quinta-feira, 31 de março de 2016

HISTÓRIAS QUE OUVI CONTAR (XV)

Na vida austera dos claustros, um hábito recorrente dos monges é caminhar por alas e galerias em oração e silencioso recolhimento. Neste caminho, as marcas das sandálias traduzem a história e os ciclos da vida humana em novos rumos e momentos, conformando a teia espiritual de homens consagrados a cumprir, nas mínimas coisas, a Santa Vontade de Deus. 

Tomás fazia a sua caminhada habitual naquela manhã, na parte mais erma do mosteiro. Estava recolhido nos seus pensamentos centrados na Paixão do Senhor, inserido na miséria contraditória de Longuino, o soldado que iria perfurar o lado de Jesus, o ressuscitado em Cristo pelo sangue e pela água aspergidos sobre a sua fronte de pecador. Andava em passos decididos e firmes pelo hábito, ainda que lentos, demarcados pelo domínio de idade muito avantajada.

Imerso em suas meditações profundas, só se deu conta da presença do jovem frade, quando este lhe dirigiu, com voz altercada, uma segunda admoestação: 'Meu bom irmão, a meu pedido, o superior deste convento me concedeu a permissão para que eu acompanhasse na oração o primeiro monge que eu encontrasse na parte mais erma do mosteiro. Nesta manhã, só o encontrei fazendo caminhada aqui e, assim, humildemente, solicito que me conceda compartilhar com o senhor não apenas a sua companhia mas também as suas meditações a partir de agora'.

'Que seja, portanto, se isso for do seu agrado e interesse' e, sem mais delongas, convidou o jovem frade a segui-lo, passando a compartilhar com ele, em voz alta, suas orações e devoções. Seguiram juntos pelo trajeto inteiro das alas uma vez e uma vez mais. Entretanto, o jovem frade, um pouco entediado pela lentidão dos passos do monge idoso, aprumou a marcha e começou a andar com mais vigor e pressa. E o monge mais velho passou a segui-lo com igual firmeza e rapidez, sem perder as respostas e o diálogo das orações que faziam juntos.

O jovem frade quis colocar à prova os limites físicos do bom homem e começou a andar cada vez mais depressa, com atitude cada vez mais voltada à sua própria caminhada, aparentando não se dar conta da presença do companheiro de jornada. E, num esforço supremo, o velho monge continuava no seu encalço e repetia os desdobramentos das orações de viva voz. E, submetido a quase uma corrida de obstáculos, parecia voar sobre os mesmos e se mantinha ao lado do frade cada vez mais em desabalada carreira.

Eis que, enfim, o próprio frade se deu conta do seu cansaço e de sua má atitude, refreando os passos e passando a andar em marcha lenta. Admirou-se de ver o velho monge continuar as orações em comum, sem grandes sinais de ofegação ou interrupção. E, somados os atos e os fatos, concluíram ambos aquela maratona contemplativa pelos ermos do mosteiro.

Ao entrarem na galeria interna do claustro, foram recepcionados alegremente pelo superior: 'Meu jovem, que felicidade a sua! Você teve a honra e a graça de caminhar e de orar em companhia de Tomás de Aquino! Quão poucos tiveram essa tão grande honra na vida!' Pálido de espanto, o noviço mal conseguia balbuciar agora meia dúzia de palavras. 'Tomás, Tomás de Aquino?' E olhava boquiaberto para o velho monge ao seu lado. 'Eu mesmo, meu irmão, e lhe agradeço por ter-me feito voltar, nesta manhã, às manhãs da minha mocidade!'

Assustado e, caindo de joelhos, o jovem frade pedia perdão ao velho monge por tê-lo submetido à prova tão despropositada. O superior o recriminou de imediato por atitude tão infeliz, dispensando-o em seguida. Voltando-se, então, para Tomás, o questionou: 'Por que o senhor agiu assim e se submeteu às sandices desse rapaz?' O doutor angélico, apertando suavemente as mãos do superior, respondeu: 'Não se preocupe. Na obediência, encontra-se a perfeição da vida religiosa e, por meio dela, o homem deve se submeter ao homem em nome de Deus, tal como o próprio Deus obedeceu ao homem em favor do homem'*

* 'Quod in obedientia perficitur omnis religio, qua homo homini propter Deum subicit, sicut Deus homini propter hominem obediuit'

quarta-feira, 30 de março de 2016

FOTO DA SEMANA

Por isso, como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim a morte passou a todo o gênero humano, porque todos pecaram... (Rm 5,12)

terça-feira, 29 de março de 2016

OS QUATRO CASTELOS DA PAZ


1. Jesus: Filho, vou agora te ensinar o caminho da paz e da verdadeira liberdade.
2. A alma: Fazei, Senhor, o que dizeis, que muito grato me é ouvi-lo.

3. Jesus: Filho, trata de fazer antes a vontade alheia que a tua. Prefere sempre ter menos que mais. Busca sempre o último lugar e sujeita-te a todos. Deseja sempre e roga que se cumpra plenamente em ti a vontade de Deus. O homem que assim procede penetra na região da paz e do descanso.

4. A alma: Senhor, este vosso discurso é breve, mas encerra muita perfeição. Poucas são as palavras; cheias, porém, de sabedoria e de copioso fruto. Se eu as praticasse fielmente, não me deixaria perturbar com tanta facilidade. Pois, todas as vezes que me sinto inquieto e aflito, verifico que me desviei desta doutrina. Vós, porém, que tudo podeis e desejais sempre o progresso da alma, aumentai em mim a graça, para que possa guardar vossos ensinamentos e levar a efeito minha salvação.

Oração contra os maus pensamentos:

5. Senhor, meu Deus, não vos aparteis de mim, meu Deus dignai-vos socorrer-me (1). Pois me invadem vários pensamentos, e grandes temores afligem minha alma. Como escaparei ileso, como poderei vencê-los? 

6. Diante de ti, são palavras vossas, irei eu e humilharei os soberbos da terra (2); abrir-te-ei as portas do cárcere e te revelarei mistérios recônditos.

7. Fazei Senhor, conforme dizeis e dissipe vossa presença todos os maus pensamentos. Esta é a minha única esperança e consolação: a vós recorrer em toda tribulação, em vós confiar, invocar-vos de todo o coração e com paciência aguardar a vossa consolação. Amém.

