quinta-feira, 14 de novembro de 2019

CONSIDERAÇÕES PARA O DIA DE TUA MORTE

Considerações

1. Considera a incerteza do dia de tua morte. Ah, minha alma! Sairás um dia deste corpo. Quando? No inverno ou no verão? Na cidade ou no campo? De dia ou de noite? De modo imprevisto ou avisado? Por doença ou acidente? Terás tempo de te confessar ou não? Terás a assistência do teu confessor e pai espiritual ou não? De tudo isso absolutamente nada sabemos. A única coisa certa é que morreremos, e sempre mais cedo do que julgávamos.

2. Considera que, então, o mundo acabará no que te diz respeito. Ele não existirá mais para ti, ele virará de cabeça para baixo à tua frente. Sim, pois então os prazeres, as vaidades, as alegrias mundanas e os afetos vãos parecerão como nuvens e fantasmas. Ah, miserável, por que ninharias ofendi ao meu Deus? Verás que abandonamos Deus pelo nada. Ao contrário, a devoção, as boas obras te parecerão tão desejáveis e doces! E por que não segui este belo e gracioso caminho? Então os pecados que pareciam pequenos parecerão grandes como montanhas e a tua devoção, bem pequena.

3. Considera o longo e langoroso adeus que a tua alma dirá a este baixo mundo. Dirá adeus às riquezas, às vaidades, às vãs companhias, aos prazeres, aos passatempos, aos amigos, aos vizinhos, aos pais, aos filhos, ao marido, à esposa, em suma, a toda criatura e, por fim, ao seu corpo, que ela abandonará pálido, magro, acabado, medonho e infecto.

4. Considera os trabalhos que terão para erguer o teu corpo e enterrá-lo; e que, feito isso, o mundo quase não pensará mais em ti, como tu quase não pensaste nos outros. Que Deus o tenha, dirão, e acabou-se. Ó morte, como és desdenhada! Como és implacável!

5. Considera que, ao sair do corpo, a alma segue ou para a direita ou para a esquerda. Aonde irá a tua? Que caminho tomará? O mesmo caminho que ela começou a trilhar neste mundo.

Afeições

1. Reza a Deus e te lança entre os seus braços. Ai, Senhor, recebei-me em vossa proteção neste dia apavorante! Tornai-me feliz e favorável esta hora e que todas as outras me sejam tristes e aflitivas.

2. Despreza o mundo. Como não sei a hora a hora em que terei de deixar-te, ó mundo, não quero apegar-me a ti. Ó meus caros amigos, minhas caras alianças, permitai que não me afeiçoe a vós mais do que por uma amizade santa, que possa durar eternamente; pois por que me unir a vós para depois deixar e romper tal laço?

Resoluções

Quero preparar-me para esta hora e tomar os cuidados necessários para fazer felizmente esta passagem. Quero examinar com toda atenção o estado da minha consciência e pôr ordem nestas e naquelas faltas.

Petições

Agradece a Deus por estas resoluções que Ele vos deu; oferece-as à sua Majestade. Roga-lhe, mais uma vez, que Ele torne feliz a tua morte pelo mérito de seu Filho. Implora a ajuda da Santa Virgem e dos santos. Rezai agora o Pai Nosso e a Ave-Maria.

(São Francisco de Sales, na obra 'Novíssimos do Homem')

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

ORAÇÃO: LAUDA SION SALVATOREM

No ano de 1264, o papa Urbano IV (1261-1264) instituiu a festa de Corpus Christi por meio da bula Transiturus de hoc mundo e, em seguida, convocou um procedimento público para a elaboração do chamado Ofício para a Festa. São Tomás de Aquino (1225 - 1274) elaborou, nesta ocasião, a sequência Lauda Sion Salvatorem, que se tornaria, então, uma dos grandes cânticos litúrgicos da Igreja de todos os tempos. A sequência Lauda Sion Salvatorem está estruturada em 80 versos que proclamam o louvor ao Santíssimo Sacramento, expõem a origem e as premissas da doutrina católica sobre o Santíssimo Sacramento e dirigem uma súplica final a Cristo para que, alimentados com o Corpo e o Sangue do Senhor nesta vida, possamos ser co-herdeiros com Ele no Banquete Eterno.

