sexta-feira, 9 de agosto de 2024

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (VIII)

 

50. A humildade é caridosa, interpretando todas as coisas pelo melhor e compadecendo-se e desculpando, na medida do possível, as faltas dos outros. Por isso, São Pedro, querendo exortar-nos a amar e a ter compaixão dos nossos semelhantes, exorta-nos ao mesmo tempo a sermos humildes: 'Tendo compaixão uns dos outros, com sentimentos de amor fraterno... humildes' [1 Pd 3, 8], porque não há caridade sem humildade e, por isso, censurar e criticar com demasiada prontidão as ações do próximo, julgar e dizer mal dele são vícios que se opõem diretamente à virtude da humildade. Quem me deu o poder de julgar os meus irmãos? Quando assim me constituo juiz deles e, no tribunal dos meus pensamentos, condeno primeiro um e depois outro, estou a usurpar uma autoridade que não possuo e que só a Deus pertence: 'Porque Deus é o Juiz' [Sl 49,6].

E, se isso não é orgulho, o que é orgulho? Em castigo de tal arrogância, Deus permite-nos muitas vezes cair nas mesmas faltas que condenamos nos outros, e é bom que nos lembremos do ensinamento de São Paulo: 'Por isso, és indesculpável, ó homem, todo aquele que julga. Porque, quando julgas a outro, condenas-te a ti mesmo' [Rm 2,1]. Há sempre um certo orgulho farisaico no coração daquele que julga e fala mal dos outros porque, ao depreciar os outros, ele se exalta. É em vão que tentamos encobrir o nosso falar mal sob o véu de um motivo bom; é sempre o resultado do orgulho que é rápido a descobrir as fraquezas dos outros, enquanto permanece cego para as suas próprias fraquezas.

Se somos culpados de orgulho, procuremos emendar-nos e não nos iludamos de possuir o mais pequeno grau de humildade até que, pelas nossas boas resoluções cuidadosamente executadas, tenhamos mortificado a nossa má tendência para falar mal do nosso próximo. Ouçamos o Espírito Santo: 'Onde há soberba também haverá opróbrio, mas onde há humildade também haverá sabedoria' [Pv 11,2]. O homem orgulhoso é desdenhoso e arrogante em seu discurso; e somente o humilde sabe falar bem e com sabedoria. Se houver humildade no coração, ela se manifestará na fala, porque 'o homem bom, do bom tesouro do seu coração, tira o que é bom' [Lc 6,45].

51. Mas, para adquirir a humildade, é necessário também ser prudente em não falar bem de si mesmo. 'Que outro te louve' - diz a palavra inspirada - 'e não a tua própria boca, um estranho e não os teus próprios lábios' [Pv 27,11]. É muito fácil cairmos neste erro de nos elogiarmos a nós próprios até se tornar um hábito e, com este hábito tão oposto à humildade, como poderemos ser humildes? Que boas qualidades temos nós próprios pelas quais nos possamos louvar? Tudo o que há de bom em nós vem de Deus, e só a Ele devemos dar louvor e honra. Quando, portanto, nos louvamos a nós próprios, estamos a usurpar a glória que é devida somente a Deus. 

Mesmo que, ao nos louvarmos, por vezes remetamos tudo para a honra de Deus, isso pouco importa; quando não há necessidade absoluta, é melhor abstermo-nos de nos auto-elogiarmos porque, embora remetamos tudo para a glória de Deus com os nossos lábios, o nosso camuflado e sutil amor-próprio não pode deixar de se apropriar dela secretamente. E mesmo falando de forma depreciativa de nós mesmos, pode haver algum orgulho hipócrita em nossas palavras, tal como foi mencionado pelo sábio de antigamente quando ele disse: 'há quem se humilhe maliciosamente, mas cujo coração está cheio de engano' [Eclo 19,23].

