segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

'TOME A SUA CRUZ!'


'Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me' (Mt 16,24). Parece dura e pesada a ordem do Senhor: quem quiser segui-Lo, tem que renunciar a si mesmo. Mas não é duro nem pesado quem ordena, pois Ele próprio nos ajuda a cumprir o Seu preceito. Assim como é verdade o que Lhe dizem no salmo: 'Seguindo as palavras dos vossos lábios, percorri duros caminhos' (Sl 16,4), também é verdade o que Ele nos disse: 'O meu jugo é suave e meu fardo é leve' (Mt 11,30). A caridade torna leve tudo quanto é duro no preceito.

Que significa: 'Tome a sua cruz'? Quer dizer: suportar tudo o que custa, e então segui-Lo. Na verdade, quem começar a seguir os seus exemplos e preceitos, encontrará muitos que o critiquem, que o impeçam, que tentem dissuadi-lo, mesmo entre os que parecem discípulos de Cristo. Andavam com Cristo os que proibiam os cegos de clamar por Ele. Tu, portanto, no meio das ameaças, de carinhos ou proibições, sejam quais forem, se quiseres seguir a Cristo, transforma tudo em cruz: suporta, carrega e não desistas!

(...)

Esta palavra não deve ser ouvida como dirigida apenas às virgens e não às esposas; nem só para as viúvas e não para as casadas; nem só para os monges e não para os maridos; nem só para os clérigos e não para os leigos. Pois toda a Igreja, todo o corpo, todos os seus membros, diferentes e distribuídos segundo suas próprias tarefas, devem seguir Cristo.

Siga-O toda a Igreja que é uma só, siga-O a esposa, redimida e dotada pelo sangue do Esposo. Nela encontra lugar tanto a integridade das virgens como a castidade das viúvas e o pudor dos casais. Estes membros, que nela encontram o seu lugar, sigam Cristo, cada um segundo a sua vocação, posição ou medida.

Renunciem a si mesmos, isto é, não se vangloriem; tomem a sua cruz, quer dizer, suportem no mundo, por amor de Cristo, tudo o que lançarem contra eles. Amem o único que não ilude, o único que não é enganado nem engana; amem-nO, porque é verdade aquilo que promete. Como as suas promessas tardam, a fé vacila. Mas sê constante, perseverante, suporta a demora e terás tomado a tua cruz.

(Dos Sermões de Santo Agostinho)

domingo, 7 de fevereiro de 2016

'AVANÇA PARA ÁGUAS MAIS PROFUNDAS!'

Páginas do Evangelho - Quinto Domingo do Tempo Comum


'Avança para águas mais profundas' (Lc 5,4). A orientação imperativa de Jesus aos pescadores, às margens do Lago de Genesaré, é um clamor que reverbera a todos os homens de todos os tempos. Que os filhos de Deus manifestem, além dos horizontes estreitos de sua religiosidade comum, a vocação de autênticos apóstolos, movidos na plenitude do amor e da generosidade de corações verdadeiramente cristãos. Não nos basta sermos artífices da graça de Deus em nós; neste quinto domingo do Tempo Comum, Jesus nos convoca a sermos missionários das graças de Deus para a salvação de muitos.

Após uma noite de duro trabalho totalmente infrutífero, os pescadores exaustos sabiam e tinham razões mais do que suficientes para julgar que o pedido de Jesus seria inútil. Com toda a experiência acumulada de anos de pesca naquelas águas, da pescaria mais adequada sob a luz noturna, voltar às águas à luz da manhã parecia um despropósito completo. Pedro, no entanto, abre mão do seu conhecimento especializado e do seu juízo dos fatos, em obediência e em generosa confiança às palavras do Mestre: 'Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes' (Lc 5, 5). Naquele pescador de lida bruta, Jesus divisou a alma do verdadeiro apóstolo! E o milagre dos peixes antecipou o milagre da salvação dos homens. 

