sábado, 19 de fevereiro de 2022

CARTAS A MEU PAI (X)

Pai:

Eis-me de volta aqui, depois de tanto tempo. Fiz das minhas andanças memórias de apostolado e, se tardei nessa parada amena, não foi por falta dos muitos passos encaminhados. Tenho ido a tantos lugares, tenho visto tantas coisas... Meu coração experimenta, no caos e reverberação do mundo, a Vossa santa presença em tantas coisas e pessoas! Almas que lhe são muito queridas e que produzem frutos cem por um. F. certamente é uma delas, e como me deleito em acompanhar a caminhada dela até os patamares maiores da graça! Vou recordar-Vos um fato singular dela que acabei de escrever em detalhes no Livro da Vida. 

Semana passada, o pobre homem estava deitado no chão, junto ao ponto de parada do ônibus do seu trajeto diário. Bêbado, quase inconsciente, balbuciando palavras sem sentido... A carteira jogada do lado do corpo, a camisa semi-aberta, os pés calçados apenas por meias... não é que lhe tinham roubado os tênis, presente recente de uma de suas filhas mais velhas? Ele havia gostado daqueles tênis confortáveis, nunca tivera nada igual para colocar nos pés. E agora, andava noite e dia calçado com eles e, quase sempre, orgulhoso de ter algo que pudesse ser realmente e incomensuravelmente seu. 

F. tivera um dia difícil para entregar todas as suas encomendas. Faltavam ainda umas três entregas para fazer e a tarde avançava rapidamente, como se o tempo tivesse mais asas do que deveria ter. Mas ao ver o homem estendido no chão sem sapatos, os cabelos brancos em desalinho e sob o olhar indiferente da meia dúzia de pessoas que estavam na parada e viviam no mundo apenas para esperar o próximo ônibus, parou o mundo porque precisava descer. 

Como a samaritana dos dias atuais, fez o homem assentar encostado à mureta de concreto do ponto de ônibus, numa posição razoavelmente cômoda. Recolheu a carteira - com um único documento de identificação e nenhum dinheiro. Certamente quem lhe roubou os tênis havia surrupiado também o dinheiro da carteira. F. invocou o anjo da guarda, interpelou os presentes, chamou um vizinho e tanto fez que conseguiu o telefone da filha mais velha do senhor caído na rua. E ligou para ela e descreveu a situação e identificou o local e ficou à espera.

E dois ônibus passaram e pessoas foram embora vivendo de ônibus que passam de meia em meia hora. A filha mais velha chegou num carro de um conhecido, lamentou a situação do pai e os tênis roubados e a história acaba aqui, com um final que se pode dizer feliz para alguns. F. arrumou então as suas coisas, que viraram entregas para amanhã. Um dia ela saberá quantas graças e bênçãos Vossas Mãos Divinas derramaram sobre ela naquele dia... e talvez entenda como o tempo dos homens e mulheres deste mundo que têm os olhos voltados para o Céu não se medem em horas.

Feliz é o homem que tem o Senhor como única esperança! Com a vossa bênção, R.

('Cartas a Meu Pai' são textos de minha autoria e pretendem ser uma coletânea de crônicas que retratam a realidade cotidiana da vida humana entranhada com valores espirituais que, desapercebidos pelas pessoas comuns, são de inteira percepção pelo personagem R. As pessoas e os lugares, livremente designados apenas pelas suas iniciais, são absolutamente fictícios).

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

A VIDA OCULTA EM DEUS: O SONO DA ALMA EM DEUS


A vida de intimidade entre Deus e a alma tem então início. Estão sempre juntos, nunca se distanciam. Quem vê um, vê o outro. Diríamos que são apenas um mesmo, ainda que sejam completamente distintos. Há momentos em que essa intimidade torna-se ainda maior. São as horas em que a atividade exterior cessa, e a alma interior se recolhe a sós com Deus, e descansa serenamente ao seu lado. Segue-se um grande silêncio, de um recolhimento profundo, do diálogo em voz baixa, interrompido por longas pausas, em que se ouve apenas o bater do coração. Momentos de quietude, de verdadeiro e tranquilo descanso da vontade em Deus.

