segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

BREVIÁRIO DIGITAL - ICONOLOGIA CRISTÃ (III)

A imagem da Sagrada Família, composta pela presença da Virgem Maria, São José e o menino Jesus é bastante conhecida e venerada pelos cristãos.

Embora esta imagem tenha sido pintada por grandes mestres tanto do Ocidente quanto na iconografia ortodoxa e bizantina, este ícone é ainda motivo de polêmica e questionamento. Tal polêmica busca confrontar a representatividade desta imagem familiar, no sentido de que a iconologia ortodoxa não entende São José como o chefe de uma 'Sagrada Família' (o que, nessa interpretação equivocada,  implicaria diretamente em uma percepção enfraquecida da virgindade de Maria), mas apenas como o guardião providencial da Mãe de Deus e do seu Divino Filho. Neste contexto, o apequenamento de São José seria essencial para se compreender a dimensão maior da hierarquia divina da Sagrada Família. Tal visão distorcida confronta-se com a própria natureza e significado da iconografia cristã.


Com efeito, os ícones repreesentam imagens de Nosso Senhor Jesus Cristo, de Nossa Senhora e Mãe de Deus, dos Santos Anjos e dos Homens Santos e Veneráveis. Por meio desta representação por imagens, somos incitados a contemplá-los, a lembrarmo-nos deles como modelos, como objetos de nosso amor e louvor e veneração, e não a verdadeira adoração que, segundo a nossa fé, convém apenas à natureza divina, porque a honra dada à imagem vai direta ao seu modelo e aquele que venera um ícone venera a pessoa que se encontra nele representada. Nestes termos, tem-se como óbvio que tal polêmica, mais do que infantil e distorcida, é absurdamente ímpia no sentido de se buscar impor, como premissa, o apequenamento de São José (a ponto de não se aceitar a sua inserção na representação na família de Nazaré) para a elevação (mais do que conhecida) do papel da Mãe de Deus e do seu Divino Filho no plano da salvação e redenção da humanidade.

domingo, 16 de fevereiro de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

  

'É feliz quem a Deus se confia!' (Sl 1)

Primeira Leitura (Jr 17,5-8) - Segunda Leitura (1Cor 15,12.16-20) -  Evangelho (Lc 6,17.20-26)

  16/02/2025 - SEXTO DOMINGO DO TEMPO COMUM 

O SERMÃO DA MONTANHA


O chamado 'Sermão da Montanha', conjunto de proposições expostas por Jesus naquele tempo a uma 'grande multidão de gente de toda a Judeia e de Jerusalém, do litoral de Tiro e Sidônia' (Lc 6, 17) contempla, de forma admirável, a síntese do Evangelho e da doutrina cristã como legado do Reino dos Céus aos homens de todos os tempos.

O primado desta herança aos homens de todos os tempos se impôs quando o Senhor, diante da enorme multidão, volveu o seu olhar divino aos Apóstolos, antes de proferir as bem-aventuranças que expressam os preceitos e as virtudes que nos santificam e nos tornam herdeiros do Reino dos Céus. Na prática do amor e na busca da perfeição cristã, eis o legado de nossa santificação: 'Bendito o homem que confia no Senhor, cuja esperança é o Senhor' (Jr 17, 7).

Essa via de santidade é expressa pelo Senhor sempre em termos da sua concepção oposta: 'Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus!' (Lc 6, 20) versus 'Mas ai de vós, os ricos, porque tendes já a vossa consolação' (Lc 6, 24). 'Bem-aventurados os que agora tendes fome, porque sereis saciados (Lc 6, 21) versus 'Ai de vós os que estais saciados, porque vireis a ter fome' (Lc 6, 25). 'Bem-aventurados vós, que agora chorais, porque havereis de rir!' (Lc 6, 21) versus 'Ai de vós, que agora rides, porque tereis luto e lágrimas!' (Lc 6, 25). 'Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem, vos expulsarem, vos insultarem e amaldiçoarem o vosso nome, por causa do Filho do Homem!' (Lc 6, 22) versus 'Ai de vós quando todos vos elogiam!' (Lc 6, 26).

