segunda-feira, 29 de abril de 2019

'ALMA NASCIDA PARA UM OCEANO DE AMOR, PERDESTE O MAR!'

Era uma vez uma gota de água que, de repente, sentiu o chamado do mar, e para o mar foi apressurada e transparente. Pelo leito do regato corria cantarolando. Tudo se alegrava com sua presença: as margens floresciam à sua passagem, os bosques reverdeciam, as avezinhas cantavam. E para o mar corria límpida e cantarolando.

Mas, um dia, cansou-se de tanto caminhar pelo leito apertado do regato. Ao saltar sobre a represa de um moinho divisou no horizonte a terra, e em terra desejou converter-se. Aproveitando o desvio que dava para uma cisterna, desgarrou-se da mãe e estacionou. Inesperadamente, sentiu-se prisioneira da terra; converteu-se em lama suja, mal-cheirosa, podre: repugnantes animalejos cresceram em seu seio e o sol deixou de se espelhar nela.

Numa tarde, passou por aí um viandante; deteve-se perto do lamaçal e, sentencioso, exclamou: 'Pobre água! Ias para o mar e ficaste neste charco!' Teve pena dela. Inclinou-se, tomou-a no côncavo da mão e devolveu-a ao regato, dizendo: 'Pobre gota! Retoma tua vocação! Vai-te para o mar!' 

Alma, compreendeste essa parábola? É a tua própria história. A história da água começa assim: 'Era uma vez uma gota de água que de repente sentiu o chamado do mar...' A tua começa assim: 'Era uma vez uma alma que, ao sair do colégio, de uma missão, de uma confissão, sentiu de repente o chamado de Deus'.

Todavia estou-te vendo regressar para casa, daqueles exercícios. Voltavas cantando, generosa para aquele convite santo. Alegravas a todos com tua presença: a casa, os arredores, os agrupamentos, os passeios. E assim era. Tanto que, admirados, chegam a perguntar-te: 'Mas, que te aconteceu?' 'Nada!' respondias, o Senhor passou e eu ouvi o chamado de seu amor'.

Mas um dia te cansaste. Cansou-te o leito acanhado do plano de vida, a sujeição à direção espiritual. Vias outras almas, livres de obrigações e deveres, correrem pelos campos onde não havia os mandamentos da Lei de Deus, rindo-se, aparentemente satisfeitas consigo mesmas. E tu saíste do regato. Foste pelas margens do plano de vida; aproveitaste uma ocasião qualquer: bodas, festa, férias, veraneio, e deixaste tudo. Que tudo fosse rodando... tu também querias liberdade.

Súbito sentiste que eras prisioneira da terra, com suas modas exageradas, seus modos atrevidos, cheia de tibiezas, fria de generosidade, enlameada de pecados graves. Tu te convertes-te em triste lamaçal! É para exclamar: 'Pobre alma!' Ias para o mar e te tornaste um charco. Voavas para o alto e quebraste as asas. Vives rasteira! Durou tão pouco!

Pensar, ó meu Deus, que existem gotas de água que nunca chegaram ao mar! Pensar, ó meu Deus, que existem almas que perderam a vocação para a santidade por própria culpa! Pensar, ó meu Deus, que uma dessas almas sou eu!

Que diferença! O que eu era antes e o que sou agora! Aquela paz, aquela alegria interior, cristalina e transbordante; aquelas comunhões e meditações que eu fazia voando em asas de neve; aquele correr inquieto para Deus... E agora esse rastejamento, esse estancamento, essa vida vazia! Mas não esmoreças, alma irmã. Sem saberes por que, sem nada fazeres, acaba de passar um viandante, o Divino Peregrino. Ele detém-se ciente de tua inatividade espiritual. Não percebes a sua presença?

Vejo que Ele se inclina para ti; toma no côncavo de sua graça a gota de água de tua vida e exclama: 'Pobrezinha! Não sejas lamaçal! Recobra a tua vocação para o mar! Corre cantando para o oceano do amor!' Quando termino, Senhor, esta meditação, existe uma alma que tornou a sentir em suas entranhas o chamado do Amor, uma alma que quer ser mar, que voltará com a tua graça a correr generosa, que te amará. E essa alma é a minha alma; agradecida. E que assim seja.

