quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

O PESO DA ORAÇÃO PERFEITA

Certa senhora muito piedosa e devota pediu a São Domingos que este lhe aconselhasse sobre a sua vida espiritual e pediu-lhe ainda que a ouvisse em confissão. Por penitência, o santo mandou que a mulher rezasse um Rosário completo e aconselhou-a que o rezasse diariamente. Ela disse que rezaria o Rosário dado como penitência, mas não o rezaria outras vezes porque já demandava muito tempo com outras devoções, que incluíam outras tantas penitências e jejuns. São Domingos aconselhou-a novamente e várias outras vezes a seguir seu conselho e rezar o Rosário, mas ela continuava a recusar. Ela sempre saía do confessionário, horrorizada pela tática de seu novo diretor espiritual, que arduamente lhe persuadia a seguir uma devoção que não era do seu agrado. 

Numa certa ocasião, enquanto estava orando concentradamente, caiu em êxtase e viu a sua alma se apresentando diante do Trono do Julgamento de Nosso Senhor. Viu quando São Miguel dispôs todas as suas orações, jejuns e penitências em um dos pratos da balança e todos os seus pecados e imperfeições no outro. E, tolhida pelo espanto, viu que o prato das suas boas obras ficou muito suspenso sem conseguir equilibrar o peso do outro, cheio de seus pecados e imperfeições. 

Clamando por misericórdia, implorou o auxílio da Santíssima Virgem. A Virgem, tomando o único Rosário que ela tinha rezado como penitência de sua confissão, colocou-o no prato das boas obras que, então, pesou enormemente, muito mais que o prato contendo os pecados e imperfeições da vida daquela senhora. Nossa Senhora, então, repreendeu-a por não ter seguido o conselho de seu servo Domingos e por não ter rezado o Rosário diariamente. Voltando a si, a mulher correu ao encontro de São Domingos e, prostrando-se aos seus pés, implorou o perdão ao santo pela sua indiferença e prometeu rezar o Rosário fielmente, a partir de então, todos os dias de sua vida.

(Excertos adaptados da obra 'O Segredo do Rosário', por São Luis Maria Grignion de Montfort)

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

OFÍCIO PARVO DE NOSSA SENHORA


Jesus nos intimou nos Evangelhos a uma vida de oração constante: 'Orai sem cessar' (1Ts 5,17). Ao longo dos séculos, a Igreja incentivou fielmente os seus filhos a praticarem uma vida de oração como instrumento de salvação pessoal e de nossos irmãos, na forma de súplicas e petições de diferentes naturezas à Divina Providência.

Os chamados Ofícios Divinos são práticas de oração comumente empregadas por religiosos e leigos associados a instituições religiosas específicas. A palavra 'ofício' tem origem no vocábulo opus que, em latim, significa 'obra'. Trata-se de um conjunto de orações cotidianas e diversas, que incluem súplicas, salmos, cânticos e leituras de textos bíblicos,  que devem ser rezadas em sequência própria e em diferentes momentos do dia. Os Ofícios podem incluir também versões mais simplificadas da sequência geral e estas versões mais abreviadas são chamadas de 'breves' ou 'parvas', do latim parvus, que significa 'pequeno'.

O modelo de perfeição de uma vida cristã de oração sempre foi e será Nossa Senhora. Assim, recorrer à Virgem Maria como modelo de oração e nossa intercessora, é certeza absoluta de fazer as nossas súplicas chegarem até o coração de Deus. E, por esta razão, o chamado 'Ofício Parvo de Nossa Senhora'  deveria ser oração frequente de todo cristão, religioso ou leigo, associado ou não a uma determinada ordem religiosa em especial. Grandes frutos obteremos por meio destas orações desde que as façamos com fé, piedade, atenção e confiança, pois estaremos sempre juntos com Jesus Cristo, Nossa Senhora e a Igreja de tantos séculos orando conosco e por nós.

A versão tradicional do 'Ofício Parvo de Nossa Senhora' é aquela que consta do Breviário Romano reformado pelo papa São Pio X, em 1911, com pequenas alterações do texto original proposto pelo papa São Pio V. Na verdade, a sequência completa das orações comporta três diferentes 'Ofícios':

(i) O Primeiro, que deve ser recitado a partir das Matinas do dia 3 de fevereiro até as Vésperas do sábado antes do 1° Domingo do Advento exclusive, com exceção da festa da Anunciação da Santíssima Virgem, na qual se reza o Ofício do Advento;

(ii) O Segundo, a ser recitado desde as Vésperas do sábado anterior ao 1° Domingo do Advento até as Vésperas do Natal, exclusivamente, e nas Vésperas da festa da Anunciação de Nossa Senhora;

(iii) O Terceiro, que se reza desde as Vésperas da Vigília do Natal até as Completas do dia 2 de fevereiro inclusive.

