quarta-feira, 30 de agosto de 2023

A FONTE DA VIDA E DA LUZ

Considera, ó homem redimido, quem é aquele que por tua causa está pregado na cruz e qual é a sua dignidade e grandeza. A sua morte dá a vida aos mortos; por sua morte choram o céu e a terra e fendem-se até as pedras mais duras. Para que, do lado de Cristo morto na cruz, se formasse a Igreja e se cumprisse a Escritura que diz: 'Olharão para aquele que transpassaram' (Jo 19,37), a divina Providência permitiu que um dos soldados lhe abrisse com a lança o sagrado lado, de onde jorraram sangue e água. Este é o preço da nossa salvação. Saído daquela fonte divina, isto é, no íntimo do seu Coração, iria dar aos sacramentos da Igreja o poder de conferir a vida da graça, tornando-se para os que já vivem em Cristo bebida da fonte viva que jorra para a vida eterna (Jo 4,14).

Levanta-te, pois, tu que amas a Cristo, sê como a pomba que faz o seu ninho na borda do rochedo (Jr 48,28) e aí, como o pássaro que encontrou a sua morada (cf Sl 83,4), não cesses de estar vigilante; aí esconde, como a andorinha, os filhos nascidos do casto amor; aí aproxima teus lábios para beber a água das fontes do Salvador (cf. Is 12,3). Pois esta é a fonte que brota no meio do paraíso e, dividida em quatro rios (cf Gn 2,10), se derrama nos corações dos fiéis para irrigar e fecundar a terra inteira.

Acorre com vivo desejo a esta fonte de vida e de luz, quem quer que sejas, ó alma consagrada a Deus e exclama com todas as forças do teu coração: 'Ó inefável beleza do Deus altíssimo e puríssimo esplendor da luz eterna, vida que vivifica toda vida, luz que ilumina toda luz e conserva em perpétuo esplendor a multidão dos astros que, desde a primeira aurora, resplandecem diante do trono da vossa divindade. Ó eterno e inacessível, brilhante e suave manancial daquela fonte oculta aos olhos de todos os mortais! Sois profundidade infinita, altura sem limite, amplidão sem medida, pureza sem mancha!'

'De ti procede o rio que vem trazer alegria à cidade de Deus (Sl 45,5) para que, entre vozes de júbilo e de contentamento (cf Sl 41,5) possamos cantar hinos de louvor ao vosso nome, sabendo por experiência que em vós está a fonte da vida e, em vossa luz, contemplamos a luz' (Sl 35,10).

 (São Boaventura)

terça-feira, 29 de agosto de 2023

FRASES DE SENDARIUM (VIII)

 

'Primeiro faça o necessário; depois faça o possível; e, de repente, você vai perceber que pode fazer o impossível'

(São Francisco de Assis)

O teu caminho da santificação é pavimentado com as tuas boas obras e construído com os teus bons exemplos

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

SOBRE AS VIRTUDES HEROICAS


A noção de heroicidade deriva de herói, originalmente um guerreiro, um semideus; portanto, expressa uma conotação de certo grau de bravura, fama e distinção que coloca um homem acima dos demais. Santo Agostinho aplicou pela primeira vez o título de herói aos mártires cristãos; desde então, prevaleceu o costume de o atribuir não somente aos mártires, mas a todos os confessores cujas virtudes e boas obras superam em muito as das pessoas de bem comuns. Bento XIV, cujos capítulos sobre a virtude heroica são clássicos, descreve assim a heroicidade: 'Para ser heroica, uma virtude cristã deve permitir ao seu possuidor realizar ações virtuosas com prontidão, facilidade e prazer invulgares, a partir de motivos sobrenaturais e sem ponderações humanas, com abnegação de si mesmo e pleno controle sobre as suas inclinações naturais'. Uma virtude heroica, portanto, é um hábito de boa conduta que se tornou uma segunda natureza, uma nova força motriz mais forte do que todas as inclinações inatas correspondentes, capaz de tornar fácil uma série de ações que seriam, para um homem comum, uma tarefa cheia de grandes dificuldades, e certamente insuperáveis.