Oração para pedir o esclarecimento do espírito:

8. Iluminai-me, ó bom Jesus, com a claridade da luz interior e dissipai todas as trevas que reinam em meu coração. Refreai as dissipações nocivas e rebatei as tentações, que me fazem violência. Pelejai valorosamente por mim, e afugentai as más feras, essas traiçoeiras concupiscências, para que se faça a paz por vossa virtude, e ressoe perene louvor no templo santo (3), que é a consciência pura. Mandai aos ventos e às tempestades; dizei ao mar: aplaca-te, e ao tufão: não sopres; e haverá grande bonança.

9. Enviai vossa luz e vossa verdade (4), para que resplandeçam sobre a terra; porque sou terra vazia e estéril, enquanto não me iluminais. Derramai sobre mim vossa graça e banhai o meu coração com o orvalho celestial; abri as fontes de devoção, que reguem a face da terra, para que produza frutos bons e perfeitos. Erguei meu espírito abatido pelo peso dos pecados e dirigi meus desejos paras as coisas do céu, para que, antegozando a doçura da suprema felicidade, me aborreça em pensar nas coisas da terra.

10. Desprendei-me e arrancai-me de toda transitória consolação das criaturas, porque nenhuma coisa criada pode consolar-me plenamente ou satisfazer meus desejos. Uni-me convosco pelo vínculo indissolúvel do amor, porque só vós bastais a quem vos ama, e sem vós tudo o mais é vaidade. Amém.

(1) Salmo lxxi. 12.
(2) Isaías xlv. 2.
(3) Salmo cxxii. 7.
(4) Salmo xliii. 3.

(Excertos da obra 'Imitação de Cristo', de Thomas de Kempis)

segunda-feira, 28 de março de 2016

BÊNÇÃO URBI ET ORBI 2016



O áudio é dividido em três partes e deve ser ouvido até o fim: Mensagem Urbi et Orbi - (intervalo) - Bênção com Indulgência Plenária - (intervalo) - Mensagem Final 

Mensagem Urbi et Orbi (00:10)

Caros irmãos e irmãs, Boa Páscoa!

Jesus Cristo, encarnação da misericórdia de Deus, por amor morreu na cruz e por amor ressuscitou. Por isso, proclamamos hoje: Jesus é o Senhor! A sua Ressurreição realizou plenamente a profecia do salmo: a misericórdia de Deus é eterna, o seu amor é para sempre, não morre jamais. Podemos confiar completamente N’Ele, e damos-Lhe graças porque por nós Ele baixou até ao fundo do abismo.

Diante dos abismos espirituais e morais da humanidade, diante dos vazios que se abrem nos corações e que provocam ódio e morte, prosseguiu o Papa, somente uma infinita misericórdia nos pode dar a salvação. Só Deus pode preencher com o seu amor esses vazios, esses abismos, e evitar-nos de afundar, permitindo-nos de continuar caminhando juntos em direção à Terra da liberdade e da vida.

O anúncio jubiloso da Páscoa: Jesus, o crucificado, não está aqui, ressuscitou oferece-nos, por conseguinte, a certeza consoladora de que o abismo da morte foi vencido e, com isso, foram derrotados o luto, o pranto e a dor. O Senhor, que sofreu o abandono dos seus discípulos, o peso de uma condenação injusta e a vergonha de uma morte infame, faz-nos agora compartilhar a sua vida imortal, e nos oferece o seu olhar de ternura e compaixão para com os famintos e sedentos, com os estrangeiros e prisioneiros, com os marginalizados e descartados, com as vítimas de abuso e violência, recordando que o nosso mundo está cheio de pessoas que sofrem no corpo e no espírito, um mundo no qual as crônicas diárias estão repletas de relatos de crimes brutais, que muitas vezes acontecem dentro das paredes do nosso lar, e de conflitos armados a grande escala submetendo populações inteiras a provas inimagináveis. Eis que Cristo ressuscitado indica portanto, caminhos de esperança para a querida Síria, um País devastado por um longo conflito, com o seu cortejo triste de destruição, morte, de desprezo pelo direito humanitário e desintegração da convivência civil.

Confiamos ao poder do Senhor ressuscitado, as conversações em curso, de modo que, com a boa vontade e a cooperação de todos, seja possível colher os frutos da paz e dar início à construção de uma sociedade fraterna, que respeite a dignidade e os direitos de cada cidadão. A mensagem de vida proclamada pelo anjo junto da pedra rolada do sepulcro, vença a dureza dos corações e promova um encontro fecundo entre povos e culturas nas outras regiões da bacia do Mediterrâneo e do Oriente Médio, particularmente no Iraque, Iêmen e na Líbia.

A imagem do homem novo, que resplandece no rosto de Cristo, favoreça a convivência na Terra Santa entre israelenses e palestinos, bem como a disponibilidade paciente e o esforço diário para trabalhar no sentido de construir as bases de uma paz justa e duradoura através de uma negociação direta e sincera. O Senhor da vida acompanhe também os esforços para alcançar uma solução definitiva para a guerra na Ucrânia, inspirando e apoiando igualmente as iniciativas de ajuda humanitária, entre as quais a libertação de pessoas detidas.

O Senhor Jesus, nossa paz, que ressuscitando derrotou o mal e o pecado, possa favorecer, nesta festa da Páscoa, a nossa proximidade com as vítimas do terrorismo, forma de violência cega e brutal que continua a derramar sangue inocente em diversas partes do mundo, como aconteceu nos ataques recentes na Bélgica, Turquia, Nigéria, Chade, Camarões, Costa do Marfim e Iraque. Possam frutificar os fermentos de esperança e as perspectivas de paz na África; estou pensando particularmente no Burundi, Moçambique, República Democrática do Congo e no Sudão do Sul, marcados por tensões políticas e sociais.

Com as armas do amor, Deus derrotou o egoísmo e a morte; seu Filho Jesus é a porta da misericórdia aberta de par em par para todos. Que a sua mensagem pascal possa resplandecer cada vez mais sobre o povo venezuelano nas difíceis condições em que vive e sobre aqueles que detêm em suas mãos os destinos do país, para que se possa trabalhar em vista do bem comum, buscando espaços de diálogo e colaboração entre todos. Que por todos os lados possam ser tomadas medidas para promover a cultura do encontro, a justiça e o respeito mútuo, únicos elementos capazes de poder garantir o bem-estar espiritual e material dos cidadãos.

Mas também, o Cristo ressuscitado, anúncio de vida para toda a humanidade, ressoa através dos séculos e nos convida não esquecer dos homens e das mulheres em busca de um futuro melhor, grupos cada vez mais numerosos de migrantes e refugiados – entre os quais muitas crianças - que fogem da guerra, da fome, da pobreza e da injustiça social. Esses nossos irmãos e irmãs que nos seus caminhos encontram com demasiada frequência a morte ou a recusa dos que poderiam oferecer-lhes hospitalidade e ajuda. Que a próxima Conferência Mundial sobre a Ajuda Humanitária não deixe de colocar no centro a pessoa humana com a sua dignidade e possa desenvolver políticas capazes de ajudar e proteger as vítimas de conflitos e de outras situações de emergência, especialmente os mais vulneráveis e os que sofrem perseguição por motivos étnicos e religiosos.

