segunda-feira, 23 de setembro de 2019

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (XXXIX)

VII

DA CIÊNCIA DE CRISTO ENQUANTO HOMEM: CIÊNCIA BEATÍFICA, INFUSA E ADQUIRIDA

Além da graça que o Filho de Deus concedeu à natureza humana, unida à sua divina Pessoa, dotou-a também com outras prerrogativas?
Sim, Senhor; e em primeiro lugar, com as de ciência (IX-XII)*.

Quantas classes de ciência possuía o Filho de Deus Encarnado?
Três: aquela, em virtude da qual são felizes os santos no céu ou ciência da visão beatífica; a ciência infusa ou inata, derivada do Verbo, a qual põe na alma as noções e idéias necessárias para saber e compreender todas as coisas de um só relance e de um modo natural e a ciência experimental ou adquirida, resultado do exercício ordinário das faculdades mentais que assimilam o mundo exterior por meio dos sentidos (IX, 2, 3, 4).

Foi especial e perfeitíssima a ciência de visão beatífica de Cristo Nosso Senhor?
Foi tão grande que excede sem proporção a de todos os anjos e homens bem-aventurados; desde o primeiro instante de sua Encarnação, pode Jesus Cristo, enquanto homem, conhecer no Verbo todas as coisas, de sorte que nada houve, presente, passado ou futuro, fossem ações, palavras ou pensamentos, qualquer que fosse a sua causa ou motivo, que o Filho de Deus não conhecesse, segundo a natureza humana a Ele unida hipostaticamente (X, 2-4).

Foi também, singularmente perfeita, a ciência infusa de Jesus Cristo?
Sim, Senhor; visto que Jesus Cristo, enquanto homem. sabia quanto pode conhecer a inteligência humana, utilizando as suas luzes naturais e, além disso, quantos conhecimentos pode a revelação proporcionar a qualquer inteligência criada mediante o dom de sabedoria, de profecia ou de qualquer outro dos dons do Espírito Santo, e isto com uma perfeição e abundância absolutamente transcendentais, não só em comparação com a ciência dos outros homens, mas também com a dos espíritos angélicos (XI, 1. 3. 4).

Que devemos pensar da ciência adquirida pelo Filho de Deus feito homem?
Que possuía toda quanta a inteligência humana pode alcançar trabalhando sobre os dados dos sentidos; que esta ciência foi progredindo e aperfeiçoando-se, à medida que o entendimento reflexionava sobre os novos dados que iam aflorando aos sentidos, sem que jamais tivesse aprendido qualquer verdade dos lábios de um mestre, porque à medida que se ia desenvolvendo, aprendia por si mesmo nas obras de Deus, tudo o que um mestre poderia explicar-lhe (XII, 1,3).

Aprendeu alguma coisa dos anjos?
De maneira nenhuma, pois toda a ciência que, enquanto homem, possuía, adquiriu-a ou imediatamente do Verbo ao qual pessoalmente estava unido ou no exercício de suas faculdades naturais, e qualquer outro modo de adquiri-la teria sido indigno Dele (XII, 4).

VIII

DO PODER DE JESUS CRISTO ENQUANTO HOMEM

Possuiu Jesus Cristo, enquanto homem, alguma outra prerrogativa, além da ciência?
Sim, Senhor, a do poder (XIII).

De que poderes estava investida a alma humana de Cristo?
Em primeiro lugar, do poder que tem toda alma pelo fato de ser forma substancial do corpo; além disso, do poder próprio e exclusivo da alma de Cristo na ordem da graça, visto que está destinada a comunicá-la a todos os que hajam de possuí-la; por último, a natureza humana de Cristo participa instrumentalmente do poder do Filho de Deus que, unido pessoalmente a ela, transformará e restaurará todas as coisas no céu e na terra, conforme o plano fixado por Deus e em harmonia com o fim da Encarnação (XIII, 1-4).

