quinta-feira, 18 de março de 2021

TESOURO DE EXEMPLOS (58/60)


58. NOSSA SENHORA E O FAMOSO CAÇADOR

Certo manhã, pouco antes do almoço, descia do trem em Lourdes um certo senhor, completamente indiferente, que mal se resolvera a acompanhar a esposa e a filha ao balneário. Não pensava em demorar-se ali mais que o tempo que medeia entre dois trens: era tudo o que conseguiram alcançar dele a esposa e a filha.

Apenas lá chegadas, correram as duas à gruta para rezar pelo chefe da família, que tanta pena lhes causava por sua irreligião. Ele, porém, mais preocupado com o estômago do que com a alma, foi à procura do melhor hotel e, chamando o garçom, disse:
➖ Enquanto espero a minha senhora e a minha filha, prepare para nós três um bom almoço.
➖ Deseja o senhor comida como de sexta-feira?
➖ Como? De sexta-feira?
➖ É que hoje é dia de abstinência e quase toda gente o guarda, pelo menos aqui.
➖ Que me importa o dia? disse o livre-pensador. Ora essa! O almoço tem que ser substancioso, e demais sou caçador, quero carne, ouviu?

O garçom inclinou-se respeitoso e deu ordem ao cozinheiro de preparar a comida com carne. Acendendo um bom charuto, o nosso homem dizia de si para si:
➖ Não há que se dizer que não vi a famosa gruta... irei ver aquilo.
Chegou lá muito antes que as duas senhoras tivessem terminado suas visitas à gruta, à basílica e à cripta, em toda a parte rezando e suplicando por seu querido rebelde. Quando chegaram de novo à gruta, que surpresa! Ali estava o homem ajoelhado, chorando e rezando com todo o fervor. Era ele mesmo? Quase não podiam crer. Sim, era ele mesmo. Não se atreviam a falar-lhe, mas ele, logo que as viu, exclamou:
➖ Sim, sou eu, rezo e choro. Somente sei que vim sem pensar em nada, mas, achando-me diante desta imagem, uma emoção indescritível se apoderou de mim. Caí de joelhos e, ao ver um padre, perguntei-lhe se podia me confessar. Atrás do pequeno altar da gruta fiz minha confissão. Oh! como sou feliz! Ficaremos aqui hoje e amanhã comungaremos.

Não foi o único a derramar lágrimas; os três choravam e davam graças a Nossa Senhora. Ao chegar ao hotel, e vendo o salão repleto de gente, exclamou:
➖ Senhores, eu sou o famoso caçador N. N. Quando cheguei aqui ainda era um ímpio; agora tendes aqui um homem que acaba de confessar-se e vai comungar amanhã.
➖ Garçom, sirva para nós o almoço de sexta-feira...
Que surpresa para todos os assistentes! Desde aquela sexta-feira o Sr. N. N. tornou-se um cristão fervoroso!

59. O ROSÁRIO NOS PERIGOS

Já faz bastante tempo, que ocorreu na cidade de Cartago, na república de Costa Rica, um terremoto tão violento que a destruiu quase por completo. A Revista 'América', dos jesuítas de Nova York, narrando os pormenores da pavorosa catástrofe, chamou a atenção dos leitores para o fato seguinte:

Dom Ezequiel Gutiérrez, que fôra presidente daquela república, no momento do cataclismo, achava-se em sua casa rezando o rosário acompanhado de toda a sua família. Algumas pessoas quiseram interromper a reza e fugir para a rua, mas o chefe obrigou-as a ficar até terminar o rosário.

Acabada a oração, saíram à rua e qual não foi o assombro de todos ao verem as casas convertidas em ruínas. Em toda a redondeza nenhum edifício ficara intacto; a desolação era completa; somente a casa do ex-presidente não sofrera nenhum dano, nem sequer um abalo. Evidentemente Nossa Senhora a tomara sob a sua especial proteção, porque ali se rezava o seu rosário.

60. O SENHOR AMA A SUA MÃE?

Foi um valente soldado o cabo Pedro Pitois, que fez essa pergunta a Napoleão. Pedro estava sempre na primeira linha de combate, não temia as balas inimigas, e, a 6 de julho de 1809, na batalha de Wagram, ainda pelejou valorosamente. Depois desapareceu. Desertara do exército. Não demorou muito, foi preso e condenado à morte.
➖ Tu, um dos mais valentes, por que fizeste isso? perguntavam-lhe os companheiros.
➖ Não me arrependo - respondia - não fiz por mal.

À meia-noite, na véspera da execução, um oficial entrou na cela de Pedro. Era Napoleão e o preso não o reconheceu. Tomando-o o pela mão, o Imperador disse-lhe com carinho: 'Amigo, eu como oficial sempre admirei o teu valor nos combates. Agora venho saber se tens alguma recordação para tua família, que a enviarei depois da tua morte'.
➖ Não, nenhuma.
➖ Não queres mandar um adeus ao teu pai, a teus irmãos ou irmãs?
➖ Meu pai é falecido; não tenho irmãos nem irmãs.
➖ E a tua mãe?
➖ Ai! não a nomeie, porque, quando ouço nomeá-la, tenho vontade de chorar e um soldado não deve chorar.
➖ Por que não? replicou Napoleão. Eu não teria vergonha de chorar ao lembrar-me de minha mãe.
➖ Ah! o senhor quer bem a sua mãe? Pois vou contar-lhe tudo.

De tudo que existe no mundo, nada amei tanto como minha mãe. Quando parti, deu-me sua bênção e disse-me: 'Se me amas, cumpre o teu dever'. Nas batalhas, diante das balas, sempre me recordei de suas palavras. Não tinha medo algum. Um dia soube que estava gravemente enferma; pedi licença para ir abraçá-la pela última vez e não me deixaram partir. Recebi, afinal, a notícia de que falecera e pedi licença para ir vê-la ao menos morta. Pela segunda vez me disseram que não. Não aguentei mais: era preciso ir depositar uma flor ao menos sobre a sua sepultura. Fui, chorei e recolhi esta flor de miosótis que aqui trago sobre o meu coração. Morrerei amanhã, mas a morte não me amedronta.

Napoleão, depois de algumas palavras de consolo, retirou-se grandemente comovido. No outro dia foi o preso conduzido ao lugar do suplício. Estando a guarda para disparar, chegou o imperador a cavalo, poupou a vida de Pedro Pitois e nomeou-o oficial.
➖ Amais a vossa mãe do céu?
Respondereis certamente com Santo Estanislau: 'Como não a hei de amar, se é minha Mãe?'. E ela vos dirá: 'Cumpri o vosso dever, e eu vos alcançarei a perseverança e a graça final'.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

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