terça-feira, 13 de dezembro de 2016

DO LIVRO DAS CINTILAÇÕES (I)

Prólogo

Leitor, quem quer que tu sejas, que lês este pequeno livro, eu, que o escrevi, rogo-te que o leias com alma e acolhas com gratidão estas saborosas sentenças. Com exceção do trabalho e da boa vontade, nada há aqui de meu. Das palavras do Senhor e de seus santos, destacaram-se estas cintilações que, também elas, não se devem a meu engenho, mas unicamente à graça de Deus e a meu Mestre Ursino, que me encarregou deste trabalho e ensinou-me a fazê-lo. 

Desejoso de obedecer, perscrutei páginas e páginas e, ao deparar uma sentença fulgurante, colhia-a com a diligência de quem encontra uma pérola ou gema. Tal como uma fonte, que se faz de muitas gotas, assim reuni testemunhos de diversos volumes para tentar compor este opúsculo. Assim como do fogo procedem centelhas, assim também fulgem, extraídas das Escrituras, estas breves sentenças neste livro de cintilações. Quem quiser lê-lo, poupar-se-á trabalho; que não se canse pelo caminho das outras páginas: aqui encontrará o que deseja. Mas, para que esta obra não seja considerada sem autor ou tida por apócrifa, a cada sentença, por meio de siglas, ajunto o nome do autor.

Ao mosteiro de São Martinho de Ligugé, no qual recebi a tonsura, ofereço este livro. Que este oferecimento me ligue a ele pela perpetuidade, pois desde minha juventude é nele que habitam os mestres que tanto me enriqueceram com seus dons. Escrevi-o com a ajuda de Jesus, eu mesmo, e ofereci a eles para crescer em Cristo, para obedecer suas ordens e em tudo prestar-lhes serviço, o que faço com muito gosto.

Se ocorreu algum descuido, rogo-te, leitor, que não me censures com ira, mas corrige-me com benevolência. Escrevo meu nome - 'Defensor' - não por glória vã, mas para que todo leitor se lembre de mim. Tal como o porto para o navegador, assim também para mim foi com regozijo que cheguei à última linha. Conjuro a meus leitores e imploro a meus ouvintes que rezem por mim, último de todos, para que, enquanto esteja vivo, seja cumulado da sabedoria de Deus; e, ao sair desta carne, mereça eu gozar da bem-aventurança da vida eterna.


Do Livro das Cintilações* - I

I - O amor

1. Disse o Senhor no Evangelho: Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos (Jo 15, 13).

2. Disse Agostinho: Onde não há amor a Deus, aí reina a cobiça carnal (Ench. 117).

3. Disse Agostinho: Quão grande é a caridade: sem ela, tudo é em vão; com ela tudo ganha sentido (In Ioh. Ev., IX, 8; PL 35, 1462).

4. Disse Agostinho: Estende ao longo do mundo inteiro o teu amor, se queres amar a Cristo, pois, por todo o mundo, espalham-se os membros de Cristo (In Ioh. Ep., X, 8; PL 35, 2060).

5. Disse Agostinho: Do mesmo modo que teu corpo sem espírito, isto é, sem alma, estaria morto, assim também tua alma sem o Espírito Santo, isto é, sem amor, seria tida por morta (In Ioh. Ev., IX, 8; PL 35, 1462).

6. Disse Gregório: O amor dá as forças de que carecemos pela falta de experiência (Hom. Ev., 21, 1; PL 76, 1169).

7. Disse Gregório: A caridade tem grandeza: seu amor alcança até mesmo os inimigos (Hom. Ez. 1, 6, 19; PL 76, 840).

8. Disse Jerônimo: Não há distância que separe aqueles que estão unidos pelo amor (Epist. 71, 7, 2; PL 22, 672).

II - A paciência

9. Disse o Senhor no Evangelho: Pela vossa paciência, possuireis as vossas almas (Mt 5,9).

10. Disse Jerônimo: Entre os cristãos, infeliz é quem lança a ofensa e não quem a sofre  (Ep. 17,1; PL 22, 359).

11. Disse Jerônimo: Sofre-se mais suportando o inoportuno do que pela ausência de quem se ama (Ibid. 118, 2, 3; PL 22, 961).

12. Disse Gregório: A paciência verdadeira está em suportar sem alteração de ânimo os defeitos dos outros e não em guardar ressentimentos contra os que nos fazem o mal (Hom. Ev., 35).

13. Disse Gregório: A paciência verdadeira é aquela que sabe amar o sofrimento; pois, suportar odiando não é a virtude da mansidão, mas ira disfarçada (Hom. Ez., 2, 5, 14).

14. Disse Isidoro: Não pode ter paz aquele que põe sua esperança num homem.

III - O amor a Deus e ao próximo

15. Disse o Senhor no Evangelho: Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: em que vos ameis uns aos outros (Jo 13,35).

16. Disse Paulo Apóstolo: Para os que amam a Deus, tudo contribui para o bem (Rm 13,10).

17. Disse Paulo Apóstolo: Nem olho viu, nem ouvido ouviu, nem jamais ascendeu ao coração humano, o que Deus tem preparado para os que o amam (I Cor 2,9).

