terça-feira, 2 de dezembro de 2014

HOMILIAS DE SÃO JOÃO CRISÓSTOMO


'Que devo fazer para alcançar a vida eterna?' 

Não era um interesse medíocre o deste jovem; ele manifesta-se como um apaixonado. Enquanto os outros homens de aproximavam de Cristo para o por à prova ou para lhe falar das suas doenças, das dos seus parentes ou ainda de outras pessoas, ele aproxima-se para conversar acerca da vida eterna. O terreno era rico e fértil, mas estava cheio de espinhos prontos a abafar as sementes (Mt 13,7). Vê como ele está realmente disposto a obedecer aos mandamentos: 'Que devo fazer para ter como herança a vida eterna?'... Nunca nenhum fariseu manifestou tais sentimentos; pelo contrário, eles estavam furiosos por serem reduzidos ao silêncio. O nosso jovem, quanto a ele, partiu com os olhos baixos de tristeza, sinal bem claro de que não tinha vindo com más intenções. Somente, ele era demasiado fraco; tinha o desejo da Vida mas retinha-o uma paixão muito difícil de ultrapassar...

'Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, distribui o dinheiro aos pobres e terás um tesouro nos céus; depois, vem e segue-me'... Ao ouvir estas palavras, o jovem afastou-se pesaroso. O evangelista explica qual é a causa daquela tristeza: é porque ele 'tinha muitos bens'. Os que têm pouco e os que estão mergulhados na abundância não possuem os seus bens da mesma maneira. Nestes, a avareza pode ser uma paixão violenta, tirânica. Neles, cada nova aquisição acende uma chama mais viva e os que são atingidos ficam mais pobres do que antes. Têm mais desejos e, contudo, sentem com mais força a sua pretensa indigência. Em todo o caso, vê como aqui a paixão mostrou a sua força... 'Como será difícil aos que possuem riquezas entrar no reino dos Céus!' Não que Cristo condene as riquezas mas antes os que são dominados por elas.

'Saiu o semeador para semear'

'Saíu o semeador para semear'. Donde é que ele saíu, aquele que está presente em toda a parte, que enche todo o universo? Como ele saíu? Não materialmente, mas por uma disposição da sua providência a nosso respeito: aproximou-se de nós revestindo-se da nossa carne. Uma vez que não podíamos ir até ele, porque os nossos pecados impediam o acesso, foi ele que veio até nós. E porque é que saíu? Para destruir a terra onde abundavam os espinhos? Para castigar os cultivadores? De modo nenhum. Veio cultivar essa terra, ocupar-se dela e nela semear a palavra da santidade. Porque a semente de que fala é, na verdade, a sua doutrina; o campo é a alma do homem; o semeador é ele próprio...

Teríamos razão em censurar um cultivador que semeasse com tanta abundância... Mas, quando se trata de coisas da alma, a pedra pode ser transformada em terra fértil, o caminho pode não ser pisado por todos os transeuntes e tornar-se um campo fecundo, os espinhos podem ser arrancados e permitir aos grãos que cresçam com toda a tranquilidade. Se isso não fosse possível, ele não teria lançado a semente. E, se a transformação não se realizou, não é por culpa do semeador, mas daqueles que não quiseram deixar-se transformar. O semeador fez o seu trabalho. Se a semente se perdeu, o autor de tão grande benefício disso não é responsável.

Nota bem que há várias maneiras de se perder a semente... Uma coisa é deixar a semente da palavra de Deus secar sem tribulações e sem cuidado, outra é vê-la sucumbir sob o choque das tentações... Para que não nos aconteça nada de semelhante, gravemos a palavra na nossa memória, com ardor e seriedade. Por muito que o diabo arranque à nossa volta, teremos força suficiente para que ele não arranque nada dentro de nós.

'Senhor, lembra-te de mim no teu reino'

'Senhor, lembra-te de mim quando vieres inaugurar o teu reino'. O ladrão não ousou fazer esta prece sem antes, pela confissão, se ter libertado do fardo dos pecados. Vê bem, cristão, a força da confissão. Ele confessou os pecados e o paraíso abriu-se-lhe; confessou os pecados e ganhou confiança bastante para pedir o reino dos céus, depois de tantos roubos cometidos…

Queres conhecer o Reino? Que vês portanto aqui que se lhe assemelhe? Tens debaixo dos olhos os pregos e uma cruz, mas essa cruz, dizia Jesus, é o próprio sinal do Reino. E eu, ao vê-Lo na cruz, proclamo-O rei. Não é próprio de um rei morrer pelos seus súditos? Ele próprio o disse: 'O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas' (Jo 10, 11). Isto é igualmente verdade para um bom rei: também ele dá a vida pelos seus súditos. Proclamá-Lo-ei portanto Rei por causa da dádiva que fez da sua vida: 'Senhor, lembra-te de mim quando estiveres no teu Reino'.

Compreendes agora que a cruz é o sinal do Reino? Eis outra prova. Cristo não deixou a sua cruz na terra, ergueu-a e levou-a com Ele para o céu. Sabemo-lo porque Ele a terá junto de Si quando voltar pleno de glória. Para perceberes o quanto esta cruz é digna de veneração, repara em como Ele a tomou como um título de glória […]. Quando o Filho do homem vier, 'o sol escurecerá e a lua perderá o brilho'. Reinará então uma claridade tão viva que até os astros mais brilhantes se eclipsarão. 'As estrelas cairão do céu. Aparecerá então no céu o sinal do Filho do homem' (Mt 24,29ss). Vês bem a força do sinal da cruz? […] Quando um rei entra numa cidade, os soldados pegam nos estandartes, içam-nos aos ombros e marcham à sua frente para anunciar a chegada régia. De igual modo, legiões de anjos precederão a Cristo, quando Ele descer do céu. Trarão aos ombros esse sinal anunciador da vinda do nosso Rei.