Neste dia glorioso, 'delicie também a terra inundada de tanto esplendor', ainda que seja tão abusada e vilipendiada por uma exploração ávida pelo lucro, que altera o equilíbrio da natureza. Penso em particular pelas zonas afetadas pelos efeitos das mudanças climáticas, que muitas vezes causam secas ou violentas inundações, resultando em crises alimentares em diferentes partes do planeta. Recordo os nossos irmãos e irmãs que são perseguidos por causa da sua fé e pela sua lealdade a Cristo para lhes dirigir ainda hoje as palavras consoladoras de Cristo: 'Não tenhais medo! Eu venci o mundo!' Hoje é o dia radiante desta vitória, porque Cristo derrotou a morte e a sua ressurreição fez resplandecer a vida e a imortalidade: 'Nos conduziu da escravidão à liberdade, da tristeza à alegria, do luto à celebração, da obscuridade à luz, da servidão à redenção; por isso, louvamos diante dEle: Aleluia!'

A todos aqueles que, nas nossas sociedades, perderam toda a esperança e alegria de viver, para os idosos oprimidos que na solidão sentem esvanecer as forças, para os jovens aos quais parece não existir o futuro, a todos eu dirijo mais uma vez as palavras do Ressuscitado: 'Eis que faço novas todas as coisas'... a quem tiver sede, eu darei gratuitamente da fonte da água viva'. Esta mensagem consoladora de Jesus, possa ajudar cada um de nós a recomeçar com mais coragem, para assim construir estradas de reconciliação com Deus e com os irmãos, de que temos tanta necessidade!

Bênção Urbi et Orbi (14:47) - favorecida com a Indulgência Plenária neste Domingo de Páscoa

Mensagem Final (19:11)

Queridos irmãos e irmãs:

Desejo renovar os meus melhores desejos de uma Feliz Páscoa a todos vocês, que vieram de Roma e de diferentes países, assim como àqueles que nos ouvem pela televisão, rádio e outros meios de comunicação. Que possa ressoar em seus corações, em suas famílias e comunidades o anúncio da Ressurreição, acompanhado da cálida luz da presença viva de Jesus: presença que ilumina, conforta, perdoa, tranquiliza... Cristo venceu o mal pela raiz: Ele é a Porta da salvação, aberta para que cada um possa encontrar nela misericórdia.

Agradeço a sua presença e a sua alegria neste dia de festa. Um agradecimento particular por este arranjo de flores, que também este ano são oriundas dos Países Baixos. Levem a todos a alegria e a esperança de Jesus Ressuscitado! E, por favor, não se esqueçam de rezar por mim. Bom almoço de Páscoa e até logo!

domingo, 27 de março de 2016

PÁSCOA DA RESSURREIÇÃO

Páginas do Evangelho - Domingo da Páscoa


Este é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e nele exultemos! A mão direita do Senhor fez maravilhas, a mão direita do Senhor me levantou. Não morrerei, mas, ao contrário, viverei para cantar as grandes obras do Senhor! Aleluia! Aleluia! Aleluia!

Eis o grande dia do Senhor, em que a vida venceu a morte, a luz iluminou as trevas, a glória de Deus se impôs aos valores do mundo. Jesus veio para fazer novas todas as coisas, abrir o caminho para o Céu, eternizar a glória de Deus na alma humana. Cristo Ressuscitado é a razão suprema de nossa fé, penhor maior de nossa esperança, causa de nossa alegria, plenitude do amor humano. Como filhos da redenção de Cristo, cantamos jubilosos a Páscoa da Ressurreição: 'Tende confiança! Eu venci o mundo' (Jo 16, 33).

O Triunfo de Cristo é o nosso triunfo pois o o Homem Novo tomou o lugar do homem do pecado. Mortos para o mundo, tornamo-nos herdeiros da ressurreição da nova vida em Deus: 'Se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres. Pois vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus (Cl 3, 1-3).

Entremos com Pedro no sepulcro agora vazio de Jesus: 'Viu as faixas de linho deitadas no chão e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não posto com as faixas, mas enrolado num lugar à parte' (Jo 20, 6 -7). Este sepulcro vazio é a morte do pecado, a vitória da vida sobre a morte: 'Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?' (1 Cor 15, 55). Jesus ressuscitou! Bendito é o Senhor dos Exércitos que, com a sua Ressurreição, derrotou o mundo e nos fez herdeiros do Céu! Este é o dia da alegria suprema, do triunfo da vida, do gáudio eternos dos justos. Este é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e nele exultemos! 

Hæc est dies quam fecit Dominus. Exultemus et lætemur in ea!

DOMINGO DA RESSURREIÇÃO

SOLENIDADE DA RESSURREIÇÃO DE NOSSO SENHOR

'Haec est dies quam fecit Dominus. Exultemus et laetemur in ea
— 
'Esse é o dia que o Senhor fez. Seja para nós dia de alegria e felicidade'
 (Sl 117, 24)

Cristo ressuscitou! Eis a Festa da Páscoa da Ressurreição, a data magna da cristandade. Por causa da ressurreição de Jesus, podemos ter fé e esperança, obter o perdão dos nossos pecados e a salvação de nossas almas. Com a ressurreição de Jesus, a morte foi vencida. E as Portas do Céu foram abertas para toda a eternidade.

'Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está o teu aguilhão?' 
(1 Cor 15, 55)









sábado, 26 de março de 2016

SÁBADO SANTO

VIGÍLIA PASCAL

Estamos prostrados em silêncio diante o Santo Sepulcro. Hoje é o dia da bênção do Fogo Novo, do Círio Pascal, da renovação das nossas promessas do batismo. Cantamos o Exultet com Maria. Com Maria, Mãe de todas as vigílias, aguardamos, em súplice espera, a Ressurreição do Senhor.






sexta-feira, 25 de março de 2016

SEXTA-FEIRA SANTA

CELEBRAÇÃO DA PAIXÃO E MORTE DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO

Nós Vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e Vos bendizemos,
porque pela Vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Penitência, jejum, abstinência, silêncio, oração. Jesus agonizante acabou de pronunciar suas últimas palavras, entregando o Espírito ao Pai. E morre sobre a cruz. José e Nicodemos O descem do lenho das flagelações para os braços da Mãe Dolorosa. E, então, O conduzem para o Santo Sepulcro.











quinta-feira, 24 de março de 2016

QUINTA-FEIRA SANTA

CELEBRAÇÃO DA INSTITUIÇÃO DA EUCARISTIA E DO SACERDÓCIO

Nesta Quinta-Feira Santa, a Igreja recorda a Última Ceia de Jesus e a instituição da Eucaristia, sacramento do Seu Corpo e do Seu Sangue: 'Fazei isto em memória de Mim'; a instauração do novo Mandamento: 'Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei' e a suprema lição de humildade de Jesus, quando o Senhor lava os pés dos seus discípulos.