Com efeito, os caminhos da vida eterna não se conformam aos atalhos do mundo. Como Filhos de Deus, somos, desde agora, peregrinos do Céu mergulhados nas penumbras da fé e nas vertigens das realidades humanas, na certeza confiante do eterno reencontro: 'Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus' (Lc 6, 23).

sábado, 15 de fevereiro de 2025

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XCVI)

Capítulo XCVI

Vantagens e Recompensas pela Devoção às Santas Almas - Conselhos Úteis das Santas Almas e a Bem Aventurada Maria dos Anjos - São Pedro Claver, o Apóstolo dos Escravos Negros, e as Almas do Purgatório
 
Além dos santos pensamentos que a devoção às almas santas sugere, estas às vezes contribuem diretamente para o bem-estar espiritual de seus benfeitores. Na vida da bem-aventurada Maria dos Anjos, do Ordem do Monte Carmelo, diz-se que é quase inacreditável a frequência com que as aparições das almas do Purgatório vinham implorar a sua assistência e depois agradecer pela sua libertação. Muito frequentemente, elas conversavam com a bem-aventurada irmã, dando-lhe conselhos úteis para ela mesma ou para suas irmãs, e revelando coisas relacionadas ao outro mundo. 'Na quarta-feira dentro da Oitava da Assunção' - ela escreveu - 'enquanto rezava as orações da noite, uma das nossas boas irmãs me apareceu. Ela estava vestida de branco, rodeada de glória e esplendor, e era tão bonita que não sei de nada aqui embaixo com que se possa compará-la. Temendo alguma ilusão do demônio, me armei com o Sinal da Cruz; mas ela sorriu e desapareceu logo em seguida. Pedi ao Nosso Senhor que não permitisse que eu fosse enganada pelo demônio. Na noite seguinte, a irmã apareceu novamente, e chamando-me pelo meu nome, disse: Venho da parte de Deus para te avisar que estou gozando da bem-aventurança eterna. Diga à nossa Madre Prioresa que não é o desígnio de Deus revelar-lhe o destino que a espera; diga-lhe que confie em São José e nas almas do Purgatório. Tendo dito isso, desapareceu'.

São Pedro Claver, Apóstolo dos Escravos Negros de Cartago, foi auxiliado pelas almas do Purgatório em seu trabalho apostólico. Ele não abandonou as almas de seus queridos irmãos negros após a morte deles; penitências, orações, missas, indulgências, na medida em que dependia dele, ele aplicava a elas, diz o Padre Fleurian, seu biógrafo. Assim, acontecia frequentemente que aquelas pobres almas aflitas, certas de seu poder junto a Deus, vinham pedir a assistência de suas orações. A fastiosidade e incredulidade de nosso século, diz o mesmo autor, não nos impede de relatar alguns poucos fatos adicionais. Eles podem, talvez, parecer dignos da zombaria dos livres-pensadores, mas não basta saber que Deus é o Senhor desses acontecimentos, e que são, além disso, tão bem autenticados que merecem um lugar em uma história escrita para leitores cristãos?

Um negro doente, a quem ele havia acolhido em seu quarto e colocado em sua própria cama, ouvindo um barulho de gemidos altos durante a noite, temeu e correu até o Padre Claver, que estava ajoelhado em oração. 'Padre!' - exclamou ele - 'que barulho terrível é esse, que me aterroriza e me impede de dormir?' 'Volte, meu filho' - respondeu o santo homem - 'e vá dormir sem medo'. Então, depois de ajudá-lo a se deitar, ele abriu a porta do quarto, disse algumas palavras, e imediatamente os gemidos cessaram.

Vários outros escravos negros estavam ocupados na tarefa de reparar uma casa a alguma distância da cidade, quando um deles saiu para cortar lenha em uma montanha próxima. Ao se aproximar da floresta, ouviu seu nome ser chamado do alto de uma árvore. Ele levantou os olhos na direção de onde vinha a voz, e não vendo ninguém, estava prestes a fugir e se juntar aos seus companheiros, mas foi parado em um caminho estreito por um espectro terrível, que lhe desferiu uma chuva de golpes com um chicote com pedaços de ferro quente, dizendo: 'Por que você não trouxe o seu rosário? Leve-o consigo sempre e reze-o pelas almas no Purgatório'. O fantasma então ordenou que ele pedisse à dona da casa três moedas de ouro que lhe eram devidas e que ele as entregasse ao Padre Claver, para que missas fossem celebradas por sua intenção, após o que desapareceu.

