sexta-feira, 13 de setembro de 2024

ORAÇÃO PARA INVOCAR O SANTO NOME DE MARIA


Ó Mãe de Deus e minha Mãe Maria, eu não sou digno de pronunciar o vosso nome; mas Vós que desejais e quereis a minha salvação, concedei-me, ainda que a minha língua não seja pura, a graça de vos poder invocar em meu auxílio, pelo vosso santo e poderoso nome, que é auxílio na vida e salvação na morte.

Ó Doce Virgem Maria, fazei que o vosso nome seja, de hoje em diante, o sopro da minha alma; não tardeis, Senhora, em me socorrer todas as vezes em que eu vos invocar; em todas as minhas tentações  em todas as minhas necessidades, quero invocar sem cessar o vosso nome: Maria!

Assim espero fazer em toda a minha vida mas, sobretudo, na última hora; louvar sempre no céu o vosso amado nome: ó clemene, ó piedosa, ó doce Virgem Maria! Com alento, com doçura, com confiança, com ternura, quero vos chamar pelo nome e pensar em vós!

Agradeço a Deus que nos concedeu a graça deste nome tão suave, tão sublime e tão poderoso. Senhora, não me contentarei apenas em pronunciar o vosso nome; quero que o vosso amor me lembre que eu preciso vos chamar a todo momento; e que eu possa sempre exclamar como Santo Anselmo: 'Ó santo nome da Mãe de Deus, vós sois o meu amor!'

Que os sagrados nomes de Jesus e de Maria vivam sempre no meu coração e no coração de todos os homens; que a minha mente possa esquecer todos os nomes, e se lembre apenas de invocar sempre os sagrados nomes de Jesus e de Maria!.

Jesus, meu Redentor; Maria, minha Mãe; na hora extrema de deixar esta vida, dai-me então a graça de vos invocar, dizendo: 'Eu vos amo, Jesus e Maria; Jesus e Maria, eu vos dou o meu coração e a minha alma'.

(Santo Afonso Maria de Ligório)

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

AS 15 PERFEIÇÕES DA VIDA ESPIRITUAL

Primeira: a clara e perfeita manifestação dos seus defeitos e fraquezas.

Segunda: uma ira grande e ardente contra as más inclinações e contra os desejos e paixões que repugnam à razão.

Terceira: A terceira, um grande temor pelas ofensas feitas até agora contra Deus, porque não está seguro se há feito bastante satisfação, nem de haver feito as pazes com Deus.

Quarta: um grande temor e tremor de que, por sua fragilidade, podes cair de novo em semelhantes ou maiores pecados.

Quinta: uma rigorosa disciplina e áspera correção para o governo de seus sentidos corporais e para submeter todo seu corpo ao serviço de Jesus Cristo.

Sexta: fortaleza e uma grande paciência nas tentações e adversidades

Sétima: uma confrontação imediata, como a demônio infernal, a toda pessoa ou qualquer criatura que lhe leve, ou que lhe ofereça ocasião, não só para o pecado, senão para qualquer imperfeição da vida espiritual.

Oitava: levar sempre consigo a cruz de Cristo, que tem quatro braços: primeiro, a mortificação dos vícios; segundo, a renúncia aos bens temporais; terceiro, a renúncia aos afetos carnais dos parentes; quarto, o desprezo de si mesmo, a abominação e aniquilamento de si mesmo.

Nona: a doce e contínua recordação dos benefícios divinos que até agora recebeste de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Décima: permanecer dia e noite em oração.

Décima Primeira: deleitar-se e experimentar continuamente as doçuras divinas (Sl 33,9).

Décima Segunda: manifestar um grande e fervoroso desejo de exaltar a nossa fé, para que Jesus Cristo seja temido, amado e conhecido por todos.

Décima Terceira: ter misericórdia e piedade para com o seu próximo em todas as suas necessidades.

Décima Quarta: dar graças continuamente a Deus de todo o coração, e glorificar e louvar em tudo a Jesus Cristo.

Décima Quinta: depois de possuir todas estas perfeições, rezar assim: 'Senhor, Deus meu, Jesus Cristo, nada sou, nada posso, nada valho e sirvo-te muito mal, e em tudo sou um servo inútil' (Lc 17,10).