18. Disse João Apóstolo: Este é o mandamento que temos de Deus: que quem ama a Deus ame também a seu próximo. Pois aquele que não ama a seu irmão a quem vê, como vai amar a Deus a quem não vê? (I Jo 4,20 e 21).

19. Disse Agostinho: Nossa vida é o amor. E se o viver é amar, o ódio é a morte (En. Ps. 54, 7).

20. Disse Agostinho: Fomenta o amor em ti: só ele te conduzirá à Vida.

21. Disse Gregório: A prova de que se ama está nas obras (Hom. Ev., 30, 1).

22. Disse Gregório: Todo projeto se mede exclusivamente pelo amor (Hom. Ev., 27, 1).

23. Disse Gregório: Não se ama a Deus de verdade, se não se ama o próximo; não se ama o próximo de verdade, se não se ama a Deus (Hom. Ev., 30, 10; PL 76, 1227).

24. Disse Isidoro: Não ama a Cristo de todo o coração quem odeia um homem (Sent., II, 3).

* (Liber Scintillarum, escrito por volta do ano 700, constitui uma coletânea de máximas e sentenças compiladas das Sagradas Escrituras ou proclamadas pelos Pais da Igreja, organizadas por um monge - que se autodenomina 'Defensor' - do Mosteiro de São Martinho de Ligugé; tradução de Jean Lauand)

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

DA EXPLICAÇÃO DO MAGNIFICAT (X)


Conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão e sua posteridade para sempre

Os homens falam muito e são extremamente hábeis em prometer muitas coisas; mas suas palavras e promessas não são, no mais das vezes, senão mentira e embustes. Deus fala pouco; Ele tem uma só palavra, mas com esta só palavra governa todas as coisas e cumpre verdadeira e fielmente todas as suas promessas. São as promessas que fez a Adão, a Abraão e aos outros Pais e Patriarcas, as mencionadas pela bem-aventurada Virgem nessas últimas palavras de seu divino Cântico: conforme tinha dito a nossos pais, a Abraão e à sua posteridade para sempre; promessas que cumpriu ao encarnar-se em seu bendito seio. Foi o que Ele declarou aos judeus quando lhes disse: 'Abraão desejou ardentemente ver o meu dia', isto é, o dia da minha Encarnação, de meu nascimento e permanência na terra, do qual esperava a sua salvação e a salvação do mundo.

Vemos assim como Deus é verdadeiro em suas palavras e em suas promessas, o que deve causar-­nos uma grande consolação. Pois essa fidelíssima realização das promessas de Deus nos dá uma certeza infalível de que se cumprirão perfeitissimamente todas as outras promessas que nos fez. Ora, o nosso adorável Salvador não é o único a quem se chama o Fiel e o Verdadeiro; pois a Santa Igreja atribui também essa qualidade à sua divina Mãe, a Virgem fiel. Escutemo-­la nas palavras do Espírito Santo: 'Vinde todos a mim'. Todos, não só alguns; todos, homens e mulheres, grandes e pequenos, ricos e pobres, jovens e velhos, saudáveis e enfermos, justos e pecadores, fiéis e infiéis, sábios e ignorantes; pois desejo aliviar-vos em todas as necessidades e alcançar a salvação de todos. 

Vinde a mim com grande confiança; pois Deus me concedeu todo o poder no céu e na terra, e tenho mais amor e ternura por vós do que é possível existir nos corações de todas as mães, passadas, presentes e futuras. Vinde a mim, pois, assim como dei a vida à vossa adorável cabeça que é o meu Filho Jesus, posso dá-la também a seus membros; estarei convosco para conduzir-vos sempre e por toda a parte, em todas as coisas. Eu vos consolarei nas aflições; protegerei entre todos os perigos dessa vida; defenderei de todos os inimigos visíveis e invisíveis; iluminarei as trevas; fortalecerei nas fraquezas; darei amparo nas tentações. Assistir-vos-ei na hora da morte; receberei vossas almas na saída do corpo para apresentá-las a meu Filho. Enfim, dar-vos-ei lugar em meu regaço e em meu coração maternal; ter-vos-ei sempre presentes diante de meus olhos e mostrar-vos-eis que tenho um verdadeiro coração de Mãe.

E, terminando, eis o que me resta dizer-vos: lançai os olhares sobre a vida que leveis na terra e sobre todas as virtudes que então pratiquei pela graça de Deus: são outras tantas vozes que vos fa­lam e vos dizem: bem-aventurados os que seguem o caminho que eu segui, isto é, os que seguem o caminho da fé, da esperança, da caridade, da humildade, da obediência, da pureza, da paciência e das outras virtudes que na terra pratiquei. Abraçai pois todas essas virtudes, de todo o vosso coração. E meu Filho Jesus abençoar-vos-á, se O amardes e guardardes fielmente todos os seus mandamentos.

(Da Explicação do Magnificat, de São João Eudes)

domingo, 11 de dezembro de 2016

'ÉS TU AQUELE QUE HÁ DE VIR?'

