sexta-feira, 14 de junho de 2024

FRASES DE SENDARIUM (XXXI)

 

'É muito fácil se salvar. Basta amar.' 


(Santa Margarida de Cortona)

Lembre-se que as chamas do Amor Infinito que incendeiam a tua alma se alimentam das fagulhas esmaecidas que emanam do teu tão pequeno e limitado amor humano... 

quinta-feira, 13 de junho de 2024

13 DE JUNHO - SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA

 

SÍNTESE BIOGRÁFICA

1195: Nasce em Lisboa, filho de Maria e Martinho de Bulhões. É batizado com o nome de Fernando. Reside na frente da Catedral.

1202: Com sete anos de idade, começa a frequentar a escola, um privilégio raro na época.

1209: Ingressa no Mosteiro de São Vicente, dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho, perto de Lisboa. Torna-se agostiniano. 

1211: Transfere-se para Coimbra, importante centro cultural, onde se dedica de corpo e alma ao estudo e à oração, pelo espaço de dez anos.

1219: É ordenado sacerdote. Pouco depois conhece os primeiros franciscanos, vindos de Assis, que ele recebe na portaria do mosteiro. Fica impressionado com o modo simples e alegre de viver daqueles frades.

1220: Chegam a Coimbra os corpos de cinco mártires franciscanos. Fernando decide fazer-se franciscano como eles. É recebido na Ordem com o nome de Frei Antônio, enviado para as missões entre os sarracenos de Marrocos, conforme deseja.

1221: Chegando a Marrocos, adoece gravemente, sendo obrigado a voltar para sua terra natal. Mas uma tempestade desvia a embarcação arrastando-a para o sul da Itália. Desembarca na Sicília. Em maio do mesmo ano participa, em Assis, do capítulo das Esteiras, uma famosa reunião de cinco mil frades. Aí conhece o fundador da Ordem, São Francisco de Assis. Terminado o Capítulo, retira-se para o eremitério de Monte Paolo, junto aos Apeninos, onde passa 15 meses em solidão contemplativa e em trabalho braçal. 

1222: Chamado de improviso a falar numa celebração de ordenação, Frei Antônio revela uma sabedoria e eloquência extraordinárias, que deixam a todos estupefatos. Começa a sua epopeia de pregador itinerante.

1224: Em brevíssima Carta a Frei Antônio, São Francisco o encarrega da formação teológica dos irmãos. Chama-o cortesmente de 'Frei Antônio, meu bispo'.

1225: Depois de percorrer a região norte da Itália, passa a pregar no sul da França, com notáveis frutos. Mas tem duras disputas com os hereges da região.

1226: É eleito custódio na França e, um ano depois, provincial dos frades no norte da Itália.

1228: Participa, em Assis, do Capítulo Geral da Ordem, que o envia a Roma para tratar com o Papa de algumas questões pendentes. Prega diante do Papa e dos Cardeais. Admirado de seu conhecimento das Escrituras, Gregório IX o apelida de 'Arca do Testamento'.

1229: Frei Antônio começa a redigir os 'Sermões', atualmente impressos em dois grandes volumes.

1231: Prega em Pádua a famosa quaresma, considerada como o momento de refundação cristã da cidade. Multidões acorrem de todos os lados. Há conversões e prodígios. Êxito total! Mas Frei Antônio está exausto e sente que seus dias estão no fim. Na tarde de 13 de junho, mês em que os lírios florescem, Frei Antônio de Lisboa morre às portas da cidade de Pádua. Suas últimas palavras são: 'Estou vendo o meu Senhor'. As crianças são as primeiras a saírem pelas ruas anunciando: 'Morreu o Santo'.

1232: Não tinha bem passado um ano desde sua morte, quando Gregório IX o inscreveu no catálogo dos santos.

1946: Pio XIII declara Santo Antônio Doutor da Igreja, com o título de 'Doutor Evangélico'.

MILAGRE DOS PEIXES


Certa vez, quando o Frei Antônio pregava o Evangelho na cidade de Rímini, Itália, os moradores locais não queria escutá-lo e começaram a ofendê-lo a ponto de ameaçá-lo de agressão física. Santo Antônio saiu da praça e caminhou em direção à praia e, dando as costas aos seus detratores, falou em voz alta. 'Escutai a Palavra de Deus, vós que sois peixes e vives no mar, já que os infiéis não a querem ouvir.' Diversos peixes agruparam-se à beira da praia e, postando suas cabeças para fora d’água, ficaram em posição como de escuta das palavras do santo: 'Bendizei ao Senhor, vós que sois também criaturas de Deus!' E aqueles que presenciaram este milagre espantoso creram e se converteram ao cristianismo!