Enquanto isso, o barulho dos golpes e os gritos do homem trouxeram seus companheiros até o local, onde o encontraram mais morto do que vivo, coberto pelas feridas que recebera e incapaz de pronunciar uma palavra. Eles o levaram até a casa, onde a dona confirmou que realmente devia a quantia de dinheiro a um negro que havia falecido algum tempo antes. O Padre Claver, ao ser informado do ocorrido, celebrou as missas solicitadas e deu então um rosário ao homem negro, que passou a usá-lo todos os dias e nunca mais deixou de rezá-lo.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

FRASES DE SENDARIUM (XLVI)


'A virtude mais necessária é o amor. Sim, digo e direi mil vezes: a virtude de que mais se precisa é o amor' 

(Santo Antônio Maria Claret)

Nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem as alturas, nem os abismos, nem outra qualquer criatura nos poderá apartar do amor que Deus nos testemunha em Cristo Jesus, nosso Senhor (Rm 8, 38-39).

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

O QUE É PRECISO PARA SE ALCANÇAR A SALVAÇÃO

1. É necessário esforçar-se violentamente: 'o Rei­no dos Céus é arrebatado à força e são os violentos que o conquistam', disse Jesus Cristo (Mt 11, 12). Em outro lugar, Ele disse: 'Esforçai-vos por entrar pela porta estreita' (Lc 13, 24). E acrescentou: 'Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz a cada dia e siga-me' (Lc 9, 23).

2. É preciso morrer: 'Quem quiser salvar a sua alma, há de perdê-la', disse Jesus Cristo (Mt 16, 25), ou seja, devemos nos dedicar à prática da mortificação e de todas as virtudes.

3. É preciso avançar sempre: 'Correi de tal maneira que alcanceis o prêmio', disse São Paulo (1Cor 9, 24). 'Todos os atletas se impõem a si muitas privações; e o fazem para alcançar uma coroa corruptível. Nós o fazemos por uma coroa incorruptível. Assim, eu corro, mas não sem rumo certo. Dou golpes, mas não no ar. Ao contrário, castigo o meu corpo e o mantenho em servidão' (1Cor 9, 25-27).

4. Não olhar para trás: 'Qualquer um que põe a mão no arado e olha para trás não é apto para o reino de Deus', disse Jesus Cristo (Lc 9, 62).

5. Ter temor e tremor: 'É necessário trabalhar para a nossa salvação com temor e tremor', disse o grande apóstolo (Fp 2, 12).

6. Esquecer a terra e pensar no Céu: Disse São Paulo: 'Prossigo o meu curso para alcançar aquilo para o qual fui chamado por Cristo Jesus. Não penso que o tenha alcançado; mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que ficam para trás e estendendo-me para as que estão adiante de mim, prossigo para o alvo, para o prêmio da vocação celestial de Deus em Cristo Jesus' (Fp 3, 12-14).

7. Aproveitar o tempo favorável, que é o presente: Disse São Paulo: 'Vede agora o tempo aceitável; vede agora o dia da salvação' (2Cor 6, 2).

8. É preciso viver para Jesus Cristo: Disse o grande Apóstolo: 'É necessário viver para aquele que morreu por todos, a fim de que os que vivem não vivam para si mesmos, mas para aquele que morreu e ressuscitou por eles' (2Cor 5, 15).

9. É necessário lutar pela fé: 'Combate o bom combate da fé. Conquista a vida eterna, para a qual foste chamado', escreveu São Paulo a Timóteo (1Tm 6, 12).

10. É preciso sofrer as provações com paciência: Disse São Paulo: 'Através de muitas tribulações devemos entrar no reino de Deus' (At 14, 21).

11. É necessário fugir, guardar silêncio e retiro: Devemos empregar os meios dados a São Arsênio por um anjo; veja-os aqui: 'Arsênio, fuja, guarde o silêncio e o retiro; estes são os princípios da salvação' (In Vit. Patr.).

12. É preciso ser prudente: 'A alma imprudente perde a sua salvação', dizem os Provérbios (Pv 19, 2). A prudência é o que a Sabedoria chama de 'ciência dos santos' (Sb 9, 10) e o anjo, em São Lucas (Lc 1, 17) de 'sabedoria dos justos'.