INDULGÊNCIAS PLENÁRIAS DA SEMANA SANTA


No riquíssimo acervo das indulgências concedidas pela Santa Igreja, concessões diversas são dadas aos fieis por ocasião do Tríduo Pascal (Quinta-feira Santa, Sexta-feira Santa e Vigília Pascal) para a obtenção de indulgências plenárias, desde que atendidas as demais condições habituais*:

Quinta-Feira Santa

· Recitação ou canto do hino eucarístico 'Tantum Ergo' durante a solene adoração ao Santíssimo Sacramento que se segue à Missa da Ceia do Senhor;

· Visita e adoração ao Santíssimo Sacramento pelo prazo de meia hora.

Sexta-Feira Santa

· Participação piedosa da Veneração da Cruz na solene celebração da Paixão do Senhor.

Sábado Santo  

· Recitação do Santo Rosário.

· Participação piedosa da celebração da Vigília Pascal, com renovação sincera das promessas do Batismo.

Domingo de Páscoa

· Participação devota e piedosa à benção dada pelo Sumo Pontífice a Roma e ao mundo (bênção Urbi et Orbi), ainda que por rádio ou televisão.


* Condições adicionais para obtenção de uma indulgência plenária:

1. Exclusão de todo afeto a qualquer pecado, inclusive venial.

2. Confissão Sacramental, Comunhão Eucarística e Oração pelas Intenções do Sumo Pontífice. 

(i) estas condições podem ser cumpridas uns dias antes ou depois da execução da obra enriquecida com a Indulgência Plenária, mas é da maior conveniência que a comunhão e a oração pelas intenções do Sumo Pontífice se realizem no mesmo dia em que se cumpre a obra.

(ii) a condição de orar pelas intenções do Sumo Pontífice é cumprida por meio da oração de um Pai Nosso, Ave-Maria e Glória ou uma outra oração segundo a piedosa devoção de cada um.

quarta-feira, 23 de março de 2016

A CRUZ DE CRISTO - MEDIDA DO MUNDO (II)


Assim como a doutrina da Cruz não se manifesta ostensivamente à superfície do mundo, mas é a verdadeira interpretação desse mundo, assim, quando é recebida por um coração fiel, permanece nele como um princípio vital, mas profundo e escondido. Os cristãos, nas palavras da Escritura, vivem da fé no Filho de Deus, que os amou e se entregou por eles (Gal 2, 20), mas não o alardeiam diante de todos, antes deixam os outros descobri-lo por si mesmos. O próprio Cristo ordenou aos seus discípulos que, quando jejuassem, ungissem a cabeça e lavassem o rosto (Mt 6, 17).

Por isso, os cristãos têm o dever de não se vangloriar, antes devem contentar-se com parecer exteriormente diferentes do que realmente são no seu íntimo. Devem mostrar um semblante alegre e controlar e regular os seus sentimentos, para que esses sentimentos não se desgastem na superfície, mas possam retirar-se para o fundo do coração, e ali viver. Por isso, Jesus Cristo, e este crucificado, é – como nos diz o Apóstolo – uma sabedoria escondida (I Cor 2, 2.7); escondida no mundo, que à primeira vista parece falar de uma doutrina enormemente diferente, e escondida na alma fiel, que – para as pessoas que não lhe estão próximas, ou para os conhecidos ocasionais – parece levar apenas uma vida ordinária, quando na realidade está secretamente em comunhão com Aquele que foi manifestado na carne (I Tim 3, 16), crucificado pela fraqueza (II Cor 13, 4), justificado no Espírito, visto pelos anjos e acolhido na glória (I Tim 3, 16).

Se é assim, a grande e tremenda doutrina da Cruz de Cristo, que agora celebramos, pode ser considerada apropriadamente, em linguagem figurada, o coração da religião. O coração costuma ser considerado a sede da vida; é o princípio do movimento, do calor e da atividade; dele parte o sangue até as extremidades do corpo e a ele retorna. Sustenta as forças e faculdades do homem; permite que o cérebro pense; e se for ferido, o homem morre. Da mesma forma, a sagrada doutrina do Sacrifício Redentor de Cristo é o princípio vital do qual vive o cristão, e sem ele não existe cristianismo.

Sem ela, não se pode sustentar de maneira proveitosa nenhuma outra doutrina; a Divindade de Cristo, ou a sua Humanidade, ou a Santíssima Trindade, ou o Juízo que há de vir, ou a Ressurreição dos mortos seriam crenças falsas, não a fé cristã, se não se aceitasse ao mesmo tempo a doutrina do sacrifício de Cristo. Por outro lado, aceitá-la pressupõe que se aceitem também as outras altas verdades do Evangelho: ela pressupõe a fé na verdadeira Divindade de Cristo, na sua verdadeira Encarnação e no estado pecaminoso do ser humano; e prepara o caminho para crer no sagrado Banquete Eucarístico, no qual Aquele que outrora foi crucificado é entregue sempre de novo às nossas almas e aos nossos corpos, real e verdadeiramente, no seu Corpo e no seu Sangue.

Mais ainda: o coração está escondido à vista e segura e cuidadosamente guardado; não é como o olho que, inserido na fronte, tudo controla e é visto por todos. Da mesma forma, a sagrada doutrina do Sacrifício Redentor não se destina a ser objeto de conversação, mas deve ser vivida; não se destina a ser enunciada irreverentemente, mas deve ser adorada em segredo; não se destina a ser usada como um instrumento necessário para a conversão dos maus ou para a satisfação dos raciocinadores deste mundo, mas deve ser apresentada aos dóceis e obedientes, às criancinhas que o mundo não corrompeu, aos aflitos que precisam de consolo, aos sinceros e honestos que buscam uma regra de vida, aos inocentes que precisam de advertência, e aos santos que merecem conhecê-la.

