quinta-feira, 2 de maio de 2013

A FÉ EXPLICADA: O PURGATÓRIO (I)


Está muito esquecido pela maioria dos fiéis o dogma do purgatório. A Igreja Padecente, onde eles têm tantos parentes para socorrer, e para onde eles sabem que um dia poderão ir, parece-lhes uma terra estranha. Esse esquecimento verdadeiramente deplorável era um grande sofrimento para São Francisco de Sales. Observa o pio Doutor da Igreja: 'Nós não nos lembramos suficientemente de nossos queridos falecidos; sua memória parece terminar com o som dos sinos do funeral'.

As principais causas disso são a ignorância e a falta de fé; nossas noções sobre o purgatório são muito vagas, e nossa fé muito fraca. A fim de que nossas idéias se tornem mais claras e nossa fé mais viva, devemos lançar um olhar para essa vida de além-túmulo, para esse estado intermediário das almas justas, não ainda dignas de entrar na Jerusalém Celeste. [...]

Não nos propomos provar para as mentes céticas a existência do purgatório, mas torná-lo melhor conhecido pelos fiéis piedosos, que acreditam com fé divina nesse dogma revelado por Deus. Este livro está endereçado propriamente a eles, para dar-lhes uma ideia mais clara do purgatório. Eu disse propositadamente 'uma ideia mais clara' em relação à que em geral o povo tem, colocando essa grande verdade sob a luz mais forte possível.

Para produzir esse efeito, dispomos de três fontes de luz muito distintas: primeiro o ensino dogmático da Igreja; depois a doutrina, como vem explicada pelos Doutores da Igreja; e, em terceiro lugar, as revelações e aparições aos santos, que servem para confirmar os ensinamentos dos Doutores. [...]

Acrescentemos que os católicos devem precaver-se contra uma incredulidade excessiva em fatos sobrenaturais ligados aos dogmas de Fé. São Paulo nos diz que a Caridade tudo crê (Cor. 13,7); quer dizer, acredita como os intérpretes o explicam, em tudo o que se pode prudentemente crer, e cuja crença não nos será prejudicial.

Se é verdade que a prudência rejeita uma cega e supersticiosa credulidade, também é verdade que devemos evitar outro extremo, que nosso Salvador censurou no Apóstolo São Tomé: 'Tu creste porque viste e tocaste'. Era melhor ter crido no testemunho de teus irmãos. Sendo mais exato, tu foste culpado de incredulidade; esta é uma falta que meus discípulos devem evitar. 'Bem-aventurados aqueles que não viram e acreditaram. Não sejas incrédulo, mas fiel' (Jo. 20, 27).

O Purgatório ocupa um importante papel em nossa santa Religião; forma uma das principais partes da obra de Jesus Cristo, e tem uma função essencial na economia da salvação das almas. Preces pelos falecidos, sacrifícios e sufrágios pelos mortos formam uma parte do culto cristão. Lembremo-nos de que a Santa Igreja de Deus, considerada como um todo, está composta de três segmentos: a Igreja Militante (na Terra), a Igreja Triunfante (no Céu) e a Igreja Padecente (no Purgatório). Essa tríplice Igreja constitui o Corpo Místico de Jesus Cristo, e as almas do Purgatório não são menos seus membros do que os fiéis na Terra e os eleitos no Céu. No Evangelho, a Igreja é ordinariamente chamada Reino do Céu; o Purgatório, tanto quanto as Igrejas celestial e terrena, é uma província desse vasto reino.

As três Igrejas irmãs mantêm incessantes relações entre si, uma contínua comunicação a que chamamos de Comunhão dos Santos. Essas relações não têm outro objetivo senão conduzir almas para a eterna glória, o termo final para o qual todos os eleitos tendem. [...] Preces pelos falecidos, sacrifícios e sufrágios pelos mortos formam uma parte do culto cristão, e a devoção pelas almas do Purgatório é uma devoção que o Espírito Santo infunde com a caridade nos corações dos fiéis. É um pensamento santo e salutar fazer um sacrifício expiatório pelos mortos, para que eles sejam livres de suas faltas, diz a Sagrada Escritura.

Para ser perfeita, a devoção às almas do Purgatório deve ser animada por um espírito tanto de temor quanto de confiança. De um lado, a santidade de Deus e sua justiça inspira-nos um salutar temor. De outro, sua infinita misericórdia dá-nos uma confiança sem limites. [...]

A justiça de Deus é terrível, e pune com extremo rigor até as faltas mais triviais. Isso porque essas faltas, leves a nossos olhos, não o são de nenhum modo aos de Deus. O menor pecado desagrada a Deus infinitamente. Em relação à infinita santidade que é ofendida, a mais ligeira transgressão toma proporções enormes e pede enorme reparação. Isso explica a terrível severidade das penas da outra vida, e deveria penetrar-nos de um santo temor.

O temor do Purgatório é um temor salutar; seu efeito é não só nos inclinar a uma caridosa compaixão para com as pobres almas sofredoras [do Purgatório], mas também ter um zelo vigilante por nosso próprio interesse espiritual. Pensa no fogo do Purgatório, e empenhar-te-ás em evitar as mais leves faltas; pensa no fogo do Purgatório e farás penitência de modo a satisfazer a divina justiça neste mundo, em vez de reparares [teus pecados] no outro.

Guardemo-nos, entretanto, do temor excessivo, e não percamos a confiança. [...] Caso estejamos animados desse duplo sentimento, se nossa confiança na misericórdia de Deus é igual ao temor que sua justiça nos inspira, teremos o verdadeiro espírito de devoção às almas do purgatório. Esse duplo sentimento surge naturalmente do dogma do Purgatório retamente entendido — um dogma que contém o duplo mistério da justiça e da misericórdia: da justiça que pune, da misericórdia que perdoa.

(Excertos da obra: 'Purgatory, illustrated by the lives and legends of the Saints', do Pe. Padre F.X. Schouppe, TAN Books and Publishers, 1973, originais da Revista Catolicismo, 2005).