EXCERTOS DE UM SERMÃO: 'A CEGUEIRA DAS ALMAS '
(SERMÃO DO DOMINGO DA QUINQUAGÉSIMA) 

Um cego estava sentado... etc. Omitidos todos os outros cegos curados, só queremos mencionar três: o primeiro é o cego de nascença do Evangelho, curado com lodo e saliva; o segundo é Tobias que cegou com excremento de andorinhas, e se curou com fel de peixe; o terceiro é o bispo de Laodicéia, ao qual diz o Senhor no Apocalipse: 'Não sabes que és um infeliz e miserável, pobre, cego e nu. Aconselho-te que me compres ouro provado no fogo, para te fazeres rico, e te vestires com roupas brancas, e não se descubra a tua nudez, e unge os teus olhos com um colírio, para que vejas'. Vejamos o que significa cada uma destas coisas.

O cego de nascença significa, no sentido alegórico, o gênero humano, tornado cego nos protoparentes. Jesus restituiu-lhe a vista, quando cuspiu em terra e lhe esfregou os olhos com lodo. A saliva, descendo da cabeça, significa a divindade, a terra, a humanidade; a união da saliva e da terra é a união da natureza humana e divina, com que foi curado o gênero humano. E estas duas coisas significam as palavras do cego sentado à borda do caminho e a clamar: 'Tem piedade de mim (o que diz respeito à divindade), Filho de Davi' (o que se refere à humanidade).

No sentido moral, o cego significa o soberbo. A este respeito lemos no profeta Abdias: 'Ainda que te eleves como a águia e ponhas o teu ninho entre os astros, eu te arrancarei de lá, diz o Senhor'. A águia, voando mais alto que todas as aves, significa o soberbo, que deseja a todos parecer mais alto com as duas asas da arrogância e da vanglória. É a ele que se diz: 'Se entre os astros, isto é, entre os santos que, neste lugar tenebroso, brilham como astros no firmamento, puseres o teu ninho, isto é, a tua vida, dali te arrancarei, diz o Senhor'. 

O soberbo, pois, esforça-se por colocar o ninho da sua vida na companhia dos santos. Donde a palavra de Job: 'A pena do avestruz, isto é, do hipócrita, é semelhante às penas da cegonha e do falcão, isto é, do homem justo'. E nota que o ninho em si tem três caracteres: no interior é forrado de matérias brandas; externamente é construído de matérias duras e ásperas; é colocado em lugar incerto, exposto ao vento. Assim a vida do soberbo tem interiormente a brandura do deleite carnal, mas é rodeada no exterior por espinhos e lenhas secas, isto é, por obras mortas; também está colocada em lugar incerto, exposta ao vento da vaidade, porque não sabe se de tarde ou se de manhã desaparecerá. E isto é o que se conclui: 'De lá eu te arrancarei, ou seja, arrancar-te-ei para te lançar no fundo do inferno, diz o Senhor'. Por isso, escreve-se no Apocalipse: 'Quanto ela se glorificou e viveu em delícias, tanto lhe dai de tormentos'.

E nota que este cego soberbo é curado com saliva e lodo. Saliva é o sêmen do pai derramado na lodosa matriz da mãe, onde se gera o homem miserável. A soberba não o cegaria se atendesse ao modo tão triste da sua concepção. Daí a fala de Isaías: 'Considerai a rocha donde fostes tirados. A rocha é o nosso pai carnal; a caverna do lago é a matriz da nossa mãe. Daquele fomos cortados no fétido derrame do sêmen; desta fomos tirados no doloroso parto. Por que te ensoberbeces, portanto, ó mísero homem, gerado de tão vil saliva, criado em tão horrível lago e ali mesmo nutrido durante nove meses pelo sangue menstrual?' Se os cereais forem tocados por esse sangue não germinarão, o vinho novo azedará, as ervas morrerão, as árvores perderão os frutos, a ferrugem corroerá o ferro, enegrecerão os bronzes e se dele comerem os cães, tornar-se-ão raivosos e, com as suas mordeduras, farão enlouquecer as pessoas. 

quarta-feira, 12 de junho de 2024

POEMAS PARA REZAR (LIV)

(John Donne, poeta inglês, 1572 - 1631)

HOLY SONNET (VII)

At the round earth's imagin'd corners, blow
your trumpets, angels, and arise, arise
from death, you numberless infinities
of souls, and to your scatter'd bodies go;
all whom the flood did, and fire shall o'erthrow,
all whom war, dearth, age, agues, tyrannies,
despair, law, chance hath slain, and you whose eyes
shall behold God and never taste death's woe.
But let them sleep, Lord, and me mourn a space,
for if above all these my sins abound,
tis late to ask abundance of thy grace
when we are there; here on this lowly ground
teach me how to repent; for that's as good
as if thou'hadst seal'd my pardon with thy blood.