Farei mais uma observação para depois concluir. Não se deve presumir que o Evangelho seja uma religião triste porque a doutrina da Cruz nos entristece. O salmista diz: 'Os que semeiam entre lágrimas hão de colher com alegria' (Sl 125, 6); e Nosso Senhor também: 'Os que choram serão consolados' (Mt 5, 5). Que ninguém se afaste de nós com a impressão de que o Evangelho nos leva a ter uma visão sombria do mundo e da vida. Não há dúvida de que ele nos impede de alimentar uma visão superficial e de encontrar vãs alegrias transitórias naquilo que vemos; mas, se nos proíbe a alegria imediata, é apenas para nos dar uma alegria verdadeira e plena mais tarde.

O Evangelho proíbe-nos apenas começar pelo prazer. Diz-nos: 'se começares pelo prazer, terminarás na dor'. Convida-nos a começar pela Cruz de Cristo, e nessa Cruz encontraremos primeiro a tristeza, mas em breve a paz e o consolo que nascerão dessa tristeza. A Cruz há de conduzir-nos à contrição, ao arrependimento, à humilhação, à oração, ao jejum; haveremos de entristecer-nos pelos nossos pecados, haveremos de entristecer-nos com os sofrimentos de Cristo; mas toda essa tristeza resultará, ou melhor, será suportada com uma felicidade imensamente maior do que o prazer que o mundo tem a nos dar.

É claro que as mentes superficiais e mundanas não creem nisto, antes riem destas ideias, porque nunca saborearam a sua realidade e consideram tudo mera questão de palavras, palavras que as pessoas religiosas considerariam decoroso e conveniente usar, em que tentariam crer, nas quais pretenderiam levar outros a acreditar, mas que ninguém realmente sentiria. Isto é o que pensam; mas o nosso Salvador disse aos seus discípulos: 'Assim também vós, sem dúvida, agora estais tristes, mas hei de ver-vos outra vez e o vosso coração se alegrará, e ninguém vos tirará a vossa alegria' (Jo 16, 22) e também: 'Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como a dá o mundo' (Jo 14, 27). 

E ainda São Paulo: 'O homem carnal não aceita as coisas do Espírito de Deus, pois para ele são loucura. Nem as pode compreender, porque é pelo Espírito que se devem ponderar; coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou, tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam' (I Cor 2, 14.9). Assim, a Cruz de Cristo, ao falar-nos tanto da nossa redenção como dos sofrimentos do Senhor, efetivamente nos fere – mas fere para curar.

Por isso mesmo, tudo o que é brilhante e belo, mesmo que se encontre apenas à superfície deste mundo, e ainda que não tenha substância e não possa ser apreciado convenientemente por si mesmo, é, no entanto, figura e promessa daquela verdadeira alegria que nasce da Redenção. É uma promessa antecipada do que há de ser: é uma sombra que gera esperança porque a sua substância há de vir, mas que não deve ser confundida precipitadamente com a própria substância. Este é o modo habitual como Deus lida conosco: envia misericordiosamente a sombra antes da substância, para que possamos consolar-nos com aquilo que há de ser antes mesmo que venha.

Assim, antes da sua Paixão, Nosso Senhor entrou triunfalmente em Jerusalém enquanto as multidões gritavam 'Hosana' e atapetavam o seu caminho com ramos de palmeira e com os seus mantos. Mas tudo não passava de uma encenação vã e oca, na qual o Senhor não podia encontrar alegria. Era uma sombra que não permaneceu, mas se esvaiu. Não podia ser mais que uma sombra, pois Cristo ainda não tinha sofrido a Paixão pela qual havia de forjar o seu verdadeiro triunfo. Não podia entrar na sua glória sem antes ter sofrido. Não podia desfrutar dessa aparência de glória sabendo que era irreal. Mas aquele primeiro triunfo vislumbrado era o anúncio e presságio da verdadeira vitória que havia de vir quando tivesse vencido o aguilhão da morte. Esse triunfo figurado é o que comemoramos no Domingo de Ramos, para alentar-nos no meio da tristeza da Semana Santa e para recordarmos a alegria verdadeira que virá com o Dia da Páscoa.

O mesmo se aplica a este mundo com todas as suas delícias, que são também desencantos. Não confiemos nele; não lhe entreguemos os nossos corações; não comecemos por ele. Comecemos pela fé; comecemos por Cristo; comecemos pela Cruz e pela humilhação a que ela conduz. Deixemo-nos atrair para Aquele que foi levantado, para que Ele possa dar-nos generosamente todas as coisas, juntamente consigo mesmo. Busquemos primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e então todas as coisas deste mundo nos serão acrescentadas (Mt 6, 33).

Só aqueles que começam pelo mundo que não se vê são capazes de desfrutar verdadeiramente deste mundo que se vê. Só quem primeiro se absteve dele pode alegrar-se nele. Só quem primeiro jejuou pode verdadeiramente banquetear-se. Só quem aprendeu a não abusar do mundo é capaz de usá-lo. E só quem o aceita como uma sombra da realidade vindoura e, por amor ao vindouro se desprende do presente, é que há de vir a herdá-lo.

(Sermão do Sexto Domingo da Quaresma - Parte II, pelo Cardeal John Henry Newman)

terça-feira, 22 de março de 2016

A CRUZ DE CRISTO - MEDIDA DO MUNDO (I)


Grande número de homens vive e morre sem jamais ter refletido sobre a situação em que se encontra. Aceitam o lhes chega e seguem as suas inclinações até onde as suas oportunidades lhe permitem. Guiam-se principalmente pelo prazer e pela dor, não pela razão, pelos princípios ou pela consciência. Também não tentam interpretar este mundo, determinar o que significa ou reduzir o que vêem e sentem a um sistema. Mas, quando começam a contemplar a situação aparente em que nasceram – quer pela sua mente reflexiva, quer por curiosidade intelectual – logo chegam à conclusão de que é um labirinto e uma perplexidade. É um enigma que não conseguem resolver. Parece cheia de contradições e desprovida de qualquer desígnio. O que é, como proceder nela, como é o que é, de que modo se pode começar a entendê-la, qual é o nosso destino, tudo são mistérios.

Mergulhados nessa dificuldade, alguns compuseram uma filosofia de vida e outros, outra, pensando ter descoberto a chave que lhes permitiria ler aquilo que é tão obscuro. Dez mil coisas passam diante de nós, uma após a outra, ao longo da vida: que devemos pensar delas? Que cor atribuir-lhes? Devemos vê-las de maneira alegre e gozosa? Ou de maneira melancólica? De maneira desalentada ou esperançosa? Devemos tomá-las levianamente ou conferir gravidade a cada assunto? Devemos tornar maiores as coisas de pouca importância ou tirar peso às de grande importância? Guardar na mente o que foi e passou, olhar para o futuro ou deixar-nos absorver pelo presente?