Portanto, nunca podemos vigiar-nos o suficiente, porque não há nada que nos ensine tão bem a conhecer o orgulho do nosso coração como as nossas palavras, com as quais revelamos ou escondemos a depravação dos nossos afetos. E esta é a caraterística do orgulhoso, segundo São Bernardo: 'Aquele que se vangloria de ser o que é, mente sobre o que não é' [Epist. 87]. Tenhamos no coração e na mente este precioso conselho dado por Tobias a seu filho: 'Nunca permitas que o orgulho reine na tua mente ou em tuas palavras' [Tb 4,14]. As palavras de um homem orgulhoso são deprimentes, quer fale de si mesmo ou dos outros, e são odiadas tanto por Deus como pelos homens: portanto, devemos detestar este vício, não só do ponto de vista cristão, mas também do ponto de vista humano.

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

SOFRER COM CRISTO PARA COM CRISTO REINAR


1. O reino de deus está dentro de vós, diz o Senhor (Lc 17,21). Converte-te a Deus de todo o coração, deixa este mundo miserável, e tua alma achará descanso. Aprende a desprezar as coisas exteriores e entrega-te às interiores, e verás chegar a ti o reino de Deus. Pois o reino  de Deus é a paz e o gozo no Espírito Santo, que não se dá aos ímpios. Virá a ti Cristo para consolar-te, se lhe preparares no teu interior digna moradia. Toda a sua glória e formosura está no interior, e só aí o Senhor se compraz. Frequentemente visita ele o homem interior em doce entretenimento, suave consolação, grande paz e familiaridade sobremaneira admirável.

2. Eia, alma fiel, para este Esposo prepara teu coração, a fim de que se digne vir e morar em ti. Pois assim ele diz: Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e viremos a ele e faremos nele a nossa morada (Jo 14,23). Dá, pois, lugar a Jesus e a tudo mais fecha a porta. Se possuíres a Cristo, estarás rico e satisfeito. Ele mesmo será teu provedor e fiel procurador em tudo, de modo que não hajas mister de esperar nos homens. Porque os homens são volúveis e faltam com facilidade à confiança, mas Cristo permanece eternamente, e firme nos acompanha até ao fim.

3. Não se há de ter grande confiança no homem frágil e mortal, por mais que nos seja caro e útil; nem nos devemos afligir com excessos, porque, de vez em quando, nos contraria com palavras ou obras. Os que hoje estão contigo amanhã talvez sejam contra ti, e reciprocamente, pois os homens mudam como o vento. Põe toda a tua confiança em Deus, e seja ele o teu temor e amor; ele responderá por ti, e fará do melhor modo o que convier. Não tens aqui morada permanente (Hb 13,14), e onde quer que estejas, és estranho e peregrino; nem terás nunca descanso, se não estiveres intimamente unido a Jesus.

4. Para que olhas em redor de ti, se não é este o lugar de teu repouso? No céu, deve ser a tua habitação, e como de passagem hás de olhar todas as coisas da terra. Todas passam, e tu igualmente passas com elas; toma cuidado para não te apegares a elas, a fim de que não te escravizem e percam. Ao Altíssimo eleva sempre teus pensamentos, e a Cristo dirige súplica incessante. Se não sabes contemplar coisas altas e celestiais, descansa na paixão de Cristo e queira habitar em suas sacratíssimas chagas. Pois, se te acolheres devotamente às chagas e aos preciosos estigmas de Jesus, sentirás grande conforto em tuas mágoas, não farás mais caso do desprezo dos homens e facilmente sofrerás as suas detrações.

5. Cristo também foi, neste mundo, desprezado dos homens e, em suma necessidade entre os opróbrios, o desampararam seus conhecidos e amigos. Cristo quis padecer e ser desprezado; e tu ousas queixar-te de alguém? Cristo teve adversidade e detratores; e tu queres ter a todos por amigos e benfeitores? Como poderá ser coroada tua paciência, se não encontrares alguma adversidade? Se não queres sofrer alguma contrariedade, como serás amigo de Cristo? Sofre com Cristo e por Cristo, se com Cristo queres reinar.

