terça-feira, 3 de outubro de 2017

NOSSA SENHORA DE TODOS OS NOMES (6)

Maria Jugo Gengizu ou Maria dos Quinze Mistérios


São Francisco Xavier tinha 35 anos quando cruzou o oceano para evangelizar os domínios portugueses de ultramar. Neste zelo apostólico, cruzou terras e oceanos em condições de risco extremo, perfazendo, em pouco mais de uma década, uma das mais extraordinárias ações missionárias da história da Igreja. Pregou a palavra de Cristo em inúmeras incursões a áreas remotas e a diferentes povos das possessões portuguesas, da Índia, das ilhas de Málaca, das Molucas e de várias ilhas vizinhas, chegando até o Japão e, mais tarde, até às costas da China, onde veio a falecer, de febre e exaustão, em 3 de dezembro de 1552, aos 46 anos.

Em Málaca, conheceu três japoneses e começou a sonhar com a possibilidade de empreender um trabalho missionário no Japão, o que efetivamente ocorreu entre os anos de 1549 e 1551. Ao se retirar, tudo parecia indicar que a igreja nascente chegaria a ser uma das mais notáveis do Oriente, face ao notável crescimento do catolicismo nos anos seguintes. O santo não podia supor que, pouco depois de sua morte, haveria de se desencadear uma perseguição tão brutal que o cristi anismo desapareceria quase por completo no Japão.

Com o advento do Xogunato Tokugawa, uma ditadura feudal estabelecida no Japão a partir de 1603 e governada pelos xoguns da família Tokugawa até 1868 (o chamado Período Edo), o catolicismo foi brutalmente perseguido e praticamente proscrito no país. Após a expulsão dos missionários cristãos em 1614, uma série de torturas e execuções sumárias, pelos meios mais violentos possíveis, reprimiram quase que por completo as atividades e a manifestação da fé cristã no país. Editos foram promulgados oferecendo pagamentos por denúncias dos japoneses convertidos que, uma vez identificados, eram submetidos a toda sorte de torturas públicas, sendo queimados vivos ou mortos por crucificação ou decapitação. O culminar da perseguição foi o chamado massacre de Shimabara, perto de Nagasaki, em 1638, no qual um total de 35.000 pessoas - homens, mulheres e crianças, na sua maioria cristãos - foram mortas pelas forças do xogunato. Em meio a tudo isso, entretanto, o cristianismo não foi aniquilado e muitos japoneses professavam a sua fé cristã na clandestinidade - os chamados kakure kirishitan ou 'cristãos escondidos'.

E é nesse período terrível da cristandade no Japão que foi pintada pelos 'cristãos escondidos' o ícone chamado Maria Jugo Gengizu ou Maria dos Quinze Mistérios. Aqueles que criaram e preservaram a pintura arriscaram suas vidas para fazê-lo. Trata-se de uma pintura em pergaminho, retratando Nossa Senhora com o Menino Jesus ao centro, 4 santos na parte inferior (incluindo o próprio São Francisco Xavier e Santa Luzia, martirizada e protetora dos olhos) e circundada por 15 quadros menores, simbolizando os mistérios do Rosário. Nossa Senhora, em vez de rosas, segura uma camélia nas mãos, flor mais familiar para os japoneses. Especialistas sugerem que a pintura foi executada por um artista japonês que estudou técnicas ocidentais, pela associação bastante atípica da pintura, parte em óleo, parte em tinta chinesa.

A pintura, muito deteriorada e reparada muitas vezes de forma amadora, resistiu àqueles tristes tempos por muitas gerações e foi, sem dúvida, uma fonte de muitas orações, sacrifícios, provações e perseverança de muitos cristãos japoneses. Descoberta no sótão de uma antiga construção nas proximidades da cidade de Osaka, as investigações históricas indicaram que provavelmente teria pertencido originalmente a um nobre católico (ou daimyo) chamado Takayama Ukon. A pintura foi restaurada profissionalmente e encontra-se atualmente exposta para visitação pública no Museu da Universidade de Kyoto.