Quanto trabalho e esforço em vão dispensaram tantos pescadores naquela noite sem resultados... E, certamente, eles eram os mais preparados e os mais qualificados para a tarefa. Não são assim as práticas daqueles que se vêem em suas obras? Que partilham com os outros sua diligência e disponibilidade como senhores dos seus dons? E, por mais que julguemos tais obras meritórias do ponto de vista das concepções humanas, são apenas trabalho e esforço vão de pescadores qualificados e disponíveis. Porque foi o próprio Cristo quem nos alertou: 'Sem mim, nada podeis fazer' (Jo, 15,5). E nada é nada mesmo. Sem a reparação infinita por Jesus Cristo, qualquer atitude nossa, por maior que seja sua relevância e excepcionalidade, torna-se meramente figurativa e essencialmente insignificante, porque moldada na superficialidade dos valores humanos. 

Eis porque se impõe o avanço confiante às águas mais profundas, para ir ao encontro de tantos que estão perdidos no submundo das drogas, do aborto e do hedonismo, nas trevas do pecado, submersos na orgia das consciências destes tempos de carnaval, na miséria do ateísmo e da indiferença religiosa. Em águas profundas, com Cristo, por Cristo e em Cristo, um nosso ato de generosidade confiante é capaz de produzir prodígios, um nosso ato de amor tem o poder de operar milagres! E, feitos apóstolos dos nossos dias, como Pedro e os homens à beira do Lago de Genesaré, poderemos ser também pescadores de homens! E, como eles, seremos aqueles outros que 'levaram as barcas para a margem, deixaram tudo e seguiram a Jesus' (Lc 5,11).

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

A SANTIFICAÇÃO DOS TEMPOS DE CARNAVAL

ARQUIVOS DO SENDARIUM
(publicado originalmente no blog em 09/02/2013)


Se a alma cristã compreendesse, na sua verdadeira agonia, o que o pecado produz nas coortes divinas, teria o zelo dos santos e um horror desmedido a praticar ainda que fosse a mais leve ofensa a Deus. No carnaval, o desprezo e as injúrias às coisas sagradas são levadas até às últimas consequências, aos últimos limites e a nudez, o prazer e o hedonismo mais escancarado são colocados nos altares da insensatez humana, como um tributo e idolatria aos instintos e às paixões humanas mais desregradas. 

E, em meio a loucuras e deboches morais cada vez mais incrementados, prega-se como atributo da dignidade e da cidadania, os valores de tolerância e do discernimento para se lidar com o 'livre pensar' alheio. Pode-se prescindir ao máximo de tolerância com os princípios cristãos, mas há que se criar modelos de restrições e imposições severas a todos que não compartilham da mundanidade mais descabida, da miséria humana mais exacerbada, do aniquilamento das referências morais mais autênticas, da conspurcação da fé.

Não há carnaval católico, porque não há alegria cristã no pecado. Não há santo carnaval, porque você não vai encontrar Jesus sob serpentinas e paetês, porque Ele não percorreu a via dolorosa do Getsêmani ao Calvário há dois milênios para o encontrar nestes quatro dias de ócio e de folia. Aquelas gotas de sangue são o testemunho da tortura mental imposta pelos pecados dos homens de todos os tempos e como eles se espalham como enxames de abelhas nestes tempos do carnaval! 

É mister que sua alma cristã diga não à vertigem coletiva, ao desvario de tantos. E sua resposta não pode ficar limitada ao isolamento do burburinho ou ao descanso dos acomodados. Mais do que nunca, torna-se imperativa a santificação desse tempo de carnaval. Seja num retiro espiritual, seja no anonimato de sua pequena oração diante o Santíssimo, seja pela intercessão junto à Virgem Maria, rezemos em desagravo a tantos pecados cometidos nesta época, particularmente pela omissão e covardia daqueles que estão consagrados a Deus pelo batismo, pela confirmação, pela devoção sacramental, missionária ou religiosa. 

Rezemos pela santificação dos tempos de carnaval. Rezemos pelos homens e mulheres que padecem as falsas alegrias do pecado. Rezemos pelos insensatos que buscam nas ruas festivas e ensurdecedoras um calvário feito de purpurinas. E que esta torrente de graças, tangidas pelo desagravo, expiação e perdão de tantos pecados de agora, seja a fonte de redenção para muitos em outros carnavais.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

A LOTERIA DE SÃO JOÃO BOSCO

Um homem pobre ouviu falar das maravilhas e dos milagres realizados por São João Bosco e correu à sua procura para lhe perguntar algo muito importante: a fórmula para se ganhar na loteria. Queria que o santo lhe dissesse que números devia escolher ao comprar o bilhete.