6. Se, uma só vez, entraras perfeitamente no Coração de Jesus e gozaras um pouco de seu ardente amor, não farias caso do teu proveito ou dano, ao contrário, te elegrarias com os mesmos opróbrios; porque o amor de Jesus faz com que o homem se despreze a si mesmo. O amante de Jesus e da verdade, e o homem deveras espiritual e livre de afeições desordenadas, pode facilmente recolher-se em Deus, e, elevando-se em espírito, acima de si mesmo, fruir delicioso descanso.

(Da Imitação de Cristo, de Thomas de Kempis)

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

O DOGMA DO PURGATÓRIO (LXXXVI)

Capítulo LXXXVI

Vantagens e Recompensas pela Devoção às Santas Almas - Gratidão das Almas - Santa Margarida de Cortona e São Filipe Néri - O Cardeal Baronius e a Doente no Leito de Morte

É difícil compreender a gratidão das almas santas? Se tivésseis resgatado um cativo do jugo da escravatura, estaria ele grato por tal benefício? Quando o imperador Carlos V se apoderou da cidade de Túnis, restituiu à liberdade vinte mil escravos cristãos que, antes da sua vitória, estavam reduzidos a mais deplorável condição. Plenos de gratidão para com o seu benfeitor, rodearam-no, abençoando-o e cantando-lhe louvores. Se désseis saúde a um doente em estado grave ou fortuna a uma criatura infeliz, reduzida à miséria, não receberíeis em troca a sua gratidão e as suas bênçãos? E as almas, tão santas e tão boas, comportar-se-ão de modo diferente em relação aos seus benfeitores; essas pobres almas cujo cativeiro, pobreza, sofrimento e necessidade ultrapassam de longe qualquer cativeiro, indigência ou doença que se possa encontrar na Terra? Elas intercedem especialmente na hora da morte daqueles que intercederam por elas, visando protegê-los, guiá-los e conduzi-los às moradas eternas. 

Já falamos de Santa Margarida de Cortona e da sua devoção às almas santas. Conta-se na sua biografia que, ao morrer, viu uma multidão de almas que ela tinha libertado do Purgatório formarem-se em procissão para a acompanharem ao Paraíso. Deus revelou este favor concedido a Margarida de Cortona por intermédio de uma pessoa santa da cidade de Castello. Esta serva de Deus, arrebatada em êxtase no momento em que Margarida partiu desta vida, viu a sua alma no meio deste cortejo brilhante e, ao recuperar do seu arrebatamento, contou a todos o que Nosso Senhor tinha manifestado a ela.

São Filipe Néri, fundador da Congregação do Oratório, tinha uma terníssima devoção para com as santas almas do Purgatório, e sentia uma atração particular por rezar por aquelas que tinham estado sob a sua direção espiritual. Considerava-se muito obrigado para com todas elas, porque a Divina Providência as tinha confiado de modo especial ao seu zelo. Parecia-lhe que a sua caridade devia segui-los até à sua purificação final e à sua admissão na glória do Céu. Confessou que muitos dos seus filhos espirituais lhe apareciam depois da morte, fosse para lhe pedir orações, fosse para lhe agradecer a sua intercessão em favor deles.

Após a sua morte, um padre franciscano de grande piedade estava a rezar na capela onde tinham sido depositados os venerados restos mortais do santo, quando este lhe apareceu rodeado de glória e no meio de um brilhante cortejo. Encorajado pelo ar de amável familiaridade com que o santo o olhava, atreveu-se a perguntar o significado daquele cortejo luminoso de espíritos bem aventurados que o acompanhava. O santo respondeu-lhe que eram as almas daqueles que ele tinha guiado espiritualmente em vida e que, com os seus sufrágios, tinha libertado do Purgatório. Acrescentou que tinham vindo ao seu encontro desde a sua partida deste mundo, para o introduzirem, por sua vez, na Jerusalém Celeste.

