terça-feira, 21 de abril de 2015

ROSÁRIO DA ALMA SACERDOTAL (V)


DÉCIMO PRIMEIRO MISTÉRIO: O NOVO HOMEM

Nosso Senhor, ao morrer, não tinha figura nem beleza. Desde a planta dos pés até a cabeça não tinha um lugar são. Seus ossos estavam todos des­locados, seu sangue derramado, seu coração desfalecido. Então morreu; mas na morte levantou-se o novo filho do homem. A humilhação trouxe a vitória. Da noite e da escuridão, Ele ressurgiu: A Luz para a luz.

Eis o Primeiro Mistério Glorioso: a ressurreição de Nosso Se­nhor. Os sacerdotes imitam a Nosso Senhor. No compatimur de suas vidas e de seus ministérios, está encerrado o conglorificemur, assim como a frutificação está contida na semente. Começa então uma festa pascal para a alma. Para compreendermos esta páscoa do novo homem, meditemos o 1.° mistério glorioso: a ressurreição de Nosso Senhor! Ele ressurgiu dos mortos: no 3.° dia; pelo próprio poder e pela própria força; com as chagas resplandecentes e luminosas; para prova de sua divina missão.

No 3.° dia

'Destruí este templo', disse Cristo, Nosso Senhor. Assim aconteceu, as ruínas jaziam no mo­numento de pedras, no sepulcro. Os fariseus alegravam-se, os discípulos choravam, mas esperavam também. Veio o terceiro dia. Os raios matutinos do sol tocaram os mon­tes; e o edifício levantou-se, mais belo do que antes. Cresceu e cresceu tanto que até exce­deu o sepulcro. Cristo ressurgiu. O templo de Deus sobressai, como o templo dos judeus sobressaiu outrora bem alto sobre os telhados de Sião. Ele é visto per­feitamente, mas não se confiando quase a seus próprios olhos. 

Porque então tememos morrer para o mun­do? Subjuguemos e destruamos o velho homem. Deus formará em breve espaço de tempo o novo Adão, repetir-se-á o milagre da ressurreição. Por acaso não verificamos isto mesmo em muitas vidas de santos? Diversos, tendo começado muito tardiamen­te, galgaram rapidamente, contra todas as expectativas, as luminosas culminâncias da santi­dade; o motivo desta rapidez estava no rápido morrer a si próprios. Quanto mais profunda a nossa Passio, quanto mais resoluto o desfazermo-nos de nós mesmos, tanto mais cedo madrugará a aurora da nossa Páscoa.

Pelo próprio poder e pela própria força

Data est mihi omnis potestas in celo et in terra. Foi-me dado todo o poder no céu e na terra (Mt 28, 18), até mesmo no sepulcro. Sim, para Cristo havia uma noite na qual podia operar: a noite do sepulcro. E ele operou: a sua alma voltou para o sacrossanto corpo e chamou-o à vida. Ele acordou a si mesmo, ressurgiu dos mortos: o maior milagre da oni­potência. 

Que pequeninos, que diminutos estamos nós sacerdotes na presença de um tal mestre e taumaturgo! Certo que Cristo depositou grandes poderes nas nossas mãos: podemos chamar, à vida da graça, os mortos espiritualmente. Mas tratando-se da própria alma, isto é, de se con­duzir a si próprio de um estado de sonolência a um íntimo comércio com Nosso Senhor, então não se percebe a onipotência, mas a fraqueza. Sim, confessemo-lo humildemente: só com o au­xílio da graça chegaremos à perfeita abnegação de nós mesmos.

Com as chagas resplandecentes e luminosas

Como um herói, Jesus saiu do sepulcro. Era mais belo do que todos os filhos des­ta terra. Não se via em seus olhos a morte pálida e nem a putrefação em seu corpo. Circundado de uma celestial candura, pairava luminoso por cima do sepulcro. Os sinais de seus sofrimentos eram transformados em cicatrizes gloriosas; uma luz brilhantíssima e radiosa perpassava o fino e cristalino corpo.

Alia claritas solis, alia claritas lunae, et alia claritas stellarum — Uma é a claridade do sol, outra a claridade da lua, outra a claridade das estrelas (I Cor 15, 41). Nunca porém um astro resplandeceu tanto e tão claro como a estrela de Jacó. Apagou-se pálida, apenas enrubescida de sangue, por detrás do Gólgota; levantou-se, depois, em nunca vista exuberância e beleza infinita, na manhã da Páscoa. 

