhora que se devia fazer ao dinheiro que o povo deposita na Cova da Iria ao pé da carrasqueira? 
– Disse que o devíamos colocar em dois andores, levando eu, a Jacinta e mais duas meninas um deles, e o Francisco, com mais três rapazes, o outro, para a igreja da freguesia. Parte desse dinheiro seria destinado ao culto e festa da Senhora do Rosário e a outra parte para ajuda de uma capela nova. 
– Onde quer ela que seja edificada a capela? Na Cova da Iria?
– Não sei: ela não o disse.
– Estás muito contente por Nossa Senhora te ter aparecido?  
– Estou.
– No dia treze de outubro Nossa Senhora virá só?
– Vem também São José com o menino, e será concedida a paz ao mundo.
– E fez mais alguma revelação?
– Declarou que no dia 13 fará com que todo a povo acredite que ela realmente aparece.
– Por que razão não raro baixas os olhos deixando de fitar a Senhora?
– É que ela às vezes cega.
– Ensinou-te alguma oração?
– Ensinou; e quer que a recitemos depois de cada mistério do rosário.
– Sabes de cor essa oração?
– Sei.
– Diz lá...
– Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as alminhas todas para o Céu, principalmente aquelas que mais dele precisarem. 

⧫ Alguns Apontamentos Finais do Sacerdote 

Das respostas das crianças e mais ainda da sua atitude e modo de proceder em todas as circunstâncias em que se têm encontrado, resulta, com uma clareza, que parece excluir toda a dúvida, a sua perfeita e absoluta sinceridade. Não é verosímil que três crianças de tão tenra idade, uma delas apenas com sete anos, rudes e ignorantes, mintam e persistam na mentira durante tantos meses, posto que sejam tão obsediadas com perguntas e interrogatórios de toda a ordem e ameaçadas pelos representantes da autoridade eclesiástica e da autoridade civil e por tantas pessoas a quem elas devem respeito e consideração. Nenhuma consideração, nenhum temor é capaz de demovê-las de afirmar que veem Nossa Senhora.

Mas serão as crianças vítimas de uma alucinação? Estarão iludidas, julgando ouvir, e não ouvindo, julgando ver, e não vendo? Verificar-se-á no caso sujeito a hipótese de auto-sugestão? Mas como, se nada autoriza semelhante suposição, de todo o ponto gratuita? Não se trata de uma só testemunha, são três. Não se trata de adultos, mais sujeitos a alucinações, mas de crianças. E que crianças! Crianças de tenra idade, dotadas de perfeita saúde, e que não manifestam o mais pequeno sintoma de histerismo, segundo a declaração de um médico consciencioso que as examinou cuidadosamente.

Dar-se-á o caso, não raro sucedido, de uma intervenção diabólica? O anjo das trevas transforma-se algumas vezes em anjo de luz, para enganar os crentes. Verificar-se-á isso agora? ... Mas como explicar a concorrência de tantos milhares de pessoas, a sua fé viva e a piedade ardente, a modéstia e compostura que mostram em todos os seus atos, o silêncio e recolhimento da multidão, as conversões numerosas e retumbantes ocasionadas pelos acontecimentos?

Resta, pois, uma única solução. Serão os acontecimentos de Fátima obra de Deus? É cedo demais para responder com segurança a esta pergunta. A Igreja ainda não interveio, nomeando a respectiva comissão de inquérito. Quando o fizer, a missão desta comissão será relativamente fácil de cumprir. No próximo dia 13 de outubro, ou tudo se desfará como por encanto, ou novas provas, inteiramente concludentes, virão confirmar as que já existem em favor da realidade das aparições da Virgem.

[Documentação Crítica de Fátima - Seleção de Documentos (1917 - 1930), Doc. 10]