sábado, 29 de julho de 2017

FÁTIMA EM FATOS E FOTOS (VIII)

36. Por que Nossa Senhora permitiu a Visão do Inferno às três crianças?

Porque o Primeiro Segredo tinha como foco a salvação pessoal do homem e Nossa Senhora queria comunicar à humanidade pecadora o valor incomensurável da oração, dos sacrifícios e penitências dos Filhos de Deus como instrumentos da graça divina para a reparação dos pecados e escudo contra a perda eterna de milhões de almas: 'Sacrificai-vos pelos pecadores e dizei muitas vezes e em especial sempre que fizerdes algum sacrifício: Ó Jesus, é por vosso amor, pela conversão dos pecadores e em reparação pelos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria'.

A salvação de muitíssimas almas que não se salvariam por si próprias depende das orações e dos sacrifícios dos bons e das penitências dos santos! É preciso rezar, portanto, por aqueles que não rezam; é preciso fazer sacrifícios por aqueles que se perdem nos prazeres do mundo; é preciso fazer penitência como desagravo a tantos pecados cometidos contra os mistérios da graça divina. Nossa Senhora está dizendo: preciso de almas fieis, preciso de santos! Com eles e por meio deles, as graças divinas continuam fluindo pelos abismos do mundo e resgatando muitas almas que poderiam parecer, a princípio, irremediavelmente perdidas. A misericórdia divina é infinita, mas demanda como contrapartida o amor humano: as talhas precisam estar cheias de água para que sejam transformadas em vinho! O preço de uma alma perdida é infinito e a sua perda gera um dano infinito e, por isso, é que o inferno é o Inferno...



37. Como ocorreu a Visão do Inferno para as crianças?

No processo de santificação pessoal, o ser humano é levado a experimentar graças divinas tão excepcionais que abandona completamente os valores do mundo para passar a viver uma vida espiritual plena. Esse estado pode ser o que Santa Teresa de Ávila chamou de 'quarta morada', pode ser a pequena via de Santa Teresa de Lisieux, pode ser a passagem pela 'noite escura dos sentidos' de São João da Cruz. No caso dos três pastorinhos de Fátima, esta 'passagem pela noite escura' foi a Visão do Inferno. Por meio de uma visão ao mesmo tempo tão extraordinária e tão impressionante, as crianças alcançaram a santificação quase que imediata, tornando-se extremamente fervorosas na prática da oração e da penitência, pela salvação dos pecadores.

Trata-se de uma via tão excepcional de santificação que exigiu uma abordagem excepcional. Não seria possível às três crianças (e a qualquer ser humano) ter uma visão direta do Inferno, sem a intercessão divina. As crianças viram o Inferno sob a infusão especialíssima da graça divina e amparados pela presença de Nossa Senhora; com efeito, as três crianças viram o Inferno sob a proteção segura dos reflexos da luz divina que espargiam das mãos abertas de Nossa Senhora. 

Por outro lado, Nossa Senhora já havia assegurado anteriormente às crianças que as levariam para o Céu (na Segunda Aparição), após pedido neste sentido de Lúcia: 'Queria pedir-Lhe para nos levar para o Céu'. – 'Sim; a Jacinta e o Francisco levo-os em breve. Mas tu ficas cá mais algum tempo'. Sem esta revelação explícita de Nossa Senhora e sem a infusão da luz divina, as crianças teriam simplesmente morrido de pavor diante de uma visão tão espantosa.

38. Quais foram os impactos da Visão do Inferno sobre as crianças?

Os impactos foram tão tremendos que levaram as crianças a partilharem, a partir de então, uma contínua e sistemática prática de penitências e atos de mortificação e a repetirem, até a exaustão, a oração ensinada por Nossa Senhora. Isto é extremamente espantoso ao se levar em conta que estamos falando de três crianças, com idades de 7, 9 e 10 anos! Os testemunhos de Lúcia sobre a ação dos seus primos a este respeito dão uma ideia clara dessa imersão espiritual tremenda das crianças nos mistérios da graça [excertos da obra 'A Verdadeira História de Fátima', do Pe. João de Marchi]:

Numa dada ocasião, cuidando das ovelhas, as crianças sentiram muita sede num dia particularmente quente. Em vez de se queixar, a Jacinta, que tinha apenas 7 anos, parecia feliz. 'Que bom!' – dizia ela – 'Tenho tanta sede! Mas ofereço tudo pela conversão dos pecadores'. Lúcia foi pedir água a uma casa ali perto e voltou com uma jarra. Ofereceu a água em primeiro lugar ao Francisco. que respondeu: 'Não quero beber. Quero oferecer o sacrifício pela conversão dos pecadores'. 'Bebe tu, Jacinta!' ao que a menina respondeu: 'Também quero oferecer este sacrifício pelos pecadores'. Lúcia derramou, então, a água na concavidade de uma pedra para que as ovelhas a bebessem e foi devolver a vasilha à sua dona.