Como estrelas, luzem os sacerdotes por en­tre a tristeza cotidiana da vida terrena e o afã. Mostram aos homens os caminhos. Depois, porém, desfalecem pálidos e desfei­tos debaixo do sepulcro; mas só por anos. Levantam-se novamente. A imagem do sacerdote transforma-se em uma imagem do céu, mais brilhante do que antes. O seu sinal característico da ordem resplandece por toda parte, para longe. Os trabalhos, fatigantes e cheios de sofrimentos, da vinha do Senhor deixaram sinais inextinguíveis e reluzentes. Como troféus, Ele os leva em seu corpo glorioso. Ó bela e encantadora recompensa sacerdotal! Sic honor abitur.

Para prova de sua divina missão

As palavras ensinam, os fatos convencem. Muitas das palavras de Nosso Senhor caíram sobre pedras. Não se cria em sua divindade, ainda que a sua doutrina transpirava o sopro de Deus. Quan­do, porém, o Redentor, o Verbo feito carne, caíra no rochedo do Gólgota, quando ao de­pois saiu da semente, cresceu e se levantou para uma nova vida, aí então caiu dos olhos de muitos judeus o véu que lhes tapava os olhos. 'Verdadeiramente este homem era o filho de Deus' (Mc 15, 13); assim se disse de­pois da ressurreição mais ainda do que depois da morte. Conversões inúmeras, de multidões incalculáveis, eram a consequência.

Nada prova mais que o Espírito Divino está operando pelo sacerdote do que a ressurreição, do sepulcro, do velho homem. Isso abre os olhos do mundo. Quando o mundo vê o desprezo de si mesmo, e o espírito de sacrifício, e o amor, e a humildade, e a vida interior, então ele se encontra com um elemento divino. O mun­do respeita e venera tais sacerdotes. Ele vê neles algo de novo e extraordinário, isto é, o cunho da santidade e da nobreza do sobrenatural. É uma prova para o mundo da grandeza interior, da sublimidade e santidade que secretamente habitam nestas almas sacerdotais. O mundo crê em tais homens e lhes dá inteira e completa confiança.


DÉCIMO SEGUNDO MISTÉRIO: QUERO SEGUIR O AMADO ATÉ ÀS ALTURAS!


O pensamento do céu entrelaça-se intima­mente com a vida mortal do Redentor pois, como Deus, jamais Jesus abandonou a habita­ção do seu eterno Pai. Como seria possível a Jesus esquecer aquele paraíso, sendo hipostaticamente unido à divindade com a sua humana natureza?! Não viu Ele por acaso o céu sempre aberto? os an­jos a descerem e subirem (I Jo, 51). À Sua vida pois era um contínuo pensamento e uma prolongada saudade do céu. 

Até a cruel e cruenta passio era perpassada por fios de ouro de ininterrupta contemplação, até que a própria ascensão levantou o seu corpo e a sua alma àquelas sacrossantas alturas, onde sempre já tinha permanecido o seu espírito. Direção para o céu tomará também a vida sacerdotal, se ela represen­tar uma verdadeira e total imitação de Cristo Nosso Senhor. Qual a forma que tomará esta direção da alma e da nossa vida, isso nos indica o 2°. mistério glorioso, pois a ascensão de Nosso Se­nhor efetuou-se: quarenta dias depois da sua ressurreição; do Gólgota e diante dos Apóstolos.

Quarenta dias depois da sua ressurreição

Pouco espaço de tempo! Jesus já não era, como antes, deste mundo; logo também não mais para este mundo. Após a noite sepulcral, passou o seu ainda terreno corpo por uma grande transformação. Estático, espiritualizado, mais lu­minoso que o sol, voltou Ele para a luz. A pobre figura de servo desapareceu. Assim o Redentor sobreexcedeu a humanidade. Cresceu por cima da humanidade e entrou para aquele mundo que chamamos a pátria dos bem aventurados. Por isso Jesus não pertencia mais ao mundo. Somente quarenta dias permaneceu no mundo, ora aparecendo aos discípulos, ora às santas mulheres, dando ordens, organizando, constituindo a sua igreja. Então dei­xou o mundo e voltou para o Pai.