Lauda Sion Salvatorem,
lauda ducem et pastorem,
in hymnis et canticis.
Quantum potes, tantum aude:
quia maior omni laude,
nec laudare sufficis. 

Laudis thema specialis,
panis vivus et vitalis
hodie proponitur.
Quem in sacrae mensa cenae,
turbae fratrum duodenae
datum non ambigitur. 

Sit laus plena, sit sonora,
sit iucunda, sit decora
mentis iubilatio.
Dies enim solemnis agitur,
in qua mensae prima recolitur
huius institutio. 

In hac mensa novi Regis,
novum Pascha novae legis,
phase vetus terminat.
Vetustatem novitas,
umbram fugat veritas,
noctem lux eliminat. 

Quod in coena Christus gessit,
faciendum hoc expressit
in sui memoriam.
Docti sacris institutis,
panem, vinum in salutis
consecramus hostiam. 

Dogma datur christianis,
quod in carnem transit panis,
et vinum in sanguinem.
Quod non capis, quod non vides,
animosa firmat fides,
praeter rerum ordinem.

Sub diversis speciebus,
signis tantum, et non rebus,
latent res eximiae.
Caro cibus, sanguis potus:
manet tamen Christus totus
sub utraque specie. 

A sumente non concisus,
non confractus, non divisus:
integer accipitur.
Sumit unus, sumunt mille:
quantum isti, tantum ille:
nec sumptus consumitur. 

Sumunt boni, sumunt mali:
sorte tamen inaequali,
vitae vel interitus.
Mors est malis, vita bonis:
vide paris sumptionis
quam sit dispar exitus. 

Fracto demum sacramento,
ne vacilles, sed memento
tantum esse sub fragmento,
quantum toto tegitur.
Nulla rei fit scissura:
signi tantum fit fractura,
qua nec status, nec statura
signati minuitur.

Ecce Panis Angelorum,
factus cibus viatorum:
vere panis filiorum,
non mittendus canibus.
In figuris praesignatur,
cum Isaac immolatur,
agnus Paschae deputatur,
datur manna patribus. 

Bone pastor, panis vere,
Iesu, nostri miserere:
Tu nos pasce, nos tuere,
Tu nos bona fac videre
in terra viventium.
Tu qui cuncta scis et vales,
qui nos pascis hic mortales:
tuos ibi commensales,
coheredes et sodales
fac sanctorum civium.
Amen. Alleluia.




Sião, exulta de alegria,
louva teu pastor e guia
com teus hinos, tua voz!
Tanto possas, tanto ouses, 
em louvá-lo não repouses: 
sempre excede o teu louvor!

Hoje a Igreja te convida: 
ao pão vivo que dá vida
vem com ela celebrar!
Este Pão, que o mundo creia!
por Jesus, na Santa Ceia,
foi entregue aos que escolheu.

Nosso júbilo cantemos,
nosso amor manifestemos, 
pois transborda o coração!
Quão solene a festa, o dia, 
que da santa Eucaristia 
nos recorda a instituição!

Novo Rei e nova mesa,
nova Páscoa e realeza,
foi-se a Páscoa dos judeus.
Era sombra o antigo povo,
o que é velho cede ao novo: 
foge a noite, chega a luz.

O que o Cristo fez na ceia,
manda à Igreja que o rodeia
repeti-lo até voltar.
Seu preceito conhecemos:
pão e vinho consagremos
para nossa salvação.

Deve-o crer todo cristão:
faz-se carne o pão de trigo,
faz-se sangue o vinho amigo.
Se não vês nem compreendes, 
gosto e vista tu transcendes,
elevado pela fé.

Pão e vinho, eis o que vemos;
mas ao Cristo é que nós temos
em tão ínfimos sinais.
Alimento verdadeiro,
permanece o Cristo inteiro
quer no vinho, quer no pão.

É por todos recebido,
não em parte ou dividido,
pois inteiro é que se dá!
Um ou mil comungam dele,
tanto este quanto aquele:
multiplica-se o Senhor.

Dá-se ao bom como ao perverso, 
mas o efeito é bem diverso:
 vida e morte traz em si…
Pensa bem: igual comida, 
se ao que é bom enche de vida, 
traz a morte para o mau.