(P. López Arróniz)

domingo, 28 de abril de 2019

'MEU SENHOR E MEU DEUS!'

Páginas do Evangelho - Segundo Domingo da Páscoa


O segundo domingo do tempo pascal é consagrado como sendo o 'Domingo da Divina Misericórdia', com base no decreto promulgado pelo Papa João Paulo II na Páscoa do ano 2000. No Domingo da Divina Misericórdia daquele ano, o Santo Padre canonizou Santa Maria Faustina Kowalska, instrumento pelo qual Nosso Senhor Jesus Cristo fez conhecer aos homens Seu amor misericordioso: 'Causam-me prazer as almas que recorrem à Minha misericórdia. A estas almas concedo graças que excedem os seus pedidos. Não posso castigar, mesmo o maior dos pecadores, se ele recorre à Minha compaixão, mas justifico-o na Minha insondável e inescrutável misericórdia'.

No Evangelho deste domingo, Jesus já havia se revelado às santas mulheres, a Pedro e aos discípulos de Emaús. Agora, apresenta-Se diante os Apóstolos reunidos em local fechado e, uma vez 'estando fechadas as portas' (Jo 20, 19), manifesta, assim, a glória de Sua ressurreição aos discípulos amados. 'A paz esteja convosco' (Jo 20, 19) foi a saudação inicial do Mestre aos apóstolos mergulhados em tristeza e desamparo profundos. 'A paz esteja convosco' (Jo 20, 21) vai dizer ainda uma segunda vez e, em seguida, infunde sobre eles o dom do Espírito Santo para o perdão dos pecados: 'Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos' (Jo 20, 22-23), manifestação preceptora da infusão dos demais dons do Espírito Santo por ocasião de Pentecostes. A paz de Cristo e o Sacramento da Reconciliação são reflexos incomensuráveis do amor e da misericórdia de Deus. 

E eis que se manifesta, então, o apóstolo da incredulidade, Tomé, tomado pela obstinação à graça: 'Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei' (Jo 20, 25). E o Deus de Infinita Misericórdia se submete à presunção do apóstolo incrédulo ao lhe oferecer as chagas e o lado, numa segunda aparição oito dias depois, quando estão todos novamente reunidos, agora com a presença de Tomé, chamado Dídimo. 'Meu Senhor e meu Deus!' (Jo 20, 28) é a confissão extremada de fé do apóstolo arrependido, expressando, nesta curta expressão, todo o tesouro teológico das duas naturezas - humana e divina - imanentes na pessoa do Cristo.

'Bem-aventurados os que creram sem terem visto!' (Jo 20, 29) é a exclamação final de Jesus Ressuscitado pronunciada neste Evangelho. Benditos somos nós, que cremos sem termos vistos, que colocamos toda a nossa vida nas mãos do Pai, que nos consolamos no tesouro de graças da Santa Igreja. E bem aventurados somos nós que podemos chegar ao Cristo Ressuscitado com Maria, espelho da eternidade de Deus na consumação infinita da Misericórdia do Pai. 

sábado, 27 de abril de 2019

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

Ó mundanos, amadores do tempo e das coisas que com ele passam e totalmente esquecidos do eterno, lembrai-vos que há de vir um dia, cláusula de todos os dias e princípio de duas eternidades, uma de suma felicidade outra de miséria suma, uma nas alturas louvando a Deus, outra blasfemando de Deus nas profundezas.

Vós outros que consumis os dias e os anos em vosso deleite e armais dilações à penitência de hoje para amanhã, de amanhã para outro dia e outro ano e muitos anos, ó que mau é o vosso engano agora e que pior será então o vosso desengano?

Há de chegar (é certo) aquele estado, onde não há amanhã, nem tarde, hoje, nem ontem, nem séculos, nem anos, nem dias, nem horas, nem diferença alguma de tempo, senão uma duração fixa e interminável, ou sempre gozando de Deus ou sempre ardendo em fogo. Temamos estes sinais à vista de tão horrendo significado, e empreguemos os breves espaços da vida temporal como quem há de vir a parar nos da eterna.