'Não há dúvida' - diz o piedoso Padre Rossignoli - 'que, ao entrarem na glória eterna, os primeiros favores que pedem à Divina Misericórdia são para aqueles que lhes abriram as portas do Paraíso e que nunca deixarão de rezar pelos seus benfeitores, sempre que os virem em qualquer necessidade ou perigo. Nos reveses da sorte, nas doenças e nos contratempos de toda a espécie, eles serão os seus protetores. Seu zelo aumentará na proporção em que os interesses da alma estiverem em jogo; eles os ajudarão poderosamente a vencer a tentação, a praticar boas obras, a morrer uma morte cristã e a escapar dos sofrimentos da outra vida'.

O Cardeal Baronius, cuja autoridade como historiador é bem conhecida, relata que uma pessoa muito caridosa para com as almas santas foi afligida por uma terrível agonia quando estava no seu leito de morte. O espírito das trevas sugeriu-lhe os medos mais sombrios e ocultou-lhe da vista a doce luz da Divina Misericórdia, tentando levá-la ao desespero. De repente, o Céu pareceu abrir-se diante dos seus olhos e ela viu milhares de defensores a voar em seu auxílio, reanimando a sua coragem e prometendo-lhe a vitória. Consolada por esta ajuda inesperada, perguntou quem eram os seus defensores. 'Somos as almas que tu libertaste do Purgatório; nós, por nossa vez, viemos para te ajudar, e muito em breve te conduziremos ao Paraíso' - foi a resposta. Perante estas palavras consoladoras, a doente sentiu que os seus receios se transformavam na mais doce confiança. Pouco tempo depois, ela expirou tranquilamente, com o semblante sereno e o coração cheio de alegria.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog

terça-feira, 6 de agosto de 2024

FRASES DE SENDARIUM (XXXV)


'Procure ver Deus em todas as coisas;
faça todas as coisas em nome de Deus'

(São Francisco de Sales)

Meu Deus, eu creio, adoro, espero e vos amo. Peço perdão por aqueles que não creem, não adoram, não esperam e não vos amam.

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

SERMÕES DO CURA D'ARS (XX)





SOBRE A SANTA COMUNHÃO

 'E o pão, que eu hei de dar, é a minha carne para a salvação do mundo' 
(Jo 6,51)

Quem de nós, meus caros irmãos, poderia pensar que Jesus Cristo, por amor às suas criaturas, poderia chegar ao ponto de alimentar as nossas almas com o seu adorável corpo e o seu precioso sangue, se Ele próprio não nos tivesse assegurado esse fato? Uma alma pode receber o seu Criador, e quantas vezes quiser! Ó abismo de bondade e amor de Deus por suas criaturas! Quando o Redentor se revestiu da nossa carne, diz São Paulo, escondeu a sua divindade e levou a sua humilhação até à morte ignominiosa. Mas no adorável Sacramento da Eucaristia, Ele, no seu amor e misericórdia sem limites, esconde também a sua humanidade.

Vede, caros irmãos, do que é capaz o amor de um Deus pelas suas criaturas! De todos os Sacramentos não há nenhum que se possa comparar com a Sagrada Eucaristia. É verdade que no Batismo recebemos a adoção de Deus e alcançamos um título para o eterno reino dos céus; no Sacramento da Penitência, as feridas da nossa alma são curadas e a amizade de Deus nos é restituída; no adorável Sacramento da Eucaristia, porém, o seu preciosíssimo sangue não só nos é aplicado, mas nos é permitido receber na realidade o próprio divino autor de toda a graça.

Mas, infelizmente, quão poucos são os que sabem valorizar a magnificência da graça de Deus! Se apreciássemos devidamente a grande bênção do nosso privilégio de receber Jesus Cristo, esforçar-nos-íamos incessantemente por merecê-la. Para dar uma idéia da grandeza desta bênção, vamos considerar: (I) a sublimidade e a importância deste Sacramento; (II) os seus efeitos e suas bênçãos.