Eis a hóstia dividida… 
Quem hesita, quem duvida?
Como é toda o autor da vida,
a partícula também.
Jesus não é atingido:
o sinal que é partido:
mas não é diminuído, 
nem se muda o que contém.

Eis o pão que os anjos comem,
transformado em pão do homem;
só os filhos o consomem:
não será lançado aos cães!
Em sinais prefigurado,
por Abrão foi imolado, 
no cordeiro aos pais foi dado,
no deserto foi maná…

Bom Pastor, pão de verdade,
piedade, Jesus, piedade,
conservai-nos na unidade,
extingui nossa orfandade,
transportai-nos para o Pai!
Aos mortais dando comida,
dais também o pão da vida;
que a família assim nutrida
seja um dia reunida
aos convivas lá do céu!
Amém! Aleluia!

terça-feira, 12 de novembro de 2019

O SACRIFÍCIO DA VONTADE PRÓPRIA

I. O que faz a vontade de Deus, entrará no céu; o que não a faz, nele não entrará. Alguns fazem depender a sua salvação de certas devoções, de certas obras exteriores de piedade e, entretanto, não cumprem a vontade de Deus. Jesus Cristo, porém, diz: 'Não todos aqueles que me dizem: Senhor, Senhor, entrarão no reino dos céus; mas entrará somente o que faz a vontade de meu Pai' — Qui facit voluntatem Patris mei, qui in coelis est, intrabit in regnum coelorum.

Portanto, se nos quisermos salvar e chegar à união perfeita com Deus, habituemo-nos a rogar-lhe sempre com Davi: Doce me, domine, facere voluntatem tuam — 'Senhor, ensinai-nos a fazer a vossa santa vontade'. Ao mesmo tempo desfaçamo-nos da vontade própria e entreguemo-la toda inteira e sem reserva a Deus. Quando damos a Deus os nossos bens pela esmola, o alimento pelo jejum, o sangue pela disciplina, damos-lhe a nossa própria pessoa. Eis porque o sacrifício da vontade própria é o sacrifício mais aceito que possamos fazer a Deus; e Deus enriquece de graças ao que o faz.

Porém, para que tal sacrifício seja perfeito, deve ter duas qualidades: deve ser feito sem reserva e constantemente. Alguns dão a Deus a sua vontade, mas com reserva e semelhante dádiva pouco agrada a Deus. Outros dão a Deus a sua vontade, mas logo em seguida tornam a retomá-la, e estes se expõem a grande risco de serem abandonados de Deus. Por isso, todos os nossos esforços, desejos e orações devem ser dirigidos ao fim de obtermos de Deus a perseverança em não querermos senão o que Deus quer. Habituemo-nos a antever desde de manhã, no tempo da meditação, as tribulações que nos possam suceder no correr do dia e a fazermos continuamente atos de resignação à vontade Divina. Diz São Gregório: Minus iacula feriunt, quae praevidentur — 'São menos dolorosas as feridas antevistas'.

II. Meu Jesus, cada vez que eu disser: 'Louvado seja Deus', ou 'Seja feita a vontade de Deus', tenho intenção de aceitar todas as vossas disposições a meu respeito, no tempo e na eternidade. Só quero o emprego, a habitação, os vestuários, o nutrimento, a saúde que me tendes destinado. Se quereis que meus negócios não surtam feliz êxito, meus projetos se esvaeçam, meus processos se percam, tudo quanto possuo seja roubado, eu também o quero. Se quereis que eu seja desprezado, odiado, posposto aos outros, difamado e maltratado, até por aqueles a quem mais amo, eu também o quero. Se quereis que eu fique privado de tudo, banido de minha pátria, encerrado numa prisão e viva em penas e angústias contínuas, eu também o quero. Se quereis que esteja sempre enfermo, coberto de chagas, estropiado, estendido sobre um leito, abandonado de todos, eu também o quero; tudo seja como Vos agradar e por quanto tempo quiserdes.