(John Donne)

SONETO SACRO (VII)

Nos arredores imaginários da terra circular, 
anjos, soprai vossas trombetas, tomai prumo, 
e erguei-vos da morte, ó almas sem lugar
e retornai aos vossos corpos sem rumo.
Vós, mortos no dilúvio, e os mortos teus, 
pelo fogo, pela guerra, pela febre, pela velhice
pela angústia, tiranias ou até pela má sorte 
e mesmo vós que havereis de ver a Deus
sem passar pela provação da morte...
Mas deixai-os dormir, Senhor, que eu faça
meu pranto em tempos mais dilatados
pois, se acima de todos, abundam meus pecados, 
tarde seria implorar depois a vossa graça.
Que eu a tenha agora, neste chão pisado,
ensinai-me então o arrependimento sublimado:
com o vosso Sangue seja meu perdão selado!

(tradução do autor do blog)

terça-feira, 11 de junho de 2024

ORAÇÃO AO ESPÍRITO SANTO PELO DOM DA ORAÇÃO MENTAL


Ó Santo e Divino Espírito,
não quero mais viver para mim mesmo;
em Vos amar e agradar
quero empregar tudo o que me resta da vida.
Com este fim, Vos peço
que me concedais o dom da santa oração [mental].

Vinde ao meu coração, ensinai-me vós mesmo
a praticá-la como se deve.
Dai-me a força de não abandoná-la por tédio no tempo da aridez;
dai-me o espírito de oração,
isto é, a graça de sempre orar e de fazer as orações
que sejam as mais agradáveis ao vosso divino Coração.

Por meus pecados me havia perdido;
mas por tantos sinais de vossa ternura,
reconheço que quereis a minha salvação e santificação.
Quero santificar-me para vos agradar
e amar mais a vossa infinita bondade.
Amo-vos, ó meu soberano Bem, meu amor e meu tudo,
e porque vos amo, dou-me inteiro a Vós.

Ó Maria, minha esperança, protegei-me!

(Santo Afonso Maria de Ligório)

segunda-feira, 10 de junho de 2024

10 INDULGÊNCIAS COTIDIANAS (PARA TODOS OS DIAS)

1. Adoração do Santíssimo Sacramento - concessão de indulgência parcial a cada visita; a indulgência é plenária caso a adoração contemple um tempo mínimo de meia hora.

2. Oração Mental - concessão de indulgência parcial no exercício da oração mental praticada com piedosa devoção.

3. Recitação do Rosário ou do Terço - concessão de indulgência plenária quando recitado em família, na igreja ou em comunidade orante, com piedosa meditação dos mistérios. 

4 - Exercício da Via Sacra - concessão de indulgência plenária junto das 14 estações da via sacra, em movimento contínuo na sequência das estações, e piedosa meditação pelo menos durante a Paixão e Morte do Senhor. 

5. Leitura das Sagradas Escrituras - concessão de indulgência parcial a quem se dedica à leitura devota da Bíblia Sagrada; a indulgência é plenária caso a leitura contemple um tempo mínimo de meia hora.

6. Uso de objetos de piedade - concessão de indulgência parcial a quem utiliza algum objeto de piedade como terço, medalhas, escapulário ou crucifixo, benzidos formalmente por algum sacerdote. 

7. Sinal da Cruz - concessão de indulgência parcial ao fiel que faça devotamente o sinal da cruz, proferindo as palavras costumeiras: 'Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém.'

8. Comunhão Espiritual - concessão de indulgência parcial para qualquer fórmula piedosa de comunhão espiritual.

9. Apostolado da Doutrina Cristã - concessão de indulgência parcial a quem se dedica a ensinar ou a aprender a doutrina cristã.

10. Visita a um Cemitério - concessão de indulgência parcial dada por meio do fiel que visitar um cemitério e, em espírito de devoção, rezar em intenção das almas dos defuntos (indulgência concedida apenas às almas do Purgatório).

domingo, 9 de junho de 2024

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'No Senhor toda graça e redenção!' (Sl 129)

Primeira Leitura (Gn 3,9-15) - Segunda Leitura (2Cor 4,13-18.5,1) -  Evangelho (Mc 3,20-35)
 (
  09/06/2024 - DÉCIMO DOMINGO DO TEMPO COMUM

28. 'QUEM FAZ A VONTADE DE DEUS: ESSE É MEU IRMÃO'


Jesus estava em Cafarnaum, pouco depois de ter descido das montanhas onde fizera a escolha dos seus doze apóstolos (Mc 3, 13 - 19) e diante dele, como outras tantas vezes durante a vida pública do Senhor, uma enorme multidão se aglomerava, ansiosa por ouvir os seus ensinamentos, as explicações sobre textos das Sagradas Escrituras, para serem testemunhas oculares de prodígios e milagres ou por mera curiosidade de conhecer aquele profeta extraordinário.