I

Não me comprometo, caros irmãos, a descrever-vos toda a sublimidade deste Sacramento, porque isso não é possível ao homem mortal; seria como se o próprio Deus descrevesse a magnitude deste milagre. Nunca deixaremos de nos interrogar, na outra vida e por toda a eternidade, sobre o fato de a nós, homens miseráveis, ter sido permitido receber um Deus tão grande. Mas, para vos dar uma ideia das grandes bênçãos deste grande Sacramento, queridos irmãos, lembremo-nos de que Jesus Cristo, durante a sua vida terrena, nunca foi a lado nenhum sem distribuir as suas mais ricas bênçãos, e quão grandes, portanto, e preciosos devem ser os dons recebidos na Sagrada Comunhão! De fato, o maior bem do homem neste mundo consiste em receber Jesus Cristo na Sagrada Comunhão, porque a Sagrada Comunhão não é apenas proveitosa e um alimento para as nossas almas, mas também, como veremos, proveitosa para os nossos corpos.

Lemos no Evangelho que Jesus Cristo, ao entrar em casa de Isabel, embora estivesse ainda encerrado no ventre de sua Mãe, encheu Isabel e o seu filho com o Espírito Santo; de modo que João foi purificado do pecado original, e a mãe gritou: 'De onde me vem isto, que a mãe do meu Senhor venha ter comigo?' Deixo-vos, caríssimos irmãos, a consideração de quão maior é a sorte daqueles que, na Santa Comunhão, recebem Jesus Cristo, não só em sua casa, mas em seus corações; que podem retê-lo não só por seis meses, como Isabel, mas por todo o tempo de suas vidas. Se o santo e venerável Simeão, tendo durante tantos anos desejado ardentemente contemplar o Redentor, e por fim, tendo Jesus nos braços, foi tão arrebatado pela alegria, e tão extasiado, que clamou, num êxtase de amor 'Ó Senhor, que mais posso desejar sobre a terra, depois de ter contemplado com os meus próprios olhos o Redentor do mundo? Agora posso morrer em paz!' E ainda, caríssimos irmãos, que diferença há entre tê-lo nos braços por um momento apenas e recebê-lo no nosso coração na Sagrada Comunhão? Como não damos valor à nossa sorte! 

Quando Zaqueu ouviu falar de Jesus Cristo, teve um grande desejo de vê-lo e, diante da grande multidão que o impedia de ver, subiu a uma árvore, e o Senhor o viu e lhe disse: 'Zaqueu, desce, porque hoje entrarei em tua casa'. Ele desceu imediatamente e fez os melhores preparativos que podia para receber o Redentor. Ao entrar em sua casa, o Senhor disse: 'Hoje chegou a salvação a esta casa'. Comovido com a bondade de Jesus Cristo, Zaqueu gritou: 'Senhor, a metade dos meus bens dou aos pobres, e se eu tiver prejudicado alguém em alguma coisa, restituo-lhe quatro vezes mais'. E assim a visita de Jesus Cristo fez de um grande pecador um grande santo. Segundo o Evangelho, quando Jesus entrou em casa de São Pedro, este pediu-lhe que curasse a sua sogra, que sofria de uma febre violenta. Jesus Cristo ordenou que a febre a deixasse, e ela ficou curada imediatamente e serviu os convidados à mesa. O que é que levou o Salvador a ressuscitar Lázaro da morte, depois de ele ter estado morto durante quatro dias? Foi o fato de Lázaro o ter recebido tantas vezes em sua casa; por isso, o nosso Senhor mostrou um tal apego por ele que derramou lágrimas. 

Em outras ocasiões, Jesus foi suplicado por pessoas para salvar as suas vidas, outras pediram-lhe para curar os seus corpos, e ninguém foi embora sem ter obtido o que queria. Não é esta a prova de que Ele está sempre pronto a conceder tudo o que lhe pedimos? Que graças não derramará sobre nós quando entrar nos nossos corações, para aí fazer a sua morada? Quem pode compreender a felicidade de um cristão que, bem preparado, recebe Jesus Cristo no seu coração, e que assim se torna parte do céu?