Em conformidade às palavras do Salmista: 'Cantei vossos louvores sete vezes ao dia' (Sl 118, 164), a Igreja dos primeiros séculos distribuiu as orações públicas em sete horas, que foram denominadas: Matinas e Laudes, que se recitavam à meia noite; Prima, após o levantar do sol; Terça, às nove horas da manhã; Sexta, ao meio dia; Noa, às três horas da tarde; Vésperas, às seis horas da tarde e Completas às 9 horas da noite, que se referem aos mais relevantes mistérios da vida de nosso Senhor Jesus Cristo. 

O Ofício das Matinas nos lembra o nascimento do Salvador e sua vida dolorosa no Getsêmani, sua oração e agonia. Com as Laudes, celebramos a ressurreição e a assunção de Maria, que, segundo piedosa crença, se teria operado durante a aurora. As orações da Prima nos lembram os ultrajes e os sofrimentos, padecidos por Jesus Cristo antes da Paixão. Com a Terça, lembramo-nos da flagelação, da coroação de espinhos e da sua condenação à morte. À Sexta, dedicamos à crucifixão de Jesus Cristo e às palavras pronunciadas por ele na santa cruz, dando-nos Maria por Mãe. Com a Noa, consideramos Jesus morrendo na cruz e a Igreja nascendo do lado aberto de seu divino peito. Com as Vésperas, a Igreja propôs honrar a descida da cruz, o corpo de Jesus Cristo colocado nos braços de sua santa Mãe e a instituição do adorável sacramento da Eucaristia. Completas vêm, como o nome indica, formar o complemento, a conclusão de todo o Ofício, e assim aqui se honra a sepultura de Jesus Cristo e a sua permanência no túmulo. 

A estruturação do 'Ofício Parvo de Nossa Senhora'*, na sua versão tradicional (rubrica de Pio XII), é composta basicamente pelas seguintes partes: Oração Inicial: Aperi Domine - 'Abri, Senhor' (antes da recitação do Ofício do Dia); Oração Final: Sacrosanctxe et individuae Trinitati - 'À santíssima e indivisível Trindade' (após a recitação do Ofício do Dia) e a sequência das orações do Ofício das Horas, subdivididas em:

Matinas:

Ave Maria (em voz submissa)
Responsório (com dois Versículos e Respostas), Glória ao Pai e Aleluia (ou Louvado sejais, rei da Eterna Glória);
Invitatório;
Salmo 94;
Hino;
Primeiro, Segundo ou Terceiro Noturno (de acordo com o dia da semana), composto por três salmos e suas respectivas antífonas;
Versículo e Resposta
Pai Nosso (em voz submissa);
Absolvição;
Lições I, II e III, cada uma precedida pela Benção e seguida pelo Responsório, com Versículo e Resposta. (O Te Deum pode seguir a terceira Lição, substituindo o Responsório; ele também pode seguir a segunda Lição, mas se diz após o Responsório dessa e, nesse caso, a ele acrescenta-se Responsório e Benção).
Hino de Santo Ambrósio e Santo Agostinho

Laudes:

Ave Maria (omitida quando as Laudes são rezadas imediatamente após as Matinas, conforme o preceito usual);
Responsório (com dois Versículos e Respostas), Glória ao Pai e Aleluia (ou Louvado sejais, rei da Eterna Glória);
Três salmos (com suas respectivas antífonas);
Cântico dos Três Mancebos (com antífona);
Salmo 148 (com antífona);
Capítula;
Hino (com Versículo e Resposta);
Cântico de Zacarias (com antífona);
Kyrie, (com Versículo e Resposta);
Oração, seguida pelos versículos conclusivos e suas respostas (entre a Oração e os versículos conclusivos, pode-se fazer a Comemoração dos Santos).

Prima, Terça, Sexta e Noa:

Ave Maria (em voz submissa)
Versículo e Resposta, Glória ao Pai (ou Louvado sejais, rei da Eterna Glória);
Hino;
Três salmos (com antífona);
Capítula (com Versículo e Resposta);
Kyrie (com Versículo e Resposta);
Oração, seguida por três versículos e três respostas.

Vésperas:

Ave Maria (em voz submissa)
Versículo e Resposta, Glória ao Pai (ou Louvado sejais, rei da Eterna Glória);
Cinco salmos (com antífonas);
Capítula
Hino (com Versículo e Resposta);
Magnificat (com antífona);
Kyrie (com Versículo e Resposta);
Oração, seguida pelos versículos conclusivos e respostas (entre a Oração e os versículos conclusivos, pode-se fazer a Comemoração dos Santos).

