quarta-feira, 29 de abril de 2020

A VIDA OCULTA EM DEUS: A HUMILDADE


verdadeira paz só se encontra na humildade. Despreze-se com sinceridade diante de Deus e faça isso cada vez mais. Pelo menos tente fazer isso e verá os resultados. Se você for capaz de amar (por um ato de vontade) a humilhação e a contradição, terá dado um grande passo em direção a Deus. Aceite com franqueza e sem discussões internas ou externas as pequenas humilhações diárias. Faça isso: custa apenas dar o primeiro passo. Assim, o hábito pode fincar raízes e, então, que alegria e que paz!

Amar ser humilhado e ser considerado ninguém é uma graça. Peça isso sempre, mas com tranquilidade.

Na prática, reconhecer que não se está com a razão é perder pouco e ganhar muito.

Aceite humildemente não agradar a todos; querer o contrário seria querer o impossível.

Cuide da sua necessidade de criticar e contradizer os outros para melhor se afirmar diante de si mesmo. Procura definir os seus sentimentos com simplicidade, precisão, clareza e brevidade; depois mantenha-se sereno e reze.

Esforce-se sempre ainda que pareça que os seus esforços sejam inúteis. Deus quer o seu esforço pessoal para poder recompensá-lo. Permita que o seu fracasso, aparente ou real, o humilhe. Você precisa da humilhação como um freio. Quanto mais doloroso for, mais necessário é para você. Nada nos resguarda mais do que a humilhação e nada nos humilha mais como os nossos defeitos.

Ame as suas imperfeições. Elas o humilham e fornecem a matéria-prima para os seus esforços. Mas corrija-as também. Lembre-se do provérbio: 'quem ama bem, castiga bem'. E não traduza 'bem' por 'muito'. Dê a essa palavra todo o seu senso de restrição, prudência e firmeza, mas não rigidez excessiva. Considere os seus defeitos como uma mina inesgotável de mérito e humilhação e, nesse sentido, seria de se lamentar não ter defeitos. 

Se alguém nos julgasse como nós nos conhecemos, isso nos faria sofrer muito. Mais ainda, se nos fizesse saber o que pensa de nós. Nada nos machucaria mais, por miseráveis que julgássemos ser, do que um simples olhar de alguém que nos visse sob a nossa própria medida e, portanto, com desprezo. 

É como se sentir um ferro em brasas, como uma queimadura ardente, porque o egoísmo nos consome. Existem almas que não conseguem superar as consequências de uma falta cometida e do desprezo que a mesma produz. Quão habilidosos somos nós em responder às críticas e quantas precauções tomamos para evitar a menor humilhação! Mas nada é tão contrário à paz como isso. Existe paz quando você não pode tolerar a menor falta de consideração? Deus nunca haverá de conceder as suas graças a uma alma que se prostra preocupada diante de meras opiniões humanas que, na grande maioria das vezes, mostram-se equivocadas: busca-se então um bem que Deus não proverá. É a Deus quem devemos agradar, para que Ele nos olhe benignamente a cada dia; e não aos homens, buscando obter uma boa impressão a nosso respeito às custas de nossos dons naturais e mesmo de graças sobrenaturais. A vaidade espiritual é a pior de todas as vaidades e isso é prova concreta que estas graças não procedem de Deus ou de que Ele não as concederá mais. Porque é impossível entrar assim no seu Reino.

Trata-se, portanto, de praticar a humildade na medida em que ela realmente existe na alma, para praticá-la, desenvolvê-la, criar raízes e progredir. O que temos que encontrar, então, é a fórmula simples e única que traduz o ato e a origem da humilhação. Se, por exemplo, ao quebrar um copo sobre a mesa, em vez de dizer: 'Como sou desajeitado, sempre fazendo isso!' ou 'o copo escorregou das minhas mãos...' ou variantes assim, diga apenas: 'eu quebrei o copo'. Pronto; num sentido direto, simples e objetivo, sem buscar minimizar ou escamotear o constrangimento do ato. E, outras vezes, é melhor não dizer nada, deixando o silêncio traduzir as verdadeiras disposições de sua alma.

Não tente fazer florescer sentimentos de humildade dentro de você, mas 'exercite-se' nesta disposição, a menos que se entenda por 'sentimentos' coisas como gostos não sensíveis, disposições da alma ou atitudes espirituais.

Ó como estaríamos dispostos a receber as graças de Deus se tivéssemos um julgamento correto e exato sobre nós mesmos e sobre as nossas verdadeiras qualidades, reconhecendo-as sem exagero e vendo nelas tão somente uma concessão divina; e, mais ainda, um julgamento assim sobre os nossos muitos e verdadeiros defeitos e misérias, sem os exagerar também, mas vendo-os à luz de Deus! Nesse sentido, o orgulho seria impossível. Os santos viviam nessa luz e, por isso, pequenas faltas que nos parecem triviais mostravam-se enormes para eles, por causa da medida precisa que tinham da santidade de Deus e do profundo horror divino às nossas menores imperfeições. E, uma vez iluminados de maneira extraordinária, a humildade legou a eles contemplar de tal modo a própria miséria que, por  se depreciarem tanto diante dela e com julgamentos tão severos sobre si mesmos, tais considerações podem nos parecer surpreendentes.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte I -  O Esforço da Alma; tradução do autor do blog)