sábado, 26 de novembro de 2016

QUESTÕES SOBRE AS TENTAÇÕES E O PECADO (III)


Questão 25: Pode Deus nos tentar?

'Que ninguém, ao ser tentado, diga: ‘É Deus quem me tenta’, porque Deus não pode ser tentado para o mal, nem tentar ninguém' (Tg 1, 13).  Este versículo nos ensina duas coisas: a primeira é que Deus não pode ser tentado. Por que o que pode oferecer a tentação a Deus que Ele já não tenha? Que benefício, que prazer ou satisfação que se pode oferecer que Ele já não possua? Em Deus, a tentação é metafisicamente impossível, pois esta não tem nada a oferecer. A segunda coisa que o versículo nos ensina é que Deus não tenta a ninguém. Deus é bom e, por isso, não pode nunca tentar para o mal. Deus só pode conduzir ao bem, nunca nos apresentando o mal como bem ou nos induzindo ao erro. Se Deus não pode ser tentado, por que o diabo tentou Jesus? Porque foi Deus feito homem que podia ser tentado. Assim como também é impossível para Deus sofrer, ainda que Deus encarnado pudesse sofrer.

Questão 26: Por que Deus permite a tentação?

Se Deus não nos tenta, por que permite a tentação? Encontramos a resposta no seguinte versículo: 'Considerai que é suma alegria, meus irmãos, quando passais por diversas provações, sabendo que a prova da vossa fé produz a paciência' (Tg 1, 2-3) Sem a tentação, não existiria essa constância na virtude que resiste uma e outra vez contra toda a tentação sedutora. Em outras palavras, há determinados tipos de virtudes que jamais poderiam existir sem uma resistência às tentações. E mais, quanto mais dura for a prova, maior a luz da virtude ao superar a tentação.

Isto nos leva a pensar no seguinte: Deus poderia ter confrontado os demônios de modo que eles nunca pudessem interferir na história humana. Porém, Deus sabia que os demônios, se de um lado seriam causas de males, por outro lado ofereceriam ocasiões de bens muito maiores e da manifestação de virtudes muito mais valiosas. De certo modo, poderíamos dizer que Deus aceitou a possibilidade da escuridão no mundo pois isso permitia a manifestação de uma luz muito mais pura e brilhante. Do contrário, bastaria uma simples ordem de Deus para que nem sequer um demônio pudesse ter entrado em contato com um ser humano. Assim, se Deus permitiu tal contato, é porque sabia que disso resultaria bens muito maiores.

Questão 27: O que é a morte eterna? 

Um espírito (assim como uma alma) é indestrutível, não se deteriora, não se desgasta, não se subdivide. O espírito não pode morrer. Cometa os pecados que cometer, seguirá existindo e, por mais que queira morrer, a vida não o abandonará. O que se quer dizer com as expressões 'pecado mortal', 'morte eterna' e similares, é que a vida sobrenatural de um espírito ou de uma alma não pode morrer. O pecado mortal acaba com a vida sobrenatural. O espírito continua existindo, porém com uma vida meramente natural. A vontade e a inteligência, com todas as suas potências, continuam operando, mas sem a vida da graça.

O espírito desprovido da graça é como um cadáver. Esta expressão pode parecer algo exagerada, mas é precisa. O espírito que peca mortalmente é como um cadáver inanimado, sem a graça santificante. Passa a viver então apenas para a natureza e por sua natureza, uma vez privado da graça sobrenatural. E desde o momento em que a graça tenha deixado de vivificar um espírito, ocorre com ele o mesmo que com um corpo que não está mais animado por uma alma, ou seja, começa a sua deterioração.

Assim como um corpo começa a se decompor, assim um espírito começa a se corromper à medida que sua vontade vai cedendo. São muitos os homens que vivem apenas para a natureza do seu ser, esquecendo completamente a vida sobrenatural que Deus lhes concederia com prazer. O nível de deterioração varia muito conforme a pessoa. Mas, se pudéssemos acessar a alguns destes espíritos, veríamos que se tratam de verdadeiros cadáveres que exalam um mau odor exatamente como o de um cadáver em decomposição há muito tempo.

Questão 28: Como é o processo que leva à morte eterna? 

'Cada um é tentado pela sua própria paixão, pela qual é atraído e seduzido. A paixão, depois de conceber, dá à luz ao pecado e o pecado, quando consumado, gera a morte' (Tg 1, 14 -15).  O apóstolo São Tiago, em dois versículos descreve, com uma incrível profundidade, do princípio ao fim o processo que leva à morte da alma. O pecado não se produz por si mesmo e nem por um golpe repentino que se abate subitamente diante de nós sem que tenhamos culpa; há todo um processo, tal como descrito pelo apóstolo. A tradução do grego desses dois versículos deve ser muito cuidadosa para não se perder as nuances presentes nos verbos. O processo descrito é o seguinte:


A imagem de uma mulher gestando uma criança em seu ventre durante meses é a imagem da pessoa que gesta a iniquidade em seu interior. Certamente o pecado se manifesta em um determinado momento; um segundo antes não havia pecado e, um segundo depois, sim. Uma vez ocorrido o pecado, dá-se à luz ao pecado, porque antes terá havido uma gestação dele. E tal como no mundo animal, quanto maior for a gestação, maior será o rebento que se dá à luz. Assim também no mundo espiritual, quanto maior o pecado, maior o período necessário de sua gestação para que se manifeste. Aqui está a resposta à pergunta que tantos se fazem de como é possível que tal pessoa possa ter sido capaz de cometer tal ou qual barbaridade. Nenhuma barbárie moral aparece sem um processo prévio, que ocorre oculto aos olhos dos demais, mas que vai se desenvolvendo livremente no interior de tal pessoa. 

O apóstolo usa esta expressão 'dar à luz' porque verdadeiramente o pecado experimentara antes da 'gestação' uma 'concepção'. A sedução e a vontade atuam como  o espermatozoide e o óvulo. A paixão trata de abrir caminho e penetrar na vontade. Se esta se contrapõe, a sedução prostra-se estéril sem produzir nada. Uma vez cerrada a vontade, nem milhares ou milhões de espermatozoides lograrão penetrar no íntimo da vontade. Mas, se a vontade acolher a sedução, ocorre a concepção do pecado. Ainda assim, o pecado pode ser ainda eliminado. Não sendo eliminado, põe-se a reproduzir.


O pecado dá origem a novos pecados, se reproduz, aumentando em quantidade e transmutando-se qualitativamente em faltas piores. Se o primeiro pecado incorpora um processo prévio, o pecado gestado que permanece inicia também um novo processo, processo que leva à morte: a morte da alma. E a morte da alma resulta na morte eterna. A alma invadida pelo pecado é como uma alma morta, pois não possui nenhuma vida sobrenatural dentro de si. E se a alma morta decide permanecer neste estado de corrupção até o fim, isso implica a morte eterna e a condenação.


Conhecer tudo isso nos leva a dar mais valor à ação sobrenatural da graça divina que, em qualquer momento deste processo (desde que não tenha conduzido à morte eterna), pode vivificar a alma. O perdão de Deus não é somente perdão, mas vivificação. E se isso vale para o pecado e para as paixões, vale também, só que ao contrário, para a graça e para as virtudes. A vida em Cristo é um processo, uma vida que está sempre em gestação.

(Excertos da obra 'Summa Daemoniaca', do Pe. Jose Antonio Fortea, tradução do autor do blog)