sexta-feira, 7 de junho de 2024

TESOURO DE EXEMPLOS (336/340)

 

336. DEVO ESCOLHER AS ARMAS

O padre Fidélis, franciscano, dirigia-se a uma igreja de Paris para celebrar a santa Missa. Passando em frente de um café, um oficial o insultou. O padre parou e disse:
➖ O senhor me insultou e eu exijo satisfação e, como ofendido, tenho direito de escolher as armas. Escolho a confissão e espero-o esta noite.
E retirou-se, deixando as senhas. O oficial, homem honrado, não faltou; confessou-se devotamente e comungou no dia seguinte.

337. OFÍCIO DO DIABO

Santo Ambrósio encontrou à porta da Igreja uma jovem vestida com vaidade e imodéstia. Perguntou-lhe aonde ia.
➖ À igreja, para rezar - respondeu ela.
➖ Vestida dessa maneira? Não vais rezar, mas escandalizar os fíéis, fazer o ofício do diabo, isso sim. Fora daqui, escandalosa! Retira-te para tua casa para chorar os teus pecados!

338. É DEMASIADO PARA UMA CRISTÃ

Santo Elói, vendo um dia a rainha Batilde, esposa de Clodomiro II, vestida com magnificência exagerada, fez-lhe alguma observação.
➖ Meu padre - disse a rainha - isto não é demais para uma rainha.
➖ Para uma rainha, não - replicou o santo - mas, para uma cristã, é demais.
Batilde aproveitou bem a lição e chegou a ser santa.

339. O CRUCIFIXO NUM ESPELHO

Uma jovem demorava-se com frequência a contemplar-se com vaidade num espelho. Em vésperas de casar-se, ataviada para a cerimônia, admirava-se vaidosamente no espelho. De repente, em lugar de sua figura, viu nele Jesus Crucificado, coberto de chagas, derramando sangue. Tal foi a sua impressão que caiu desfalecida. 

Voltando a si, pediu perdão a Deus, prometendo mudar de vida. Jesus, na visão, ordenou-lhe que fosse para Roma e ali fundasse uma Ordem destinada à adoração perpétua do Santíssimo Sacramento. Essa jovem foi, mais tarde, Santa Madalena da Encarnação.

340. CAÍRAM AS ARMAS

Ninguém ignora o nome e os feitos de Napoleão Bonaparte. Políticamente foi um grande inimigo da Igreja e do Papa, a quem perseguiu de diversos modos. Ameaçado com a pena de excomunhão, vangloriava-se de que 'as excomunhões do Papa não fariam cair as armas das mãos dos meus soldados'.

Pouco tempo depois, na campanha da Rússia, as armas caíam das mãos de seus soldados vencidos pelo frio; e na batalha de Waterloo, pelo pânico. Destronado e desterrado, o grande imperador terminou sua vida como triste prisioneiro em Santa Helena, pois quem luta contra Deus será vencido.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)


quinta-feira, 6 de junho de 2024

'NO DIA QUE CHAMAMOS DIA DO SOL...'


No dia que chamamos dia do sol [domingo], nas cidades e nas aldeias todos os habitantes se reúnem num dado lugar. Lêem-se as memórias dos apóstolos e os escritos dos profetas segundo o tempo de que se dispõe. Quando a leitura termina, aquele que preside toma a palavra para chamar a atenção sobre os ensinamentos recebidos e para exortar ao seu seguimento. Depois levantamo-nos e, em conjunto, apresentamos as intenções de oração. Seguidamente traz-se o pão, o vinho e a água. O presidente dirige ardentemente ao céu súplicas e ações de graças, e o povo responde com a aclamação 'Amém!, uma palavra hebraica que quer dizer: 'Assim seja!'.

Chamamos este alimento de eucaristia, e ninguém o pode tomar se não acredita na verdade da nossa doutrina e se não recebeu o banho do batismo para a remissão dos pecados e regeneração. Porque nós não tomamos este alimento como se toma um pão ou uma bebida vulgar. Do mesmo modo que, pela Palavra de Deus, Jesus Cristo nosso Salvador incarnou, tomando carne e sangue para nossa salvação, também o alimento consagrado pelas próprias palavras rezadas e, destinado a alimentar a nossa carne e o nosso sangue para nos transformar, este alimento é a carne e o sangue de Jesus incarnado: esta é a nossa doutrina. 