13. É preciso ter compaixão da alma e vigiá-la: 'Tem misericórdia de tua alma, tornando-a agradável a Deus, e modera-te', diz o Eclesiástico (Eclo 30, 24).

14. Devemos pensar no juízo: 'Deus' - diz Orígenes - 'confiou e recomendou à vossa alma a sua imagem e semelhança, e deveis devolvê-la tão intacta como Ele a deu, este tão precioso depósito' (In Cant.).

15. É preciso recomeçar, marchar e ter apenas a Deus como meta: Quando São Carlos Borromeu foi perguntado sobre os melhores meios para agradar a Deus e assegurar a salvação, ele traçou as seguintes regras: (i) é necessário começar cada dia, ou seja, devemos nos esforçar a cada dia em servir a Deus com tanto fervor como se estivéssemos começando de novo; (ii) marchar no momento presente na presença de Deus; (iii) ter somente a Deus como fim em todas e cada uma das ações (In ejus vita).

16. Devemos guardar a alma com solicitude: Como diz o Deuteronômio (Dt 4, 15): 'Guardai diligentemente as vossas almas'.

17. É necessário observar a lei de Deus: 'Se quereis alcançar a vida, guardai os mandamentos', disse Jesus Cristo (Mt 19, 17). 'Quem guarda os mandamentos de Deus, salva a sua alma', dizem os Provérbios (Pv 19, 16). Jesus Cristo disse ainda: 'Nem todo aquele que me diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai é que entrará no reino dos céus' (Mt 7, 21).

18. É preciso querer salvar-se e querer com firmeza: Quando São Tomás de Aquino foi perguntado por sua irmã o que ela deveria fazer para se salvar, ele respondeu: 'Querendo, ou seja, você poderá se salvar se quiser eficazmente; pois essa vontade eficaz, que é o fim da salvação, a forçará a adotar com ardor todos os meios necessários para alcançá-la'. E, quando a sua irmã lhe perguntou o que ele mais desejava nesta vida, ele respondeu: 'Morrer bem' (Bene mori. 4. p.q. art. 9).

(Cornélio à Lapide)

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (VI)

P. 12 - Também os membros da Igreja de Cristo, quando atingem idade suficiente, não são obrigados a examinar se estão no caminho certo ou não, assim como aqueles que foram educados em alguma seita separada da verdadeira Igreja?

Não há nada que a Igreja de Cristo possa desejar com mais ardor do que ver seus filhos totalmente instruídos na sua religião e nos fundamentos dela, na medida em que são capazes. Para esse fim, ela ordena estritamente aos seus pastores que sejam diligentes em instruir o povo desde seus primeiros anos, sabendo bem que quanto mais eles conhecerem a sua religião, mais devem se apegar a ela. A verdadeira Igreja de Cristo é obra de Deus, a doutrina que ela ensina contém as verdades de Deus; agora, quanto mais atentamente a verdade é examinada, mais ilustre ela deve parecer; e Deus Todo-Poderoso deu tal testemunho esplêndido da verdade da sua religião que, quanto mais é examinada com sinceridade, mais ela convence e encanta. Aqui, então, está a diferença: quando um membro da Igreja de Cristo considera sua religião, ele não pode ter qualquer motivo razoável para duvidar dela, e quanto mais ele a examina, mais convencido fica da sua verdade. Mas alguém educado em uma religião falsa, se pensar, não pode deixar de perceber os motivos mais fortes para duvidar; e quanto mais ele examina, mais a falsidade dela deve aparecer, pois a falsidade nunca pode suportar a luz de um exame imparcial e isento.

P. 13 -  Mas como se explica vermos tantos homens bons e eruditos em todas as seitas cristãs, algumas das quais devem ser indiscutivelmente falsas, já que se contradizem e se condenam mutuamente?

Para entender isso, devemos observar que a Palavra de Deus declara que Deus deseja 'que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade' (1Tm 2,4). Como consequência desse sincero desejo, Deus nunca deixa de dar a todos ajuda externa e graça interior que Ele considera suficientes para conduzi-los ao conhecimento da verdade, se eles cooperarem com ela; mas se fecharem os olhos à sua luz; se, pela corrupção de seus corações, não atentarem para as suas graças, então permanecem na ignorância; mas sua ignorância é voluntária em sua causa e uma justa punição por sua própria culpa. 

