segunda-feira, 15 de abril de 2013

AS MARAVILHAS DA GRAÇA DE DEUS

'A graça de Deus é um clarão da bondade divina que, vindo do céu à alma, enche-a, até as profundezas, de uma luz, a um tempo tão suave e poderosa, que encanta ela própria o olhar de Deus; transforma-se em objeto de Seu amor e se vê adotada como filha e esposa, para ser elevada sobre todas as possibilidades de sua natureza. E assim, junto de Deus e do Filho divino, participa da natureza divina, de sua vida, de sua glória e recebe por herança o reino de sua felicidade eterna.

Ensina-nos São Tomás na Suma Teológica que o mundo inteiro, com tudo que contém, vale menos aos olhos divinos que um só homem em estado de graça. Santo Agostinho vai ainda mais longe e afirma que o céu e todos os coros dos anjos não lhe podem comparar. Deveria o homem sentir-se mais reconhecido a Deus pela menor graça recebida do que se recebesse a perfeição dos espíritos puros ou o domínio dos mundos celestes.

Estremecemos quando se obscurece o sol por um momento, quando um terremoto devasta uma cidade, quando uma epidemia ceifa homens e animais. E, entretanto, algo de imensamente mais terrível e mais triste repete-se a cada dia sem nos fazer comover: o fato de tantos homens perderem continuamente a graça de Deus, e desprezarem as ocasiões mais favoráveis para alcançá-la ou aumentá-la.

É de toda evidência que pouco amamos a nossa verdadeira felicidade, e mal reconhecemos o amor infinito com que Deus nos cerca e os tesouros que nos oferece... A causa de tão deplorável desprezo vem dos nossos sentidos fornecerem uma ideia por demais elevada dos bens perecíveis o nosso conhecimento dos bens eternos ser excessivamente superficial.

Dizia Santo Agostinho: 'Segundo as palavras do Salvador, céus e terra passarão, permanecerão, porém, a salvação e a justiça dos eleitos, pois contém os primeiros as obras de Deus e os segundos a própria imagem de Deus'. São Tomás nos ensina ser coisa mais grandiosa a volta do pecador à graça do que a criação do céu e da terra. É que esta última obra termina-se em criaturas contingentes, ao passo que a graça nos leva a participar da natureza imutável de Deus. Quando Deus criou as coisas visíveis, construía uma morada para Si; quando dá ao homem uma natureza espiritual, povoa de servos sua mansão; quando lhe confere, porém, a graça, adota-o em seu seio, torna-o seu filho, comunica-lhe sua vida eterna.

Em uma palavra, a graça é um bem sobrenatural, já que nenhuma criatura criada pode possuir por si, já que ela é possuída apenas pela natureza divina. Tanto é assim, que a maioria dos teólogos sustenta que Deus, apesar de sua onipotência, não poderia criar um ente ao qual, por sua própria natureza, corresponda a graça, e chegam a afirmar que se tal criatura realmente existisse, não se distinguiria de Deus.

A isso acresce o que tem, com tanta clareza e frequência, ensinado a Igreja: nenhuma criatura traz em si o germe da graça. Como observou Santo Agostinho, a natureza relaciona-se com a graça, como a matéria inanimada com o princípio vital... Somente Deus, em sua bondade, pode concedê-la, na glória do Seu poder, envolvendo a natureza em Sua virtude divina. 

A graça supera todas as coisas criadas, como o próprio Deus, visto não ser outra coisa que a luz sobrenatural que, das profundezas da divindade, se derrama sobre a criatura racional... Elevemos, pois os nossos olhares a tais tesouros ... Ainda que possuíssemos todos os dons da natureza, ouro, prata, poder, fama, ciência, artes, todas essas riquezas se desvaneceriam diante da graça, como um monte de terra ao lado de uma pedra preciosa. E, pelo contrário, embora pobres em tudo, a graça de Deus nos faz, por si só,   mais ricos que todos os reis deste mundo ... A inconcebível distância que medeia entre a graça e os bens da natureza não só nos deve impedir de perder aquela pelo pecado mortal, mas há ainda de incitar-nos a praticar com diligência as virtudes que aumentam a graça em nós.' 

(Excertos da Obra: 'As maravilhas da graça divina' de M.J.Scheeben, Ed. Vozes, 1952).