Completas:

Ave Maria (em voz submissa)
Convertei-nos, ó Deus... e resposta, Versículo e Resposta, Glória ao Pai (ou Louvado sejais, rei da Eterna Glória);
Três salmos (sem antífonas);
Hino;
Capítula (com Versículo e Resposta);
Cântico de Simeão (com antífona);
Kyrie (com Versículo e Resposta);
Oração (com dois versículos e duas respostas)
Bênção;
Antífonas finais da Santíssima Virgem (de acordo com o tempo litúrgico);
Pai Nosso, Ave Maria e Credo (em voz submissa).

Mas, lembre-se: não sendo possível rezar o 'Ofício'** como um todo, reze-o em parte, reze-o no que for possível. A graça de Deus tem por primeira medida a devoção e a reta intenção. A recitação fervorosa e perseverante do 'Ofício Parvo de Nossa Senhora' é objeto de muitas graças e bênçãos, incluindo a prescrição de diversas indulgências parciais e de indulgência plenária uma vez por mês. Especial indulgência, na forma do chamado Privilégio Sabatino, é concedido aos fieis que rezam o 'Ofício' e portam continuamente o escapulário marrom de Nossa Senhora do Carmo.

* observe que, nesta versão do rito tradicional, o 'Ofício' começa com as orações de Vésperas, ou seja, das seis horas da tarde;
** versão não exatamente tradicional e por dia da semana.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

A BÍBLIA EXPLICADA (XXI) - COMO ALIMENTAR OS FAMINTOS?

Seguindo o exemplo de Jesus, conforme descrito no milagre da multiplicação dos pães (Mt 14, 14-21):

'Quando desembarcou, vendo Jesus essa numerosa multidão, moveu-se de compaixão [1] para ela e curou seus doentes. Caía a tarde. Agrupados em volta dele, os discípulos disseram-lhe: Este lugar é deserto e a hora é avançada. Despede esta gente para que vá comprar víveres na aldeia. Jesus, porém, respondeu: Não é necessário: dai-lhe vós mesmos de comer. Mas, disseram eles, nós não temos aqui mais que cinco pães e dois peixes. Trazei-os, disse-lhes Ele. Mandou, então, a multidão assentar-se na relva, tomou os cinco pães e os dois peixes e, elevando os olhos ao céu [2], abençoou-os. Partindo em seguida os pães, deu-os aos seus discípulos [3], que os distribuíram ao povo [4] Todos comeram e ficaram fartos [5], e, dos pedaços que sobraram, recolheram doze cestos cheios [6]. Ora, os convivas foram aproximadamente cinco mil homens, sem contar as mulheres e crianças'.

Ou seja: 

[1] Fazer essa obra com um sincero afeto de compaixão, não só natural, mas sobrenatural, olhando a Cristo na pessoa do necessitado.

[2] Antes de alimentar o necessitado, levantar os olhos ao céu e consagrar a Deus a obra de misericórdia que se vai fazer; por uma puríssima intenção, buscar somente ou principalmente a sua glória divina.

[3]  Dar o alimento assim que se conheça a necessidade, sem aguardar que o peçam para, desse modo, evitar ao pobre esse incômodo [de pedir].

[4] Dar indiferentemente a todos, segundo sua necessidade e sem parcialidade, a não ser em caso de necessidade, ou quando o exija a ordem da caridade.

[5] Dar com prudência, oferecendo ao pobre tal espécie de comida que sirva para satisfazer a sua necessidade e não para despertar a sua gula. O Senhor deu aos pobres pães e peixes, não perdizes e faisões.

[6] Dando com abundância, como fez Jesus. Depois de haver saciado o apetite daquelas pessoas, ainda sobraram doze cestos de pedaços de pão.

(Excertos da obra 'El Corazón de Jesús retratado em sus parábolas', de Ojea y Marquez, 1907)

FOTO DA SEMANA

'Duas mulheres estarão moendo no mesmo moinho: uma será tomada e a outra será deixada' (Mt 24, 41)

domingo, 9 de fevereiro de 2020

PÁGINAS COMENTADAS DOS EVANGELHOS DOS DOMINGOS


'Reparte o pão com o faminto, acolhe em casa os pobres e peregrinos. Quando encontrares um nu, cobre-o, e não desprezes a tua carne. Então, brilhará tua luz como a aurora e tua saúde há de recuperar-se mais depressa; à frente caminhará tua justiça e a glória do Senhor te seguirá' (Is 58, 7-8)

sábado, 8 de fevereiro de 2020

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

'É uma ilusão supor que a guerra é sempre um erro e que o mundo se poderá ver livre dela. Isto é falso. A guerra deve existir sempre; mas não a guerra exterior: a interna. Quando travamos guerra, contra o mal em nós, diminuem ao mesmo tempo as guerras exteriores. A razão porque vivemos num século de guerras exteriores é a de nos descurarmos no travar da batalha interior contra as forças que destroem a mente e a alma. Aquele que não descobrir o inimigo dentro de si, encontrá-lo-á, sem dúvida alguma, fora. O que se passar na mente, passar-se-á em seguida no mundo. Se a mente estiver no erro, então o mundo será uma loucura'.