Mas, perguntarão, por que é que a maior parte dos cristãos mostra tão pouco apreço por esta felicidade? Por que é que muitos deles pensam pouco dela, e até zombam daqueles que frequentemente participam dela? Esses pobres infelizes simplesmente nunca conheceram nem desfrutaram dessa grande felicidade. Que felicidade é para um cristão crente levantar-se do banquete sagrado e sair com o céu no coração! Afortunada é a casa em que tais cristãos habitam! Possuir em sua própria casa um tabernáculo no qual Deus está entronizado! Quereis saber, talvez, se esta felicidade é tão grande, porque é que a Igreja só nos manda comungar uma vez por ano? Esta ordem não é dada para os bons cristãos, mas para os cristãos frouxos e indiferentes, para o bem das suas pobres almas.

Na Igreja primitiva, o maior castigo para um cristão era ser privado da Sagrada Comunhão. Os primeiros cristãos podiam comungar sempre que assistiam ao Santo Sacrifício da Missa. Quando a Igreja viu que muitos cristãos negligenciavam a salvação das suas pobres almas, deu-lhes a ordem de comungar três vezes por ano, no Natal, na Páscoa e no Pentecostes, esperando que o medo de pecar contra esta ordem lhes abrisse os olhos. Mas quando, com o passar do tempo, os cristãos se tornaram ainda menos zelosos da salvação de suas almas, ela tornou seu dever receber a Santa Comunhão pelo menos uma vez por ano. Como é infeliz e cego o cristão que deve ser obrigado por lei a participar desta grande felicidade! Se, meus caros irmãos, não tivésseis outros pecados na vossa consciência senão a negligência do vosso dever pascal, estaríeis eternamente perdidos. Agora dizei-me que incentivo há para deixardes a vossa alma cair num estado tão triste? Dizeis que sois feliz e contente. Se eu pudesse acreditar em ti! Mas onde encontras a tua paz e contentamento? Será no pensamento de que a alma espera o momento da morte para ser lançada no inferno? Ou, talvez, porque o diabo é o vosso mestre? Como é cego e infeliz o homem que perdeu a fé!

II

Todos os Padres da Igreja nos ensinam que, pela receção de Jesus Cristo na Sagrada Comunhão, recebemos bênçãos mil vezes maiores para o tempo e para a eternidade; de fato, esta é uma verdade tão fundamental que até uma criança, à pergunta: 'Devemos desejar ardentemente receber a Sagrada Comunhão?', responderia: 'Sim, de fato'. 'E por que?' 'Por causa dos excelentes efeitos que ela produz em nós'. 'E quais são esses efeitos?' 'A Sagrada Comunhão une-nos mais intimamente a Jesus Cristo, enfraquece as nossas inclinações para o mal, fortalece em nós a vida da graça e é para nós o fundamento e o penhor da vida eterna'.

1. A Santa Comunhão une-nos mais intimamente a Jesus Cristo. Esta união é tão íntima, caríssimos irmãos, que o próprio Jesus Cristo nos diz: 'Aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele, porque a minha carne é verdadeiramente comida e o meu sangue é verdadeiramente bebida'. Por conseguinte, caríssimos irmãos, ao recebermos a Sagrada Comunhão, o sangue adorável de Jesus Cristo corre realmente nas nossas veias, a sua carne é realmente misturada com a nossa; e por isso São Paulo diz: 'Não sou eu que ajo e penso, mas é Jesus Cristo que age e pensa em mim. Não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim'.

2. Ao recebermos Jesus Cristo na Sagrada Comunhão, recebemos uma abundância de graças; ao recebermos Jesus Cristo, recebemos a fonte de todas as bênçãos. Aqueles que recebem Jesus Cristo sentem a sua fé fortalecida, e estão mais profundamente impregnados com as verdades da sua santa religião; percebem mais claramente a enormidade e o perigo do pecado; o pensamento do julgamento assusta-os mais; a desgraça da perda de Deus é mais percetível para eles. Na Sagrada Comunhão, a nossa coragem é fortalecida; somos fortes para combater, as nossas ações são guiadas por motivos mais puros, a nossa caridade aumenta cada vez mais. O pensamento de que levamos Jesus no nosso coração, o arrebatamento que experimentamos nesse momento feliz, une-nos e liga-nos de tal modo a Deus que o nosso coração só pensa e só deseja Deus. Este, meus caros irmãos, é um dos efeitos que a Santa Comunhão produz em nós, se formos tão felizes a ponto de receber Jesus Cristo dignamente.