Os apóstolos, nas memórias que nos deixaram e que chamamos de evangelhos, transmitiram-nos a recomendação que Jesus lhes fez: Tomou o pão, abençoou e disse: 'Fazei isto em minha memória; isto é o meu corpo'. De igual modo, tomou o cálice, abençoou-o e disse: 'Isto é o meu sangue'. E em seguida deu a eles (Mt 26,26-; 1Cor 11,23-). É no dia do sol que nos reunimos todos, porque este é o primeiro dia, aquele em que Deus para fazer o mundo separou a matéria das trevas, e ainda o dia em que Jesus Cristo nosso Salvador ressuscitou dos mortos.

(Excertos da obra  'Primeira Apologia', documento que faz referência ao sacramento da eucaristia nos primórdios da cristandade [século II], por São Justino [100 - 160], filósofo e mártir) 

quarta-feira, 5 de junho de 2024

VELAI SOBRE VÓS MESMOS...

1. Quando os homens disserem: 'Paz e segurança!', então repentinamente lhes sobrevirá a destruição, como as dores à mulher grávida. E não escaparão. Mas vós, irmãos, não estais em trevas, de modo que esse dia vos surpreenda como um ladrão. Porque todos vós sois filhos da luz e filhos do dia. Não somos da noite nem das trevas. Não dur­mamos, pois, como os demais. Mas vigiemos e sejamos sóbrios (1Ts 5, 3-6).

2. Torne-se tenebroso e escorregadio o seu caminho [dos meus inimigos], quando o anjo do Senhor vier persegui-los, porquanto sem razão me armaram laços; para me perder, cavaram um fosso sem motivo. Venha sobre eles de improviso a ruína; apanhe-os a rede por eles mesmos preparada, caiam eles próprios na cova que abriram (Sl 34,6-8).

3. Que a morte os colha de improviso, que eles desçam vivos à mansão dos mortos. Porque entre eles, em suas moradas, só há perversidade (Sl 54, 16).

4. Terra, escuta: vou mandar sobre esse povo uma desgraça, fruto de suas maquinações, já que não ouviu as minhas palavras, e desprezou os meus ensinamentos (Jr 6, 19)

5. Não andeis à procura de outros deuses, para ante eles vos prostrardes e lhes renderdes culto. Não me provoqueis à cólera, para vossa própria desgraça, com esses ídolos que vossas mãos fabricaram (Jr 25,6).

6. Quanto a ti, não intercedas por esse povo, nem ores por ele, nem supliques, porque ao tempo de sua desgraça, quando clamarem por mim, não os escutarei (Jr 11,14).

7. Meus guardas estão todos cegos e não veem nada; são cães mudos incapazes de latir, sonham estirados, gostam de cochilar; são cães vorazes e insaciáveis são pastores que nada observam, cada qual segue seu caminho em busca de seu interesse. 'Vinde, vou buscar o vinho; com licores nos embriagaremos; amanhã, como hoje, haverá uma enorme bebedeira' (Is 56,10-12).

8. É necessário, porém, que primeiro ele sofra muito e seja rejeitado por esta geração. Como ocorreu nos dias de Noé, acontecerá do mesmo modo nos dias do Filho do Homem. Comiam e bebiam, casavam-se e davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca. Veio o dilúvio e matou a todos (Lc 17, 25-27).

9. Velai sobre vós mesmos, para que os vossos corações não se tornem pesados com o excesso do comer, com a embriaguez e com as preo­cupações da vida; para que aquele dia não vos apanhe de improviso. Como um laço cairá sobre aqueles que habitam a face de toda a terra. Vigiai, pois, em todo o tempo e orai, a fim de que vos torneis dignos de escapar a todos esses males que hão de acontecer, e de vos apresentar de pé diante do Filho do Homem (Lc 21, 34-36).