Minha vida mesma ponho nas Vossas mãos e aceito a morte que me destinais; aceito igualmente a morte de meus parentes e amigos e tudo o que quiserdes. Quero também tudo o que quereis no que diz respeito ao meu bem espiritual. Desejo Vos amar com todas as minhas forças nesta vida e ir Vos amar no paraíso como Vos amam os serafins; mas contente fico com o que bem quiserdes conceder-me. Se não quereis dar-me senão um só grau de amor, graça e glória, não quero mais do que isto, porque Vós assim o quereis. Prefiro o cumprimento de Vossa vontade a todos os bens.

Numa palavra, ó meu Deus, de mim e de tudo o que me pertence, disponde como for Vossa vontade; com a minha não tenhais consideração alguma, pois só quero o que Vós quereis. Qualquer que seja o tratamento que me deis, amargo ou doce, agradável ou penoso, aceito-o e abraço-o, porque tanto um como outro me virá de vossa mão. Aceito, meu Jesus, de maneira especial a morte que me espera e todas as penas que devem acompanhá-la, no lugar e momento que for vossa vontade. Unindo-as à vossa santa morte, ó meu Salvador, eu as Vos ofereço em testemunho de meu amor a Vós. Quero morrer para Vos agradar e cumprir vossa divina vontade. Ó Maria, Mãe de Deus, obtende-me esta santa perseverança. 

(Excertos da obra 'Meditações para todos os Dias e Festas do Ano' - Tomo III, de Santo Afonso Maria de Ligório)

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

A pureza, a ausência das paixões desregradas e o afastamento de todo mal é a divindade. Se, portanto, se encontrarem em ti, Deus estará totalmente em ti. Quando teu espírito estiver puro de todo vício, liberto de todo mau desejo e longe de toda nódoa, serás feliz pela agudeza e luminosidade do teu olhar, porque aquilo que os impuros não podem ver; tu, limpo, o perceberás. Retirada dos olhos da alma a escuridão da matéria, pela serenidade pura, contemplarás claramente a beatificante visão. E esta, o que é? Santidade, pureza, simplicidade, eis todo o esplendor da luminosa natureza divina, pelos quais Deus se deixa ver em nós. 

(São Gregório de Nissa)

domingo, 10 de novembro de 2019

PÁGINAS COMENTADAS DOS EVANGELHOS DOS DOMINGOS


'O Senhor é fiel; ele vos confirmará e vos guardará do mal... Que o Senhor dirija os vossos corações ao amor de Deus e à firme esperança em Cristo' (2 Ts 3, 3.5)

PÁGINAS DO EVANGELHO (2018 - 2019)

sábado, 9 de novembro de 2019

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (XLI)

XIII

DA FILIAÇÃO DIVINA E DA PREDESTINAÇÃO DE CRISTO

Que quereis dizer quando falais da adoção divina?
Que Deus, por um ato de infinita bondade, se dignou admitir as criaturas racionais na participação dos seus próprios bens, isto é, na glória da bem-aventurança eterna pois, não podendo ser os anjos nem os homens filhos por natureza (já que isto só pertence ao Verbo), enobreceu-os com o titulo e direitos de filhos adotivos (XXIV, 1)*.

O Verbo Encarnado é, enquanto homem, filho adotivo de Deus?
Não, Senhor; porque a filiação é propriedade pessoal e, portanto, onde existe filiação natural, não há lugar para a adotiva que é similitudinária (XXIII, 4).

Jesus Cristo foi predestinado?
Sim, Senhor; porque a predestinação é um decreto eterno em que Deus determina o que Ele próprio há de executar, com o correr do tempo, na esfera e vida da graça; o fato de um ser humano ter sido pessoa divina e Deus ter sido homem é um fato por Deus realizado no tempo e constitui o florão e remate da ordem da graça; logo, com maior razão que nenhuma outra criatura, foi predestinado o Filho de Deus feito homem (XXIV, 1).

A predestinação de Jesus Cristo é modelo e causa da nossa?
Sim, Senhor; porque o decreto de nossa predestinação é que sejamos, por adoção, o que o Verbo Encarnado é por natureza, e que Jesus Cristo seja o autor da nossa glorificação, já que por seus merecimentos havemos de alcançar a bem-aventurança eterna (XXIV, 3,4).