Nesta ocasião em especial, os próprios parentes de Jesus estavam presentes e, assoberbados pelos anelos e compromissos humanos, foram incapazes de perceber a dimensão sobrenatural da vida pública daquele homem que lhes era tão próximo e, por isso, foram capazes de imputar a Jesus como que um estado de pura confusão mental. Como sempre, os mestres da lei foram muito mais longe nos ilimitados domínios da blasfêmia: 'diziam que ele (Jesus) estava possuído por Belzebu, e que pelo príncipe dos demônios, ele expulsava os demônios' (Mc 3, 22).

Jesus evidencia o caráter absurdo e contraditório de tais alegações, desmascarando-lhes o desvario da razão e a dureza dos seus corações, totalmente impermeáveis à ação dos dons e carismas do Espírito Santo. Neste propósito de impenitência tácita e obstinada, aqueles homens rejeitaram todas as investidas divinas de acolhida e de perdão, tornando-se réus de condenação eterna, porque 'quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca será perdoado, mas será culpado de um pecado eterno' (Mc 3, 28). Ainda que pecadores ao extremo, todos somos passíveis do perdão e da misericórdia de Deus, desde que estejamos comprometidos pelo firme propósito do reconhecimento humilde e da dor sincera pelos pecados cometidos. A nossa salvação não pode prescindir destes princípios da fé cristã.

Durante esta explanação, Jesus é informado então da chegada da sua mãe e dos seus parentes, que estavam à sua procura. Esta mãe de amor e de doçura também se afligia diante da tormentosa multidão que envolvia Jesus, diante das acusações dos mestres da lei e das insanidades feitas pelos seus próprios parentes. Mas Jesus vai lhes responder: 'Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos?' (Mc 3, 33). E Ele mesmo vai lhes revelar a supremacia absoluta das relações familiares de ordem espiritual sobre estas mesmas relações de caráter natural: 'Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe' (Mc 3, 35). Nossa Senhora é a mãe de Jesus e a mãe de Deus, não apenas porque O gerou e foi para Ele mãe cuidosa e extremada mas, principalmente, porque cumpriu à perfeição, nessa missão materna, a santa vontade de Deus.

sábado, 8 de junho de 2024

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (IV)


30. Por vezes, somos demasiado escrupulosos em relação às obras de supererrogação [ação de se fazer mais que o necessário ou obrigatório] como, por exemplo, ter omitido em tal dia uma certa oração ou uma mortificação imposta por nós próprios; são escrúpulos de omissões que, no que respeita à nossa salvação eterna, têm pouca ou nenhuma importância; mas prestamos pouca atenção àquela humildade que, para nós, é a mais essencial e necessária e sem a qual ninguém se pode salvar. São Paulo adverte-nos: 'Não vos torneis crianças no sentido de julgar' [1Cor 14,20]. Não sejais como as crianças que choram e desesperam se lhes tiram uma maçã, mas pouco se importam de perder uma joia de grande valor. Coloquemos a humildade acima de todas as coisas. Ela é o tesouro escondido e enterrado no campo, para o qual devemos vender tudo o que possuímos [Mt 13,44]. É a pérola de grande valor, para a qual devemos vender tudo o que temos [Mt 13,45].

Não chamemos esses pecados contra a humildade de escrúpulos, mas consideremo-los como pecados reais, dignos de confissão e emenda. Que Deus nos guarde de uma consciência demasiado fácil no que respeita à verdadeira humildade que nos é ordenada no Evangelho. Deveríamos, na verdade, tomar o caminho largo mencionado pelo Espírito Santo, que, embora pareça ser o caminho certo e reto, leva diretamente à perdição: 'Há um caminho que ao homem parece direito, mas os seus fins conduzem à morte' [Pv 16, 25]. Há pessoas que pensam, como os fariseus, que a virtude e a santidade consistem em orações muito longas, na visita às igrejas e em alguma abstinência especial, em retiros, na modéstia do vestuário, em conferências espirituais ou em algum exercício de piedade exterior; mas em tudo isso quem pensa na humildade? Quem a estima e se esforça por adquiri-la? O que é então tudo isso senão uma vã ilusão?