IX

DOS DEFEITOS DA NATUREZA HUMANA UNIDA HIPOSTATICAMENTE AO FILHO DE DEUS  DEFEITOS POR PARTE DO CORPO E POR PARTE DA ALMA

Foi conveniente que, ao lado das prerrogativas de ciência, graça e poder, tomasse o Filho de Deus a natureza humana com alguns defeitos de alma e corpo?
Pensando que o fim intentado pelo Filho de Deus na Encarnação foi satisfazer pelos nossos pecados, aparecer no mundo como um dentre os homens, reservando todo o seu mérito para a fé, e dar-nos exemplo com a prática das mais sublimes virtudes de paciência e imolação, sim, Senhor.

Que defeitos corporais tinha a natureza humana assumida pelo Verbo?
As misérias e debilidades inerentes a toda a natureza humana, como pena do pecado de nossos primeiros pais, tais como a fome, a sede e a a morte; não, porém, os defeitos consequentes de pecados pessoais, nem os hereditários, nem os acidentalmente contraídos na concepção (XIV, 1).

Logo o corpo de Jesus Cristo, com a exceção das debilidades mencionadas, era soberanamente formoso e perfeito?
Sim, Senhor; porque assim convinha à dignidade do Verbo divino e à ação do Espírito Santo, que diretamente o modelou nas entranhas da Santíssima Virgem, como mais tarde diremos.

Que defeitos de alma tinha a natureza humana unida ao Filho de Deus?
Em primeiro lugar, a possibilidade de experimentar dor sensível, especialmente a que produziriam as lesões corporais que havia de padecer no curso de sua paixão; em segundo lugar, o sentir a contrariedade produzida pelos movimentos interiores da ordem afetiva sensível e intelectual que supõem sempre um mal iminente, tais como a tristeza, o temor e a cólera, tendo em vista que esses movimentos em Cristo nunca estiveram em desacordo com a razão, à qual estavam em tudo submetidos (XV, 1-9).

Podemos dizer que Jesus Cristo, enquanto homem, era ao mesmo tempo 'compreensor' por estar em termo e 'viador' por achar-se no caminho da bem-aventurança?
Sim, Senhor; o primeiro, porque gozava plenamente da visão da essência divina e o segundo porque, suspensa milagrosamente a derivação da glória da alma para a parte sensível, como o fim de não impedir a obra da redenção, conquistou e mereceu, durante a sua vida mortal, a glorificação do corpo que começou a desfrutar depois da Ressurreição e da Ascensão (XV, 10).

X

CONSEQUÊNCIAS DA ENCARNAÇÃO DO FILHO DE DEUS — DE QUE MANEIRA PODEMOS EXPRESSAR-NOS AO FALAR DO VERBO ENCARNADO

Que proposições podemos sustentar referindo-nos ao adorável mistério da Encarnação?
Podemos dizer com verdade que Deus é homem porque uma pessoa de natureza divina é homem; também podemos dizer que o homem é Deus, porquanto uma pessoa, que é realmente homem, se identifica com a pessoa de Deus; e, em geral, podemos atribuir a Deus todas as propriedades da natureza humana, porque se realizam numa pessoa divina, e as da natureza divina podem dizer-se do homem Verbo Encarnado, porque aquele homem é pessoa de Deus. Ao contrário, não podemos atribuir à divindade os predicados da humanidade, nem a esta os daquela porque, na pessoa do Filho de Deus Encarnado, permanecem inconfusas as duas naturezas, conservando cada uma as suas propriedades (XVI, 1,2).

Podemos dizer: Deus se fez homem?
Sim, Senhor; porque uma pessoa divina, que não era homem, começou a sê-lo no tempo (XVI, 6).

Podemos dizer que o Verbo Encarnado é uma criatura?
Em absoluto, não, Senhor; porque tal locução faria supor que um puro homem chegou a transformar-se em Deus (XVI, 7); porém, acrescentando: em atenção à natureza humana que assumiu hipostaticamente, sim, porque a natureza humana, unida à pessoa do Verbo, é uma criatura (XVI, 8).

Podemos dizer: este homem (indicando a Cristo) começou a existir?
Não, Senhor; porque daríamos a entender que quem começou a existir foi a pessoa divina. Poderíamos, apesar disto, empregar a frase, ajuntando: 'enquanto homem ou em atenção à natureza humana' (XVI, 9).

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)