Quando a alma interior está unida a Deus, na parte mais íntima de si mesma, ela adormece completamente. Seu grau de união é a medida de um sono misterioso. Cria-se um grande vazio interior, seguido por uma grande serenidade e, por fim, um silêncio completo. A alma dorme profundamente: não ouve mais nada, não vê nada, não pensa em nada concretamente. No entanto, está viva e ama! Diríamos que ele direcionou todas as forças às suas faculdades. Faz tudo descansar para assim, melhor amar.

Concentra todas as suas forças em seu coração. Amar, apenas amar, e amar cada vez mais é o seu único anelo e sua única ocupação. Aparentemente está morta, mas vive mais intensamente do que nunca... Do habitual costume de viver mais ou menos distraída de Deus por causa das coisas., agora se impõe distraída em Deus. Deus a ocupa inteiramente. Ele tomou posse inteiramente da sua alma e, às vezes, também no  corpo. Assim, a alma pode dizer - e também aqueles que percebem o seu estado - que a alma não está mais ali'. O que é realmente verdade, pois 'a alma vive mais onde ama do que no corpo que a anima'. Agora ama. Agora ama a Deus por inteiro. Agora está Nele inteiramente.

Em suma, a alma assim adormecida é verdadeiramente feliz. Participa da mesma bem-aventurança de Deus. Essa felicidade a envolve completamente e toma posse dela sem ela se dar conta como. Nenhum esforço é exigido da alma; ela não tem mais anelo de nada e lhe basta deleitar-se nessa paz. E é exatamente isso que faz. Nada pode dar expressar esse sentimento que é essencialmente divino. Não se assemelha a nenhum dos prazeres deste mundo, pois é de ordem muito diferente. Possui uma essência diferente, provém de outra fonte. Não se tem nenhum termo de comparação.

Ao se falar sobre isso, é tudo muito obscuro, porque as palavras da linguagem humana não sabem como traduzir o que se passa. O que se pode dizer realmente é que isso está acima de todos os bens e encontra-se a uma distância imensurável de todos eles. A alma que se deleita da intimidade com Deus desfruta de uma paz tão verdadeira que tem o direito de ficar adormecida para o mundo pelo tempo que quiser.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)

Que dia triste, meu Deus, que dia triste! Minha mãe nos deixou... que tristeza chorar a morte de quem se ama tanto! Que alegria saber que a misericórdia divina é o nosso porto final. Que Deus a tenha, minha querida mãe, que Deus a tenha como obra acabada do divino amor por toda a eternidade...

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

CINCO PASSOS PARA UMA CONFISSÃO PERFEITA


Exame de Consciência: piedade, piedade, piedade

✔ quando foi a minha última confissão?
✔ quais são os meus pecados, cometidos por palavras, ações, pensamentos, livre imaginação?
✔ quais são os meus pecados especialmente mais graves?
✔ quais são os meus pecados veniais, que se repetem mesmo após as minhas confissões?
✔ quais são os meus pecados contra a minha família?
✔ quais são os meus pecados contra a caridade?
✔ quais são os meus pecados por omissão?

👉Utilizar listagens conhecidas e detalhadas de exames de consciência específicos e buscar enquadrar as faltas cometidas no escopo dos Dez Mandamentos da Lei de Deus.

Dor Espiritual: pesar, pesar, pesar

✔ pesar pelas faltas cometidas
✔ pesar por ofender a Deus
✔ pesar por ofender o sacrifício da redenção de Cristo
✔ pesar por abusar das graças recebidas
✔ pesar pelo afastamento da Sagrada Eucaristia
✔ temor de Deus
✔ temor do inferno

👉 Rezar o Ato de Contrição e manifestar, com a dor espiritual, um ato de contrição perfeita.