São João Bosco meditou por um tempo e lhe respondeu com segurança: 'os números que você deve jogar para ganhar na loteria são 10, 7 e 14; pode jogá-los em qualquer ordem que, mesmo assim, você ganhará!'. O homem se encheu de alegria e se despediu apressado para ir correndo comprar o bilhete.

O santo, porém, tomando-lhe pelo braço, disse sorridente: 'um momento, que ainda não lhe expliquei bem os números que você deve jogar e qual loteria ganhar'. O número 10 significa que você deve cumprir sempre os Dez Mandamentos; o número 7 significa que você deve receber com frequência os sacramentos e 14, é o número que você deve praticar para cumprir as 14 obras de misericórdia, tanto as corporais como as espirituais. 

Se você cumprir estas três condições: observar os mandamentos, receber bem os sacramentos e praticar as obras de misericórdia, ganhará a mais estupenda de todas as loterias: a glória eterna do céu'. O homem compreendeu a lição e, com o dinheiro do bilhete, foi dar esmola em um asilo.

E você, já jogou estes números hoje?

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

UMA FOTOGRAFIA DE JESUS?


Suposta fotografia de Jesus, tirada pela freira queniana Anna Hadija Ali (1966 - 2012), vidente que teria recebido aparições e mensagens de Jesus no período entre 1987 e 1991.


Comparação da suposta fotografia tirada pela freira queniana com um desenho do rosto de Jesus que teria sido feito por um artista húngaro chamado Semiechen, de divulgação bastante difundida em período prévio à Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918).

Utilizando recursos gráficos na foto à esquerda (realizados pelo autor do blog), ficam evidentes as semelhanças e a equivalência entre ambas as figuras.


Felizes aqueles que creem sem ter visto! (Jo 20, 29)

domingo, 31 de janeiro de 2016

O GRANDE MILAGRE DE JESUS EM NAZARÉ

Páginas do Evangelho - Quarto Domingo do Tempo Comum


A dimensão messiânica de Jesus tinha acabado de ser revelada aos moradores da aldeia de Nazaré, onde Jesus vivera até a juventude, como o filho do carpinteiro (evangelho do domingo anterior). Quase ao término do segundo ano de sua pregação pública e após o batismo por João, Jesus retorna às suas origens para proclamar aos seus conterrâneos que Ele é o Messias prometido das Escrituras. E aí vai experimentar, se não pela primeira vez, talvez a rejeição mais dolorosa, pois oriunda daqueles que lhe eram mais próximos, mais conhecidos, que com Ele conviveram cotidianamente por quase trinta anos. 

Jesus havia aberto o livro profético de Isaías nas passagens relativas às previsões messiânicas (Is 61, 1ss). Na sua oratória, embora não se tenha transcrição alguma do conteúdo de sua fala, Jesus certamente teria explicado, com suma riqueza de doutrina e de detalhes, o texto do profeta, como se pode depreender do testemunho do evangelista: 'Todos davam testemunho a seu respeito, admirados com as palavras cheias de encanto que saíam da sua boca' (Lc 4,22). À margem o tesouro da doutrina exposta, aquele evento proclamara a chegada do Ungido, do Messias revelado pelos tempos nas Sagradas Escrituras. E a portentosa revelação fôra proclamada pelas palavras finais do Mestre: 'Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabaste de ouvir' (Lc 4, 21).

Mas os seus, ainda que admirados de sua pregação e oratória, não vão entendê-Lo. Eles O têm apenas no espectro da perplexidade e de certa admiração e querem ser testemunhas de desmedidos milagres, de feitos muito mais extraordinários daqueles ocorridos em Cafarnaum e por toda a Galileia. Para os homens de Nazaré daquele tempo, faltou a caridade e sem a caridade (conforme 1 Cor 13, 1-13), tudo se torna incomensuravelmente vão. Jesus foi para eles apenas uma sombra de admiração, tolhida pela incredulidade e covardia de tantos que preferiram, por puro preconceito, perder o convite à plena conversão. Da certeza de que um profeta não é bem recebido em sua terra (Lc 4, 24), Jesus vai revelar publicamente na sinagoga a dureza daqueles corações.

