sexta-feira, 26 de maio de 2023

OS GRANDES SINAIS PRECURSORES DO JUÍZO FINAL (IV)

  

Erunt sigma in sole et luna et stellis 

'Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas' (Lc 21, 25)

Segunda Parte

Suponha que uma cidade turca - digamos, Constantinopla - na qual muitos cristãos são mantidos cativos e gemem acorrentados, seja sitiada por um potentado cristão; o rugido e o estrondo da artilharia ressoam o dia inteiro de modo que mal se ouve a própria voz; as paredes e as torres são atacadas e derrubadas pelas balas de canhão; bombas e granadas com estilhaços de fogo estão voando incessantemente no ar, queimando e destruindo tudo em todas as direções e, por toda a cidade, nada se ouve a não ser o rugido da artilharia, o estrondo das paredes caindo e uivos e lamentações terríveis. 

Os homens rastejam e se escondem nos porões mais escuros para evitar as balas de canhão; os soldados em desespero gritam: 'Ai de nós, temos que nos render, a cidade foi sitiada!' O que vocês acham, meus queridos irmãos, que seriam os sentimentos dos cristãos cativos nesta ocasião? Verdadeiramente, no que diz respeito à visão e à audição, eles estão tão mal quanto os turcos; eles também devem se esconder para evitar as bombas e as granadas; mas como eles se sentem no coração? Não há dúvida de que eles se regozijam e exultam quanto mais vigorosamente o cerco prossegue. Quanto maior o desespero dos soldados engajados na defesa, maior a alegria e a esperança dos cristãos. Por que? Ó, eles pensam, agora é chegada a hora em que a cidade deve se render a um poder cristão e seremos libertados do cativeiro e da escravidão. Aí, meus queridos irmãos, vocês têm, em algum grau, uma caricatura e uma imagem do estado de espírito dos justos e dos ímpios ao verem os terríveis portentos que anunciarão o fim do mundo. Os ímpios, aqueles que têm um má consciência, de fato murcharão de medo e consternação e procurarão se esconder sob a terra; eles vão uivar e gemer e lamentar como os turcos sitiados.

Dirão então: 'Ai de nós, estamos perdidos! Devemos agora nos render; eis o fim de todos os prazeres e delícias que desfrutamos na terra; honra e cargos importantes não mais existem; devemos deixar nossa riqueza para trás pois o último dia está próximo; em pouco tempo a terrível trombeta soará em nossos ouvidos as palavras: levantai-vos, mortos, eis o dia do juízo! Em breve compareceremos diante de nosso irado Juiz, a quem desprezamos e tornamos nosso inimigo por causa dos nossos pecados! Agora se aproxima o tempo em que as coisas vergonhosas que escondemos dos homens e não ousamos mencionar nem mesmo no tribunal da penitência serão declaradas abertamente perante todo o mundo! Em breve ouviremos as terríveis palavras: 'Afastem-se de mim, malditos, para o fogo eterno'¹⁵. E teremos que nos despedir eternamente de Deus, nosso bem supremo; de Maria, a Mãe de Deus, de todos os anjos e eleitos, e descer ao inferno com os demônios! Ai de nós!' Quão grande será o terror e a angústia dos ímpios ao verem os sinais e portentos do último dia!

Mas quais serão os sentimentos daqueles justos servos de Deus que mantiveram inviolável fidelidade ao seu Criador ou que, por um verdadeiro arrependimento, lavaram seus pecados, e que viveram, neste vale de lágrimas, em meio a tantos perigos da alma e do corpo, suspirando como prisioneiros por seu lar e lugar de descanso eterno? Como, eu pergunto, será com eles? Ouvi o que Cristo lhes diria, depois de ter falado dos terríveis sinais precursores do último dia: 'quando estas coisas começarem a acontecer, olhai para cima e levantai as vossas cabeças, porque a vossa redenção está próxima'¹⁶. 'Estar de cabeça baixa é um sinal de tristeza e de medo que, meus queridos filhos, não é para vós, mas para os ímpios que se recusaram a amar-me e a honrar-me. Deixai-os definhar de medo, porque não têm parte no meu Reino eterno; mas vós, almas justas que guardastes a minha Lei e em tudo tentastes fazer a minha vontade, 'olhai para cima e levantai as vossas cabeças'; regozijai-vos e alegrai-vos 'porque a vossa redenção está próxima!'. Este é o tempo pelo qual tendes suspirado durante tanto tempo; o tempo para a vossa libertação do cativeiro, de todos os perigos e aflições; o tempo para entrardes no repouso eterno dos filhos de Deus. Este é o dia em que os meus e os vossos inimigos, que vos perseguiram e oprimiram de tantas maneiras - este é o dia em que eles ficarão tremendo e gemendo sob os vossos pés. Este é o dia em que Eu darei a conhecer ao mundo a vossa humildade e vossas virtudes que os homens desconheciam e que os mundanos vaidosos desprezavam! Alegrai-vos, meus filhos! A vossa redenção está próxima; o Reino dos Céus abrir-se-á em breve para vós. Vinde, ó bem-aventurados, possuí o Reino que meu Pai e vós mesmos preparastes para vós! Vinde comigo para as alegrias eternas!'