31. Lemos sobre vários filósofos antigos que suportaram calúnias, insultos e desprezo com perfeita equanimidade e sem raiva ou perturbação, mas eles nem mesmo conheciam o nome de humildade. A sua corajosa fortaleza era apenas um efeito do orgulho refinado, pois como se consideravam muito acima dos reis e imperadores, pouco se importavam com os insultos e mantinham a sua equanimidade pelo desprezo com que olhavam para aqueles que os insultavam. Eles superavam o sentimento de ressentimento por uma paixão ainda mais dominadora, e o fato de serem modestos, pacíficos e gentis era um efeito desse orgulho que dominava despoticamente os sentimentos de seus corações.

Há uma diferença imensa entre a moral da filosofia humana e a moral evangélica ensinada por Jesus Cristo. Lede atentamente as obras de Sêneca - aquele que era tido como superior a todos os outros filósofos em moralidade - e vereis como, nas mesmas máximas com que ele ensina a magnanimidade e a fortaleza, instila também o orgulho. Lede as obras do mais célebre dos estóicos e direis como São Jerônimo que 'quando são estudadas com o maior cuidado e atenção, não se encontra nenhuma plenitude satisfatória da verdade, nenhuma correspondência com os verdadeiros princípios da justiça' [Epist. 146, ad Damas]. Tudo é vaidade que apenas inspira vaidade.

É somente no Evangelho de Jesus Cristo que se encontram as regras dessa humildade de coração que é a verdadeira virtude, que consiste no conhecimento da grandeza de Deus e do nosso próprio nada; e é atentando para o estudo dessa humildade sábia que cumprimos o preceito apostólico: 'Não ser mais sábio do que convém ser sábio, mas ser sábio até à sobriedade' [Rm 12,3]. Jesus Cristo, antes de ensinar qualquer coisa da sua nova lei, quis ensinar a humildade, como observa São João Crisóstomo: 'Quando começou a estabelecer as suas leis divinas, começou pela humildade' [Hom. 39 em Mt]. Pois, sem humildade, é impossível compreender esta doutrina celeste, mas com humildade somos capazes de compreender tudo o que é necessário ou útil para a nossa salvação.

32. Confessar a nossa indignidade e o nosso nada e proclamar que tudo o que é bom em nós vem de Deus é muitas vezes o exercício estéril de uma humildade muito desprezível, e pode até ser um grande orgulho - magna superbia - como observa Santo Agostinho e ensina Santo Tomás: 'A humildade, que é uma virtude, é sempre fecunda em boas obras' [22, qu. clxi, art. .5, ad 4]. Quereis ter uma ideia do que é essa humildade que é uma verdadeira virtude? A alma é verdadeiramente humilde quando reconhece que a sua verdadeira posição na ordem da natureza ou da graça depende inteiramente do poder, da providência e da misericórdia de Deus; de tal modo que, não encontrando em si mesma senão o que é de Deus, só se apropria do seu nada e, permanecendo no seu nada, coloca-se ao nível de todas as outras criaturas sem se elevar de modo algum acima delas. Aniquila-se diante de Deus, não para permanecer numa inatividade ociosa mas, procurando glorificá-lo continuamente, conformando-se com a obediência exata às suas leis e com a submissão perfeita à sua vontade.

A humildade tem dois olhos: com um reconhecemos a nossa própria miséria para não nos atribuirmos senão o nosso nada; com o outro reconhecemos o nosso dever de trabalhar e de atribuir tudo a Deus, remetendo-lhe todas as coisas: 'Louvai, ó servos do Senhor, louvai o nome do Senhor' [Sl 112,1]. O homem verdadeiramente humilde considera que tudo o que é bom para a sua natureza material ou espiritual é como os riachos que vieram originalmente do mar e que devem finalmente regressar ao mar; e por isso tem sempre o cuidado de render a Deus tudo o que recebeu de Deus, e não reza, nem ama, nem deseja nada, exceto que em todas as coisas o nome de Deus seja santificado: 'Santificado seja o vosso nome' [Mt 6, 9].

33. A humildade não é uma virtude doentia, tímida e débil, como alguns imaginam; pelo contrário, é forte, magnânima, generosa e constante, porque se fundamenta na verdade e na justiça. A verdade consiste em saber o que Deus é e o que nós somos. A justiça consiste em reconhecermos que Deus, como nosso Criador, tem o direito de nos ordenar, e que nós, como suas criaturas, somos obrigados a obedecer-lhe. Todos os mártires foram perfeitamente humildes, porque preferiram morrer sofrendo os mais terríveis tormentos a abandonar a verdade e a justiça. Como foi grande a sua resistência e coragem ao resistir àqueles que tentavam forçá-los a negar Jesus Cristo!