Confissão Sincera: humilhação, humilhação, humilhação

✔ confessar todos os pecados cometidos 
✔ confessar as circunstâncias e agravantes dos pecados cometidos 
✔ confessar o inteiro domínio dos pecados cometidos
✔ não minimizar a dimensão dos pecados cometidos
✔ não atenuar as circunstâncias e condicionantes dos pecados cometidos
✔ não esconder por pudor ou vergonha os pecados cometidos
✔ não 'esquecer' pecados que não estão esquecidos

👉 A confissão é um ato de humilhação da criatura suplicando o perdão e a infinita misericórdia do Pai e essa só se manifesta em plenitude diante da verdade e do coração aberto da alma sob contrição perfeita. 

Propósito de Emenda: perseverança, perseverança, perseverança 

✔ firme resolução de não tornar a pecar (particularmente pecados mortais) 
✔ firme resolução de arrependimento sincero ao pecar novamente 
✔ firme resolução de santificação pessoal
✔ firme resolução de ser um católico melhor a cada dia
✔ firme resolução de ser homem de oração
✔ firme resolução de ser exemplo 
✔ firme resolução de praticar, cada vez mais, a caridade.

👉 Tome o firme propósito de dizer NÃO a tudo que nos afasta de Deus e da caridade para com o próximo.

Penitência Final: reparação, reparação, reparação

✔ reparar as ofensas cometidas contra Deus
✔ satisfazer a culpa dos pecados cometidos
✔ satisfazer a culpa de dano dos pecados cometidos
✔ cumprir integralmente a penitência manifestada pelo confessor  
✔ cumprir a penitência no menor prazo possível 
✔ cumprir a penitência com contrição e sincero arrependimento 
✔ cumprir a restituição devida quando for o caso

👉 Fazer, durante a penitência final, o firme propósito de melhorar como criatura de Deus, como católico, empenhado cada vez mais no projeto de sua santificação pessoal.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XXV)

Capítulo XXV

Duração do Purgatório - A Abadia de Latrobe - Cem Anos de Sofrimento por Retardar a Recepção dos Últimos Sacramentos

O seguinte incidente é relatado com autenticação de prova pelo jornal The Monde, no número de abril de 1860. Ocorreu na América, na Abadia dos Beneditinos, situada na aldeia de Latrobe. Uma série de aparições ocorreu durante o ano de 1859. A imprensa americana abordou o assunto e tratou essas graves questões com a sua habitual leviandade. Para acabar com o escândalo, o abade Wirnmer, superior da casa, dirigiu aos jornais a seguinte carta.

'O seguinte documento é uma verdadeira declaração do caso: Em nossa abadia de São Vicente, perto de Latrobe, em 10 de setembro de 1859, um noviço viu a aparição de um beneditino composto com traje completo de coro. Esta aparição se repetiu todos os dias, entre 18 de setembro e 19 de novembro, às onze horas, ao meio-dia ou às duas horas da manhã. Somente no dia 19 de novembro, o noviço interrogou o espírito, na presença de outro membro da comunidade, e perguntou o motivo dessas aparições. Ele respondeu que já havia padecido por setenta e sete anos no Purgatório por ter deixado de celebrar sete missas de obrigação; que ele já havia aparecido em ocasiões diferentes a outros sete beneditinos, mas que estes não lhe deram ouvidos, e que seria obrigado a efetuar outra aparição novamente, após onze anos, se o noviço não viesse em seu auxílio.

Finalmente, o espírito pediu que estas sete missas fossem celebradas na sua intenção; além disso, o noviço deveria permanecer em retiro por sete dias, manter silêncio absoluto e, durante trinta dias, recitar três vezes ao dia o salmo Miserere, com os pés descalços e os braços estendidos em forma de cruz. Todas estas condições foram cumpridas entre 20 de novembro e 25 de dezembro, e nesse dia, após a celebração da última missa, a aparição desapareceu.

Durante esse período o espírito manifestou-se várias vezes, exortando o noviço da maneira mais urgente a rezar pelas almas do Purgatório; pois - disse ele - elas sofrem terrivelmente e são extremamente gratos àqueles que cooperam com a sua libertação. Ele acrescentou - e isso é triste relatar - que, dos cinco sacerdotes que morreram em nossa abadia, nenhum ainda havia entrado no céu, e todos sofriam ainda no Purgatório. Eu não tiro nenhuma conclusão, mas esses são os fatos'. 