Movidos pelo ódio, e por ódio diabólico, agarraram Jesus não apenas com o intuito de expulsar o filho do carpinteiro da pequena aldeia, mas de matar o Salvador, atirando-o do alto de um precipício às portas da cidade. Dominado pela turba enfurecida e em frenesi para cometer um crime dantesco, Jesus manifestou-lhes certamente o extraordinário milagre que queriam ver. Mais tarde, Jesus iria aceitar com submissão o ódio dos homens na sua Paixão e Morte de cruz. Mas ali, ainda não chegara a sua hora. Sob o influxo de sua divindade, Jesus fez calar naqueles homens todos os espíritos ensandecidos e reduziu à impotência os seus frêmitos de ira e 'passando pelo meio deles, continuou o seu caminho' (Lc 4, 30).

31 DE JANEIRO - SÃO JOÃO BOSCO

 

Filho de uma humilde família de camponeses, São João (Melchior) Bosco nasceu em Colle dos Becchi, localidade próxima a Castelnuovo de Asti em 16 de agosto de 1815. Órfão de pai aos dois anos, viveu de ofícios diversos na pobreza da infância e da juventude, até ser ordenado sacerdote em 5 de junho de 1841, com a missão apostólica de servir, educar e catequizar os jovens, o que fez com extremado zelo e santificação durante toda a sua vida.

Em 1846, fundou o Oratório de São Francisco de Sales em Turim, dando início à sua obra prodigiosa, arregimentando colaboradores e filhos, aos quais chamava de salesianos, em meio a um intenso e profícuo apostolado. Em 1859, fundou  a Congregação Salesiana e, em 1872, com a ajuda de Santa Maria Domingas Mazzarello, fundou o Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora para a educação da juventude feminina. Em 1875, enviou a primeira turma de seus missionários para a América do Sul. No Brasil, as primeiras casas salesianas foram o Colégio Santa Rosa em Niterói e o Liceu Coração de Jesus em São Paulo. 

Faleceu a 31 de janeiro de 1888 em Turim, aos 72 anos, deixando como herança cristã a Congregação Religiosa Salesiana espalhada por diversos países da Europa e das Américas. O Papa Pio XI, que o conheceu e gozou da sua amizade, canonizou-o na Páscoa de 1934. Popularizado como 'Dom Bosco', foi aclamado pelo Papa João Paulo II como 'pai e mestre da juventude' e se tornaram lendários os seus sonhos proféticos (exemplo abaixo), que ele narrava em suas pregações aos jovens salesianos.

A BIGORNA E O MARTELO

Em 20 de agosto de 1862, depois de rezadas as orações da noite e de dar alguns avisos relacionados com a ordem da casa, Dom Bosco disse: 'Quero contar-lhes um sonho que tive faz algumas noites'.

Sonhei que estava em companhia de todos os jovens em Castelnuovo do Asti, na casa de meu irmão. Enquanto todos faziam recreio, dirigiu-se a mim um desconhecido e convidou-me a acompanhá-lo. Segui-o e ele me conduziu a um prado próximo ao pátio e ali indicou-me, entre a erva, uma enorme serpente de sete ou oito metros de comprimento e grossura extraordinária. Horrorizado ao contemplá-la, quis fugir.

— 'Não, não' — disse-me meu acompanhante — 'não fujas; vem comigo'.
 'Ah!' — exclamei — 'não sou tão néscio para me expor a um tal perigo'.
— 'Então' — continuou meu acompanhante —'aguarda aqui'.
E, em seguida, foi em busca de uma corda e com ela na mão voltou novamente junto a mim e disse-me:
— 'Tome esta corda por uma ponta e agarre-a bem; eu agarrarei o outro extremo e por-me-ei na parte oposta e, assim, a manteremos suspensa sobre a serpente'.
— 'E depois?'
— 'Depois a deixaremos cair sobre a espinha dorsal'.
— 'Ah! não; por caridade. Pois ai de nós se o fizermos! A serpente saltará enfurecida e nos despedaçará'.
— 'Não, não; confie em mim' — acrescentou o desconhecido —'eu sei o que faço'.
— 'De maneira nenhuma; não quero fazer uma experiência que pode-me custar a vida'.