3. A Sagrada Comunhão enfraquece a nossa inclinação para o mal. É muito fácil perceber isso. O preciosíssimo sangue de Jesus que corre nas nossas veias, e o seu adorável corpo que se mistura com o nosso, devem necessariamente destruir, ou pelo menos enfraquecer muito, a nossa inclinação para o mal, produzida em nós pelo pecado de Adão. É certo, caríssimos irmãos que, depois da comunhão, sentimos um novo desejo do celeste e um novo desprezo pelas coisas materiais. Como pode o orgulho entrar num coração que acaba de receber um Deus que, ao entrar nesse coração, se rebaixou até à privação de si mesmo? Um coração que recebeu um Deus tão puro, que é a própria santidade, não sentiria o maior horror ao pecado da impureza? Um cristão que recebeu Jesus Cristo, que morreu pelos seus inimigos, não desejaria mal aos que o ofenderam? Certamente que não: dar-lhe-ia prazer fazer-lhes o bem, tanto quanto estivesse ao seu alcance. Por isso, São Bernardo dizia aos seus monges: 'Meus filhos, quando vos sentirdes menos inclinados para o mal e mais inclinados para o bem, agradecei a Jesus Cristo que vos concedeu esta graça pela Sagrada Comunhão'.

4. A Sagrada Comunhão é para nós um penhor da vida eterna, isto é, a Sagrada Comunhão dá-nos a expectativa do céu, a certeza de que o céu será um dia a nossa morada. Além disso, Jesus Cristo fará com que o nosso corpo, na ressurreição, apareça tanto mais glorioso quanto mais vezes o tivermos recebido dignamente. Sim, queridos irmãos, se realmente soubéssemos apreciar a grandeza desta felicidade, não nos importaria viver a menos que nos fosse permitido receber Jesus Cristo como nosso alimento diário. Consideraríamos que todas as coisas criadas não valem a pena; desprezá-las-íamos e entregar-nos-íamos apenas a Deus, e o nosso objetivo seria tornar-nos diariamente mais dignos de o receber.

Se tais são a felicidade e as bênçãos que resultam da digna receção deste Sacramento, não deveríamos esforçar-nos por nos tornarmos dignos de o receber frequentemente? Os efeitos que vos são explicados neste discurso todos nós desejaríamos que se produzissem em nós; por isso, exorto-vos, venerai este grande Sacramento e vivei de modo a poderdes receber o vosso Senhor e Deus, e participar da sua graça e bênção para que, no fim dos tempos, sejais, segundo as suas próprias palavras, ressuscitados da morte para a vida eterna, o que vos desejo a todos. Amém.

domingo, 4 de agosto de 2024

EVANGELHO DO DOMINGO

    

'O Senhor deu a comer o pão do Céu' (Sl 77)

Primeira Leitura (Ex 16,2-4.12-15) - Segunda Leitura (Ef 4,17.20-24) -  Evangelho (Jo 6,24-35)

  04/08/2024 - DÉCIMO OITAVO DOMINGO DO TEMPO COMUM

36. 'EU SOU O PÃO DA VIDA'


Jesus havia acabado de realizar o milagre extraordinário da multiplicação dos pães e dos peixes para saciar a fome de uma grande multidão. E aquela gente estava entorpecida pela crença de ser saciada outra vez, e mais uma vez, e talvez vezes sem fim, pelo efeito da multiplicação cotidiana do alimento físico. De alguma forma, este era o regalo esperado: saciados de pão, tornavam-se todos propícios Àquele que os poderia fartar sempre de pão.