Como devemos olhar as coisas? Esta é a pergunta que todas as pessoas reflexivas fazem a si mesmas, e cada uma lhe responde a seu modo. Desejam pensar por meio de regras, mediante algo que esteja dentro delas e ao mesmo tempo lhes permita harmonizar e ajustar o que está fora. Essa é a necessidade experimentada pelas mentes reflexivas. Agora, permiti-me que pergunte: Qual é a chave real, qual a interpretação cristã deste mundo? Qual o critério que a Revelação nos dá para avaliar e medir este mundo? E a resposta é: o grande acontecimento deste tempo litúrgico, a Crucifixão do Filho de Deus.

A morte do Verbo eterno de Deus feito carne é a nossa grande lição quanto ao modo como devemos pensar e falar deste mundo. A sua Cruz atribuiu a tudo o que vemos o seu devido peso, a todas as riquezas, a todos os benefícios, a todas as categorias, a todas as distinções, a todos os prazeres; à concupiscência da carne, à concupiscência dos olhos e à soberba da vida. Pesou todas as emoções, as rivalidades, as esperanças, os medos, os desejos, os esforços e os triunfos do homem mortal. Deu significado ao instável e vacilante percurso da vida terrena, às suas provações, tentações e sofrimentos. Reuniu e tornou consistente tudo o que parecia discorde e sem propósito. Ensinou-nos como viver, como usar deste mundo, o que aguardar, o que desejar, o que esperar. É a melodia em que se reúnem e harmonizam todas as dissonâncias da música deste mundo.

Olhai à vossa volta e vede o que o mundo vos apresenta tanto de alto como de baixo. Ide à corte dos príncipes. Vede a riqueza e a arte de todas as nações reunidas para honrar o filho de um homem. Observai como os muitos se prostram diante dos poucos. Considerai as formalidades e o cerimonial, a pompa, o luxo, o esplendor – e a vanglória. Quereis saber o valor de tudo isso? Olhai para a Cruz de Cristo. Ide ao mundo da política: vede a inveja que opõe nação a nação, a competição entre uma economia e outra, exércitos e frotas enfrentados uns com os outros. Examinai os diversos estamentos da sociedade, os seus partidos e as suas contendas, as aspirações dos ambiciosos e as intrigas dos astutos. Qual é o fim de toda essa agitação? A sepultura. Qual é a sua medida? A Cruz.

Ide também ao mundo do intelecto e da ciência: considerai as maravilhosas descobertas feitas pela mente humana, a variedade de artes que essas descobertas fizeram surgir, os quase milagres pelas quais demonstra o seu poder, e considerai a seguir o orgulho e a autoconfiança da razão, e a absorção do pensamento em objetos transitórios, que é a sua conseqüência. Quereis julgar retamente tudo isso? Olhai para a Cruz.

Mais ainda: vede a miséria, vede a pobreza e a indigência, vede a opressão e o cativeiro; ide para onde o alimento é escasso e a moradia insalubre. Considerai a dor e o sofrimento, as doenças longas ou agudas, tudo o que é pavoroso e repugnante. Quereis saber que peso têm todas essas coisas? Olhai para a Cruz. Por isso, todas as coisas convergem para a Cruz – e para Aquele que dela pende – todas as coisas lhe estão subordinadas, todas as coisas necessitam dela. É o seu centro e a sua interpretação. Pois Ele foi levantado sobre ela para que pudesse atrair a si todos os homens e todas as coisas.

Mas, dir-nos-ão, a perspectiva da vida humana e do mundo que a Cruz de Cristo nos confere não é a que teríamos por nós mesmos; que não é um modo de ver evidente por si mesmo; as coisas são muito mais claras e ensolaradas do que nos parecem à luz da Quaresma. O mundo parece ter sido feito precisamente para que um ser como o homem desfrute dele, e o homem foi posto neste mundo; o homem tem a capacidade de desfrutar, e o mundo lhe fornece os meios de fazê-lo.

Que modo de pensar tão natural, que filosofia simples e ao mesmo tempo agradável! Mas, como é diferente da filosofia da Cruz! A doutrina da Cruz, poder-se-ia dizer, desarranja as duas partes de um sistema que parecem ter sido feitas uma para outra; separa o fruto de quem o come, o prazer de quem o desfruta. Que problema soluciona? Não será que antes cria um problema?

Respondo, em primeiro lugar, que seja qual for a força desta objeção, não faz senão repetir aquilo que Eva sentiu e Satanás incitou no Éden. Não viu a mulher que o fruto proibido era 'bom para comer' e 'de aspecto desejável'? Será então de estranhar que também nós, os descendentes do primeiro casal, nos encontremos num mundo onde há um fruto proibido, e que as nossas tentações consistam em que ele esteja ao nosso alcance e que a nossa felicidade consista em usufruirmos dele? O mundo, à primeira vista, parece feito para o prazer, e o conhecimento da Cruz de Cristo é uma visão solene e triste que interfere com essa aparência. Seja; mas não consistirá o nosso dever em que nos abstenhamos desse prazer, se era um dever até no Éden?

Mais ainda: dizer que esta vida está feita para o prazer e para a felicidade é encarar de maneira extremamente superficial as coisas. Para aqueles que olham além da superfície, este mundo conta uma história muito diferente. No fim das contas, a doutrina da Cruz somente nos ensina – embora de maneira infinitamente mais contundente – a mesmíssima lição que este mundo ensina àqueles que nele vivem longo tempo, que dele adquirem muita experiência, que o conhecem. O mundo é doce aos lábios, mas amargo ao paladar. Agrada no começo, mas não no fim. Parece alegre por fora, mas o mal e a miséria estão ocultos nele.

Quando um homem passou pelo mundo um certo número de anos, exclama como o autor do Eclesiastes: 'Vaidade das vaidades, tudo é vaidade' (Ecl 1, 2). Mais: se não tiver a religião cristã por guia, terá de ir além e dizer: 'Tudo é vaidade e descontentamento do espírito' (Ecl 6, 2); tudo é desapontamento, tudo é tristeza, tudo é dor. As dolorosas sentenças que Deus pronuncia contra o pecado estão embutidas no mundo e obrigam o homem a afligir-se, quer queira quer não. Portanto, a doutrina da Cruz de Cristo apenas antecipa a nossa experiência do mundo. É verdade que nos exorta a chorar os nossos pecados no meio de tudo o que sorri e brilha ao nosso redor; mas, se não lhe fizermos caso, acabaremos por chorá-los quando estivermos submetidos ao seu terrível castigo. Se não reconhecermos que este mundo se tornou miserável por causa do pecado, olhando para Aquele sobre quem os nossos pecados recaíram, acabaremos por sentir a miséria deste mundo quando as consequências dos nossos pecados recaírem sobre nós.