Páginas do Evangelho - Terceiro Domingo do Advento 


Eis o Advento do Senhor: depois da vigilância e da conversão, vivenciados nos domingos anteriores, segue agora o ressoar das trombetas da legítima alegria cristã neste terceiro domingo. Sim, alegria cristã, alegria plena do amor de Cristo, proclamada pelo livro do Profeta Isaías: 'Os que o Senhor salvou voltarão para casa. Eles virão a Sião cantando louvores, com infinita alegria brilhando em seus rostos; cheios de gozo e contentamento, não mais conhecerão a dor e o pranto' (Is 35, 10). Neste deleite da graça, esparge-se a luz do entendimento da fé e amolda-se suavemente a paz divina ao coração humano que palpita inquieto enquanto não repousar definitivamente em Deus.

É neste sentimento de alegria, nascida e vivenciada numa fidelidade extrema ao amor de Deus, que exulta João Batista, ainda que na prisão. Uma alegria de tal plenitude de confiança e de graça, que vai merecer o elogio jubiloso do próprio Jesus: 'Em verdade vos digo, de todos os homens que já nasceram, nenhum é maior do que João Batista' (Mt 11,11). João Batista não está nos palácios reais, aturdido pelos prazeres do mundo; João Batista não se move pelo respeito e pelas condescendências humanas, na inconstância de 'um caniço agitado pelo vento' (Mt 11,7). No deserto ou na prisão, o primado de João é o da plenitude inabalável da fé cristã; nele como se fecha a sucessão dos profetas e se abre o novo tempo da missão dos apóstolos.

Diante da indagação dos discípulos de João Batista: 'És Tu, aquele que há de vir?' (Mt 11,3), Jesus manifesta a glória de Deus e a Vinda do Messias: 'Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados' (Mt 11, 4-5). É como se lhes proclamasse aos corações: 'Nos sinais de tantos portentos e milagres, alegrai-vos, pois a Luz do Mundo está entre vós'. E Jesus vai exortá-los à alegria eterna dos Filhos de Deus: 'Feliz aquele que não se escandaliza por causa de mim!' (Mt 11,6). 

Eis a felicidade eterna trilhada por João Batista, e também a de todos os santos e santas de Deus, que percorreram igualmente a mesma via de santificação. Louvado seja o homem que recebeu do próprio Cristo elogio de tal honra e glória; louvores muito maiores sejam dados aos homens e mulheres que se consumiram de alegria na mesma via de santidade e habitam para sempre as moradas do Pai, porque mesmo 'o menor no Reino dos Céus é maior do que ele' (Mt 11, 11), o maior dentre todos os homens nascidos até então. Nascidos para a eternidade, e herdeiros da Visão Beatífica, no Céu todos se tornam ainda maiores que o João Batista do mundo.  

sábado, 10 de dezembro de 2016

ORAÇÃO: CONDITOR ALME SIDERUM

Hino latino para ser cantado nas Vésperas do Advento, cuja origem remonta ao século VII, de autoria desconhecida. O hino apresenta inúmeras variantes, em função das substanciais alterações introduzidas no mesmo, particularmente durante a revisão do Breviário Romano de 1632, imposta pelo papa Urbano VIII. Abaixo apresenta-se a transcrição original do hino. Por outro lado, o hino Creator Alme Siderum foi escrito tendo este como fonte de inspiração, não sendo, portanto, uma variante do original. 


Conditor alme siderum,
aeterna lux credentium,
Christe, redemptor omnium,
exaudi preces supplicum.

Criador do Universo 
e eterna luz dos homens,
Jesus, Redentor do mundo,
ouvi as súplicas dos Vossos servos.

Qui condolens interitu
mortis perire saeculum,
salvasti mundum languidum,
donans reis remedium. 

Por vossa intercessão, compadecido,
do mundo em risco de morte eterna
o salvastes das ruínas, 
curando as feridas do pecado.

Vergente mundi vespere,
uti sponsus de thalamo,
egressus honestissima
Virginis matris clausula. 

No mundo imerso na noite do pecado, 
como noivo do sacrário,
viestes de imaculado santuário, 
do seio virginal de Maria.

Cuius forti potentiae
genu curvantur omnia;
caelestia, terrestria
nutu fatentur subdita. 

Sob o poder do Vosso Santo Nome
todo joelho se dobre;
no céu, na terra,
se prostre toda criatura.

Te deprecamur, hagie,
venture iudex saeculi,
conserva nos in tempore
hostis a telo perfidi. 

A Vós, suplicamos com fé, 
juiz dos tempos sem fim,
conservai-nos nesta vida
livres do assédio dos nossos inimigos.

Laus, honor, virtus, gloria
Deo Patri cum Filio
Sancto simul Paraclito
In saeculorum saecula. Amen.

Poder, honra, louvor e glória 
A Deus Pai e a Deus Filho
assim como ao Santo Paráclito,
pelos séculos dos séculos. Amém.