10. É mais fácil carregar areia, sal ou uma barra de ferro, do que suportar o imprudente, o tolo e o ímpio (Eclo 22,18).

terça-feira, 4 de junho de 2024

DA MANEIRA EXCELENTE DE ASSISTIR À MISSA


Para ouvir a Missa com devoção, cumpre recordar que o sacrifício do altar é o mesmo que foi oferecido outrora no Calvário ; a única diferença é que o sangue divino que foi realmente derramado na cruz, só o é misticamente no altar. Se houvésseis estado no Calvário naquele momento, com que devoção e enternecimento teríeis assistido a esse grande sacrifício ! Reanimai pois a vossa fé, e pensai que o que se fez então no Calvário se faz agora no altar; pensai também que este divino sacrifício não é oferecido somente pelo padre, mas ainda por todos os assistentes. Assim, todos fazem de certo modo ofício de sacerdote assistindo à missa, pela qual os merecimentos da paixão do Salvador são aplicados a cada um de nós em particular.

E' mister lembrar também que o sacrifício da Missa foi instituído para quatro fins: (i) para honrar a Deus; (ii) para expiar os nossos pecados; (iii) para agradecer a Deus os seus benefícios; (iv) para alcançar graças. Daqui nascem as considerações seguintes, que nos ajudarão a ouvir a missa com muito fruto:

1. Pela Missa, na qual se oferece ao Pai Eterno a pessoa de Jesus Cristo, Homem e Deus, dá-se a Deus uma honra infinitamente maior do que se lhe fossem oferecidas as vidas de todos os homens e anjos.

2. Por esta oferenda de Jesus Cristo, que se faz na Missa, dá-se a Deus uma satisfação completa por todos os pecados dos homens, e especialmente dos assistentes, aos quais é aplicado o mesmo sangue divino que foi derramado no Calvário para redenção do gênero humano. Assim, por uma missa, satisfazemos à justiça divina pelas nossas faltas de modo mais eficaz que por outra qualquer obra expiatória. Todavia, bem que a missa seja de valor infinito, Deus a não recebe senão de modo finito, conforme as disposições de quem a ouve; eis por que é útil ouvir muitas missas.

3. A Missa é para nós o meio de dar dignas ações de graças por todos os benefícios que de Deus recebemos.

4. Durante a missa, podemos obter todos os favores que desejamos para nós e para os outros. Indignos somos de receber benefícios; mas o nosso Salvador nos deu o meio de merecer e alcançar todas as graças: é pedi-las em seu nome, oferecendo-o ao Pai eterno no sacrifício eucarístico, onde Jesus une a sua oração à nossa. Se soubésseis que, quando orais, a Mãe de Deus e todo o paraíso se unem a vós para apoiar a vossa oração, com que confiança não o faríeis! Pois bem, quando se assiste a missa, para pedir a Deus alguma graça, Nosso Senhor Jesus Cristo, cujas orações valem infinitamente mais que as do paraíso inteiro, ora Ele próprio por vós, e oferece em vosso favor os méritos da sua Paixão. 

É, pois, excelente método dividir a missa em quatro diferentes partes, da seguinte maneira:

1. Desde o início até o Evangelho:

Oferecei o santo sacrifício a Deus para honrá-lo, dizendo: 'Adoro, ó meu Deus, a vossa majestade infinita. Honrar-vos quisera como o mereceis; mas que honra podeis receber de um miserável pecador como eu? Ofereço-vos a honra infinita que vos dá Jesus Cristo neste altar.

2. Desde o Evangelho até a Elevação da Hóstia

Oferecei o santo sacrifício para expiação dos vossos pecados, dizendo: 'Detesto, Senhor, e sumamente deploro todos os desgostos que vos tenho dado. Em reparação às minhas ofensas, ofereço-vos o vosso divino Filho, que se sacrifica de novo por mim sobre este altar, e pelos seus merecimentos, vos peço conceder-me o perdão e a perseverança na vossa santa graça'.