Temos de reconhecer, pois, que a doutrina da Cruz não se encontra à superfície do mundo, pois a superfície das coisas é meramente brilhante, e a Cruz é triste. É uma doutrina escondida, encontra-se sob um véu. Amedronta-nos à primeira vista, e sentimo-nos tentados a revoltar-nos contra ela. Tal como São Pedro, exclamamos: 'Que Deus não o permita, Senhor! Isto não te acontecerá!' (Mt 16, 22). No entanto, é uma doutrina verdadeira, pois a verdade não se encontra à superfície das coisas, mas nas suas profundezas.

(Sermão do Sexto Domingo da Quaresma - Parte I, pelo Cardeal John Henry Newman)

segunda-feira, 21 de março de 2016

O SILÊNCIO DE JESUS

Uma antiga lenda norueguesa narra este episódio sobre um homem chamado Haakon, que cuidava de uma ermida à qual muita gente vinha orar com devoção. Nesta ermida havia uma cruz muito antiga e muitos vinham ali para pedir a Cristo que fizesse algum milagre.

Certo dia, o eremita Haakon quis também pedir-lhe um favor. Impulsionava-o um sentimento generoso. Ajoelhou-se diante da cruz e disse: 'Senhor, quero padecer por vós. Deixai-me ocupar o vosso lugar. Quero substituir-vos na Cruz'. E permaneceu com o olhar pendente da cruz, como quem espera uma resposta.

O Senhor abriu os lábios e falou. As suas palavras caíam do alto, sussurrantes e admoestadoras: 'Meu servo, concedo o teu desejo, mas com uma condição' – 'Qual é, Senhor?' - perguntou Haakon com acento suplicante - 'É uma condição difícil? Estou disposto a cumpri-la com a tua ajuda!'

'Escuta-me: Aconteça o que acontecer, e possas ver o que vires, deves guardar sempre o silêncio'. Haakon respondeu: 'Prometo-o, Senhor!' E fizeram a troca sem que ninguém o percebesse. Ninguém reconheceu o eremita pendente da cruz; quanto ao Senhor, ocupava o lugar de Haakon. Durante muito tempo, este conseguiu cumprir o seu compromisso e não disse nada a ninguém.

Certo dia, porém, chegou um rico. Depois de orar, deixou ali esquecida a sua bolsa. Haakon viu-o e calou. Também não disse nada quando um pobre, que veio duas horas mais tarde, se apropriou da bolsa do rico. E também não quando um rapaz se prostrou diante dele pouco depois para pedir-lhe a sua graça antes de empreender uma longa viagem. Nesse momento, porém, o rico tornou a entrar em busca da bolsa. Como não a encontrasse, pensou que o rapaz é que teria se apropriado dela; voltou-se para ele e o interpelou com raiva: 'Dá-me a bolsa que me roubaste!' O jovem, surpreso, replicou-lhe: 'Não roubei nenhuma bolsa!' - 'Não mintas; devolve-a já!' - 'Repito que não apanhei nenhuma bolsa!'

O rico arremeteu furioso contra ele. Soou então uma voz forte: 'Pára!' O rico olhou para cima e viu que a imagem lhe falava. Haakon, que não conseguira permanecer em silêncio diante daquela injustiça, gritou-lhe, defendeu o jovem e censurou o rico pela falsa acusação. Este ficou aniquilado e saiu da ermida. E o jovem saiu também porque tinha pressa para empreender a sua viagem.

Quando a ermida ficou vazia, Cristo dirigiu-se ao seu servo e lhe disse: 'Desce da Cruz. Não serves para ocupar o meu lugar. Não soubeste guardar silêncio' – 'Mas, Senhor, como podia eu permitir essa injustiça?' Trocaram de lugar. Cristo voltou a ocupar a cruz e o eremita permaneceu diante dela.

O Senhor continuou a falar-lhe: 'Tu não sabias que era conveniente para o rico perder a bolsa, pois trazia nela o preço da virgindade de uma jovem. O pobre, pelo contrário, tinha necessidade desse dinheiro e fez bem em levá-lo; quanto ao rapaz, receberia alguns golpes fortes e suas feridas o teriam impedido de fazer a viagem que, para ele, seria fatal: há alguns minutos o seu barco soçobrou e ele se afogou. Tu também não sabias disto; mas eu sim. E por isso me calo'. E o Senhor tornou a guardar silêncio.

Muitas vezes nos perguntamos por que Deus não nos responde. Por que Deus se cala? Muitos de nós quereríamos que nos respondesse o que desejamos ouvir, mas Ele não o faz: responde-nos com o silêncio. Deveríamos aprender a escutar esse silêncio. O Divino Silêncio é uma palavra destinada a convencer-nos de que Ele, sim, sabe o que faz. Com o seu silêncio, diz-nos carinhosamente: 'Confia em mim, pois sei o que é preciso ser feito!'


(Autor Desconhecido)

domingo, 20 de março de 2016

HOSANA AO FILHO DE DAVI!

Páginas do Evangelho - Domingo de Ramos


No Domingo de Ramos, tem início a Semana Santa da paixão, morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Jesus entra na cidade de Jerusalém para celebrar a Páscoa judaica com os seus discípulos e é recebido como um rei, como o libertador do povo judeu da escravidão e da opressão do império romano. Mantos e ramos de oliveira dispostos no chão conformavam o tapete de honra por meio do qual o povo aclamava o Messias Prometido: 'Hosana ao Filho de Davi: bendito seja o que vem em nome do Senhor, o Rei de Israel; hosana nas alturas'.

Jesus, montado em um jumento, passa e abençoa a multidão em polvorosa excitação. Ele conhece o coração humano e pode captar o frenesi e a euforia fácil destas pessoas como assomos de uma mobilização emotiva e superficial; por mais sinceras que sejam as manifestações espontâneas e favoráveis, falta-lhes a densidade dos propósitos e a plena compreensão do ministério salvífico de Cristo. Sim, eles querem e preconizam nEle o rei, o Ungido de Deus, movidos pelas fáceis tentações humanas de revanche, libertação, glória e poder. Mas Jesus, rei dos reis, veio para servir e não para reinar sobre impérios forjados pelos homens. '... meu reino não é deste mundo' (Jo 18, 36). Jesus vai passar no meio da multidão sob ovações e hosanas de aclamação festiva; Jesus vai ser levado sob o silêncio e o desprezo de tantos deles, uns poucos dias depois, para o cimo de uma cruz no Gólgota.