Esta conta, assinada pela mão do Abade Superior, é um documento histórico incontestável. Quanto à conclusão que o venerável prelado nos deixa tirar, é evidente. Vendo que um religioso está condenado ao Purgatório por setenta e sete anos, basta-nos aprender a necessidade de refletir sobre a duração do castigo futuro, tanto para sacerdotes e religiosos como para os fiéis comuns que vivem em meio à corrupção do mundo.

Uma causa muito frequente desta longa permanência do Purgatório é que muitos se privam de um grande meio estabelecido por Jesus Cristo para encurtá-lo, retardando, quando gravemente doentes, para receber os últimos sacramentos. Estes sacramentos, destinados a preparar as almas para a sua última viagem, a purificá-las dos restos do pecado e a poupá-las das penas da outra vida, exigem, para produzirem os seus efeitos, que o doente os receba com as devidas disposições. Ora, quanto mais são adiadas e as faculdades do doente se enfraquecem, mais defeituosas tornam-se essas disposições. O que eu disse? Muitas vezes acontece, em consequência desse atraso imprudente, é que o doente morra privado dessa ajuda absolutamente necessária. O resultado é que o falecido, desde que não condenado, é lançado nos abismos mais profundos do Purgatório e sobrecarregado com todo o peso de suas dívidas.

Miguel Alix nos fala de um eclesiástico que, em vez de receber prontamente a extrema unção e, com isso, dar um bom exemplo aos fiéis, foi culpado de negligência a esse respeito e foi punido com cem anos de Purgatório. Sabendo que estava gravemente doente e em perigo de morte, este pobre padre deveria ter dado a conhecer o seu estado e recorrer imediatamente aos socorros que a Mãe Igreja reserva aos seus filhos naquela hora suprema. Ele omitiu fazê-lo; ou por uma ilusão comum entre os doentes, ele não quis declarar a gravidade de sua situação ou porque estava sob a influência daquele preconceito fatal que faz com que os cristãos fracos adiem a recepção dos últimos sacramentos, ele não pediu nem pensou em recebê-los. 

Mas sabemos como a morte vem às escondidas; o infeliz adiou tanto que morreu sem ter tido tempo de receber o Viático ou a Extrema Unção. Agora, Deus se agradou de fazer uso desta circunstância para dar um grande aviso aos outros. O próprio falecido veio dar a conhecer a um irmão eclesiástico que estava condenado ao Purgatório por cem anos. 'Estou sendo assim punido' - disse ele - 'por ter demorado em receber a graça da última purificação. Se eu tivesse recebido os sacramentos como deveria ter feito, teria escapado da morte pela virtude da extrema unção e teria tido tempo para fazer penitência'. 

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

A MORTE DE DOM BOSCO

Dom Bosco no seu leito de morte (Turim, 31 de janeiro de 1888)

'Dom Bosco jazia agonizante, estirado imóvel em sua pequena cama de ferro, com os seus filhos fiéis ajoelhados ao seu redor. Era 31 de janeiro do ano de 1888.

Por volta das quinze para as duas da manhã, a agonia começou. O padre [Michele] Rua e o bispo [Giovanni] Cagliero recitaram as orações rituais. O estertor da morte durou até quinze para as cinco. Então, quando o Angelus ressoou dos sinos da nossa igreja [Maria Auxiliadora], a respiração áspera de Dom Bosco se acalmou. Meio minuto depois ele estava morto, ido para o paraíso!' 

Com estas palavras simples e tocantes, o secretário Carlo Maria Viglietti, cronista-chefe dos últimos anos de Dom Bosco, encerra a crônica da última doença e morte santa do mestre.

A última doença de Dom Bosco não foi realmente uma doença nova, mas uma recorrência, com sintomas agravados e várias complicações graves, da mesma condição cardio-pulmonar crônica. Assim, quando voltou de sua cavalgada na noite de 20 de dezembro de 1887, e foi para a cama para nunca mais deixá-la, Dom Bosco entrou no último e fatal episódio da doença que o atormentava desde 1846, talvez rastreável até aos seus dias de estudante.