Contrariar os outros é um efeito do orgulho, sempre que os contrariamos para seguir a nossa vontade injusta e errada; mas quando a nossa oposição à criatura procede da determinação de cumprir a vontade do Criador, é ditada pela humildade, pois com isso confessamos a nossa obrigação indispensável de estarmos sujeitos e obedientes à vontade divina. É por isso que o homem orgulhoso é sempre tímido, porque o seu orgulho só se sustenta na fraqueza da natureza humana. E aquele que é humilde é sempre corajoso no exercício da sua submissão à Majestade Divina, porque recebe a sua força através da graça.

Os humildes obedecem aos homens, quando, ao fazê-lo, obedecem também a Deus; mas recusam a obediência aos homens, quando, ao obedecê-los, desobedeceriam ao seu Deus. Refleti na resposta, tão modesta quanto magnânima, dada diante dos anciãos de Jerusalém por São Pedro e São João: 'Se é justo aos olhos de Deus ouvir-vos antes a vós do que a Deus, julgai vós' [At 4,19]. O homem humilde está acima de qualquer respeito humano e não corre o risco de se tornar escravo das opiniões, das modas ou dos costumes do mundo; conhece as suas falhas e sabe que é capaz de todos os males, mesmo que não os cometa. Se vê os outros agirem mal, compadece-se deles, mas nunca se escandaliza nem é induzido a seguir os maus exemplos dos outros; porque todas as suas intenções são dirigidas para Deus, e não tem outro desejo senão o de agradar a Deus e de ser dirigido apenas por Deus, como nos ensina Santo Tomás, o doutor angélico: 'Ele se apega somente a Deus e, por isso, por mais que veja os outros agirem desordenadamente em palavras ou ações, ele próprio não se afasta da retidão da sua conduta [22, qu. 33, art. 5].

34. O coração do homem orgulhoso é como um mar tempestuoso, nunca em repouso: 'Como o mar furioso que não pode descansar' [Is 57,20] e o coração do humilde está plenamente satisfeito em sua humildade - rico em ser humilde [Tg 1,10] - e está sempre calmo e tranquilo e sem medo de que qualquer coisa neste mundo possa perturbá-lo, e 'descansará com confiança' [Is 14,30]. E de onde vem essa diferença? O homem humilde desfruta de paz e sossego porque vive de acordo com as regras da verdade e da justiça, submetendo sua própria vontade em todas as coisas à vontade Divina. O homem orgulhoso está sempre agitado e perturbado por causa da oposição que está continuamente oferecendo à vontade divina, a fim de cumprir a sua própria.

Quanto mais o coração estiver cheio de amor-próprio, tanto maior será a sua ansiedade e agitação. Esta máxima é, de fato, verdadeira, pois sempre que me sinto interiormente irritado, perturbado e encolerizado por alguma adversidade que me tenha acontecido, não preciso procurar a causa de tais sentimentos em outro lugar que não seja dentro de mim mesmo, e faria sempre bem em dizer: 'Se eu fosse verdadeiramente humilde, não me inquietaria. A minha grande agitação é uma prova evidente que devo convencer-me de que o meu amor-próprio é grande, dominante e poderoso dentro de mim, e é o tirano que me atormenta e não me dá paz. Se me sinto ofendido por alguma palavra dura que me foi dita, ou por alguma indelicadeza que me foi mostrada, de onde vem esse sentimento de dor? Do meu orgulho. Ó se eu fosse verdadeiramente humilde, que calma, que paz e que felicidade não gozaria a minha alma!' E esta promessa de Jesus Cristo é infalível: 'Aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas' [Mt 11,29].

Quando nos sentimos angustiados por alguma adversidade, não é necessário procurar a consolação daqueles que nos lisonjeiam ou se compadecem de nós, e a quem podemos derramar os nossos problemas. Basta perguntar à nossa alma: “Por que estás abatida, ó minha alma? e por que me inquietas?' [Sl 41,12]. Alma minha, oque tens e o que buscas? Porventura desejas aquele repouso que perdeste? Ouve, pois, o remédio que te oferece o teu Salvador, exortando-te a aprender com Ele a ser humilde: 'Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração' e ouve ainda o que Ele acrescenta quando te assegura que, com a tua humildade restaurada, também recuperarás a tua paz: 'E encontrareis descanso para as vossas almas'.