(Pe. Manuel Bernardes)

sexta-feira, 26 de abril de 2019

10 REGRAS PARA SERVIR A DEUS*

*(São Tomás de Villanova)

PRIMEIRA REGRA

Convém, perante todas as coisas, amar a Deus e ao próximo e guardar sua Lei cumprindo seus mandamentos, porque nisto está a vida; e cessar de pecar, determinando-se não cometer um pecado mortal, procurando se exercitar em toda virtude, guardando seu amor de tal maneira que a só Deus ame e nele só se empregue continuamente.

SEGUNDA REGRA

Remediar a vida passada, confessando-se geralmente e esquadrinhando com grande diligência sua consciência, satisfazendo ao Senhor com muita dor e lágrimas, e com muita vergonha e humilhação, pensando na cegueira passada, e tratando em sua memória a história da sua vida perdida, e chorando e doendo-se muito dela; e para mais satisfação, tomando alguma aspereza de jejuns, ou vigílias, ou disciplinas, ou silício que aflija a carne e façam vingança do deleite passado; e este exercício durará algum tempo, porque se aquele for bem feito não cairá em outro erro. Para deixar de pecar, ajudará ao princípio a abstinência, a solidão e clausura, silêncio, oração, ocupação, vigília, consideração da morte e do Juízo, do Céu e do Inferno.

TERCEIRA REGRA

Fugir a conversações de mundanos, que afogam o espírito e o bom desejo da alma devota. Procurar alguma conversação de alguma pessoa verdadeiramente espiritual, em quem more Deus, porque, como um carvão aceso acende outro, assim um coração aceso e inflamado em espírito inflama a outro.

QUARTA REGRA

Fugir e menosprezar todos os prazeres passados e deleites mundanos e vãos, e procurar descobrir outros deleites interiores, muito maiores e mais perfeitos, do espírito e do entendimento, os quais dão maior fartura à alma e fazem parecer criancices aqueles carnais (isto faz a contemplação profunda com oração e lição); e o mesmo digo de todas as riquezas, faustos, honras, favores deste mundo, e procurar muito ter o coração limpo de toda afeição temporal e desocupado de todo amor apaixonado de criatura, porque Nosso Senhor lhe enche de seu sagrado Espírito; porque este preciosíssimo bálsamo não cabe em vasos sujos, nem dará Nosso Bom Senhor suas pérolas aos porcos, pois o vedou a seus discípulos. Pelo qual cumpre em grande maneira a toda pessoa que pretende ser espiritual ter muito grande cuidado e diligência sobre seu Coração e apetites e desejos e pensamentos desordenados; porque seria sem isto por demais trabalhar.

QUINTA REGRA

Limpar muito a miúdo sua consciência, de oito em oito dias, ou ao menos de quinze em quinze, confessando e comungando com muita devoção; porque assim se alcança a graça para perseverar e ter grande fortaleza e firmeza no bom princípio e começo.

SEXTA REGRA

Ter em casa um oratório muito devoto, que convide a estar nele, para conversar com Deus e desocupar-se para o seguir, porque aqui se há de fundir como em crisol, para sair com o fogo do Espírito Santo. Aqui se alcança todo o bem. O que há de fazer no oratório é procurar dom de lágrimas, chorando seus pecados e recogitando sua vida passada. Tomar-se conta como vive agora, ver-se e olhar-se como em espelho, se aproveita ou não; ordenar sua vida para diante; pensar devotamente na Paixão e nos outros mistérios de nossa Redenção; dar graças a Deus pelos benefícios gerais, como é a criação do mundo e a Redenção do gênero humano, e pelos particulares. Contemplar o engano do mundo, a brevidade da vida, a eternidade da Glória ... assim se alcança graça, pureza, devoção, dom de lágrimas, luz, conhecimento da verdade, espírito e todas as virtudes e riquezas espirituais; assim faz o homem seu trabalho para que foi criado...  Muito o cristão tem de se empregar bem nisto e viver consigo e não andar desterrado fora de si e desterrado em ocupações vãs e sem fruto, que perecem e são danosas para a alma. Neste oratório, que se gaste o mais tempo que se puder para se furtar ao mundo e às atividades de sua pessoa e de sua casa.