Mas Jesus lhes vai revelar a natureza de um outro pão, pão espiritual, que não se perde e nem se consome, mas que constitui 'alimento que permanece até a vida eterna' (Jo 6, 27). No evangelho deste domingo, Jesus desvenda o mistério da Eucaristia, que consubstancia o próprio Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo. Pão santo, pão dos anjos, pão de vida eterna. Anunciado por Jesus, selado pelo Pai, não como o maná em forma de grãos para fazer calar as murmurações dos filhos de Israel (Ex 16, 2-4.12-15), mas como alimento espiritual descido do Céu para a salvação do mundo.

A multidão espera, divaga indecisa. Moisés havia dito sobre o maná caído com o orvalho da manhã: 'Isto é o pão que o Senhor vos deu como alimento' (Ex 16, 15). E agora, estavam diante de uma outra revelação: o pão que 'permanece até a vida eterna' (Jo 6, 27) a ser dado por Jesus. Expondo a sua divindade, Jesus revela a mesma origem do pão, mas a natureza intrinsecamente diversa de um e de outro pão: 'Em verdade, em verdade vos digo, não foi Moisés quem vos deu o pão que veio do céu. É meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu. Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo' (Jo 6,32-33).

Diante da acolhida deles: 'Senhor, dá-nos sempre desse pão' (Jo 6, 34), Jesus faz, então, o grande anúncio da Santa Eucaristia, alimento espiritual que nos forja a alma para uma imortalidade bem aventurada, mistério insondável de Deus escondido pelos séculos: 'Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede' (Jo 6, 35), ratificado mais além: 'Quem se alimenta com a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e Eu o ressuscitarei no último dia' (Jo 6, 54). No banquete eucarístico, Jesus é nossa comida e nossa bebida de vida eterna, que nos permite despojar-nos do homem velho e nos revestir do 'homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade' (Ef 4, 24).

04 DE AGOSTO - SÃO JOÃO MARIA VIANNEY (CURA D'ARS)

  

A mais difícil, extraordinária e espantosa obra 
feita pelo Cura d’Ars foi a sua própria vida

Existem vidas extraordinárias entre os santos da Igreja. Mas poucas delas foram tão cingidas pela pequenez, pela humildade e pelo aniquilamento interior como a do pobre cura de Ars, São João Batista Maria Vianney (nascido em 08 de maio de 1786, em Dardilly, na França). Ordenado sacerdote em 1815, aquele que teria o dom extraordinário de ler consciências foi proibido inicialmente de atender confissões, 'porque não teria capacidade para guiar consciências'. Três anos depois, aceitou ser o vigário do minúsculo povoado de Ars, situado ao norte de Lyon, na época com pouco mais de 200 habitantes e nenhuma prática religiosa. Ali chegou em fevereiro de 1818, ali construiu uma santidade ímpar entre os padres da Igreja, ali se tornou um santuário de peregrinação de toda a Europa. Ali viveu incansavelmente a fadiga das confissões intermináveis (geralmente 17 horas diárias), da oração constante, da devoção incondicional à pequenez e à pobreza, até a sua morte, em 04 de agosto de 1859, aos 73 anos de idade. 

São João Batista Vianney foi canonizado em 1925 pelo Papa Pio XI e seu corpo incorrupto encontra-se depositado na igreja da paróquia de Ars. Foi proclamado Padroeiro dos Sacerdotes e no dia de sua morte, 4 de agosto, celebra-se o Dia do Padre

'Nós devemos nutrir um grande amor por todos os homens, pelos bons e pelos maus. Quem tem o amor não pode querer que alguém faça o mal, 
porque o amor perdoa tudo'

Corpo Incorrupto do Santo em Ars

Conta-se que, indo em direção a ArsSão João Batista Vianney perguntou a um menino a direção a seguir para se chegar ao povoado. Diante da orientação recebida, o santo respondeu a ele: 'já que você me ensinou o caminho para Ars, eu lhe ensinarei o caminho para o céu'. Que, no dia de hoje, os sacerdotes de Cristo reflitam sobre esta mensagem do Cura D'Ars e assumam incondicionalmente esse caminho de vida religiosa para a salvação de muitos homens.