(tradução do autor do blog)

COROA DO ADVENTO


É uma coroa de ramos verdes e flores, normalmente montada sobre um suporte arredondado, em aro de arames ou madeira, sobre a qual são inseridas quatro velas (uma tradição nomeia estas quatro velas como vela da Profecia, vela de Belém, vela dos Pastores e vela dos Anjos), que significam as quatro semanas de preparação para o Natal, ou seja, o Advento.  As velas são acesas à medida que avançam os quatro domingos de Advento. Assim, no início da primeira semana de Advento, acende-se a primeira vela. No segundo Domingo, duas e assim sucessivamente até que, nas vésperas do Natal e no quarto domingo, todas as velas estão acesas  [pode-se colocar uma quinta vela, branca e montada no centro do arranjo, na Noite de Natal: para expressar que a chegada do Natal é ainda mais importante que o próprio Advento; outra alternativa é depositar uma imagem do Menino Jesus dentro da própria coroa de Advento].

É o símbolo cristão por excelência que nos lembra, em meio a tantas manifestações fantasiosas e comerciais, que o Natal  é Luz - a Luz do Cristo que Vem para tornar novas todas as coisas e dissipar as trevas de um mundo de pecado. A coroa simboliza a  dignidade e  a realeza que Cristo, a salvação da humanidade e a plenitude dos tempos. A sua forma circular indica a perfeição, plenitude a que devemos aspirar em nossas vidas de cristãos. O círculo não tem princípio, nem fim, sendo sinal do amor de Deus que é eterno, sem princípio e nem fim e também símbolo da aliança do nosso amor a Deus e ao nosso próximo que também não pode ter fim. Os ramos verdes significam o poder de Cristo sobre a vida e a natureza, dons de Deus. Deus nos oferece a sua graça, o seu perdão misericordioso e a glória da vida eterna no final de nossa vida. Verde é a cor da vida e da esperança, simbolismo da aproximação gradual que o Advento nos convida à preparação da vinda de Cristo Jesus, Luz e Vida para todos. 

A coroa de Advento pode ser acesa durante as celebrações litúrgicas, durante o canto de entrada, logo no início da celebração após breve introdução, antes do ato penitencial, antes das leituras ou mesmo após a homilia. Em família ou num grupo de catequese, a prática da Coroa do Advento deve ser acompanhada por um simples e piedoso momento de oração. Pode começar por uma estrofe de um canto de Advento, seguida de uma leitura de uma passagem bíblica própria do tempo do Advento, antes ou mesmo depois de se acender a vela. A oração pode ser concluída por alguma meditação complementar, pela reza de um Pai Nosso, Ave-Maria e Glória ou por uma outra estrofe do canto de Advento.

FOTO DA SEMANA

Gaudete in Domino semper: iterum dico, gaudete. Dominus enim prope est – 'Alegrai-vos sempre no Senhor: repito, alegrai-vos. O senhor está próximo' (Fl 4,4)



sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

LUZ NAS TREVAS DA HERESIA PROTESTANTE (IV)

Primeira Objeção* do crente: 'Apresente um texto da escritura provando que devemos orar à Virgem Maria'

Resposta do Pe. Júlio Maria de Lombaerde:

Como bom protestante, o tal crente começa naturalmente pelo ódio à Santíssima Virgem. Esta primeira objeção é uma prova de má fé e do erro dos protestantes. Elucidamos bem esta doutrina, pois é como o ponto de mira das objeções protestantes. Em si, tal objeção é simplesmente ridícula. Há certas coisas que não se provam, porque constituem um princípio de vida, de desenvolvimento ou de organização natural. Os princípios do bom senso não precisam de provas, senão a consciência individual e universal. E estamos aqui diante de um tal princípio.

I. Prova do bom senso

O bom senso nos diz, o coração nos prova, e a experiência universal confirma que uma mãe tem sempre perto de seu filho um crédito todo particular. 'Tu honrarás a tua mãe todos os dias de tua vida', disse o santo homem Tobias (Tob 4,3), repetindo a lei divina dada por Deus: 'Honra teu pai e tua mãe' (Ex 20, 12). É um laço sagrado, imortal, que liga o filho aos pais durante a vida e se perpetua a eternidade, pois no céu como na terra o filho será sempre o filho de seus pais.

Este princípio aplica-se à Santíssima Virgem, com mais razão ainda do que a outras criaturas, pois é dela, e só dela, por operação do Espírito Santo, que o filho de Deus recebeu a sua humanidade. Ecce Virgo Concipiet (Is 7, 14) - Ele nasceu de uma Virgem.

Deve-se concluir pois que hoje ainda na glória do céu, Maria, sendo a Mãe do Filho de Deus, Maria de quem nasceu Jesus, que se chama Cristo (Mt 1,16), conserva com seu divino Filho relações de maternidade, e em conseqüência tem direito às honras a que ela tinha direito e recebia aqui na terra. Isabel prostrou-se diante da Virgem, com amor e veneração, exclamando admirada: 'Donde me vem a dita que a mãe do meu Senhor venha ter comigo?' (Lc 1, 43). Hoje o mundo deve continuar a mesma veneração e o mesmo brado de amor, para honrar a Mãe de Jesus, que continua sempre a ser mãe do Senhor.

* * *

Por que este rancor, este ódio, contra a pura Mãe de Jesus? Será um meio de agradar ao Filho, insultar sua santa Mãe? Pobre protestante, diga-me: se insultassem a sua mãe com o intuito de agradar-lhe, que é que responderia o amigo? Diria, de certo: 'Quem insulta a minha mãe, insulta a mim, e quem a honra, honra a mim!' E o amigo diria muito bem; mostraria que é bom filho, e que, como tal, considera inseparavelmente unidos o respeito ao filho e à mãe – a honra da mãe e do filho.