(São Vicente Ferrer)

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

A BÍBLIA EXPLICADA (XXVI) - O PECADO ORIGINAL


Por que a culpa dos protoparentes torna-se culpa de todos? O antigo israelita que sentia fortemente a solidariedade, mesmo moral, entre os ligados por vínculo sanguíneo, não era atormentado por este problema, demonstrando assim intuir uma realidade que nosso individualismo pode discutir mas não destruir: a saber, a estreitíssima interdependência dos indivíduos em seu ser físico e psíquico. Nossa personalidade é o ponto de encontro de infinitos raios de influência, que começam na vontade de nossos progenitores e chegam até as radiações cósmicas; então é pelo resultado incalculável de inumeráveis causas que somos o que somos, mesmo na inconfundível e irrepetível unidade da pessoa humana.

Entre estas causas, diz-nos a Bíblia, há também o pecado de nosso mais antigo antepassado. Deus poderia ter-nos feito como mônadas absolutamente fechadas a qualquer influxo estranho. Mas então não seríamos homens, seríamos seres de outra estrutura. Nossa estrutura é, ao contrário, a dos seres que são centros de interferências, personalizados por uma alma imortal. 

O conceito católico de Igreja poderá melhor esclarecer-nos sobre os desígnios de Deus relativamente a cada homem. Deus colocou à disposição do homem a elevação ao estado sobrenatural, isto é, o dom da graça santificante que culminará na glória. Ora, são os homens individualmente que atingem êste estado e, no entanto, o dom aparece concedido de modo coletivo. Isto é, cada um alcança a Graça somente pelo fato de se achar inserido, pelo menos virtualmente num organismo suprapessoal, a Igreja, a quem pertence a Graça como coisa própria. Os cristãos não formam uma Igreja pelo fato de estarem unidos ao Cristo, mas, estão unidos a Cristo pelo fato de formarem uma Igreja.

Os Sacramentos e a Liturgia, enquanto vínculos sociais, enquanto ações exteriores que compõem a concatenação da Igreja são, por isso mesmo, os veículos da Graça. A contribuição da vontade pessoal é sem dúvida indispensável, desde o momento em que se torna possível (idade da razão), mas não é essencial, como se infere do batismo das crianças. Entrar a fazer parte da Igreja bem como o próprio subsistir da Igreja, é a resultante de um conjunto de ações interiores e exteriores, das quais o Cristo faz depender seu influxo redentor e vivificante sôbre cada alma. Se, na ordem das causas, o Cristo está em primeiro lugar, todos os outros, desde a hierarquia até os simples fiéis, têm sua responsabilidade e, falhando sua cooperação, a Igreja deixaria de ser como deveria, e muitas almas permaneceriam excluídas.

Este conferir da Graça como dom coletivo à humanidade redimida pelo Cristo é em tudo análogo ao conferir da Graça (e dos privilégios) como dom coletivo a toda humanidade, nos seus primórdios, na pessoa dos progenitores. Aqueles receberam estes dons, não a título de prêmio pessoal, mas a título do bem coletivo de toda a natureza. Bastaria nascer de Adão para, por isso mesmo, ter o dom da Graça, como agora basta estar inserido na Igreja pelo batismo para receber a Graça Cristã. O vínculo que teria ligado toda humanidade, a geração, viria a ser no correr do tempo o canal, a causa da Graça, o vínculo que teria unido cada indivíduo, não apenas aos seus semelhantes, mas também a Deus como fim sobrenatural.

Mas, para que tudo isto não adviesse como algo de fatal, de automático, era conveniente que os primeiros depositários deste dom cooperassem livremente para sua transmissão, bem como, a seu tempo, cada herdeiro deste dom ratificasse livremente — com a fé e as obras — a fortuna que herdou. A culpa pessoal dos progenitores implica a destruição do dom atribuído por Deus como bem coletivo da humanidade, destruição realizada livremente pelos homens que tinham a responsabilidade de transmiti-lo. Assim é que os vínculos da geração não são mais canais da Graça, e a humanidade não é mais, como devia ser, uma única grande Igreja. Deste modo, compreende-se porque o estado de decadência da humanidade seja ingênito em cada um como 'pecado'. Estado de pecado (pecado habitual) é o estado de uma criatura estranha à intimidade com Deus (privação da Graça), por força de uma falta cometida por meio de um ato livre da vontade (ato de pecado).