E já me dispunha a fugir, quando o homem insistiu de novo, assegurando-me que não havia nada que temer; e tanto me disse que fiquei onde estava, disposto a fazer o que me dizia. Ele, entretanto, passou do outro lado do monstro, levantou a corda e com ela deu uma chicotada sobre o lombo do animal. A serpente deu um salto voltando a cabeça para trás para morder ao objeto que a tinha ferido, mas em lugar de cravar os dentes na corda, ficou enlaçada nela mediante um nó corrediço. Então o desconhecido gritou-me:

— 'Agarre bem a corda, agarre-a bem, que não se lhe escape'.

E correu a uma pereira que havia ali perto e atou a seu tronco o extremo que tinha na mão; correu depois para mim, agarrou a outra ponta e foi amarrá-la à grade de uma janela. Enquanto isso, a serpente agitava-se, movia-se em espirais e dava tais golpes com a cabeça e com sua calda no chão, que suas carnes rompiam-se saltando em pedaços a grande distancia. Assim continuou enquanto teve vida; e, uma vez morta, só ficou dela o esqueleto descascado e sem carne. Então, aquele mesmo homem desatou a corda da árvore e da janela, recolheu-a, formou com ela um novelo e disse-me:

— 'Presta atenção!'

Colocou a corda em uma caixa, fechou-a e depois de uns momentos a abriu. Os jovens tinham-se ajuntado ao ao meu redor. Olhamos o interior da caixa e ficamos maravilhados. A corda estava disposta de tal maneira, que formava as palavras: Ave Maria!

— 'Mas como é possível?' — disse — 'Você colocou a corda na caixa e agora ela aparece dessa maneira!'.

— 'Olhe' — disse ele — 'a serpente representa o demônio e a corda é a Ave Maria, ou melhor, o Santo Rosário, que é uma série de Ave Marias com a qual e com as quais se pode derrubar, vencer e destruir todos os demônios do inferno.

Enquanto falávamos sobre o significado da corda e da serpente, voltei-me para trás e vi alguns jovens que, agarrando os pedaços da carne da serpente, os comiam. Então gritei-lhes imediatamente:

— 'Mas o que é o que fazem? Estão loucos? Não sabem que essa carne é venenosa e que far-lhes-á muito dano?'

'Não, não' — respondiam-me os jovens — 'a carne está muito boa'.

Mas, depois de havê-la comido, caíam ao chão, inchavam-se e tornavam-se duros como uma pedra. Eu não podia ficar em paz porque, apesar daquele espetáculo, cada vez era maior o número de jovens que comiam aquelas carnes. Eu gritava a um e a outro; dava bofetadas a este, um murro naquele, tentando impedir que comessem; mas era inútil. Aqui caía um, enquanto que lá começava a comer outro. Então chamei os clérigos em meu auxílio e disse-lhes que se mesclassem entre os jovens e se organizassem de maneira que ninguém comesse aquela carne. Minha ordem não teve o efeito desejado, pois alguns dos clérigos começaram também a comer as carnes da serpente, caindo ao chão como os outros. Eu estava fora de mim quando vi a meu redor um grande número de moços estendidos pelo chão no mais miserável dos estados. Voltei-me, então, para desconhecido e disse-lhe:

— 'Mas o que quer dizer isto? Estes jovens sabem que esta carne ocasiona-lhes a morte e, contudo, a comem. Qual é a causa?'

Ele respondeu-me: ' Já sabes que animalis homo non percipit ea quae Dei sunt: Alguns homens não percebem as coisas que são de Deus'.

— 'Mas não há remédio para que estes jovens voltem em si?'

— 'Sim, há'.

— 'E qual seria?'

— 'Não há outro que não seja pela bigorna e pelo martelo'.

— 'Bigorna? Martelo? E como terei que empregá-los?'

— 'Terás que submeter os jovens à ação de ambos estes instrumentos'.

— 'Como? Acaso devo colocá-los sobre a bigorna e golpeá-los com o martelo?'

Então meu companheiro me esclareceu, dizendo:

— 'O martelo significa a Confissão e a bigorna, a Comunhão; é necessário fazer uso destes dois meios'.