terça-feira, 30 de dezembro de 2014

A BÍBLIA EXPLICADA (XIII): AS DUAS GRANDES MISSÕES DE SÃO JOSÉ


Qual foi a missão especial de São José em relação a Maria Santíssima?

Consistiu, principalmente, em preservar a virgindade e a honra de Maria, em contrair com a futura Mãe de Deus um verdadeiro matrimônio, mas absolutamente santo. Como nos refere o Evangelho de São Mateus (Mt 1, 20), o Anjo do Senhor apareceu em sonho a José e lhe disse: 'José, filho de Davi, não temas receber contigo Maria, tua esposa, porque aquele que está nEla vem do Espírito Santo'. Maria é sua esposa de verdade. 

Trata-se de um verdadeiro matrimônio, mas todo celeste, e que devia ter uma fecundidade divina: 'A prole não é chamada bem do matrimônio — escreve São Tomás — só porque gerada por meio do matrimônio, mas porque no matrimônio é acolhida e educada; e, assim, o bem daquele matrimônio foi aquela prole, mas não no primeiro modo. O que nasceu de um adultério, ou um filho adotivo, que é educado no matrimônio, não são bem do matrimônio, porque este não é ordenado à educação daqueles, como, ao invés, este matrimônio (de Maria e José) foi especialmente ordenado a este fim, ou seja, que aquela prole fosse acolhida e educada neste'. 

A plenitude inicial de graça dada à Virgem em vista da divina maternidade lembrava, em certo sentido, o mistério da Encarnação: 'A Beata Virgem (...) mereceu, pela graça que lhe foi dada, aquele grau de santidade e de pureza que fosse côngruo à sua condição de Mãe de Deus (...) como também os Santos Padres (do Velho Testamento) mereceram, por suas orações e desejos, em modo côngruo, a Encarnação' (São Tomás de Aquino, IIIa, q. 2, a. 11, ad 3). Como diz Bossuet: 'É a virgindade de Maria, que atrai Jesus do céu (...). Se é esta pureza que a torna fecunda, e não temo afirmar que José tem sua parte neste grande milagre. Porque, se essa pureza angélica é o bem da divina Maria, é também o depósito do justo José' . 

Tratava-se, sem dúvida, da união mais respeitosa com a criatura mais perfeita que jamais existiu, no quadro mais simples, o de um pobre artesão de aldeia. José aproximou de si, assim, do modo mais íntimo em relação a qualquer outro santo, aquela que é também a Mãe de Deus, aquela que é também a Mãe espiritual de todos os homens, do próprio São José, que é a Corredentora, a Mediadora universal, a dispensadora de todas as graças. São José, a todos esses títulos, amou Maria com o amor mais puro e mais devoto. Era também um amor teologal, porque amava a Virgem em Deus, por toda a glória que lhe havia doado. A beleza de todo o universo era nada comparada à sublime união dessas duas almas, uma união criada pelo Altíssimo, que encantava os Anjos, e deliciava o próprio Senhor. 

Qual foi a missão excepcional de São José em relação ao Senhor? 

Em toda verdade, o Verbo de Deus encarnado foi confiado a ele, José, ao invés que a outro justo, entre os homens de todas as gerações. Se o santo velho Simeão segurou o pequeno Jesus por alguns instantes e viu nEle a salvação dos povos, 'luz para a revelação das gentes', José velou sempre, noite e dia, sobre a infância de Nosso Senhor. Muitas vezes, segurou em suas mãos aquele que sabia ser seu Criador e Salvador. Recebeu dEle graças sobre graças, durante os longos anos em que viveu com ele na maior intimidade cotidiana. 

Viu-o crescer, contribuiu à sua educação humana. Jesus lhe foi submisso: 'Era submisso a eles' (Lc 2,5). É comumente chamado de 'pai nutrício do Salvador', mas o foi em um sentido mais elevado, porque, como sublinha São Tomás, é apenas acidentalmente que tal homem, depois do seu matrimônio, se torna 'pai nutrício' ou 'pai adotivo' do Menino, exatamente porque não foi mesmo de modo acidental que São José foi encarregado de cuidar de Jesus. Ele foi criado e veio ao mundo exatamente para este desígnio. Foi uma predestinação. É em vista desta missão totalmente divina que a Providência lhe concedeu toda espécie de graça desde sua infância: graça de piedade profunda, de virgindade, de perfeita fidelidade. 

No desenho eterno de Deus, a razão de ser da união de São José com Maria foi, sobretudo, a proteção e a educação do Salvador; e ele recebeu de Deus um coração de Pai para velar sobre o Menino Jesus. Esta é a missão principal de São José, aquela pela qual ele recebeu uma santidade proporcional; proporcional, de certa forma, à sua condição, ao mistério da Encarnação, que domina a ordem da graça e cujas perspectivas são infinitas. 

Este último ponto foi bem iluminado por Mons. Sinibaldi, em sua recente obra, La Grandezza di San José [A Grandeza de S. José], onde mostra que São José foi predestinado desde a eternidade a se tornar o esposo da Santíssima Virgem, e explica, com São Tomás, a tríplice conveniência desta predestinação: 'O ministério de São José e a ordem da União Hipostática (...). Por Ministério (...) se deve entender um ofício, uma função que impõe e produz uma série de atos dirigidos a alcançar um escopo determinado (...): Maria nasceu para ser a Mãe de Deus (...). Mas o esponsalício virginal de Maria depende de José (...). Por isso, o ministério de José tem uma estreita relação com a constituição da ordem da União Hipostática (...). Celebrando seu conúbio virginal com Maria, José prepara a Mãe de Deus como Deus a quer; e nisso consiste a sua cooperação na atuação do grande mistério. Disso surge que a cooperação de José não é igual à de Maria. Enquanto a cooperação de Maria é intrínseca, física, imediata, a de José é extrínseca, moral, mediata (para Maria); mas é verdadeira cooperação'. 

O Doutor Angélico o estabeleceu, questionando-se (III, q,29, a. 1) se Cristo devia nascer de uma Virgem que havia contraído um verdadeiro matrimônio. Respondeu afirmativamente: que devia nascer assim, seja por Cristo, seja por sua Mãe, seja por nós. Isso era demasiado conveniente para o próprio Nosso Senhor, para que não fosse considerado, antes de manifestar o mistério do seu nascimento, como um filho ilegítimo, e porque devia ser protegido na sua infância. Para a Virgem não era menos conveniente, para que não fosse considerada culpada de adultério e, por isso, apedrejada pelos hebreus, como observou São Jerônimo, e para que ela também fosse protegida no meio das dificuldades e das perseguições que deveriam iniciar com o nascimento do Salvador. Isso, como acrescenta São Tomás, foi também muito conveniente para nós, porque, graças ao testemunho insuspeito de São José, apreendemos a concepção virginal de Cristo. Segundo a ordem dos assuntos humanos, o seu testemunho admiravelmente confirma para nós o de Nossa Senhora. Finalmente, era soberanamente conveniente porque em Maria encontramos, ao mesmo tempo, seja o perfeito modelo dos Virgens, seja o das esposas e das mães cristãs.

(Excertos da obra 'A superioridade de São José sobre todos os outros santos', do Fr. Garrigou-Lagrange, 1929)