Tão depressa talvez não, mas mais rapidamente porém do que muitos julgam, tomamos o caminho para as alturas, quando o espírito e a gra­ça dominam e iluminam o homem, quando se inicia em nós a ressurreição espiritual. Sim, logo que começa a vida interior, pura, sem mácula, começam também os pensamentos a voar para o céu. Ó quão depressa podería­mos nós levar uma vida celeste! Quase sem se perceber, a alma em pouco e bem curto espaço de tempo separa-se desta terra vivendo então só em paragens mais elevadas. Aí então a alma acha-se como em sua pátria.

Do Gólgota!

O In monte Oliveti ressoa em tom triste e lúgubre nos ofícios de trevas na Semana San­ta. Ouvimos com estas três palavras o grito de angústia de Nosso Senhor retumbar pela noite silenciosa; vemos o Homem-Deus na sombra das vetustas oliveiras do Getsêmani ajoelhado, e brilhar, em todo o seu corpo, o precioso sangue que brota entre as mais acerbas dores e agruras da vida. É o começo da Paixão. Neste mesmo sitio a paixão deu lugar à ascensão.

São Lucas conta dos Apóstolos: Reversi sunt a monte qui vocatur Olive­ti (At 1, 12). A ascensão, pois, deu-se no Gólgota. Esse venerável monte, de uns oitocentos metros de altura, viu o Redentor descer às profundezas do mais completo abandono, mas viu-O também desaparecer nas nuvens. Como vencedor dos sofrimentos e da morte, olha Jesus das alturas para o Jardim das Oliveiras. Quem poderá compreender as alegrias inefáveis de nosso Salvador?!

Quem jamais poderá medir a felicidade que sente um sacerdote, quando, após trabalhosa edu­cação de si mesmo, se elevou além do terreno para o eterno que encanta e espiritualiza? Provou os sacrifícios do múnus sacerdotal, teve o seu bem duro 'Getsêmani', estava sempre pronto a sacrificar toda sua vida para o serviço de Deus Nosso Senhor, verter até, por seu amor, se fosse preciso, o sangue todo. 

A 'via dolorosa' de sua regra de vida era para ele o mais agradável pas­seio. Este sacerdote estava crucificado para o mundo e o mundo nele; por isso elevou-se do 'monte Olivete', do lugar de sua operosidade tão fecunda em sofrimentos, com alma e coração para o céu. Lá, onde estava a sua igreja e seu presbitério, lá, onde tantas vezes se entregou completa e inteiramente à vontade de Deus, foi também o monte de onde partia para o céu. O mesmo lugar viu também a sua vida íntima, sua vida de alma, sua vida de graça, tão bela, tão rica, tão separada do mundo, tão interior!

Diante dos Apóstolos

Os Apóstolos tinham já o costume de ver mi­lagres. Observaram grandes sinais e extraordinários milagres na vida de seu Divino Mestre: os que Ele fez no mar, junto dos sepulcros, no meio dos doentes, durante a sua paixão. Apesar de tudo isso, ficaram como absortos e petrificados quando o Senhor se elevou e se afastou de seus olhos. Esta cena tão única em seu gênero, produzindo nos Apóstolos estupefação e dor e saudade ao mesmo tempo, os sub­jugava. Seus olhares estavam fixos no amigo querido e amado. Já desaparecera de suas vis­tas, mas contudo ainda olhavam fixamente para o alto. 'Homens de Galileia, porque estais aqui olhando para o céu?' (At 1, 11). Era o mestre querido desaparecido por entre as nu­vens, podiam acaso esquecê-lo?

Como é natural, os homens elevam o olhar desta terra imunda para as alturas tão lim­pas e puras, contemplando sacerdotes que repre­sentam uma ascensão da alma. Sacerdotes, cujo viver está no céu, operam para os seus paroquianos como operou o Redentor na sua gloriosa ascensão para os discípulos. Estes sacerdotes são um vivo Sursum cor­da para os fieis. Afastam o espírito de seus paroquianos dos prazeres deste mundo efêmero, da sensualidade e de todo pecado, de todo vão amor, terreno e temporal. Homens desta qualidade são uma verdadeira bênção para as paróquias. Quan­do morrem e trilham então o caminho para a eternidade, para onde seu espírito e seu olhar durante a vida sempre convergiram, então mui­tos e muitos lhe seguem com os olhos, tendo nos corações saudade da celeste pátria, saudade do céu.

(Excertos da obra 'A Pérola Preciosa', do Pe. Wendelin Meyer, trad. de Alberto Kolb)