35. Há duas espécies de humilhações: as que procuramos por nossa própria vontade, e as que provêm das vicissitudes naturais e temporais desta vida. Contra as primeiras, devemos estar atentos, não obstante o ardor com que as abraçamos, pois a vaidade sempre latente do nosso amor-próprio é tão sutil que procura até aumentar a sua própria vanglória, enquanto parece procurar o desprezo do homem. Mas se aceitamos as outras humilhações que nos sobrevêm, independentemente da nossa vontade, mortificando os nossos sentimentos, pensamentos e paixões com pronta resignação à vontade de Deus, é sinal de uma verdadeira e sincera humildade; porque tais humilhações tendem a mortificar o nosso amor-próprio e a aperfeiçoar a submissão que devemos a Deus.

As humilhações voluntárias e procuradas por nós mesmos podem levar a alma a tornar-se hipócrita. Mas as humilhações involuntárias, que nos são enviadas pela vontade divina e que suportamos com paciência, santificam a alma; e por isso o Espírito Santo nos deu este importantíssimo mandato: 'Na tua humilhação guarda a paciência. Porque o ouro e a prata são provados no fogo, mas os homens agradáveis no cadinho da humilhação' [Eclo 2,4-5]. É impossível, exceto em casos raros, não descobrir a hipocrisia da humildade afetada: 'Tocai as amontanhas e elas hão de se abrasar' [Sl 143,5]. E, novamente, é impossível não conhecer a virtude da verdadeira humildade, porque seu espírito é 'gentil, amável, firme, estável, seguro, livre de inquietação'  [Sb 7, 23].

36. Há também dois tipos de tentações: as que nos chegam através da maldade do maligno e as que nós próprios procuramos na nossa própria fraqueza e malícia, mas não há melhor proteção contra nenhuma delas do que a humildade. A humildade faz com que o maligno fuja, porque ele não pode enfrentar os humildes devido ao seu grande orgulho, e ainda faz com que todas as tentações desapareçam subitamente, porque não pode haver tentação sem um toque de orgulho. As tentações surgem contra a pureza, contra a fé ou contra qualquer outra virtude, mas podemos vencê-las facilmente se nos humilharmos no nosso coração e dissermos: 'Senhor, eu mereço estas terríveis tentações como castigo do meu orgulho, e se não vieres em meu auxílio, certamente cairei. Sinto a minha fraqueza e que não posso fazer nada de bom por mim próprio. Ajuda-me!' 'Vinde em meu auxílio, ó Deus, ó Senhor, apressai-vos a me socorrer' [Sl 69,2].

Quanto mais uma alma se humilha perante Deus, mais Deus conforta essa alma com a sua graça e, uma vez que Deus está conosco, quem prevalecerá contra nós? 'O Senhor é o protetor da minha vida, de quem terei medo?' [Sl 26,1] disse o rei Davi; e São Paulo disse: 'Se Deus é por nós, quem será contra nós?' [Rm 8,31]. O subterfúgio mais forte que o demônio pode empregar para nos fazer cair em tentação é lisonjear a nossa humildade, impedindo-nos assim de sermos humildes, pois se o maligno conseguir persuadir-nos de que temos força suficiente para vencer a tentação, já sucumbimos, como sucumbiram aqueles de quem está escrito que o Senhor humilha 'os que se arrogam a si mesmos e se gloriam na sua própria força [Jt 6,15]. A caridade nunca arrefece, nem o fervor se torna tíbio, a não ser por falta de humildade. Mantenhamo-nos vigilantes, revestidos com a armadura da humildade, e isso será suficiente. Deus ajudar-nos-á na medida da nossa humildade e, com a sua ajuda, poderemos dizer: 'Posso todas as coisas naquele que me fortalece' [Fp 4,13].

37. Quanto a essas outras tentações, deve haver certamente presunção da nossa parte quando as procuramos por nossa própria vontade e nos colocamos em ocasiões perigosas de pecado. Aquele que é humilde conhece a sua própria fraqueza; e, conhecendo-a, teme colocar-se em perigo; e porque o teme, foge dele. Aquele que é humilde confia implicitamente na ajuda da graça divina, nas ocasiões involuntárias que possa encontrar, mas nunca presume da ajuda da graça divina nas ocasiões que ele próprio procurou.

Sejamos humildes e a humildade ensinar-nos-á a temer e a evitar todas as ocasiões perigosas. Na vida dos santos, lemos como eles eram cuidadosos em evitar relações familiares com as mulheres; e também na vida das mulheres santas, como elas eram igualmente cautelosas em evitar a familiaridade com os homens. Porque é que elas temiam tanto, se já tinham tantas penitências e orações para se defenderem da tentação? A razão é que eram humildes e desconfiavam da fraqueza da natureza humana sem presumir da graça; e assim a sua humildade foi o meio pelo qual mantiveram a sua pureza imaculada.