'Olhai para a figueira e para todas as árvores' - continuaria a falar Nosso Senhor - 'quando agora brotam os seus frutos, sabeis que o verão está próximo e que o frio do inverno já passou. Assim também vós, quando virdes sucederem estas coisas, sabereis que está próximo o reino de Deus'¹⁷. O que Ele quer dizer é que, no inverno, as árvores estão nuas, sem folhas e nem frutos, e cobertas de neve como por um manto de luto; mas quando chega a bela primavera, que mudança ocorre nelas! Adornam-se com os botões frescos, com folhas verdes e frutos, e os pássaros cantam melodias alegres nos seus ramos. 'Assim é também convosco, servos fieis. Até aqui passastes pelo frio do inverno; fostes odiados e desprezados pelo mundo, que desprezastes em favor do meu nome; muitas vezes tivestes de gemer sob a pressão da adversidade mas, quando virdes os sinais da primavera e do verão eterno, 'olhai para cima e levantai as vossas cabeças, porque a vossa redenção está próxima'. Ficai atentos! Levantai os vossos corações e mentes para o alto! A vossa redenção está próxima; as obras de virtude que realizastes para mim estão agora prestes a dar frutos, e sereis coroados com uma coroa de alegrias eternas'.

Foi este pensamento que trouxe tanta consolação de espírito a São Paulo nas suas múltiplas provações e perseguições, como escreve ao seu discípulo Timóteo: 'Quanto a mim, estou a ponto de ser imolado e o instante da minha libertação se aproxima. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. Resta-me agora receber a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia, e não somente a mim, mas a todos aqueles que aguardam com amor a sua vinda'¹⁸. É por isso que devemos ansiar incessantemente, como o próprio Nosso Senhor nos ensinou a rezar diariamente: 'Pai nosso, que estais no céu, venha a nós o vosso reino!' Ou, como nos diz São Pedro: 'Uma vez que todas essas coisas se hão de desagregar, considerai qual deve ser a santidade de vossa vida e de vossa piedade, enquanto esperais e apressais o dia do Senhor, esse dia em que se hão de dissolver os céus inflamados e se hão de fundir os elementos abrasados! Nós, porém, segundo sua promessa, esperamos novos céus e uma nova terra, nos quais habitará a justiça. Portanto, caríssimos, espe­rando essas coisas, esforçai-vos em ser por ele achados sem mácula e irrepreensíveis na paz''¹⁹. Apressai-vos em vossos desejos, com alegria, para encontrar o dia do Senhor.

Meus queridos irmãos, qual deve ser o nosso pensamento sobre este assunto? Se esses horríveis presságios fossem visíveis nos céus, no dia de hoje, para nos anunciar o fim do mundo, teríamos todos ocasião de erguer a cabeça e de esperar a vinda do nosso Juiz com alegria e exultação? Alegrar-te-ias, ó homem ambicioso, que agora valorizas mais a estima dos homens do que a graça e o favor do teu Deus? Alegrar-te-ias, ó homem avarento, cuja maior e única preocupação todos os dias da tua vida é acumular riquezas de todas as maneiras possíveis; cujas mãos e cofres ainda estão fechados em bens mal adquiridos? Alegrar-te-ias, ó homem sem valor, que até agora te entregaste às tuas paixões imundas e, com as tuas importunações perversas, seduziste muitas almas inocentes ou que ainda continuas a viver em intimidade ilegal com alguém que cativou o teu coração nas malhas do amor impuro? Alegrar-te-ias, ó homem vingativo, que ainda alimentas a ira contra o teu próximo e te entregas a sonhos de vingança? Alegrar-te-ias, ó bêbado, que em todas as ocasiões que se apresentam te roubas a razão e te arruínas a ti e aos que te cercam? Alegrar-te-ias, ó vaidoso filho do mundo, que ainda estás tão apegado ao mundo e não conheces outra lei senão as suas falsas máximas, levando uma vida ociosa e morna? Em suma, todos vós que tendes um pecado mortal na consciência, exultaríeis com a vinda do vosso Juiz? Haveria motivo para vos animar com as palavras de Nosso Senhor: 'Olhai e levantai a cabeça, porque a vossa redenção está próxima', quando se vissem no céu estes sinais terríveis? Ai de vós! É fácil falar-vos de alegria! O medo, a angústia, o terror, o definhamento por medo, eis os tristes efeitos que esses sinais terão sobre vós. Ah, então por que não tememos ofender a Deus? Como ousar passar uma hora sequer em estado de pecado mortal, pois se a morte nos surpreendesse então, nada mais teríamos a esperar senão um julgamento sem misericórdia e um inferno sem fim?