Mas, então, Jesus não será bom filho? Ele não exigirá, Ele, Deus, aquilo que nós, homens, exigimos tão imperiosamente? É ele, Deus, que pôs no fundo de nossa alma este respeito, este brio, este zelo pela honra de nossa mãe, e ele, vindo a este mundo, ele, o autor da lei, não a cumpriria, não daria exemplo? Ele seria menos digno, menos brioso, do que nós? Não está vendo que é um absurdo!

Neste caso, Jesus Cristo seria menos virtuoso, menos homem, que o último dos homens, que o mais celerado, o qual, após ter perdido toda honra social, e todo brio, conserva ainda o respeito à sua mãe! Que insulto ao próprio Deus! Eis aonde o leva o seu ódio à Igreja Católica, pobre protestante! A Igreja Católica honra e invoca a santa e pura Mãe de Jesus, como sendo Mãe do Redentor, e como tal, sendo-lhe unida por inquebrantáveis laços de intimidade, de dignidade, de amor, que fazem dela a mais santa, a mais bela e a mais poderosa de todas as criaturas, exaltadas e glorificadas por Deus.

Não é isto o que anuncia o anjo Gabriel, proclamando-a escolhida entre as criaturas, repleta de todas as graças, e unida a Deus com uma intimidade única? 'Ave, cheia de graça! O Senhor é convosco! Bendita sois vós entre as mulheres' (Lc 1,28). Medite bem isto, meu caro protestante. Reflita sobre cada uma dessas expressões divinas, e verá que, iniciando as suas caducas e grotescas objeções com insultos à Mãe de Jesus, está refutando de antemão a própria doutrina protestante, que cai necessariamente, perante o bom senso, a lógica e a sagrada escritura, que nos ensinam o contrário.

II. O que é orar

Devemos orar à Virgem Maria, isto é bem provado pela sagrada escritura, como vou mostrar-lhe aqui irrefutavelmente, porém, antes, é preciso bem determinar o que é orar, pois os protestantes não o entendem ou fingem não entendê-lo. Orar, como sendo a expressão do culto, quer dizer, prestar homenagem, louvar, exaltar, suplicar, embora nem toda homenagem e toda exaltação seja uma oração.

No triste afã de fabricar objeções, os protestantes pretendem que orar é uma adoração, porque, dizem eles, vem de adorar. É ignorância ou perversidade. Orar e adorar são dois termos radicalmente distintos. Podem manchar e desmanchar, mas não existe entre estes dois termos nenhuma relação de significação. Adoramos a Deus; e oramos a Deus e aos santos, sem adorá-los.

O culto, que prestamos à Mãe de Deus, é o culto de honra e de invocação, que a teologia traduz por hiperdulia, ou suma veneração, completamente distinto do culto de adoração, prestado só a Deus, e o simples culto de veneração (dulia), prestado aos outros santos. Dirigindo-se a Deus, os católicos dizem em suas preces: Tende piedade de nós! Dirigindo-se a Mãe de Deus, eles dizem: Rogai por nós! Dirigindo-se aos santos, dizem: 'Intercedei por nós!' Três palavras que exprimem a diferença do culto prestado a estas três categorias. Diga, amigo protestante, não é isto lógico, razoável, legítimo? Faça calar um instante o seu obcecado ódio à Igreja Católica e pondere o seguinte raciocínio.

III. O que é honrar e invocar

Como já disse, o culto da Santíssima Virgem consta de dois atos: a honra e a invocação. Ora, haverá coisa mais justa que honrar aquela que foi honrada pelos próprios anjos, pelo próprio Deus? Ela é a Mãe de Deus, e por este título ocupa lugar glorioso e único na criação. Ela foi na terra a criatura mais santa e é no céu a mais poderosa de todos os eleitos.

Além disso, ela é a nossa Mãe, conforme a palavra do Apóstolo, que chama Cristo o primogênito entre muitos irmãos (Rm 7,29). Somos irmãos espirituais de Jesus Cristo; Jesus é o filho da Santíssima Virgem; somos, pois, filhos espirituais da Santíssima Virgem, que é verdadeiramente a nossa Mãe. Ecce Mater tua - 'Eis a tua Mãe' (Jo 19, 26). Sendo a nossa Mãe, a Santíssima Virgem têm o direito a uma honra e a um culto acima das honras e do culto que tributamos às outras criaturas.

Honramos e exaltamos os grandes homens da terra, os heróis, os gênios, os beneméritos da humanidade; e não honraríamos, nem exaltaríamos aquela a quem devemos o Redentor, o Filho de Deus, numa palavra: a salvação! O bom senso se revoltaria contra a asserção negativa! E não somente honramos os benfeitores da humanidade; nós fazemos os seus retratos, erigimos-lhes estátuas e monumentos; e não o faríamos para a mais bela, a mais santa e mais benfazeja das criaturas, que é a Virgem Mãe de Deus? O coração humano se revoltaria contra a asserção negativa! 