A grande família humana vai, no seu conjunto, gerando-se em estado de pecado (peccatum naturae), no sentido de que nasce privada da Graça, e esta privação não é apenas um defeito moral, mas subsiste por força do pecado pessoal do progenitor. A minha alma isoladamente, isenta de qualquer responsabilidade individual começou a existir então (e não antes) como parte de um complexo somático e psíquico ligado, por sua vez, sem solução de continuidade, ao resto da família humana. Bem longe de romper esta continuidade biológica e étnica, a alma assumiu-lhe a fisionomia concreta e, com esta, a privação da graça e dos privilégios, e uma tal privação, como encontrada na coletividade dos filhos de Adão, é efeito de uma culpa e, portanto, culpável. 

Ela (a alma) ficou assim ligada a um estado de culpabilidade preexistente, assim como, mais tarde, sendo inserida na Igreja, entrou em comunicação com um estado de Graça preexistente na própria Igreja, por força do Cristo Redentor. Desse modo, pelo pecado original, transmite-se a cada um não apenas uma consequência , ou uma pena pela culpa, mas a própria culpabilidade que recai sobre a natureza globalmente. E, entretanto, a cada um não cabe uma responsabilidade individual, o que seria um disparate. 'Pecado' é o termo que melhor se adapta para exprimir esta realidade inerente a cada homem, pelo próprio fato de sua procedência do primeiro homem e, entretanto, é um termo analógico que não coincide perfeitamente com o sentido dele quando aplicado a um ato pessoal de culpa.

Restaria ainda uma pergunta: por que Deus escolheu um meio coletivo, tanto no caso da elevação da natureza em Adão como no da santificação da Igreja em Cristo, para conferir aos homens estes dons de santificação? Não teria com isso escolhido um meio menos favorável para o indivíduo, que vem assim a depender da responsabilidade dos outros? Respondemos que, sem negar a possibilidade de outras ordens de providência, aquele meio escolhido por Deus parece mais adequado à natureza dos homens.

Uma personalidade, ainda que excepcional, não pode esgotar todas as possibilidades de aperfeiçoamento da natureza humana. O que não é realizado por um é realizado por outro; e, se duas pessoas se acham unidas por uma comunhão de amor, o bem de uma torna-se também o bem da outra. O individualismo, como transposição do indivíduo ao resto da humanidade é também um empobrecimento: o indivíduo afastaria de si todas as riquezas que, por sua natureza, ele não pode possuir inteiramente. Assim como o indivíduo não pode vir à existência sem o concurso de outros, não pode também, muito menos, aperfeiçoar-se por si só. Esta concepção, longe de diminuir a responsabilidade individual, diluindo-a no complexo social, aumenta-a grandemente, tornando cada um responsável também pelos outros.

Se este plano escolhido por Deus teve uma consequência dolorosa no pecado original, não foi contudo impedido o acesso da humanidade ao seu fim último. Este se realiza através de uma via menos aprazível mas não menos gloriosa. A narrativa bíblica deixa uma brecha de esperança — não é definitivo o triunfo alcançado pela serpente — 'Esta (descendente da mulher) te esmagará a cabeça' (Gn 3,15). E esta brecha continuará sempre, alargando-se mais e aclarando-se em sucessivas revelações ('messianismo'), até chegar aquele que dirá: 'Eu sou a ressurreição e a vida' (Jo 11,25), e provocar o clamor da alegria cristã: 'Onde está, ó morte, a tua vitória?' (1Cor 15,35).

(Excertos adaptados da obra 'Páginas Difíceis da Bíblia - Antigo Testamento', de E. Galbiati e A. Piazza)

terça-feira, 10 de setembro de 2024

FRASES DE SENDARIUM (XXXVII)

 

'A verdadeira felicidade está na prática da caridade'

(Dom Bosco)

Será que tua fé é viva, dinâmica, prática no exercício cotidiano da caridade? Será que vives, a cada dia, a plenitude destas palavras profundamente cristãs: sou, estou? Se tudo isso é verdade, és um órfão da Luz e tens um coração inquieto enquanto não repousar em Deus.