Podeis dizer: 'Posso colocar-me no caminho da tentação, mas não tenho medo, porque não vou pecar'. Esta é uma temeridade que provém do orgulho, como diz São Tomás: '“Esta é uma verdadeira temeridade e é causada pelo orgulho' [22 qu. liii, art 3, ad 2] e ficaríeis envergonhado por uma queda inesperada. 'Aquele que ama o perigo perecerá nele' Eclo 3,27]. Todos os que assim se atrevem cairão sem dúvida, e sua queda é o justo castigo de seu orgulho, como predisse o profeta: 'Isto lhes sucederá por causa da sua soberba' [Sf. 2,10].

38. Deus resiste aos orgulhosos, porque os orgulhosos se opõem a Ele; mas Ele dispensa as suas graças liberalmente aos humildes, porque eles vivem em sujeição à sua vontade. Ó se humildemente déssemos lugar aos dons divinos, quão grande seria a abundância dessa graça em nossas almas! Uma das piores consequências da nossa falta de humildade é que ela nos tornará tão terrível o dia do Juízo Final, porque nesse dia não só teremos de prestar contas das graças que recebemos e das quais fizemos mau uso, mas também das graças que Deus nos teria dado se fôssemos humildes, e que Ele nos negou por causa do nosso orgulho.

Será inútil, então, desculparmo-nos dizendo que caímos em tal ou tal pecado por falta de graça. 'A graça existia' - responderá o Senhor - 'mas deveríeis tê-la pedido com humildade e não a terdes perdido pelo vosso orgulho'. O orgulho é um obstáculo mais duro que o aço, que impede a infusão benéfica da graça na alma. E é doutrina de São Tomás que é precisamente pelo orgulho que a nossa alma é colocada num estado tal 'que fica privada de todo o bem espiritual interior' [22, qu. cxxxii, art. 3]. Desejas a graça neste mundo e a glória no outro? Humilhai-vos, diz São Tiago: 'Sede humildes diante do Senhor e Ele vos exaltará' [Tg 4,10]. Deus criou do nada tudo o que vemos no nosso mundo, quando 'a terra era vazia e sem nada' [Gn 1,2] e encheu de azeite todos os vasos vazios com que a viúva presenteou Eliseu: 'ânforas vazias em grande quantidade' [2Rs 4,3]. E enche também com a sua graça os corações vazios de si mesmos, isto é, que não têm autoestima nem auto-confiança e não confiam nas suas próprias forças.

39. É muito humilhante refletir sobre isso, que mesmo que estejamos isentos de pecados graves, ainda assim, por alguma desordem secreta dentro de nós, podemos ser tão culpados como se os tivéssemos cometido. Porque, se o orgulho surge em nossos corações e nos leva a nos considerarmos melhores do que aqueles que cometeram esses pecados, somos imediatamente culpados e piores do que eles aos olhos de Deus, porque, como o Espírito Santo diz: 'O orgulho é odioso diante de Deus' [Eclo 10,7]. São Lucas, em seu Evangelho [Lc 18,11] registra dois tipos diferentes de vaidade demonstrados pelo fariseu, um quando ele se louvou pelos pecados que não cometeu, o outro quando ele se louvou pelas virtudes que praticou: e ele foi igualmente condenado por cada uma dessas declarações vãs.

Aparentemente, ele manifestou toda a glória a Deus quando disse: 'Ó Deus, eu Te dou graças'. Mas isso não passava de uma ostentação de autoestima. É muito fácil para esses pensamentos de vanglória se insinuarem em nossos corações: e quem pode me garantir que não sou culpado de muitos deles? 'O que eu fiz abertamente eu vejo' - posso dizer com mais verdade do que São Gregório - 'mas o que eu senti interiormente eu não vejo' [Lib. 9, Mor., c. 17]. Ó meu Deus, meu Deus, 'que nenhuma iniquidade tenha domínio sobre mim' [Sl 118,133]. Não me deixeis ser dominado pelo orgulho, que é a soma de todas as maldades; limpai-me dos meus pecados secretos. Purificai-me dos pecados de orgulho de que sou ignorante e 'então serei imaculado' [Sl 18,14]. Este pensamento, diz São Tomás, faz com que todo o homem justo se considere pior do que um grande pecador: 'O justo, que é verdadeiramente humilde, considera-se pior, porque teme que, naquilo que parece fazer bem, venha a pecar gravemente por orgulho' [supl. 3 part. qu. 6, art. 4].

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)