Além das quatro virtudes cardeais, o santo cristão deve ser dotado das três virtudes teologais, especialmente da caridade divina, a virtude que informa, batiza e consagra, por assim dizer, todas as demais virtudes; que as associa e unifica num poderoso esforço de participação na vida divina. Como a caridade está no cume de todas as virtudes, assim a fé está no seu fundamento. Com efeito, é pela fé que se chega primeiro a Deus e se eleva a alma à vida sobrenatural. A fé é o segredo da consciência; para o mundo, ela se manifesta pelas boas obras realizadas: 'A fé sem obras é morta' (Tg 2,2). Tais boas obras são principalmente: 
  • a profissão externa da fé, 
  • a observância rigorosa dos mandamentos divinos, 
  • a oração, 
  • a devoção filial à Igreja, 
  • o temor de Deus, 
  • o horror ao pecado, 
  • a penitência pelos pecados cometidos, 
  • a paciência na adversidade. 
Todas ou algumas delas atingem o grau de heroicidade quando praticadas com perseverança incansável, durante um longo período de tempo ou sob circunstâncias tão difíceis que homens de perfeição comum seriam dissuadidos de agir. Os mártires que morrem em tormentos pela Fé, os missionários que a propagam sem descanso por toda a vida ou os pobres humildes que, com infinita paciência, arrastam pela vida afora a sua existência miserável somente para cumprir a vontade de Deus e colher a sua recompensa no futuro, estes são os heróis da Fé.

(Excertos da Catholic Encyclopedia)

domingo, 27 de agosto de 2023

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Ó Senhor, vossa bondade é para sempre!
Completai em mim a obra começada!(Sl 137)

Primeira Leitura (Is 22,19-23) - Segunda Leitura (Rm 11,33-36)  -  Evangelho (Mt 16, 13-20)

 27/08/2023 - Vigésimo Primeiro Domingo do Tempo Comum

40. 'E VÓS, QUEM DIZEIS QUE EU SOU?'

Num dado dia, na 'região da Cesareia de Felipe', Jesus revelou aos seus discípulos, num mesmo momento, a sua própria identidade divina e o primado da Igreja. Neste tesouro das grandes revelações divinas, o apóstolo Pedro será contemplado, neste dia, por privilégios extraordinários: seu ato humano de fé perfeita será convertido por Cristo na pedra angular da qual nascerá a Santa Igreja.

Nesta ocasião, as mensagens e as pregações públicas de Jesus estavam consolidadas; os milagres e os poderes sobrenaturais do Senhor eram de conhecimento generalizado no mundo hebraico; multidões acorriam para ver e ouvir o Mestre, dominados pela falsa expectativa de encontrar um personagem mítico e um Messias dominador do mundo. Então, Jesus retira-se para um lugar isolado, afastando-se do júbilo fácil do mundo e das multidões errantes, que O tomam por João Batista, por Elias, por um dos antigos profetas. E se aproxima intimamente daqueles que haverão de ser os primeiros apóstolos da Igreja nascente, compartilhando-lhes na pergunta do juízo de fé: 'E vós, quem dizeis que eu sou?' (Mt 16, 15). A resposta de Pedro é um símbolo da confissão perfeita da sua fé: 'Tu és o Messias, o Filho do Deus Vivo' (Mt 16, 16).

Sim, Jesus Cristo é o Filho de Deus Vivo: Deus feito homem na eternidade de Deus. A missão salvífica de Jesus há de passar não por um triunfo de epopeias mundanas, mas por um tributo de Paixão, Morte e Ressurreição; não pelo manejo da espada ou por eventos feitos de glórias humanas, mas pela humildade, perseverança e um legado de Cruz. A Cruz de Cristo é o caminho da nossa salvação e da vida eterna, ontem e sempre. Por isso, a mesma pergunta se impõe a todos os homens, de todos os tempos: quem é Jesus para nós, o Filho de Deus Vivo da confissão de Pedro ou um arauto de nossas próprias incertezas, refeito sob a ótica dos interesses humanos?