A grave doença de 1846 deveu-se a uma condição brônquica-pulmonar. A bronquite degenerou em pneumonia brônquica. Assim, quando Dom Bosco ainda não tinha 35 anos, já havia desenvolvido uma condição do aparelho respiratório que piorava progressivamente e era causa de repetidas recaídas, entre as quais as doenças de 1871 e a de 1884 foram as mais graves.

Sintomas semelhantes acompanharam a doença final de 1887-88. A essa altura, a oxigenação do sangue na rede alveolar dos pulmões estava tão reduzida que as funções de outros órgãos vitais também foram seriamente afetadas. Esta era a condição de Dom Bosco quando foi colocado na cama em 20 de dezembro de 1887... agora era apenas questão de tempo.

Dom Bosco adormeceu no Senhor às 4h45min da manhã de terça-feira, 31 de janeiro de 1888. Morreu como tinha vivido, em união com Cristo crucificado, invocando a intercessão de Maria, em oração de entrega total a Deus.

A paciente resistência de Dom Bosco à dor excruciante é uma das características mais marcantes da história de seus últimos anos, e mais especialmente de seus últimos dias. 'Faça-se a santa vontade de Deus a meu respeito' foi uma das orações de Dom Bosco mais repetidas. E não apenas este grande e santo homem suportou sua dor; ele fez pouco disso. Ele encontrou forças dentro de si mesmo para disfarçar a sua dor com inteligência e brincadeiras alegres e testemunhou a dissolução do seu corpo com humor e graça.

(Excertos da obra 'Don Bosco: History and Spirit', de Arthur Lenti, 2010)

domingo, 13 de fevereiro de 2022

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'É feliz quem a Deus se confia!' (Sl 1)

 13/02/2022 - Sexto Domingo do Tempo Comum

12. O SERMÃO DA MONTANHA

O chamado 'Sermão da Montanha', conjunto de proposições expostas por Jesus naquele tempo a uma 'grande multidão de gente de toda a Judeia e de Jerusalém, do litoral de Tiro e Sidônia' (Lc 6, 17) contempla, de forma admirável, a síntese do Evangelho e da doutrina cristã como legado do Reino dos Céus aos homens de todos os tempos.

O primado desta herança aos homens de todos os tempos se impôs quando o Senhor, diante da enorme multidão, volveu o seu olhar divino aos Apóstolos, antes de proferir as bem-aventuranças que expressam os preceitos e as virtudes que nos santificam e nos tornam herdeiros do Reino dos Céus. Na prática do amor e na busca da perfeição cristã, eis o legado de nossa santificação: 'Bendito o homem que confia no Senhor, cuja esperança é o Senhor' (Jr 17, 7).

Essa via de santidade é expressa pelo Senhor sempre em termos da sua concepção oposta: 'Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus!' (Lc 6, 20) versus 'Mas ai de vós, os ricos, porque tendes já a vossa consolação' (Lc 6, 24). 'Bem-aventurados os que agora tendes fome, porque sereis saciados (Lc 6, 21) versus 'Ai de vós os que estais saciados, porque vireis a ter fome' (Lc 6, 25). 'Bem-aventurados vós, que agora chorais, porque havereis de rir!' (Lc 6, 21) versus 'Ai de vós, que agora rides, porque tereis luto e lágrimas!' (Lc 6, 25). 'Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem, vos expulsarem, vos insultarem e amaldiçoarem o vosso nome, por causa do Filho do Homem!' (Lc 6, 22) versus 'Ai de vós quando todos vos elogiam!' (Lc 6, 26).

Com efeito, os caminhos da vida eterna não se conformam aos atalhos do mundo. Como Filhos de Deus, somos, desde agora, peregrinos do Céu mergulhados nas penumbras da fé e nas vertigens das realidades humanas, na certeza confiante do eterno reencontro: 'Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus' (Lc 6, 23).