Neste Domingo de Ramos, o Evangelho evoca todas as cenas e acontecimentos que culminam no calvário de Nosso Senhor Jesus Cristo: os julgamentos de Pilatos e Herodes, a condenação de Jesus, a subida do calvário, a crucificação entre dois ladrões e a morte na cruz...'Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito' (Lc 23,46). E desnuda a perfídia, a ingratidão, a falsidade e a traição dos que se propõem a amar com um amor eivado de privilégios e concessões aos seus próprios interesses e vantagens. 

A fé é forjada no cadinho da perseverança e do despojamento; sem isso, toda crença é superficial e inócua e, ao sabor dos ventos, tende a se tornar em desvario. Dos hosanas de agora ao 'Crucifica-O! Crucifica-O!' (Lc 23, 20) de mais além, o desvario humano fez Deus morrer na cruz. O mesmo desvario, o mesmo ultraje, a mesma loucura que se repete à exaustão, agora e mais além no mundo de hoje, quando, em hosanas ao pecado, uma imensa multidão, em frenesi descontrolado, crucifica Jesus de novo em seus corações! 

sábado, 19 de março de 2016

SENHOR DOS PASSOS


Nosso Senhor dos Passos é a devoção celebrada pela Santa Igreja, desde a Idade Média, em memória à Via Crucis percorrida por Jesus na sua Paixão e Morte no Calvário. Jesus é representado com a cruz às costas, símbolo maior da fé cristã: pela cruz, fomos resgatados do pecado; pela cruz, nos foi legada a salvação da humanidade. A devoção teve início com a visita dos cruzados aos lugares santos do caminho para o Calvário percorrido por Jesus, fixados nas 14 estações da Via sacra, no século XVI:

I. Jesus é condenado à morte
II. Jesus carrega a Cruz às costas
III. Jesus cai pela primeira vez
IV. Jesus encontra a sua Mãe
V. Simão Cirineu ajuda Jesus a carregar a Cruz
VI. Verônica limpa o rosto de Jesus
VII. Jesus cai pela segunda vez
VIII. Jesus encontra as mulheres de Jerusalém
IX. Terceira queda de Jesus
X. Jesus é despojado de suas vestes
XI Jesus é pregado na Cruz
XII. Morte de Jesus na Cruz
XIII. Descida do corpo de Jesus da Cruz
XIV. Sepultamento de Jesus

Neste tempo da Quaresma e às vésperas da Semana Santa, esta devoção é comumente celebrada sob a forma de duas procissões distintas:

(i) a primeira é a chamada 'Procissão do Depósito' (comumente realizada no 'Sábado dos Passos', que antecede o Domingo de Ramos), em que a imagem velada de Nosso Senhor dos Passos é conduzida até uma determinada igreja (procissão similar é comumente realizada no dia anterior, com a imagem de Nossa Senhora das Dores);

(ii) a segunda é a chamada 'Procissão do Encontro', na qual a imagem do Senhor dos Passos é levada ao encontro de sua Mãe Santíssima (representada em outra procissão, vinda de direção diferente, como Nossa Senhora das Dores), que haviam sido previamente encerradas em igrejas próximas, pelas respectivas procissões de depósito.

A procissão do encontro, em muitas regiões, acontece na Quarta-feira Santa à noite; em outras, é comumente realizada na tarde do Domingo de Ramos. De acordo com uma tradição muito antiga, são as mulheres que devem fazer a procissão que conduz a imagem de Nossa Senhora das Dores, com cantos penitenciais e com figuras bíblicas representando Maria Madalena, Verônica e outras mulheres que acompanharam a caminhada de Jesus para o Calvário. A outra procissão fica ao encargo dos homens, que carregam a imagem do Senhor dos Passos, figura de Jesus Cristo coroado de espinhos e carregando uma cruz. 

As duas procissões, convergem, então, para o local do encontro, onde é proferido o chamado 'Sermão do Encontro', no qual são relembrados os fatos ocorridos na Sexta-feira Santa e se recorda as dores de Nossa Senhora e o sofrimento de Jesus, conclamando o povo à penitência e à conversão. Nesta exortação, o pregador proclama o chamado 'Sermão das Sete Palavras', alusão direta às sete breves frases pronunciadas por Jesus durante a sua crucificação: 

1. 'Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem' (Lc 23,34 a);
2. 'Hoje estarás comigo no paraíso' (Lc 23,43);
3. 'Mulher eis aí o teu filho, filho eis aí a tua mãe' (Jo 19,26-27);
4. 'Meu Deus, Meu Deus, porque me abandonastes?!' (Mc 15,34);
5. 'Tenho sede' (Jo 19,28 b);
6. 'Tudo está consumado' (Jo 19,30 a);
7. 'Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito' (Lc 23,46 b).

Após o sermão, Verônica entoa um hino e mostra a toalha ensanguentada com a face de Cristo. A parte final da procissão consiste na condução conjunta de ambas as imagens até um destino final, representando os Passos da Paixão no caminho do Calvário. O evento é, então, finalizado, com o chamado 'Sermão do Calvário', que proclama as dores e sofrimentos de Jesus ao longo de sua condenação, paixão, crucificação e morte na cruz.

ORAÇÕES A NOSSO SENHOR DOS PASSOS

'Ó Jesus, relembro tua Paixão, teu Calvário e tuas dores. Olhando as imagens do Senhor carregando a Cruz, imagens com as quais te invocamos sob o título de Nosso Senhor dos Passos e veneramos como símbolos de teu sacrifício e representação de teu ato de amor salvífico, que foi teu sacrifício na cruz, te pedimos como teu discípulo Pedro: Senhor, salva-nos! Salva-nos por tua Cruz, salva-nos por teu sangue; salva-nos por tua misericórdia; salva-nos por teu amor e cura-nos de nossas feridas tanto físicas quanto espirituais, emocionais e psíquicas. Amém'.

'Meu Jesus, Senhor dos Passos, açoitado, coroado de espinhos, escarnecido e cuspido, condenado à morte, carregado com a cruz, caído por terra, pregado no madeiro! Vós sois a Vítima das nossa iniquidades. Eu quero acompanhar os vossos dolorosos passos rumo ao Calvário, em cujo cimo consumiu-se a vossa vida. Mas, do vosso sacrifício, brotou a nossa salvação. Senhor dos Passos, perdoai as minhas maldades e apagai os pecados de todo o mundo. Meu Jesus, Senhor dos Passos, tende piedade de nós. Amém'.