terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

SOBRE O PECADO DA OMISSÃO

A omissão é o pecado que com mais facilidade se comete e com mais dificuldade se conhece; e o que facilmente se comete e dificultosamente se conhece, raramente se emenda. A omissão é um pecado que se faz não fazendo; e pecado que nunca é má obra, e algumas vezes pode ser obra boa, ainda os muito escrupulosos vivem muito arriscados em este pecado.

Estava o Profeta Elias em um deserto metido em uma cova, quando lhe apareceu Deus e lhe disse: 'E bem Elias, vós aqui?' — 'Aqui, Senhor! Pois aonde estou eu? Não estou metido em uma cova? Não estou retirado do mundo? Não estou sepultado em vida? E que faço eu? Não me estou disciplinando, não estou jejuando, não estou contemplando e orando a Deus?' Assim era, pois se Elias estava fazendo penitência em uma cova, como o repreende Deus e isso lhe estranha tanto? Porque ainda que eram boas obras as que fazia, eram melhores as que deixava de fazer. O que fazia era devoção, o que deixava de fazer era obrigação. Tinha Deus feito a Elias profeta do povo de Israel, tinha-lhe dado ofício público; e estar Elias no deserto, quando havia de andar na corte; estar metido em uma cova, quando havia de aparecer na praça; estar contemplando no Céu, quando havia de estar emendando a terra, era mesmo grande culpa.

A razão é fácil de entender porque, no que fazia Elias, salvava a sua alma; no que deixava de fazer, perdiam-se muitas. Não digo bem: no que fazia Elias, parecia que salvava a sua alma; no que deixava de fazer, perdia a sua e as dos outros: as dos outros, porque faltava à doutrina; a sua, porque faltava à obrigação. É muito bom exemplo este para a corte e para os presbíteros que tomam a ocupação por escusa da salvação. Dizem que não tratam de suas almas, porque se não podem retirar. Retirado estava Elias e perdia-se; mandam-no vir para a corte para que se salve. Não deixe o presbítero de fazer o que tem por obrigação e pode ser que se salve melhor em um conselho do que em um deserto. Tome por disciplina a diligência, tome por cilício o zelo, tome por contemplação o cuidado e tome por abstinência o não tomar, e ele se salvará.

Mas porque se perdem tantos? Os menos maus perdem-se pelo que fazem, que estes são os menos maus; os piores perdem-se pelo que deixam de fazer, que estes são os piores: por omissões, por negligências, por descuidos, por desatenções, por divertimentos, por vagares, por dilações, por eternidades. Eis aqui um pecado de que não fazem escrúpulo os presbíteros e um pecado por que se perdem muitos. Mas percam-se eles embora, já que assim o querem; o mal é que se perdem a si e perdem a todos, mas de todas estas omissões hão de dar conta a Deus.

(Excertos do 'Sermão do Primeiro Domingo do Advento', do Padre Antônio Vieira)