3. Desde a Elevação da Hóstia até a Comunhão

Oferecei Jesus Cristo ao Pai eterno, para dar-lhe graças por todos os benefícios que vos tem feito, dizendo: 'Senhor, por mim mesmo sou incapaz de vos agradecer dignamente por todos os benefícios que me haveis feito; mas, em ação de graças, vos ofereço o sangue de Jesus Cristo nesta missa e em todas as que se celebram atualmente na terra'.

4. Desde a Comunhão até o Final da Missa

Pedi com grande confiança as graças de que tendes necessidade, e especialmente a dor dos vossos pecados, a perseverança e o amor divino. Recomendai a Deus particularmente as pessoas com quem viveis, os vossos parentes, os pecadores, as almas do purgatório, etc. Não acho mau que reciteis orações vocais durante a missa; mas desejo que ao mesmo tempo não deixeis de vos desobrigar para com Deus dos quatro deveres que vos acima apontei: honra, expiação, ação de graças e oração. Aconselho-vos a ouvir tantas missas quantas vos for possível; cada vez que assistirdes à missa da maneira que vos indiquei, alcançareis um tesouro de merecimentos.

(Santo Afonso Maria de Ligório)

segunda-feira, 3 de junho de 2024

O MILAGRE EUCARÍSTICO DE SEEFELD

Seefeld, uma pequena localidade situada na região do Tirol (Áustria) foi palco de um dos eventos sobrenaturais mais extraordinários do século XIV.  Este evento ocorreu na Quinta Feira Santa de 1384, na pequena igreja de Saint Oswald (São Oswaldo), erigida originalmente como uma pequena capela em 1306.


Durante a missa local, Oswald Milser, nobre e senhor de Schlossberg, aproximou-se do altar para receber a Eucaristia. Era uma pessoa muito poderosa na comunidade à época e reconhecidamente uma figura de má conduta e completamente alheia à religião católica. Ainda assim, não só adiantou-se para receber a comunhão aos pés do altar, como exigiu que o sacerdote a fizesse não com a hóstia comum oferecida aos comungantes, mas por meio da grande hóstia reservada apenas ao sacerdote celebrante. O sacerdote, refém do respeito e do temor humano, fez como lhe havia sido ordenado e compartilhou com o senhor de Schlossberg a sacrílega comunhão.


Assim que recebeu a Sagrada Hóstia, o piso de pedra começou a afundar sob os pés do homem, como se não tivesse resistência alguma. Ao mesmo tempo, a Hóstia começou a diluir-se em sangue na boca do ímpio comungante, e não podia ser consumida. Com a boca aberta e fluindo sangue, o infeliz tentou ainda agarrar-se à borda do altar no desespero da situação e, nesse momento, o sacerdote conseguiu recuperar a hóstia ensanguentada. Imediatamente, o piso retornou à sua condição estável natural e o nobre pôde recompor-se de pé, saindo do buraco do chão.


A igreja tornou-se, então, um grande centro de peregrinação religiosa na Áustria e foi ampliada entre 1423 e 1431. Em 1574,  foi construída uma capela dedicada exclusivamente à relíquia eucarística - chamada Capela do Sangue - que abriga atualmente a Hóstia milagrosa, e diversas pinturas que reproduzem o milagre. 


E essa Hóstia ensanguentada permanece incólume mesmo 640 anos após esse evento, encapsulada num ostensório guardado perto do altar da capela. Ainda hoje é possível também ver o grande buraco que se abriu no piso de pedra quando Oswald Milser afundou no chão, hoje recoberto por uma grade por questões de segurança.



Quanto ao homem destes fatos extraordinários, sua vida mudou radicalmente. Convertido e profundamente abalado pelos eventos, o senhor de Schlossberg abandonou a vida mundana e ingressou imediatamente no mosteiro de Stams onde, após dois anos de severas penitências, morreu de causas naturais.

domingo, 2 de junho de 2024

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Exultai no Senhor, a nossa força!' (Sl 80)

Primeira Leitura (Dt 5,12-15) - Segunda Leitura (2Cor 4,6-11) -  Evangelho (Mc 2,23-3,6)
 
  02/06/2024 - NONO DOMINGO DO TEMPO COMUM

27. O SENHOR DO SÁBADO


Naqueles tempos ditosos em que o Senhor habitava a terra, o Evangelho de hoje faz memória de um certo dia e uma certa caminhada de Jesus, 'passando por uns campos de trigo, em dia de sábado' (Mc 2, 23). Desta vez, como em muitas outras vezes, sempre rodeados por grandes multidões e em andanças contínuas, os discípulos de Jesus estavam famintos. Desta vez, ao contrário da figueira frondosa mas estéril, as searas de trigo à beira do caminho estavam repletas de espigas. E os discípulos de Jesus se serviram delas para matar a fome.