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (X)

54. Ó minha alma, humilha-te na lembrança de que existe um Inferno, não o considerando apenas como abstração e nem mesmo como um lugar para o castigo dos pecadores em geral, mas considera-o antes como um lugar especialmente preparado para ti, e merecido por ti mais do que uma vez! Pois lá os orgulhosos serão lançados de cabeça, e eu deveria estar lá com eles neste momento, eternamente insultado e atormentado por demônios, se não tivesse sido preservado de lá pela misericórdia de Deus.

Milhões de anjos foram ali aprisionados para sempre por terem cometido um único pecado - o orgulho - e isso apenas em pensamento. Ah, minha alma, continua assim no teu orgulho e na tua falsa autoestima, guardando as tuas próprias susceptibilidades e alheia aos direitos dos outros, e serás destinada ao Inferno; esse lugar de tormento te espera e, lá neste abismo, o teu orgulho será realmente humilhado. Tu, que agora te deleitas com os teus próprios pensamentos orgulhosos, serás aí lançada nas chamas do fogo, e quem agora deseja estar acima de tudo, estará então abaixo de tudo. Pois lá embaixo terás de enfrentar um Deus que tem um ódio infinito pelos orgulhosos e está infinitamente irado com eles. 

E assim como é verdade que os humildes serão exaltados no Céu, também é verdade que os orgulhosos serão humilhados e lançados no Inferno. 'E o rico também morreu' - assim escreve São Lucas sobre um homem orgulhoso que estava 'vestido de púrpura e linho fino'. E o rico morreu - o fim de toda a humanidade e vaidade; e 'foi sepultado no inferno' [Lc 16,22]  - o fim de todo o orgulho. O túmulo é o fim do homem; o inferno é o fim dos soberbos.

55. Mas, acima de tudo, o pensamento da eternidade deve manter-nos humildes. Se eu me enganar na prática da humildade neste mundo, dando lugar aos outros, sei que o meu erro é pequeno, porque tudo o que é inferior acaba depressa; mas se me engano a mim próprio, vivendo num orgulho imprudente, o meu erro é grande, porque durará toda a eternidade. Mas mesmo que esteja a viver em humildade, devo ainda assim temer, porque nunca posso ter a certeza se essa humildade que penso possuir é verdadeira ou não; quanto mais devo temer se estiver a viver em orgulho aaim tão explícito? 

Assim seja, ó minha alma! Satisfaz todos os teus desejos orgulhosos: sê estimada, louvada e honrada por todo o mundo; possuí conhecimento, riquezas e prazeres sem adversidade, sem oposição, sem quaisquer obstáculos que te perturbem ou refreiem as tuas paixões viciosas. E depois? E depois? Rogo-te que imites o orgulhoso Nabucodonosor, que, mesmo na plenitude do seu poder, pensava 'no que viria a acontecer depois' [Dn 2,29]. Tudo o que tem fim é vaidade; e nós estamos condenados a entrar na eternidade que não tem fim; portanto, qual será o fim da vaidade e do teu orgulho? A mais ignominiosa humilhação e as mais amargas lamentações que durarão para todo o sempre.

Deste lado da sepultura todas as coisas passam; mas do outro lado o que será de mim? - Quid futurum post hæc? Não penso nisso; e, para dizer a verdade, é por isso que sou dominado pela vaidade, porque penso tão pouco na eternidade. O rei Davi era muito humilde de coração porque estava cheio de pavor da eternidade: 'E medito de noite no meu coração: Será que Deus me rejeitará para sempre?' [Sl 76,7-8]. Sempre que o mundo te oferecer honras, fama e prazeres, lembra-te, minha alma, de dizer para ti mesma: E depois? E depois? - 'Lembra-te dos que te precederam' [Eclo 41,5]. Quantos daqueles que se destacavam entre os orgulhosos deste mundo venceram o orgulho e adquiriram humildade por um único pensamento sério sobre a eternidade! As palavras do profeta sempre foram e sempre serão verdadeiras: 'Levantando-se [Deus], sacode ele a terra, olha e faz tremer as nações. Deslocam-se as montanhas eternas, desfazem-se as colinas antigas, e lhe abrem amplos caminhos!' [Hab 3,6].