Em resposta ao apóstolo fiel, Jesus vai oferecer a Pedro as primícias do papado e o primado da Igreja, como privilégio da glória, poder e realeza de Cristo: 'Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. Por isso, eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la' (Mt 16, 17 - 18). E Jesus vai declarar em seguida o poder universal e sobrenatural da Santa Igreja Católica Apostólica e Romana: 'Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que desligares na terra será desligado nos céus' (Mt 16, 19). Ligado ou desligado. Poder absoluto, domínio universal, primado da verdade, Cátedra de Pedro. Na terra árida de algum ermo qualquer da 'Cesareia de Felipe', erigiu-se naquele dia, pela Vontade Divina, nas sementeiras da humanidade pecadora, a Santa Igreja, a Videira Eterna.

sábado, 26 de agosto de 2023

SERMÕES DO CURA D'ARS (XII)

 SOBRE AS NOSSAS TRIBULAÇÕES

'Em verdade, em verdade vos digo: haveis de lamentar e chorar, mas o mundo se há de alegrar. E haveis de estar tristes, mas a vossa tristeza se há de transformar em alegria' (Jo 16,20)

Quem, meus amados cristãos, poderia ouvir sem tremer o discurso do Redentor aos seus discípulos antes de sua ascensão ao céu, no qual Ele lhes diz que a vida deles seria uma série de lágrimas, sofrimentos e dores em carregar a cruz, enquanto o resto do mundo se alegraria e se divertiria? Não que os homens do mundo não tivessem também os seus problemas, porque a tristeza e a consternação são a consequência natural de uma má consciência, e uma vida desordenada encontra o seu próprio castigo em um coração perturbado. A sorte dos bons cristãos é completamente diferente: eles têm de se decidir a sofrer e a chorar nesta vida, mas o seu sofrimento e as suas lágrimas vislumbram na outra vida uma alegria e um prazer ilimitados em extensão e duração. Em contrapartida, os filhos do mundo, após alguns momentos de gozo, misturados com muita amargura, seguem o caminho que conduz ao fogo eterno. 'Ai de vós' - disse Jesus Cristo - 'ai de vós que não pensais senão em alegria, porque as vossas alegrias produzirão sofrimentos eternos na morada da minha justiça'. Mas Ele falou aos bons cristãos:  'Bem-aventurados sois vós que passais os vossos dias em lágrimas, porque virá o dia em que eu mesmo serei a vossa consolação'. Mostrar-vos-ei agora, meus caros cristãos, que a cruz, a pobreza, o desprezo e o sofrimento são a sorte do cristão que deseja salvar a sua alma e que procura ser agradável a Deus.

Ou sofreis nesta vida ou perdereis a esperança de ver Deus no céu. Deixai-me dizer-vos que, a partir do momento em que sois contados entre os filhos de Deus, deveis tomar sobre vós a cruz e não a abandonar até o momento da vossa morte. Quando Jesus Cristo nos fala do céu, não deixa de nos recordar que só podemos merecê-lo carregando a cruz e sofrendo: 'Toma a tua cruz e segue-me, não por um dia, um mês ou um ano, mas por toda a tua vida'. Santo Agostinho diz: 'Deixai os prazeres e os divertimentos aos filhos do mundo; mas vós, que sois filhos de Deus, chorai como os filhos de Deus'.