Tiremos a conclusão: é, pois, lícito, é lógico é necessário honrar a Santíssima Virgem. Honrá-la não é o bastante. É preciso invocá-la, pois a invocação é uma parte constitutiva do culto. As honras prestadas exaltam a grandeza e a virtude. A invocação exalta o poder e a bondade. Maria Santíssima é grande pela sua qualidade de Mãe de Deus e pelas exímias virtudes que a adornam. Ela é poderosa e bondosa como a mãe dos homens; poderosa para poder ajudá-los; bondosa para querer fazê-lo.

Ora, nós, aqui na terra, somos pobres pecadores, somos necessitados e fracos; precisamos de auxílio, de forças e de generosidade. A quem pedi-los? Aos homens? Os homens sabem apenas dar esmola material; só Deus pode sustentar e fortificar a alma. É dele, pois, que devemos receber a esmola espiritual. E esta esmola é transmitida aos homens, pelas mãos da Santíssima Virgem. 'Ela é cheia de graça' (Lc 1, 28) para poder transmitir aos homens a graça, como o canal transmite aos campos, ressequidos pelo sol, as águas do oceano.

Tal um canal repleto, que recebe as águas e as transmite aos campos, assim a Virgem Maria recebe de Deus as graças divinas para comunicá-las aos homens. Maria, diz São Bernardo, está colocada entre Jesus Cristo e os homens para ser o canal que esse divino Salvador derrama sobre a humanidade. Deus escolheu Maria, diz ainda o mesmo doutor, para ser o canal das graças, e ele quer que as alcancemos todas pela sua intercessão (Sermo de Aquaeductu). Maria Santíssima pode, pois, ajudar-nos, porque é Mãe de Deus. Ela quer ajudar-nos, porque é nossa Mãe. Ela nos ajuda, porque é o ofício de que o próprio Deus a encarregou.

É, pois natural, lógico e lícito invocá-la. Se o não fosse, Deus não deveria tê-la feito tão grande, tão poderosa e tão bondosa; senão estas prerrogativas ficariam como sepultadas nela, sem ter por onde e sobre que exercer-se. E Deus nada faz inutilmente. Devemos, pois, concluir, pela aproximação da vontade de Deus, do poder e bondade de Maria Santíssima, e de outro lado, das nossas necessidades, que devemos invocar a Mãe de Deus, do mesmo modo que o pobre e necessitado deve invocar ao rico, para manifestar-lhe as suas precisões e obter dele o auxílio necessário.

Eis o que o bom senso e a razão nos ensinam acerca do culto de Maria Santíssima que nos mostram a liceidade e a necessidade de honrar e de invocar a santa e imaculada Mãe de Jesus. Resta-me provar que tal prática está em pleno acordo com a bíblia. É o que farei irrefutavelmente com os textos da Sagrada Escritura.

IV. Prova bíblica

Vamos agora à prova positiva... às provas da bíblia. O protestante que sempre anda com a bíblia, devia ter encontrado muitos e decisivos passos que provam claramente o que acabamos de dizer. Infelizmente, como justo castigo do seu orgulho, eles são, como diz o Evangelho, de olhos obcecados e coração endurecido, de modo que' não enxergam com os olhos e não entendem no coração' (Jo 12,40).

Tome a sua bíblia, caro protestante, e medite bem cada uma das provas que vou citar aqui. Para completa compreensão, e para não deixar a mínima dúvida, nem a menor saída da verdade, vou provar-lhe quatro coisas pelos textos da bíblia que resumem e como que esgotam o assunto:

(i) Que podemos orar aos santos;
(ii) Que devemos orar aos santos;
(iii) Que Deus escuta as orações dos santos;
(iv) Que Deus recomenda de recorrer às orações dos santos.

Eis quatro coisas formidáveis, meu caro crente, que vão muito além do seu pedido. Não somente citarei um texto da bíblia, mas citarei dezenas de textos, para mostrar-lhe que orar à Virgem Maria é bom, é permitido, é aconselhado, é recomendado por Deus mesmo.

A conclusão de cada uma destas provas será a seguinte (convém indicá-la logo, para poupar-lhe raciocínios e delongas): Se Deus escuta as preces dos santos, é sinal de que tais preces lhe agradam; se ele recomenda de recorrer às orações dos santos, é sinal de que ele quer que os homens orem aos santos. E se Deus escuta aos santos e recomenda de recorrer a eles por serem seus amigos, com mais razão ele escuta a Santíssima Virgem e recomenda de recorrer a ela, por ser sua Mãe. Provar que se pode e deve orar aos santos, é provar, pois, que se pode e que se deve orar à Virgem Maria, a mais santa dos santos, a rainha dos santos.

V. Podemos orar aos santos

Objetam os sábios protestantes que as almas santas, uma vez perto de Deus, no céu, não podem interceder para os homens por causa da mudança de esfera espiritual. Ignorância dos princípios que regem a ordem sobrenatural. Tais princípios afirmam que há três ordens para o homem: A ordem natural (da natureza); a ordem espiritual (da graça); a ordem da visão beatífica (da glória).