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)

domingo, 8 de setembro de 2024

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Bendize, ó minha alma ao Senhor. 
Bendirei ao Senhor toda a vida!' (Sl 145)

Primeira Leitura (Is 35,4-7) - Segunda Leitura (Tg 2,1-5) -  Evangelho (Mc 7,31-37)

  08/09/2024 - VIGÉSIMO TERCEIRO DOMINGO DO TEMPO COMUM

41. 'EFATÁ!'


No Evangelho deste domingo, Jesus em pregação encontra-se em terras estrangeiras, em meio aos pagãos, depois de passar pela Sidônia e atravessar 'a região da Decápole' (Mc 7, 31). Mas, mesmo ali, já eram conhecidos o seu poder e as curas milagrosas que realizava. E, assim, alguns daquela região, inclinados a receber com alegria a doutrina do Mestre, trouxeram à sua presença um homem surdo e que balbuciava palavras com grande dificuldade para que Jesus 'lhe impusesse a mão' (Mc 7, 32), gesto que traduzia concretamente o poder de cura de um grande profeta.

Jesus, entretanto, não vai fazer tal gesto, segundo o costume antigo. Afastando-o da multidão que os cercava, Jesus vai manifestar a sua condição humana e divina como médico do corpo físico mas, e principalmente, de almas. Fisicamente, vai usar o tato para acessar o doente: 'colocou os dedos nos seus ouvidos, cuspiu e com a saliva tocou a língua dele' (Mc, 7,33). E, para confirmar que a cura dos males humanos, físicos ou espirituais, procede apenas de Deus, Jesus, em unidade com o Pai 'olhando para o céu' (Mc 7, 34), vai dizer: 'Abre-te!' (Mc 7, 34) e, somente então, o homem curado passa a falar e ouvir sem quaisquer dificuldades. Jesus recomenda a todos para que não se servissem do fato como história a ser contada, para nos advertir que ninguém nunca se ufane pessoalmente pela realização de uma obra ou de uma cura, que nasce e se dá exclusivamente pela graça de Deus.

De forma muito semelhante, Jesus curou o cego de nascença moldando o barro do chão (Jo 9, 1 - 7); Jesus nos cura dos males físicos e espirituais moldando a argila frágil da natureza humana, pelo cinzel da graça e do amor de Deus. Ao se debruçar até o pó, nos dá ciência de que conhece a nossa imensa fragilidade; ao proclamar sua divindade, nos conforta de que somos os herdeiros da divina misericórdia: 'Criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é vosso Deus, é a vingança que vem, é a recompensa de Deus; é Ele que vem para vos salvar' (Is 35, 4).

O 'Efatá' pronunciado por Jesus junto aos ouvidos e à boca do surdo-mudo, deve ressoar, com amplitude crescente, no coração de cada homem, para que todos se abram às palavras de salvação, para que a nossa voz não se quede silenciosa diante da verdade ultrajada, para que corações e mentes não se cauterizem insensíveis aos apelos da graça! Como sal da terra e luz do mundo, somos destinados a sermos reflexos diretos da Luz de Cristo no mundo para a cura de muitos homens e para honra e glória de Deus.

sábado, 7 de setembro de 2024

O MILAGRE EUCARÍSTICO DE AVIGNON

Avignon, cidade situada na região sul da França e cortada pelo rio Ródano, é a única cidade que recebeu oficialmente o papado fora de Roma em toda história. Disputas pelo poder envolvendo o rei francês Filipe IV, levaram o papado para a França. O período histórico de 1309 a 1377 ganhou o nome de Papado de Avignon e esta permanência dos papas na região provençal constitui um dos períodos mais conturbados da história da Igreja. Foram sete papas franceses em um período de 68 anos.

Desde o século XII, a região do sul da França era cenário do desenvolvimento intenso de um dos maiores movimentos heréticos da Idade Média, o chamado catarismo ou heresia albigense, que negava a existência de um único Deus e a presença real de Cristo na sagrada eucaristia, propagando a salvação fundamentada apaenas no conhecimento direto de Deus.