Para os fariseus presentes, homens esmagados pela frieza e rigidez das normas sabáticas - até a simples coleta de espigas em trigais à beira de uma estrada, por homens fatigados e famintos, atentava contra a pureza e preservação do dia de sábado, o 'dia consagrado ao Senhor' (Dt 5, 14). De fato, muito mais que uma mera perplexidade fingida, estes fariseus eram movidos pela malícia doentia de buscar quaisquer meios e situações para tentar recriminar e indispor Jesus em relação às multidões que O seguiam. Jesus os interpela, então, sobre o episódio da fuga de Davi à perseguição de Saul quando, por necessidade extrema, permitira que seus homens se alimentassem com os pães sagrados e reservados aos sacerdotes (I Sm 21, 6).

Jesus vai lhes dar em seguida o testemunho definitivo: 'O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado. Portanto, o Filho do Homem é Senhor também do sábado' (Mc 2, 27 - 28). Os discípulos se serviam de trigo diante do Senhor do trigo. Os discípulos colhiam espigas no dia de sábado diante do Senhor do sábado. Não havia lugar então para simples conjecturas humanas, para firulas normativas da antiga lei mosaica, para o relativismo mesquinho e tenebroso de pobres fariseus, saciados e empanturrados de tanto orgulho e vaidade, que não tinham olhos e nem ouvidos para perceber que estavam diante do senhor do trigo e do sábado. Diante de corações tão duros e obstinados à graça, Jesus vai interpelá-los mais tarde, na sinagoga, movido por ira e tristeza: 'É permitido no sábado fazer o bem ou fazer o mal? Salvar uma vida ou deixá-la morrer?' (Mc 3,5).

Jesus que fizera um dia uma figueira sem frutos secar até a raiz, agora dá vida plena a uma mão seca, no dia especialmente consagrado ao Senhor. Uma mão sadia para plantar sementes e para colher espigas. Bastou àquele homem da mão seca acreditar, bastou ao homem estender a mão para ficar curado. A misericórdia de Deus é infinita, mas a nossa salvação precisa do nosso sim, de nossas mãos estendidas, ávidas de cura e aptas à semeadura, para produzir muitos frutos e espigas nos trigais do Senhor. E nos tornar também cientes dos mistérios da iniquidade deste mundo, em que muitos não reconhecerão Jesus como Mestre e Senhor e, no seu ódio obstinado à Verdade, negarão a Deus e serão, novamente e muitas vezes, outros tantos fariseus.

sábado, 1 de junho de 2024

O DOGMA DO PURGATÓRIO (LXXXII)

Capítulo LXXXII

Razões de Justiça - São Bernardino de Sena e a Viúva Infiel - Pecados Graves Devido às Reparações aos Mortos Não Cumpridas

Conta São Bernardino de Sena que um casal sem filhos fez um contrato segundo o qual, no caso de um morrer antes do outro, o sobrevivente deveria distribuir os bens deixados pelo outro, para o repouso da alma do defunto. O marido morreu primeiro e a sua viúva não cumpriu a promessa. A mãe da viúva ainda vivia e o defunto apareceu-lhe, pedindo-lhe que fosse ter com a filha e a exortasse, em nome de Deus, a cumprir o seu compromisso. 'Se ela demorar' - disse ele - 'a distribuir em esmolas a soma que destinei aos pobres, dizei-lhe da parte de Deus que dentro de trinta dias será atingida por uma morte súbita'. Quando a impiedosa viúva ouviu esta solene advertência, teve a audácia de a considerar como um sonho e persistiu na sua sacrílega infidelidade à sua promessa. Trinta dias se passaram e a infeliz mulher, tendo ido a um quarto superior da casa, caiu pela janela e morreu no local.

