quarta-feira, 25 de março de 2020

PALAVRAS ETERNAS (V)


'Ó tu mortal que me vês  
repara bem como estou:  
eu já fui o que tu és  
e tu serás o que eu sou'

(antiga inscrição de portadas e lápides, cuja origem são versos de poema de autor desconhecido)

Em solitária morada,
onde a humana voz não soa,
e onde o terreno povoa
mata de escura ramada,
feia caveira mirrada
o acaso encontrar me fez;
cresce o susto, a palidez,
quando ela me diz e grita:
'Pára um pouco e medita
Ó tu mortal, que me vês!'

Imóvel então ficando,
sem reação lhe obedeci;
e com violência senti
o coração palpitando;
com meus olhos se fechando
frio suor me banhou;
quando de novo ela clamou:
'Não feches teus olhos, não
e presta-me toda atenção;
repara bem como estou.

Em duro espasmo me abraço,
mal podendo respirar
porque sentindo apertar
na garganta o curto espaço;
e por estranho embaraço
imóveis ficam os meus pés!
Ela fala uma terceira vez:
'Ó desengano fatal!
Eu também já fui racional
eu já fui o que tu és!'

Vendo assim de tão perto
tudo o que um dia foi meu,
os olhos levanto ao céu
sozinho em meio ao deserto.
E ela diz então: 'Deste decreto,
o Deus que tudo criou,
nenhum mortal isentou,
sem condição e nem idade:
ou mais cedo ou mais tarde
tu serás o que eu sou!'