Para celebrar a vitória da Igreja contra a heresia albigense, o então rei Luís VIII fez construir a Capela de Santa Cruz, em honra ao Santíssimo Sacramento. Mais ainda, promoveu e participou ativamente de uma procissão ao Santíssimo Sacramento que percorreu várias ruas da cidade e foi encerrada na capela recém-construída, durante a Festa da Exaltação da Santa Cruz em 14 de setembro de 1226. Desde então, teve início a adoração perpétua do Santíssimo Sacramento nesta igreja e, para a salvaguarda dessa devoção, foi instituída a chamada Confraria Real dos Penitentes Cinzentos de Avignon.


Cerca de duzentos anos depois, no final de novembro de 1433, a região foi assolada por chuvas torrenciais que produziram cheias históricas do rio Ródano e a inundação completa das áreas ao seu redor. As águas subiam sem parar e os penitentes da confraria, responsáveis pela devoção eucarística na Capela de Santa Cruz, temeram fortemente pela inundação da igreja. Dois membros da confraria decidiram, então, acessar a igreja por barco e resgatar a custódia contendo o Santíssimo Sacramento antes do pior. Diante deles, entretanto, a situação era bem mais crítica, pois uma muralha de água de quase 1,8m de altura já submergia o local e a própria porta frontal do templo.

Ao adentrarem na igreja, porém, os dois religiosos foram tomados por um estupor sem tamanho: à semelhança da partição das águas do Mar Vermelho, as águas da enchente conformavam dois paredões laterais próximos às paredes internas do templo, mantendo irretocavelmente seco o espaço central da igreja situado desde a porta frontal até o altar, conservando-se intacta, assim, a custódia contendo as hóstias consagradas da ação da enchente.


Após prostarem-se em oração e jubilosos com tal milagre, recolheram o Santíssimo e o conduziram a uma outra igreja em terreno mais elevado e protegido da inundação. A notícia do milagre espalhou-se rapidamente e centenas de pessoas foram testemunhas dele. A confraria franciscana instituiu a celebração do milagre desde então na capela, todos os anos, no dia de Santo André Apóstolo, 30 de novembro. Neste dia, antes da bênção do Santíssimo Sacramento, canta-se ali o Cântico que Moisés teria composto após a travessia do Mar Vermelho (Ex 15, 1-18):

'Cantarei ao Senhor, porque ele manifestou sua glória. Precipitou no mar cavalos e cavaleiros. O Senhor é a minha força e o objeto do meu cântico; foi ele quem me salvou. Ele é o meu Deus – eu o celebrarei; o Deus de meu pai – eu o exaltarei. O Senhor é o herói dos combates, seu nome é Javé. Lançou no mar os carros do faraó e o seu exército; a elite de seus combatentes afogou-se no mar Vermelho; o abismo os cobriu; afundaram-se nas águas como pedra. A vossa (mão) direita, ó Senhor, manifestou sua força. Vossa direita aniquilou o inimigo. Por vossa soberana majestade derrotais vossos adversários; desencadeais vossa cólera, e ela os consome como palha. Ao sopro de vosso furor amontoaram-se as águas; levantaram-se as ondas como muralha, solidificaram-se as vagas no coração do mar. Dizia o inimigo: perseguirei, alcançarei, repartirei o despojo, satisfarei meu desejo de vingança, desembainharei a espada, minha mão os destruirá. Ao sopro de vosso hálito o mar os sepultou; submergiram como chumbo na vastidão das águas. Quem entre os deuses é semelhante a vós, Senhor? Quem é semelhante a vós, glorioso por vossa santidade, temível por vossos feitos dignos de louvor, e que operais prodígios? Apenas estendestes a mão, e a terra os tragou. Conduzistes com bondade esse povo, que libertastes; e com vosso poder o guiastes à vossa morada santa. Ao ouvir isso, estremeceram os povos. Um pavor imenso apoderou-se dos filisteus; os chefes de Edom ficaram aterrados; a angústia tomou conta dos valentes de Moab; tremeram de medo todos os habitantes de Canaã. Caíram sobre eles o terror e a angústia, o poder do vosso braço os petrificou, até que tivesse passado o vosso povo, Senhor, até que tivesse passado o povo que adquiristes para vós. Vós o conduzireis e o plantareis na montanha que vos pertence, no lugar que preparastes para vossa habitação, Senhor, no santuário, Senhor, que vossas mãos fundaram. O Senhor é rei para sempre, sem fim!'.