terça-feira, 16 de março de 2021

VERSUS: 'FILHOS E FILHAS DE ABRAÃO?'

'És acaso maior do que nosso pai Abraão? E, entretanto, ele morreu... e os profetas também. Quem pretendes ser?' Respondeu Jesus: 'Se me glorifico a mim mesmo, a minha glória não é nada; meu Pai é quem me glorifica, aquele que vós dizeis ser o vosso Deus e, contudo, não o conheceis. Eu, porém, o conheço e, se dissesse que não o conheço, seria mentiroso como vós. Mas conheço-o e guardo a sua palavra. Abraão, vosso pai, exultou com o pensamento de ver o meu dia. Viu-o e ficou cheio de alegria'. Os judeus lhe disseram: 'Não tens ainda cinquenta anos e viste Abraão!' Respondeu-lhes Jesus: 'Em verdade, em verdade vos digo: antes que Abraão fosse, eu sou' (Jo 8, 53-58).

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Palavras do papa Francisco no seu primeiro discurso na recente viagem ao Iraque:

A religião, por sua natureza, deve estar ao serviço da paz e da fraternidade. O nome de Deus não pode ser usado para 'justificar atos de homicídio, de exílio, de terrorismo e de opressão' (Francisco e Ahmad Al-Tayyeb, Documento sobre a Fraternidade Humana, Abu Dhabi, 4/02/2019). Pelo contrário, Deus, que criou os seres humanos iguais em dignidade e direitos, chama-nos a difundir amor, benevolência, concórdia. Também no Iraque, a Igreja Católica deseja ser amiga de todos e, através do diálogo, colaborar de forma construtiva com as outras religiões, para a causa da paz. A presença muito antiga dos cristãos nesta terra e o seu contributo para a vida do país constituem um rico legado que pretende continuar a servir a todos. A sua participação na vida pública, como cidadãos que gozam plenamente de direitos, liberdades e responsabilidades, testemunhará que um são pluralismo religioso, étnico e cultural pode contribuir para a prosperidade e a harmonia do país [05/03/2021]

Palavras do papa Francisco no seu discurso durante o Encontro Inter-Religioso em Ur:

'Deus Todo-Poderoso, nosso Criador, que amais a família humana e tudo o que as vossas mãos fizeram, nós, filhos e filhas de Abraão pertencentes ao Judaísmo, ao Cristianismo e ao Islão, juntamente com os demais crentes e todas as pessoas de boa vontade, agradecemo-Vos por nos terdes dado como pai comum na fé Abraão, filho insigne desta nobre e amada terra'.


Eis uma oração feita a Deus, na união dos 'filhos e filhas de Abraão pertencentes ao Judaísmo, ao Cristianismo e ao Islão' e omitindo o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, para implorar pela paz e pela segurança dos homens neste mundo, particularmente pelas vítimas de tantas tragédias no Iraque, pedido reiterado 'juntamente com os demais crentes e todas as pessoas de boa vontade'. Podemos questionar os bons propósitos da oração? Podemos não reconhecer a enorme necessidade de se buscar a paz entre os homens e, em especial, ao sofrido povo cristão do Iraque? Podemos criticar um apostolado que postula  e manifesta publicamente tais imperativos humanos?

Podemos, e devemos. Bons propósitos não bastam. Bons propósitos podem ser águas turvas quando mascaram e desfiguram a Verdade. Bons propósitos podem ser blasfêmias quando anulam as Verdades da fé cristã e desafiam a misericórdia divina. Bons propósitos e boas intenções não são salvaguardas do bem realizado, mas podem apenas servir de pano de fundo para o mal em frenesi. A posteridade de Abraão, abençoada e prometida por Deus, não é fruto apenas da carne, mas do espírito. A posteridade de Abraão é a posteridade de Cristo, pela qual e por meio da qual Deus prometeu a Abraão: 'Este é o pacto que faço contigo: serás o pai de uma multidão de povos' (Gn 17,4).

A posteridade de Abraão é a multidão de povos que abraçaram a fé cristã e creem que Jesus Cristo é o Filho de Deus vivo, o salvador da humanidade. A posteridade de Abraão não inclui todos os povos, nem os pagãos, nem os que adoram outros deuses, nem os que professam doutrinas diferentes daquelas ensinadas e vividas por Jesus Cristo e, assim, a descendência abraâmica não inclui os povos que pertencem ao judaísmo ou ao islamismo. Muito menos ainda 'os demais crentes e todas as pessoas de boa vontade' são filhos ou filhas de Abraão. 

É preciso refutar a tal ponto a autêntica fé cristã para fazer vicejar os frutos insossos do diálogo inter-religioso? É preciso negar, esconder, subtrair, sublimar o nome de Jesus Cristo de um discurso cheio de respeito humano e profundamente ofensivo à glória de Deus?  É preciso ocultar Jesus Cristo porque 'nós, filhos e filhas de Abraão' precisamos ser irmãos em nome do ecumenismo e a cultivar uma Igreja Católica que deseja ser amiga de todos? Então é assim: como católicos obedientes e ecumênicos, atentos aos apelos do mundo que nos detesta, devemos aceitar candidamente não falar de Jesus Cristo aos nossos irmãos 'filhos e filhas de Abraão' e nem mencionar Nossa Senhora nas nossas campanhas da fraternidade (?) para não melindrar os protestantes - os nossos tão estimados 'outros irmãos na fé'? Mas a fé não é uma prática viva e heroica, movida pela graça divina e incensada por um amor incondicional?

Será que Deus realmente compartilha com isso? Ou vivemos tempos tremendos de provação para a sua Igreja e para a nossa fé? Sem Jesus e sem Maria, a Igreja Católica é vã, inútil, vazia. Com Jesus e com Maria, a barca de Pedro vai avançar por sobre estas espessas trevas de ecumenismo e apostasia e chegar um dia à Pátria Celeste, a qual muitos chegarão, mas não todos, nem todos os povos, nem os que fizeram concessões ao mundo, nem os que fizeram do ecumenismo a religião universal, nem todos os que se aclamam ingenuamente como irmãos iguais na fé, nem tampouco todos os que se rejubilam por ser no mundo 'filhos e filhas de Abraão'.