SÉTIMA REGRA

Guardar a língua e o coração, e ter muito grande conta com seus pensamentos e desejos e palavras, sacudindo logo do seu coração todos os pensamentos vãos e nocivos. Ouvir muito e falar pouco e sobretudo pensado. Fugir de toda murmuração e mau juízo de outro. Não se ocupar em ler, nem contar, nem ouvir atos de outros, nem ser curioso de saber vidas alheias.

OITAVA REGRA

Ter cuidado de não perder o tempo, recordando-se sempre que deste momento de vida depende a eternidade futura de Glória; e ter por grande perda perder uma hora, na qual se pode ganhar tanto bem perpétuo.

NONA REGRA

Procurar crescer em toda virtude, olhando como em espelho as virtudes dos outros e procurando-os imitar; porque nas virtudes está o alicerce de todo bem. Ser piedoso, manso e sofrido, amoroso e caritativo com os pobres, de boa conversação, sem prejuízo de ninguém; fazer bem a todos e mal a ninguém, nem em juízo, nem por palavra, nem por obra. Sofrer fraquezas alheias, não criminar os pecados, senão com piedade rogar a Deus pelos que erram.

DÉCIMA REGRA

Tomar conta de todo o dito, exortando-se e repreendendo algo, animando-se de cada dia ser melhor e ir adiante, não esquecendo-se jamais; porque no fazer assegura a Glória que por ela espera, e que semeia nesta vida para colher na outra fruto sempiterno. E porque todo nosso aproveitamento depende da graça do Senhor, sempre cumpre pedir com instância saúde, socorro e luz para conhecer o bem, e graça para lhe amar, e forças para lhe seguir e perseverar; porque pouco aproveitará esta escritura se não favorece a graça do Senhor para por por obra o que a letra ou escritura nos ensina.

SÍNTESE GERAL

Primeira regra: guardar a Lei de Deus e deixar de pecar.
Segunda regra: satisfazer pelos pecados passados com dor e penitência.
Terceira regra: fugir da amizade de mundanos.
Quarta regra: menosprezar ao mundo e seus deleites.
Quinta regra: limpar a miúdo sua consciência, confessando e comungando.
Sexta regra: ter oratório para servir a Deus, conversando com Ele.
Sétima regra: guardar a língua e o coração.
Oitava regra: não perder o tempo.
Nona regra: crescer em virtude.
Décima regra: tomar conta do que aproveita.

(São Tomás de Villanova)

quinta-feira, 25 de abril de 2019

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (XXIX)

XXX

ATOS EXTERIORES DA RELIGIÃO: ADORAÇÃO. SACRIFÍCIO. OBLACÃO. EXPENSAS DO CULTO. VOTO. JURAMENTO. INVOCAÇÃO DO SANTO NOME DE DEUS

Além dos atos anteriores, que outros tem a virtude da religião?
Todos os exteriores destinados a honrar a Deus (LXXXIV-CXI)*.

Quais são?
Em primeiro lugar, certos movimentos corporais, como inclinação de cabeça, genuflexão, prostrações e, em geral, todos os compreendidos na palavra adoração (LXXXIV).

Em que consiste a sua bondade?
Em que, por meio deles, se honra a Deus com o corpo, e, sobretudo, em que atuam a modo de excelentes auxiliares, para fazer melhor os interiores, quando se praticam como convém (LXXXIV. 2).

Não podemos utilizar mais que o nosso próprio corpo para honrar a Deus com a virtude da religião?
Podemos oferecer-lhe também as coisas exteriores em sacrifício, homenagem e tributo (LXXXV-LXXXVIII).

Se considerarmos o sacrifício no sentido próprio de imolação de uma vítima, quantas formas há na Nova Lei?
Uma só, o sacrifício da Missa, em que, sob as espécies sacramentais do pão e do vinho, se oferece a Deus a única vítima agradável aos seus olhos, imolada no sacrifício da Cruz (LXXXV, 4).

É ato de religião grato a Deus contribuir, conforme o permitam os bens da fortuna, para estabelecer e realçar o culto e sustentar aos seus ministros?
Sim, Senhor (LXXXVI-LXXXVII).

Pratica-se este ato de religião, só quando se dá alguma coisa a Deus ou para o sustento dos seus ministros?
Não só se pratica, dando, como também prometendo coisas do agrado divino (LXXXVIII).