Os sofrimentos e as perseguições são de grande utilidade para nós, porque neles encontramos um meio muito eficaz de expiar os nossos pecados, visto que somos obrigados a sofrer por eles, quer neste mundo, quer no outro. Os sofrimentos neste mundo não são ilimitados, nem em intensidade, nem em duração: o Deus misericordioso nos castiga por causa de sua grande misericórdia para conosco; Ele nos permite sofrer por um tempo, apenas para nos fazer felizes por toda a eternidade. Por maiores que sejam os nossos sofrimentos neste mundo, Ele nos toca apenas com o dedo mindinho, por assim dizer; enquanto no outro mundo as torturas e os castigos que teremos de suportar são ditados pelo seu grande poder e ira. Lá nos parecerá que Deus quis esgotar todo o seu poder para vingar a sua majestade ofendida. Lá os nossos tormentos serão infinitos em severidade e duração. 

Nesta vida, os nossos sofrimentos são atenuados pela consolação e pelo auxílio que a nossa santa religião nos oferece, mas no outro mundo não há consolação, não há atenuação alguma; pelo contrário, lá tudo leva ao desespero. Ó como é bem-aventurado o cristão que passa toda a sua vida em lágrimas e tribulações, pois assim evita a maior desgraça que lhe pode acontecer, e assegura para si a alegria eterna. Jó, o santo homem, diz-nos que a vida não é mais do que uma miséria sem fim. Vamos focar neste ponto. Vamos de casa em casa e encontraremos sempre plantada por todo o lado a cruz de Cristo. Aqui é a perda dos bens terrenos, resultado de uma injustiça, que atirou toda uma família para a miséria; ali é uma doença, que mantém uma pessoa num leito de sofrimento; ali é uma esposa que come o seu pão entre lágrimas e tristeza por causa de um marido bêbado e brutal. Mais além, encontramos pobres idosos que foram atirados aos asilos deste mundo pelos seus filhos ingratos. Aqui está um homem curvado de tristeza e vergonha porque foi acusado de delitos que nunca cometeu. E, novamente, há uma casa cheia de lamentações pela perda de um pai, de uma mãe ou de um filho. Assim, a nossa vida mortal parece pobre e miserável, considerada do ponto de vista humano; mas, se considerarmos nossa vida do ponto de vista da nossa religião, logo nos convenceremos de que somos miseráveis apenas enquanto remoemos e lamentamos os nossos problemas do ponto de vista humano.

Por que tendes tanta tendência a considerar-vos infelizes? Porque sempre pensais naqueles cuja situação na vida é melhor do que a vossa. O pobre, na miséria de sua pobreza, em vez de pensar naqueles que, por motivo de doença ou, talvez, por terem sido colocados na prisão ou no asilo, estão em situação pior do que a sua, deixa que os seus pensamentos se detenham nas mansões dos ricos e em seus bens e prazeres terrenos. O doente, em vez de pensar nas torturas sofridas pelos condenados pelo justo julgamento do Senhor ao castigo eterno, dirige o seu pensamento apenas para os poucos felizardos que nunca tiveram a infelicidade de ser pobres ou doentes. É por essa razão, meus caros amigos, que consideramos insuportáveis os nossos sofrimentos. Mas qual é a consequência? A consequência é que a nossa murmuração e a nossa queixa privam-nos de todos os méritos que poderíamos ganhar no Céu com os nossos sofrimentos: por um lado, suportamo-los sem nos consolarmos com o pensamento de que eles nos abrem a esperança do perdão; por outro lado, aumentamos os nossos pecados com a nossa impaciência e a nossa murmuração, em vez de os diminuirmos oferecendo o nosso sofrimento em expiação deles. É a nossa impaciência, a nossa falta de submissão à vontade de Deus e a nossa falta de confiança nEle que nos tornam tão infelizes e que são a causa de aumentarmos os nossos pecados em vez de os diminuirmos, oferecendo os nossos sofrimentos em expiação. Quão infeliz e cheia de desespero é a vida daquele que esquece para que fim Deus lhe enviou uma cruz para carregar!