Jacinta sentiu-se então muito fraca e parecia quase a desfalecer. O barulho rítmico das cigarras, dos grilos e das rãs soavam em seus ouvidos como um barulho ensurdecedor. Com a cabecinha dolorida entre as mãos, não se aguentava mais: 'Dói-me tanto a cabeça! Diz aos grilos e às rãs que se calem!' Francisco a interpelou então: 'Não queres sofrer isto pelos pecadores?' A menina foi taxativa na resposta: 'Sim, quero. Deixa-os cantar!' 


A ideia do Inferno e das almas que sofriam no meio do fogo encheu de tal modo a mente da Jacinta que ela se esforçava inutilmente por compreender a causa de tão terrível castigo. E questionava então a prima mais velha: 'Ó Lúcia, que pecados são estes que essa gente faz para ir para o Inferno?' – ''Não sei! Talvez o pecado de não ir à missa aos domingos, de roubar, de dizer palavras feias, rogar pragas, jurar…” – 'E assim, por uma palavra, vão para o Inferno?' – 'Se essa palavra for um grande pecado…' Jacinta ficava então mortificada: 'Que lhes custavam estarem calados e irem à missa? Que pena que eu tenho dos pecadores! Se eu pudesse mostrar-lhes o Inferno!'

39. Qual é a mensagem de Fátima relativa ao Primeiro Segredo para nós cristãos?

Essencialmente, atuarmos no mundo, independentemente de idade, condição ou lugar, como testemunhas fieis do nosso batismo e apostolado cristãos. Milhares de almas estão se perdendo para sempre no Inferno todos os dias, porque não há quem reze ou se sacrifique pela salvação delas. As três crianças, que mal tinham entrado na idade da razão, aprenderam de Nossa Senhora o que podiam fazer neste sentido: ficaram sedentas, fizeram jejum e se empenharam duramente em fazer orações, penitências e sacrifícios pelos pecadores.

Na Primeira Aparição, Nossa Senhora já os havia convocado a este chamado da graça: 'Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido, e de súplica pela conversão dos pecadores?' – 'Sim, queremos' – 'Ide, pois, ter muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto', foi a resposta da Senhora. Este diálogo é a síntese do primeiro Segredo que foi revelado na Terceira Aparição, dirigido às crianças e a todos nós, cristãos. A Mensagem de Fátima nos conclama a responder, tal qual os pastorinhos, a este chamado dos Céus, aqui e agora: 'Quereis oferecer-vos a Deus...?' O que temos feito efetivamente pela salvação das almas?

40. Qual era a situação em Fátima a esta altura dos acontecimentos?

As notícias sobre as aparições já haviam se espalhado pela região e chegado inclusive a nível nacional de divulgação pela grande imprensa. O primeiro jornal a noticiar, em âmbito nacional, os eventos ocorridos na Cova da Iria foi 'O Século', principal diário de Lisboa e fundado em 1881, na edição de 23 de julho de 1917, com um título bastante sarcástico: 'Uma embaixada celestial… especulação financeira?' Esta primeira reportagem consistiu no relato de um correspondente regional que, após mencionar as aparições ocorridas e as opiniões de pessoas presentes em Fátima, concluiu que por trás daquelas manifestações, podia estar 'uma premeditada especulação financeira, cuja fonte de receita existe nas entranhas da serra, em qualquer manancial de águas minerais' [?], recentemente descobertas [Documentação Crítica de Fátima, p. 34]. O jornal 'O Mensageiro' de Leiria, que possuía então apenas dois anos e meio de criação, republicou na íntegra o texto do diário 'O Século', apenas com o título alterado para 'Aparição Miraculosa?', na sua edição de 25 de Julho de 1917.


Assim, particularmente após a aparição de julho, ocorreu um aumento significativo do fluxo de peregrinos e de curiosos para Fátima, oriundos de todas as regiões de Portugal. As consequências imediatas deste estado de coisas foi a promoção de uma mudança completa dos hábitos locais; o grande afluxo de pessoas gerou a necessidade de uma adaptação da infraestrutura local e afetou a paz da região e, muito particularmente, o sossego e o recolhimento das crianças, que eram sempre o alvo da investida de todos e em todas as ocasiões.

A posição da Igreja não era muito diferente então. Com raríssimas exceções, os padres que se deslocavam à Fátima viam as aparições com absoluto ceticismo e muitas vezes até com hostilidade. O próprio Padre Manuel Marques Pereira, pároco de Fátima à época das aparições e que conduzia pessoalmente interrogatórios aos videntes sobre os fatos (por exemplo, os interrogatórios com Lúcia e Jacinta sobre a Terceira Aparição ocorreram no dia 14 de julho de 1917), era ainda bastante incrédulo em relação aos acontecimentos da época. Não muito diferente era a percepção destes fatos pelos pais dos videntes e pelos demais moradores de Aljustrel.