Agora, embora muitos daqueles que são educados em uma religião falsa possam viver boas vidas quanto à honestidade moral aos olhos do mundo, ainda assim podem ser muito culpáveis diante de Deus e, por suas paixões secretas e apegos às coisas desta vida, podem colocar um obstáculo eficaz ao seu plano misericordioso de levá-los ao conhecimento da sua verdade. O orgulhoso fariseu era um homem justo aos olhos do mundo, e ainda assim foi condenado por Deus Todo-Poderoso devido ao orgulho secreto de seu coração. E quanto aos homens de aprendizado que se encontram em uma religião falsa, seu conhecimento não os isenta de orgulho e paixão; ao contrário, a Palavra de Deus nos assegura que 'o conhecimento enfraquece' (1Cor 8,1) e, em geral, onde não há verdadeira humildade e amor a Deus, quanto mais aprendizado há, mais orgulho, auto-suficiência, desejo de glória e obstinação de coração, e consequentemente mais oposição à fé; pois Jesus Cristo, em sua própria palavra, disse aos judeus, cujos corações endurecidos resistiam a todas as evidências da sua doutrina e milagres: 'Como podeis crer, vós que recebeis glória uns dos outros, e a glória que vem de Deus só não buscais?' (Jo 5,44). 

Não há dúvida de que havia muitos eruditos, tanto entre os judeus quanto entre os gentios, quando o Evangelho foi inicialmente pregado pelos apóstolos, e ainda assim, apesar dos inúmeros milagres realizados para provar que ele vinha de Deus, São Paulo nos diz explicitamente que isso era 'para os judeus um tropeço, e para os gentios loucura' (1Cor 1,23); porque, apesar de todo o seu aprendizado, seu orgulho, paixões e preconceitos cegavam suas mentes de tal forma que a luz do Evangelho brilhou sobre eles em vão. Portanto, não é uma surpresa ver eruditos em uma religião falsa, especialmente porque seu aprendizado é geralmente de um tipo mundano, pois a fé é um dom de Deus; e não é o conhecimento da mente, mas a humildade e a sinceridade do coração, que dispõem a alma a receber esse dom dEle; sim, Cristo diz expressamente que 'Deus esconde essas coisas dos sábios e prudentes, e as revela aos pequeninos' (Mt 11,25). Devemos concluir, então, que entre aqueles que são educados em uma religião falsa e separados da Igreja de Cristo, mas que sabem que há uma Igreja que se declara como a única verdadeira Igreja de Cristo, que têm a oportunidade de ouvir falar dela e se familiarizar com aqueles de sua comunhão, é altamente improvável que haja lugar para uma ignorância invencível. Mas ainda que algum deles for encontrado invencivelmente ignorante, seu estado será o mesmo de pessoas que nunca tiveram a oportunidade de conhecer qualquer outra religião além da falsa em que se encontram.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

GLÓRIAS DE MARIA - NOSSA SENHORA DE LOURDES

Em Lourdes, Nossa Senhora apareceu a Bernadette Soubirous, para confirmar o dogma de sua imaculada conceição e para ratificar os valores incomensuráveis da oração, da penitência e da verdadeira vida de devoção a Deus. Nas palavras da própria vidente, eis o relato da primeira de um total de 18 aparições:

'A primeira vez que fui à gruta, era quinta-feira, 11 de fevereiro [quinta-feira anterior à quarta-feira de cinzas]. Após o jantar, saí para recolher galhos secos [a lenha para aquecer a casa simples de sua família havia acabado, durante um período de tempo particularmente frio] com a minha irmã Toinette e uma vizinha chamada Jeanne Abadie. Após procurarmos lenha em outros lugares sem sucesso, nos deparamos com o canal do moinho. Perguntei, então a elas se queriam ver onde a água do canal se encontrava com o Gave [rio Gave]. Elas me responderam que sim. Seguimos o canal do moinho até que nos encontramos diante de uma gruta [gruta de Massabielle], não podendo mais prosseguir.