Que nome têm tais promessas?
Chamam-se votos (LXXXVIII, 1, 2).

Há obrigação de cumprir o prometido com voto?
Exceto em casos de impossibilidade ou dispensa, sim, Senhor (LXXXVIII, 3, 10).

Há alguma outra classe de atos externos de religião?
Sim, Senhor; o uso e manejo de coisas destinadas a honrar a Deus (LXXXIX).

Quais são?
Os objetos sagrados e o Santo Nome de Deus.

Que entendeis por objetos sagrados?
Os que, por intermédio da Igreja, receberam de Deus uma benção e consagração especiais, tais como as pessoas consagradas a Deus, os sacramentos, os sacramentais como a água benta, os objetos de piedade e os lugares destinados ao culto (LXXXIX Prólogo).

De que maneira podemos usar o Santo Nome de Deus em sua honra?
Amando-O por testemunha dos nossos assertos e invocando-O, para louvá-Lo e bendizê-Lo (LXXXVIX-XCI).

Como se chama o ato de invocar o Nome de Deus por testemunha do que dizemos ou prometemos?
Chama-se juramento (LXXXIX, 2).

É o juramento ato virtuoso e recomendável?
Somente o é em caso de grande necessidade e usando-o com a mais severa circunspecção (LXXXIX, 2).

Em que consiste a adjuração?
Em invocar o nome de Deus ou de alguma coisa sagrada para obrigar outrem a executar ou desistir de algum propósito (XC, 1).

É lícita?
Feita com o respeito que merece o invocado, sim, Senhor.

É louvável evocar com frequência o Nome de Deus?
Fazendo-o com o devido respeito e veneração, sim, Senhor (XCI).

XXXI

DOS VÍCIOS OPOSTOS À RELIGIÃO: SUPERSTIÇÃO, ADIVINHAÇÃO. DA
IRRELIGIÃO: TENTAR A DEUS, PERJÚRIO E SACRILÉGIO

Que vícios se opõem à virtude da religião?
Há vícios de duas classes; uns opostos por excesso e conhecidos com o nome de superstição e outros por defeito, chamados em geral irreligião (XCII, Prólogo).

Que entendeis por superstição?
Uma aglomeração de vícios que consiste em dar a Deus um culto indigno Dele ou em dar às criaturas o que só a Deus pertence (XCII-XCIV).

Qual é o motivo mais frequente de se cometerem estes pecados?
O desejo imoderado de conhecer o oculto e secreto e o futuro, pelo que se entregam os homens a práticas divinatórias e vãs e ridículas observâncias (XCV - XCVI).

Que excessos abrange a irreligião?
Dois: o de ver com indiferença ou desdém o que se refere ao culto e serviço de Deus e o de abster-se inteiramente de praticar atos de religião.

Reveste o último especial gravidade?
Sim, Senhor; visto como supõe desprezo ou esquecimento desdenhoso Daquele a quem todos os homens estão obrigados a servir e honrar.

Em que forma se propaga hoje em dia este vício?
Em forma de laicismo.

Que entendeis por laicismo?
Consiste o laicismo em por de parte completamente a Deus, já positivamente, perseguindo-o e tratando de expulsá-lo de toda a parte, a Ele, Dono e Senhor de tudo quanto existe, já negativamente, organizando a vida social, familiar ou individual, como se Ele não existisse.

Donde provém o grande pecado do laicismo?
A forma positiva, do ódio e fanatismo sectários; a negativa, de uma espécie de entorpecimento ou estupidez intelectual e moral, na ordem sobrenatural e metafísica.

Temos obrigação de nos opor energicamente e por todos os meios ao laicismo?
Sim, Senhor.

Que outros vícios abrange a irreligião?
O tentar a Deus, e o perjúrio, por opostos ao mesmo Deus e à reverência devida ao seu Santo Nome; o sacrilégio e a simonia, por serem contrários às coisas sagradas (XCVII-XCVIX).

Que entendeis por tentar a Deus?
O pecado que, contra a virtude da religião, cometem os que, sem respeito pela Majestade Divina, pedem e exigem a intervenção de Deus, como pondo à prova a sua onipotência ou a esperam em circunstâncias em que Deus não poderia intervir, sem negar-se a si mesmo (XCVII, 1).