Mas poderíeis me dizer: 'Já ouvimos centenas de vezes esses sentimentos serem expressos; são apenas palavras, não são consolações; dizemos as mesmas coisas àqueles que vemos sofrer'. Mas eu vos digo, meus amigos, olhai para o alto, olhai para o céu. Removei os vossos corações do lodo desta vida em que se afundaram; rasgai as nuvens de neblina que vos escondem a recompensa celeste, que podeis obter por meio dos vossos sofrimentos aqui na terra. Levantai os vossos olhos e vede o bom Pai que vos reserva uma gloriosa mansão nos seus domínios. Deus te castiga apenas para curar as feridas que tu, pobre pecador, infligiste à tua própria alma. Deus te envia o sofrimento apenas para te legar a coroa da glória eterna.

Se quereis saber, meus caros amigos, como tomar a cruz, que vos foi entregue pelo Todo-Poderoso ou pelos vossos próprios semelhantes, deixai-me citar-vos como exemplo, como Jó tomou a sua cruz, como nunca ficou descontente mesmo com a perda dos seus numerosos bens e da sua família, nem quando o fogo do céu destruiu os seus rebanhos, nem quando os ladrões levaram o resto do seu gado, nem quando um ciclone terrível destruiu a sua casa e enterrou os seus filhos, mas exclamou com devoção: 'Ai de mim, a mão do Senhor pesa sobre mim!' Há anos que estava deitado num monturo, coberto de chagas, sem ajuda nem consolação, abandonado até pela própria mulher que, em vez de o consolar, apenas zombava dele com as palavras: 'Por que não pedes ao teu Deus a morte, para te livrares de toda esta miséria; não vês como o teu Deus, a quem serviste tão fielmente, te tortura?' E ele apenas lhe respondia: 'Falaste como uma das mulheres insensatas; se recebemos coisas boas da mão de Deus, por que não havemos de aceitar as más?'

Mas alguns de vós poderiam dizer: 'Não compreendo porque Deus nos visita com tais calamidades; Ele, que é o próprio amor e que nos ama com um amor infinito'. Poderíeis ainda me perguntar: 'Como é possível que um pai castigue o seu filho ou que um médico dê ao doente um remédio amargo?' Pensais que seria melhor deixar essa criança viver sem freio do que conduzi-la, através do castigo, ao caminho da virtude e, assim, ao céu? Achais que o médico deve deixar morrer o doente, em vez de lhe prescrever um remédio amargo? Como somos cegos se raciocinamos assim! Deus tem de nos castigar e, se não tivermos a cruz, podemos ter a certeza de que não pertencemos ao número dos seus filhos. O próprio Jesus disse que o Reino dos Céus seria apenas para aqueles que sofrem e lutam até o fim. E não é que Ele diz sempre a verdade? Contemplai a vida dos santos, vede o caminho que seguiram; desde o momento em que deixaram de sofrer, temeram que o Senhor os tivesse abandonado e que o tivessem perdido para sempre. 'Meu Deus, meu Deus!' - exclamava Santo Agostinho em lágrimas - 'não me poupeis nesta vida, mas deixai-me sofrer muito. Mostrai-me a vossa misericórdia só na outra vida e eu estarei satisfeito'.