Cada uma destas ordens, a começar pela ordem natural, aperfeiçoa, a natureza; a glória aperfeiçoa a graça. Nada há destruído, mas aperfeiçoado. Se o justo na terra pode interceder junto de Deus, na ordem espiritual, ele o pode mais ainda na ordem da visão beatífica. Quer isto dizer que os santos da terra, sendo intercessores perto de Deus, o serão muito mais quando estiverem no céu. São três ordens distintas, mas ligadas pelo mesmo laço divino. A natureza serve apenas de base à graça. A graça serve de base a glória.

Deus criou o homem na natureza pura; elevou-o, por privilégio gratuito, à ordem da graça – para coroá-lo um dia na ordem da glória. É sempre o homem... mas homem elevado a uma ordem superior, sem perder a essência da ordem inferior. Provar pois que podemos orar aos santos da terra, é provar que podemos orar aos santos do céu.

Com estes princípios, ser-nos-á fácil compreender o valor das provas bíblicas. Lê-se no Gênesis que Deus disse a Abimelec: 'Agora, pois, restitui a mulher a seu marido (Abraão) porque é profeta e rogará por ti, para que vivas' (Gn 20,7). Mas, amigo protestante, se é proibido orar aos santos, como é que Deus diz: rogue por ele, e lhe alcance a vida? Crê o senhor na bíblia ou não crê?

No livro dos reis lemos: 'O povo disse a Samuel: Roga ao Senhor, teu Deus, pelos seus servos, para que não morramos' (1 Rs 12, 19). Outra prova de que os profetas costumavam rezar pelo povo, e que Deus atendia a tais preces. No terceiro livro dos reis lemos ainda: 'Faze oração ao Senhor, teu Deus, roga por mim e o homem de Deus fez oração ao Senhor e foi atendido' (3 Rs 13,6). Outra prova de que podemos recorrer aos santos, para que eles intercedam por nós junto de Deus.

No livro de Judite, encontramos um passo luminoso que resolve a questão e dissipa todas as dúvidas: 'Escute a súplica de Ozias e dos anciãos a Judite: Agora, pois, ora por nós, porque tu és uma mulher santa e temente a Deus' (Jt 8,29). Que quer dizer isso? Prova que uma pessoa santa e temente a Deus pode ser invocada e pode interceder por nós perto de Deus. Que coisa mais clara e positiva? E podia multiplicar tais passos, porém, para quem não crê na bíblia, parece-me inútil. 'A palavra de Deus não muda' (1 Pd 1,25).

Repita Deus cinquenta vezes a mesma verdade ou diga uma só vez, o seu valor fica o mesmo. Que provam, pois, este e muitos outros passos da bíblia, senão que é bom e permitido orar aos santos, que os justos podem orar por seus irmãos? Ora, se os santos da terra, sendo rogados pelos irmãos, alcançam-lhes o que podem, será possível que estes santos, depois de terem entrado no céu, tenham perdido este poder de intercessão? É impossível, pois no céu as almas justas estão com Deus: são seus amigos íntimos.

Se é permitido orar a um justo da terra, para que nos alcance favores de Deus, com mais razão deve ser permitido orar à criatura mais justa e mais santa que há no céu: a Virgem Maria. A conclusão é clara e irrefutável: A bíblia mostra que é permitido orar aos justos da terra; com mais razão é permitido orar aos justos do céu. Ora, Maria Santíssima é a mais justa de todos os justos do céu. É pois, permitido orar à Virgem Maria.

VI. Devemos orar aos santos

Vamos adiante, meu caro protestante. A primeira prova devia ser decisiva para qualquer homem sincero e de boa fé; continuemos, porém, e depois de ter provado que podemos, provemos que devemos orar aos santos, e entre eles à Virgem Maria.

Abramos o livro de Jó, escutemos o que Deus disse aos amigos do santo: 'Tomai sete touros e ide a meu servo Jó; o meu servo Jó orará por vós e admitirei propício a sua face' (Jó 42,8). Que bomba, amigo protestante, já refletiu sobre este passo? Deus manda recorrer ao servo Jó, e promete escutar a prece que Jó há de fazer em favor dos seus amigos. Não somente permite, mas ordena positivamente recorrer ao santo homem Jó.

E quantos passos deste gênero se podiam citar do Antigo Testamento; mas vamos às provas mais positivas ainda: as próprias palavras do Cristo: 'Orai pelos que vos perseguem e caluniem' (Mt 5,44). São Tiago, por sua vez, nos ensina: 'Orai uns pelos outros, para serdes salvos, porque a oração do justo, sendo fervorosa, pode muito' (Tg 5, 16). São Paulo não é menos explícito: 'Não cessamos de orar por vós, diz ele, e de pedir que sejais cheios de reconhecimento da sua santa vontade' (Col 1, 3-9).

Eis passos muito claros, que provam que devemos orar aos santos, não somente a Deus, porque a oração dos justos pode muito para os outros. Pode haver dúvida sobre esta ordem de Deus? Parece-me que não! Como é, pois, meu caro protestante, que tens a ousadia de dizer que é proibido orar aos santos? O amigo está em plena contradição com a sua bíblia, com a palavra, com a ordem expressa de Deus.