A injustiça para com os mortos, de que acabamos de falar, e as manobras fraudulentas para escapar à obrigação de executar os seus legados piedosos, são pecados graves, crimes que merecem o castigo eterno do Inferno. A menos que se faça uma confissão sincera e, ao mesmo tempo, a devida restituição, este pecado encontrará o seu castigo não no Purgatório, mas no Inferno.

Infelizmente, sim, é sobretudo na outra vida que a justiça divina castigará os culpados usurpadores dos bens dos mortos. Juízo sem misericórdia para aquele que não usou de misericórdia, diz o Espírito Santo. (Tg 2,13). Se estas palavras são verdadeiras, quão rigoroso julgamento aguarda aqueles cuja detestável avareza deixou a alma de um pai, de um benfeitor, durante meses, anos, talvez até séculos, nos espantosos tormentos do Purgatório. Este crime, como já dissemos, é tanto mais grave quanto, em muitos casos, os sufrágios que o defunto pede para a sua alma não passam de restituições disfarçadas. Este fato é, em certas famílias, demasiadas vezes ignorado. É muito cômodo falar de intriga e de avareza clerical. Usam-se os melhores pretextos para invalidar um testamento que, muitas vezes, talvez na maioria dos casos, envolve uma restituição necessária. O padre não é mais do que um intermediário neste ato indispensável, obrigado a um segredo absoluto em virtude do seu ministério sacramental.

Expliquemos melhor a questão. Um moribundo foi culpado de alguma injustiça durante a sua vida. Isso é mais frequente do que imaginamos, mesmo em relação aos homens mais corretos aos olhos do mundo. No momento em que está prestes a comparecer diante de Deus, esse pecador faz a sua confissão; ele deseja reparar integralmente, como lhe compete, todo o prejuízo que causou ao seu próximo, mas não lhe resta tempo para o fazer ele próprio, e não está disposto a revelar o triste segredo aos seus filhos. Que faz ele? Encobre a sua restituição sob o véu de um legado piedoso.

Ora, se esse legado não for pago e, consequentemente, a injustiça não for reparada, o que acontecerá com a alma do falecido? Ficará retida por tempo indefinido no Purgatório? Não conhecemos todas as leis da Justiça Divina, mas numerosas aparições servem para nos dar uma idéia delas, pois todas declaram que não podem ser admitidas na bem-aventurança eterna enquanto uma parte da dívida da Justiça estiver por ser cancelada. Além disso, não são essas almas culpadas por terem adiado até à sua morte o pagamento de uma dívida de justiça que tinham há tanto tempo? E se agora os seus herdeiros se esquecem de a pagar por elas, não é isso uma consequência deplorável do seu próprio pecado, do seu atraso culposo? É por culpa deles que esses bens mal adquiridos permanecem na família, e eles não deixarão de clamar contra eles enquanto a restituição não for feita. Res clamat domino - a propriedade clama pelo seu legítimo dono; clama contra o seu injusto possuidor.

Se, por malícia dos herdeiros, a restituição nunca for feita, é evidente que essa alma não pode permanecer para sempre no Purgatório; mas, nesse caso, um longo atraso na sua entrada no Céu parece ser um castigo adequado para um ato de injustiça, do qual a alma se retratou, é verdade, mas que ainda permanece na sua causa eficaz. Pensemos, pois, nessas graves consequências, quando deixamos passar dias, semanas, meses e talvez até anos, antes de saldar uma dívida tão sagrada.

Ai de nós! Como é fraca a nossa fé! Se um animal doméstico, um cãozinho, cai no fogo, demorais a tirá-lo? Vede, vossos pais, vossos benfeitores, pessoas que vos são muito caras, contorcendo-se nas chamas do Purgatório, e não considerais vosso dever urgente aliviá-los; retardais, deixais passar longos dias de sofrimento para essas pobres almas, sem vos esforçardes por praticar as boas obras que as libertarão de suas dores?

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.