XIV

CONSEQUÊNCIAS DA ENCARNAÇÃO DO FILHO DE DEUS EM RELAÇÃO CONOSCO — COMO DEVEMOS ADORÁ-LO ; COMO É MEDIADOR ENTRE DEUS E OS HOMENS

Que se segue do fato da Encarnação em relação a nós?
Que temos a obrigação de adorar ao Filho de Deus feito homem e de reconhecer que é nosso mediador (XXV - XXVI).

Que quereis exprimir quando dizeis que temos obrigação de adorar ao Verbo Encarnado?
Que estamos obrigados a tributar à pessoa do Verbo o culto próprio de Deus, que é o de latria, onde quer que esteja e qualquer que seja a forma, divina ou humana, em que se apresente; posto que, se em Jesus Cristo atendêssemos exclusivamente a natureza humana, só poderíamos tributar-lhe o culto de dulia (XXV, 1,2).

É esta a razão por que tributamos culto de latria ao Sagrado Coração de Jesus?
Sim, Senhor; porque o Coração de Jesus faz parte de sua adorável pessoa. Entre os elementos integrantes da pessoa de Cristo, nenhum há tão apropriado como o coração para ser objeto de um culto especial, porque simboliza a obra do amor infinito levada ao extremo, em nosso obséquio, pelo Verbo feito homem, no mistério da Encarnação e Redenção; portanto, o culto tributado ao Sagrado Coração de Jesus é culto tributado a Jesus Cristo na qualidade de amante do homem.

Devemos adorar com culto de latria as imagens de Jesus Cristo?
Sim, Senhor; porque o culto que se rende a uma imagem, formalmente como imagem, e não como coisa, se identifica com o que se tributa ao que por ela é representado (XXV, 5).

Deve adorar-se a Cruz de Jesus Cristo com o culto de latria?
Sim, Senhor; porque é imagem de Cristo que nela morreu por nós, e, tratando-se da Cruz em que foi crucificado, merece ademais o dito culto por haver estado em contato imediato com o divino Salvador e ter-se umedecido com o seu precioso sangue (XXV, 4).

Podemos render culto de latria à Santíssima Virgem, Mãe de Deus?
Não, Senhor; porque não a honramos somente por ser mãe de Cristo, mas pelo que ela é em si mesma e, sendo pura criatura, não podemos tributar-lhe o culto próprio e exclusivo de Deus. Não obstante isto, suposto que o motivo de prestar culto de dulia às criaturas é o seu degrau para a união com Deus, já que não existe nenhuma tão intimamente unida com ele, lhe tributaremos um culto especial, conhecido com o nome de hiperdulia (XXV, 5).

Estamos obrigados, em atenção a Jesus Cristo, a prestar culto às relíquias dos santos e especialmente aos seus corpos?
Sim, Senhor; porque os santos foram e são membros de Cristo, amigos de Deus e nossos intercessores; logo, tornaram-se credores de que tenhamos em grau de estima quanto lhes pertenceu, e em especial os seus corpos que foram templos do Espírito Santo e estão destinados a ser a imagem do corpo glorioso de Cristo, quando chegar a hora da ressurreição (XXV, C).

Que entendeis quando afirmais que Cristo é mediador entre Deus e os homens?
Que, atenta à sua natureza humana, ocupar um lugar intermédio entre Deus, de quem se distingue pela referida natureza e os homens, de quem o separa a excelência da sua dignidade e os dons da graça e glória que possui; se ocupa este lugar intermédio, segue-se que lhe corresponde, por direito próprio, o comunicar aos homens os mandatos e distribuir os favores divinos; e comparecer diante de Deus, como representante dos homens, para rogar e satisfazer por eles (XXVI, 1, 2).

XV

DA MANEIRA COMO SE DESENROLOU O MISTÉRIO DA ENCARNAÇÃO

De que maneira e com que ordem e sucessão se realizou o adorável mistério que acabamos de explicar?
Para responder a esta pergunta dividiremos a matéria em quatro partes: consideraremos em primeiro lugar a entrada de Jesus Cristo neste mundo; em segundo lugar, a sua vida mortal; em terceiro, o modo como a abandonou, e, por último, a sua exaltação e glorificação (XXVII, Prólogo).