(Mons. Fulton Sheen)

08 DE FEVEREIRO - SANTA JOSEFINA BAKHITA


A primeira santa africana nasceu numa aldeia próxima a Dardur, no Sudão, por volta de 1869 – ela mesma não sabia a data precisa. Raptada por traficantes de escravos aos nove anos de idade, foi trancada inicialmente em um quarto escuro e miserável, depois espancada barbaramente e vendida cinco vezes nos mercados do Sudão, padecendo todo tipo de humilhação e selvageria nas mãos dos seus senhores. Este martírio atroz desde tenra idade roubou-lhe o próprio nome; o nome Bakhita - 'afortunada' em árabe -  foi-lhe dado pelos próprios traficantes.

Mas o pior dos tormentos ainda estava por vir. Comprada por um general turco, foi submetida a sofrimentos inimagináveis a serviço da mãe e da esposa deste homem, que incluíram dezenas de tatuagens no seu corpo abertas por navalha e que lhe legaram 144 cicatrizes e um leve defeito ao caminhar. A descrição destes tormentos foi assim exposta nas palavras da santa:

'Uma mulher habilidosa nesta arte cruel [tatuagem] veio à casa principal... nossa patroa colocou-se atrás de nós, com o chicote nas mãos. A mulher trazia uma vasilha com farinha branca, uma vasilha com sal e uma navalha. Quando terminou de desenhar com a farinha, a mulher pegou da navalha e começou a fazer cortes seguindo o padrão desenhado. O sal foi aplicado em cada ferida... Meu rosto foi poupado, mas 6 desenhos foram feitos em meus seios, e mais 60 em minha barriga e braços. Pensei que fosse morrer, principalmente quando o sal era aplicado nas feridas... foi por milagre de Deus que não morri. Ele havia me destinado para coisas melhores'.

Em 1882, com o retorno do general à Turquia, Bakhita foi comprada pelo cônsul italiano Calixto Legnani que a tratou como serviçal e não como escrava, sem humilhações e castigos. Diante de uma revolução nacionalista no Sudão, o cônsul retornou à itália levando Bakhita consigo, que foi cedida então a amigos do cônsul, o casal Michieli, em cuja casa começou a morar na região do Veneto, tendo por encargo especial os cuidados da filha do casal, a pequena Mimina. Foi nesta família católica que Bakhita conheceu a revelação de Jesus Cristo, sua flagelação e sua morte de cruz. O caminho de Bakhita estava traçado: da conversão à santidade pela via da caridade e do perdão. 

Em 9 de janeiro de 1890, foi batizada e crismada com o nome de Josefina e recebeu a Sagrada Comunhão das mãos do Patriarca de Veneza. Pouco depois, solicitou seu ingresso no Instituto das Filhas da Caridade, fundado por Santa Madalena de Canossa. Em 8 de dezembro de 1896, em Verona, pronunciou os votos finais de religiosa da congregação. A partir de então, por mais de 50 anos, sua vida foi um ato constante de amor a Deus e à caridade para com todos. Além de operosa nos serviços simples como na sacristia e na portaria do convento, realizou várias viagens através da Itália para difundir a sua missão: a libertação dada a ela pelo encontro com Cristo deveria ser compartilhada com o maior número possível de pessoas; a redenção que experimentara não podia ser guardada como posse, mas levada como sinal de esperança para todos.


Em 8 de fevereiro de 1947, após muito sofrimento de doenças como bronquites e pneumonias, a Irmã Josefina faleceu no convento canossiano de Schio, com a idade de 78 anos. Na hora da sua morte, seu semblante pareceu iluminar-se e exclamou com alegria suas últimas palavras 'Como estou contente! Nossa Senhora, Nossa Senhora!' A Irmã Moretta - a Irmã Morena - como era carinhosamente conhecida entregava serenamente a sua alma ao Senhor, rodeada pela comunidade em pranto e em oração. Seu corpo foi enterrado originalmente na capela de uma família de Schio, para um sepultamento definitivo posterior no Templo da Sagrada Família. Quando isso foi finalmente preparado, verificou-se que o corpo de Bakhita estava incorrupto, sendo o mesmo sepultado então sob o altar da igreja do mesmo convento. Em 17 de maio de 1992 foi beatificada e, em 1º de outubro de 2000, foi elevada à honra dos altares e declarada santa pelo Papa João Paulo II.