Tentamos a Deus quando confiamos em seu auxílio, sem por de nossa parte o que podemos e devemos?
Sim, Senhor (XCVII, 1, 2).

Que entendeis por perjúrio?
O pecado contra a virtude da religião que consiste em confirmar uma falsidade apelando para o testemunho divino ou negar-se a cumprir o prometido com juramento (XCVIII, 1).

Tem conexões com o perjúrio a invocação irrefletida do nome de Deus, por costume e com qualquer pretexto?
Sem ser propriamente perjúrio, relaciona-se com ele e é, desde logo, intolerável falta de respeito ao Santo Nome de Deus.

Que entendeis por sacrilégio?
Uma profanação de pessoas, lugares ou coisas santificadas e consagradas ao culto e serviço de Deus (XCIX, 1).

É o sacrilégio um pecado muito grave?
Sim, Senhor; porque atentar contra o consagrado a Deus é de algum modo atentar contra o próprio Deus, que por isso impõe aos sacrílegos, os mais severos castigos, ainda neste mundo (XCIX, 2-4).

Que entendeis por simonia?
O pecado especial de irreligião que cometem os que, imitando a impiedade de Simão, o Mago, vilipendiam as coisas sagradas, considerando-as como vulgares mercadorias que os homens podem por à venda e comprar com dinheiro (C, 1).

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)

terça-feira, 23 de abril de 2019

COMO QUEREIS PAGAR OS VOSSOS PECADOS?

Queridos Amigos da Cruz, sois todos pecadores. Não há um só dentre vós que não mereça o inferno, e eu mais que ninguém. É preciso que nossos pecados sejam castigados neste mundo ou no outro. Se o forem neste, não o serão no outro. Se Deus os castigar neste mundo de acordo conosco, esta punição será amorosa: quem há de castigar será a misericórdia, que reina neste mundo, e não a justiça rigorosa. O castigo será leve e passageiro, acompanhado de atenuantes e de méritos, seguido de recompensas no tempo e na eternidade.

Mas se o castigo necessário dos pecados que cometemos for no tempo reservado para o outro mundo, a punição caberá à justiça vingadora de Deus, que leva tudo a fogo e sangue! Castigo espantoso, horrendo, inefável, incompreensível: 'Quem conhece o poder de tua cólera?' (Sl 89, 2). Castigo sem misericórdia, sem piedade, sem alívio, sem méritos, sem limite e sem fim. Sim, sem fim: esse pecado mortal de um momento que cometestes; esse pensamento mau e voluntário, que escapou ao vosso conhecimento, essa palavra que o vento levou; essa açãozinha contra a lei de Deus que durou tão pouco, será punida eternamente, enquanto Deus for Deus, com os demônios no inferno, sem que o Deus das vinganças tenha piedade de vossos soluços e de vossas lágrimas, capazes de fender as pedras! Sofrer para sempre sem mérito, sem misericórdia e sem fim!

Será que pensamos nisto, queridos irmãos e irmãs, quando sofremos alguma pena neste mundo? Como somos felizes de poder trocar tão vantajosamente uma pena eterna e infrutífera por outra, passageira e meritória, carregando nossa cruz com paciência! Quantas dívidas temos a pagar! Quantos pecados temos, cuja expiação, mesmo após amarga contrição e confissão sincera, será preciso que soframos no purgatório durante séculos inteiros, porque nos contentamos, neste mundo, de penitências leves demais! 

Ah! Paguemos neste mundo de forma amigável, levando bem a nossa cruz! Tudo deverá ser pago rigorosamente no outro, até o último centavo, mesmo uma palavra ociosa. 'No dia do castigo deveremos dar conta de toda palavra ociosa que houvermos dito' (Mt 12, 36). Se pudéssemos arrebatar ao demônio o livro de morte, onde anotou todos os nossos pecados e a pena que lhes corresponde, que grande debet [débito] verificaríamos, e como nos sentiríamos encantados de sofrer durante anos inteiros neste mundo, para não sofrer um só dia no outro!

(Excertos da 'Carta aos Amigos da Cruz', de São Luís Maria Grignion de Montfort)