XVI

DA VINDA DE JESUS CRISTO A ESTE MUNDO — SEU NASCIMENTO

De que modo veio a este mundo o filho de Deus Encarnado?
Sendo concebido por obra sobrenatural do Espírito Santo e nascendo da Santíssima Virgem Maria.

A Santíssima Virgem, a quem o Filho de Deus havia escolhido para sua futura Mãe, quando realizasse a obra da sua Encarnação, desfrutou privilégios especialíssimos, em atenção à sua maternidade?
Sim, Senhor; e o mais precioso foi o da sua Imaculada Conceição (XXVII).

Que entendeis por privilégio da Imaculada Conceição?
O fato de que, em atenção a que a Santíssima Virgem era a criatura escolhida para ser mãe do Salvador, por privilégio especial e único em virtude do qual se lhe aplicaram antecipadamente os méritos da Redenção, foi preservada da mancha do pecado original em que havia de incorrer por descender de Adão pecador, por via de geração natural; e não só foi preservada do pecado, mas também, desde o primeiro instante da sua concepção, foi enriquecida e adornada com a plenitude dos dons sobrenaturais da graça (Pio IX — Definição dogmática da Imaculada Conceição).

Que entendeis quando afirmais que o Verbo feito homem nasceu da Virgem Maria?
Que a Mãe de Cristo, em vez de perder a virgindade em consequência da maternidade, viu como Deus a consagrava e fortalecia, de sorte que foi Virgem antes da concepção, depois dela, no parto e durante o resto de sua vida (XXVIII, 1, 2,3).

Logo a concepção do Filho de Deus, no seio da Virgem Santíssima, por obra do Espírito Santo, foi totalmente sobrenatural e miraculosa?
Sim, Senhor; foi de um modo todo miraculoso que a gloriosa Virgem Maria concebeu o Filho de Deus, revestindo este a nossa natureza humana no seu seio virginal; porém, tenhamos presente que, nesta concepção, a Santíssima Virgem não deixou de tomar aquela parte necessária e suficiente para ser verdadeira mãe, como as outras mães o são de seus filhos (XXXI, 5; XXXII).

Foi instantânea a formação do corpo de Cristo no seio virginal de Maria e conferiram-se-lhe, naquele primeiro instante, todas as prerrogativas e graças com que, segundo temos visto, Deus enriqueceu a natureza humana que Cristo assumiu na unidade de pessoa?
No mesmo instante em que a Santíssima Virgem pronunciou o fiat, expressão do seu consentimento, se realizaram no seu seio, sob o influxo onipotente do Espírito Santo, todos os privilégios e maravilhas que constituem o mistério da Encarnação (XXXIII - XXXIV).

Teve o Filho de Deus, desde aquele primeiro instante, uso de razão e livre arbítrio e, por conseguinte, capacidade para merecer?
Naquele instante, o Verbo Encarnado obteve, enquanto homem, todos os tesouros da ciência beatífica e infusa de que falamos, gozou plena liberdade e começou a merecer com mérito perfeito (XXXIV, 1-3).

Quando dizeis que o Filho de Deus nasceu da Virgem Maria, entendeis um verdadeiro nascimento da Segunda Pessoa divina? E como distinguir este nascimento temporal daquele outro eterno com que nasceu do Pai?
Em ambos os casos, entendemos verdadeiro nascimento da pessoa de Cristo; porém, como esta consta de duas naturezas, quando dizemos que nasceu, no tempo, da Virgem Maria, entendemos que dela recebeu a natureza humana e, quando falamos de como nasceu do Pai, entendemos que Este, na Eternidade, lhe comunicou a natureza divina (XXXV, 1, 2).

Logo, por ter nascido da Virgem, o Filho de Deus é Filho de Maria, e ela é verdadeiramente sua Mãe?
Sim, Senhor; porque tudo quanto uma mulher comunica ao seu filho, o mesmo comunicou a Virgem Maria ao Filho de Deus (XXXV. 3).

Segue-se daqui que a Santíssima Virgem é Mãe de Deus?
Indubitavelmente, porque com toda a verdade é sua Mãe, segundo a natureza humana unida hipostaticamente ao Verbo, que é Deus como seu Pai (XXXV, 4).

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)