De fato, Deus dá ordem de recorrer a Jó, para que ele ore pelos delinquentes. Jesus Cristo nos faz orar uns pelos outros (Mt 5, 44). São Tiago nos ordena de orar uns pelos outros (Tg 5,16). São Paulo diz que ora pelos colossenses (Col 1,3). Tudo isso prova que Deus aceita as orações dos justos que vivem ainda neste mundo, e não somente que aceitas as orações mas que quer estas orações de uns pelos outros. É uma verdadeira ordem.

E se objetassem que podemos e até devemos às vezes orar aos justos da terra e não aos justos do céu, a resposta estaria no Evangelho. No evangelho de São Mateus (Mt 20, 30), Jesus Cristo ensina que os santos são como os anjos de Deus no céu. Ora, os anjos intercedem por nós, como vemos indicado na Sagrada Escritura. É Zacarias quem no-lo afirma dizendo que 'o anjo intercedeu por Jerusalém, ao Senhor dos exércitos' (Zc 1, 12-13)

Jesus Cristo declara que haverá júbilo entre os anjos, de Deus 'por um pecador que faz penitência' (Lc 15, 10), o que prova que eles se interessam pelos homens. De novo, amigo protestante, que prova tudo isso? Prova evidentemente que os justos, os santos e os anjos do céu se interessam pelos homens, intercedem pelos homens, e devem ser invocados, louvados, orados pelos homens. E se isso é verdade dos santos e anjos, com quanto mais razão é verdade da rainha dos santos e dos anjos, da Santíssima Virgem Maria.

VII. Deus escuta os santos

Vamos mais adiante, amigo protestante, e vejamos agora como Deus escuta a prece dirigida aos seus justos ou santos. Não é menos interessante recolher uns passos da Sagrada Escritura a este respeito. Comecemos com Jeremias, onde lemos este trecho expressivo: E o Senhor disse-me: 'Ainda que Moisés e Samuel se pusessem diante de mim, a minha alma não se inclinaria para este povo; tira-os da minha face e retirem-se' (Jr 15, 1-).

Tal texto prova, claramente, duas verdades: (i) Que os justos e santos, mesmo depois de mortos – como no tempo de Jeremias estavam Moisés e Samuel. – podem interceder pelos homens, perante Deus. (ii) Que não obstante essa intercessão, a culpa humana pode ser tão grave, que não logrem aplacar o Senhor.

Imaginemos que um magnata da terra nos dissesse: Estou tão indignado contra fulano, que não lhe perdoaria, ainda que meus filhos me pedissem... Não seria lógico depreender que, junto deste pai, os filhos tinham valimento como intercessores? Pois bem, a mesma verdade depreende-se do passo bíblico, que nos mostra o valimento de Moisés e Samuel, no céu, perto de Deus.

Para invalidar este passo, os sábios protestantes dizem que neste tempo os justos não tinham entrado no céu, mas estavam no Limbo. É nova ignorância do princípio, senão do fato. A Igreja Católica pela comunhão dos santos, abrange a terra, o céu, e o purgatório e, antes da vindo do Salvador, o céu estava fechado, e os justos iam para o limbo, onde esperavam a vinda do Messias, o qual, no dia da sua morte, devia abrir-lhes a porta do céu.

Os justos eram, pois, santos; ora, a santidade não depende do lugar onde o santo reside, mas do estado de sua alma, de modo que os patriarcas, no limbo, podiam interceder pelos homens, como o podem no céu, e como o podem as próprias almas do purgatório. Há muitos outros trechos bíblicos de igual valor comprobatório. Eis um outro que não figura na bíblia protestante truncada, pois acharam bom cortar o livro dos Macabeus, por conterem muitos passos que os condenam.

Aí vemos como Judas Macabeu viu em sonho o grão sacerdote Onias, já morto, que orava por sua nação, e que, designando o profeta Jeremias, lhe disse: 'Este é o amador dos seus irmãos e do povo de Israel; este é Jeremias, profeta de Deus, que ora muito pelo povo e pela santa cidade' (2 Mc 15,12-14). Não é bem concludente este passo, mostrando um santo orando pelos homens da terra? E se os santos oram por nós, seria proibido orarmos aos santos? Que lógica estranha seria esta!

Eis, pois, provado mais uma vez que podemos e devemos orar aos santos, e como Deus escuta e atende ao pedido de seus servos. E eles orando por nós, nós temos o dever de implorá-los, de invocá-los, para que eles nos ajudem e nos amparem com a sua valiosa proteção. E se devemos orar aos santos, devemos orar, sobretudo, à santa dos santos, à Virgem Mãe de Deus.

* Esta 'objeção' foi proposta por 'um crente' como um desafio público ao Pe. Júlio Maria e que foi tornado público durante as festas marianas de 1928 em Manhumirim, o que levou às refutações imediatas do sacerdote, e mais tarde, mediante a inclusão de respostas mais abrangentes e detalhadas, na publicação da obra 'Luz nas Trevas - Respostas Irrefutáveis às Objeções Protestantes', ora republicada em partes neste blog.

(Excertos da obra 'Luz nas Trevas - Respostas Irrefutáveis às Objeções Protestantes', do Pe. Júlio Maria de Lombaerde)