Ó almas justas que têm uma boa consciência! Para vós seria tudo alegria, uma esperança exultante! Permanecei firmes em apenas servir ao vosso Deus com fidelidade e zelo! 'Vivemos sóbria, justa e piedosamente neste mundo' - eis a exortação que nos dá São Paulo - 'aguardando a bem-aventurada esperança e a vinda da glória do grande Deus e Nosso Salvador Jesus Cristo'²⁰. Cristãos aflitos, que tendes de sofrer toda a espécie de provações e contradições, o que pensais? Tremendos serão os sinais que então vereis, impostos tão severamente pela mão de Deus; quão tremendos serão! Mas consolai-vos! Porque, assim como os sinais terríveis que anunciam o fim do mundo são precursores da redenção próxima para os justos e, portanto, fonte de alegria e consolação para eles, assim também as dores, por maiores que sejam, que agora vos afligem, se as suportardes com boa consciência e resignação à vontade divina, são para vós sinais infalíveis da glória futura no céu, como vos mostrarei em ocasião futura. 

Para vos consolardes e aliviardes de vossas penas, dizei a vós mesmos: o que agora sofro há de acabar; não durará muito; cada dia me aproxima mais da minha libertação. Se sou pobre e destituído por pouco tempo, essa pobreza é um sinal seguro de futuras riquezas no céu. Se eu for desprezado, perseguido pelo mundo e abandonado pelos homens, essa humilhação é um sinal da minha próxima glória e honra na sociedade dos eleitos no céu. Se agora sofro danos e perdas nos meus bens terrenos, essa perda é um sinal do meu ganho futuro, de um tesouro que me espera no céu. Se agora choro de tristeza e angústia, é sinal da minha futura alegria no Céu. Se agora estou doente e fraco, é sinal do futuro bem estar eterno no Céu. Se agora sou obrigado a trabalhar arduamente todos os dias para me sustentar e aos que dependem de mim, é sinal e precursor do futuro repouso eterno no reino dos céus. Por isso, meu Deus, resigno-me à vossa vontade e à vossa providência: com a ajuda da vossa graça, sofrerei tanto tempo, quanto e como quiseres que eu sofra! Por maiores que sejam as minhas tribulações, elas não serão nada em relação às alegrias do céu que me prometeste, 'aguardando a bem-aventurada esperança e a vinda da glória do grande Deus e Nosso Salvador Jesus Cristo'²⁰. Com esta consolação, regozijar-me-ei em todas as minhas provações, esperando o cumprimento dessa bem venturada esperança e a vinda do dia da grande glória do meu Deus e Salvador. 'Eu sei' - direi como Jó - 'que o meu Redentor vive, e que no último dia ressuscitarei da terra... e que na minha carne verei o meu Deus; eu mesmo o contemplarei, meus olhos o verão e esta esperança está guardada em meu peito'²¹. Esta única esperança é o único conforto suficiente para mim. Amém.

15. Discedite a me, maledicti, in ignem aeternum (Mt 25,41).
16. His antem fieri incipientibus, repicite, et levate capita vestra, quoniam appropinquat redemptio vestra (Lc 21,28).
17. Videte ficulneam, et omnes arbores. Cum producunt jam ex se fructum, scitis quoniam prope est aestas. Ita et vos cum videritis haec fieri, scitote quoniam prope est regnum Dei (Lc 29, 30-31).
18. A resolução do Tempus é meae instantânea. Bonum certamen certavi, cursum consummavi, fidem servavi. In reliquo reposita est mihi corona justitiae, quam reddet mihi Dominus in illa die justus judex; non solum autum mihi, sed et iis qui diligunt adventum ejus (2Tm 4, 6-8).
19. Cum igitur haec omnia dissolvenda sint, quales oportet vose esse in sanctis conversationibus et pietatibus, exspectantes et properantes in adventum diei Domini. Novus vero caelos, et novam terram secundum promissa ipsius expectamus. Propter quod, carissimi, haec exspectantes, satagite immaculati et inviolati ei inveniri in pace (2 Pd 3, 11-14).
20. Sobrie, et juste, et pie vivamus in hoc saeculo; expectantes beatam spem, et adventum gloriae magni dei, et Salvatoris nostri Jesu Christi (Tt 2, 12-13).
21. Scio enim quod Redemptor meus vivit, et in novissima die de terra surrecturs sum….et in carne mea videbo Deum meum. Quem visurus sum ego ipse, et oculi mei conspecturi sunt; reposita est haec spes mea in sinu meo (Jó 19, 24-25).

(Excertos da obra 'Sermons on the Four Last Things' - Sermon 27, do Rev. Francis Hunolt /1694 -1746/, tradução do autor do blog)