Jeanne e minha irmã tiraram rapidamente os seus tamancos e atravessaram o fluxo que não era intenso. Após atravessarem o canal, começaram a esfregar os pés, dizendo que a água estava gelada. Isso aumentou a minha preocupação [Bernadette sofria de asma e não podia se expor à friagem]. Chegou a pedir a Jeanne [maior e mais forte que ela] para levá-la nos ombros, no que não foi atendida: 'Se você não consegue vir, fique aí então!' Apanhando galhos secos ali perto, as duas se afastaram e eu as perdi de vista. Tentei ainda buscar uma passagem mais embaixo sem ter que tirar os sapatos, colocando pedras no canal, mas não consegui passar. 

(gruta à época das aparições; em primeiro plano, o canal que Bernadette não conseguiu atravessar)

Então, regressei diante da gruta e comecei a tirar os sapatos, para fazer a travessia como elas fizeram. Tinha acabado de tirar a primeira meia, quando ouvi um barulho como de uma ventania. Então girei a cabeça para um lado e para o outro e não vi nada, nem nenhum movimento das folhas das árvores. Continuei a tirar os sapatos e nisso ouvi, mais uma vez, o mesmo barulho. Olhando em direção à gruta, vi um arbusto - um único arbusto encravado nas aberturas da rocha - balançando fortemente. Quase no mesmo tempo, saiu do interior da gruta uma nuvem de cor dourada e, logo depois, uma senhora, jovem e muito bonita, como eu nunca tinha visto antes, veio e se colocou na entrada da abertura, suspensa sobre uma roseira [mais tarde, instada a descrever a aparição, Bernadette a descreveu assim: 'Ela tinha a aparência de uma jovem de dezesseis ou dezessete anos e estava vestida com uma túnica branca, um véu também branco, uma cinta azul e os pés desnudos e ornados com uma rosa dourada em cada pé, ambos encobertos pelas últimas dobras do seu manto. Ela segurava na mão direita  um rosário de contas brancas com uma corrente de ouro brilhando como as duas rosas em seus pés]. 


Sorrindo para mim, fez um sinal para que eu me aproximasse. Eu pensei estar sendo vítima de uma ilusão. Esfreguei os olhos; porém, ao olhar outra vez, ela continuava ali e, sorrindo, me deu a entender que eu não estava enganada. Tirei o meu terço do bolso e, caindo de joelhos, tentei rezá-lo. Queria fazer o sinal da cruz, mas não conseguia sequer levar a mão à testa. A senhora fez com a cabeça um sinal de aprovação e, tomando o seu próprio terço, começou a oração e, somente então, pude fazer o mesmo. Assim que fiz o sinal da cruz, desapareceu o grande medo que sentia e fiquei tranquila. Deixou-me rezar o terço sozinha, somente acompanhando as contas com os dedos, em silêncio; somente rezando oralmente o Gloria  comigo, ao final de cada dezena. Ao final da recitação do terço, a senhora voltou ao interior da gruta e a nuvem dourada desapareceu com ela.

Assim que a senhora desapareceu, Jeanne e a minha irmã regressaram, encontrando-me de joelhos no mesmo lugar onde tinham me deixado, fazendo troça da minha covardia. Mergulhei os pés no canal e a água estava bem aquecida e elas aparentemente não se importaram com isso. Perguntei às duas se não haviam visto algo na gruta: 'Não'. Me disseram, então: 'Por que nos pergunta isso?' 'Ó, por nada, por nada', respondi tentando mostrar indiferença. Pensava sem parar em tudo o que tinha acabado de ver. No retorno à casa, diante da grande insistência delas, contei-lhes tudo o que acontecera, pedindo que não dissessem nada a ninguém.


À noite, em casa, durante a oração familiar, fiquei tão perturbada que comecei a chorar. Minha mãe me perguntou qual era o problema. Minha irmã começou a responder por mim e eu fui obrigada a contar os acontecimentos daquele dia. 'São ilusões' - respondeu minha mãe - 'tire essas coisas da cabeça e não volte mais à Massabielle'. Fui dormir, mas eu não conseguia tirar da memória o rosto e o sorriso doce da senhora. Era impossível acreditar que eu podia estar enganada'.