A maior parte das pessoas que padecem sofrimentos dizem: 'O que é que eu fiz ao Senhor para Ele me enviar tanta miséria?' E eu respondo: 'Deus te manda esta aflição porque realmente fizeste o mal, meu amigo. Toma para si todos os mandamentos, um a um, e vê se não pecaste contra todos e cada um deles. Que todos os dias da tua vida pecaminosa, desde os dias inocentes da tua infância, passem em tua memória, e então verás porque não deverias perguntar que mal fizeste para que Deus te castigue assim. Será que os maus hábitos em que vos afundastes durante tanto tempo não contam para nada? E o vosso orgulho? Achais justo esperar que todos se curvem diante de vós, porque tendes alguns hectares de terra a mais do que outro, o que pode ser a causa da vossa condenação? Já esquecestes essa cupidez que vos mantém sempre em estado de insatisfação; e esse amor próprio, essa vaidade, esse temperamento raivoso, essa sede de vingança, essa intemperança, esse ciúme? Esquecestes a vossa criminosa negligência para com o Santíssimo Sacramento e todas as obrigações religiosas que deveríeis ter cumprido em benefício da vossa alma? O vosso esquecimento de todos estes e outros fatos vos torna isentos de culpa? E se és culpado, não deveria a justiça de Deus castigar-te? Dizei-me, meu amigo, que penitência fizestes para expiar os vossos pecados, que jejum ou que mortificação? Onde estão as tuas boas obras? Quando, depois de tantos pecados, não derramares uma lágrima; quando, depois de tanta avareza, não deres a menor esmola; quando, depois de tanto orgulho, não sofreres a menor humilhação; quando, depois da tua carne ter servido ao maligno, não quiseres ouvir falar de penitência, então o Céu deve intervir e impor essa penitência que tu próprio não praticaste.

Vejam pois como somos cegos! Gostaríamos de fazer o mal sem sermos castigados por isso ou, por outras palavras, preferiríamos que Deus fosse injusto. Deixai, Senhor, que o pecador leve uma vida fácil; não lhe imponhais a mão demasiado pesada; deixai-o engordar como um animal de sacrifício, destinado ao castigo eterno, onde terá tempo de satisfazer a vossa justiça; poupai-o nesta vida; ele assim o quer. Ele pode fazer penitência no fogo eterno, penitência sem mérito, penitência sem fim. Ó meu Senhor, não deixeis que esta desgraça nos aconteça! 'Ó meu Deus' - exclamava Santo Agostinho - 'aumentai a minha miséria e o meu sofrimento tanto quanto quiserdes, mas não me poupeis da vossa misericórdia na vida futura'.

'Sim' - diria um outro - 'isso é muito bom para aqueles que cometeram pecados graves, mas eu, graças a Deus, nunca fiz nada disso'. Essa pessoa, portanto, acredita que, por pensar que não cometeu tais pecados, não precisa de sofrer. Mas eu digo que é precisamente pelo fato de essa pessoa tentar fazer o bem que Deus lhe enviará provações e permitirá que ela seja escarnecida, desprezada e que a sua piedade seja ridicularizada, porque Deus quer pô-la à prova enviando-lhe doenças e tribulações. Olhai para Jesus Cristo, verdadeiro modelo da vossa vida, e vede se Ele viveu um único momento sem sofrer, e, de fato, sofrendo tanto que a mente humana ainda não o conseguiu compreender. Por que os fariseus o perseguiram e tentaram continuamente enredá-lo, para terem um motivo para o condenarem à morte? Fizeram tais coisas porque pensavam que Ele estava errado? De modo nenhum; fizeram isso porque os seus milagres, a sua pobreza e humildade condenavam o seu orgulho e as suas más ações. Se olharmos para as Sagradas Escrituras, veremos que, desde o início do mundo, o sofrimento, o opróbrio e o escárnio foram a parte destinada aos filhos de Deus - isto é, daqueles que se esforçaram por levar uma vida temente a Deus. 

Quem realmente pode escarnecer ou censurar aqueles que cumprem os deveres da sua religião, senão um pobre e miserável proscrito do inferno, que foi enviado a esta terra com o propósito de tentar atrair outros para o abismo, que é a sua morada para toda a eternidade? Deixai-me dar-vos alguns exemplos. Por que Caim matou o seu irmão Abel? Ele o matou porque não conseguiu induzi-lo a fazer o mal, como ele próprio o fazia. Por que os irmãos de José o atiraram numa cisterna? Porque a sua vida temente a Deus era uma vergonha para o próprio modo de vida dissoluto deles. Qual foi a causa das perseguições aos Apóstolos, continuamente presos, torturados e maltratados, de modo que a sua vida, a partir da morte de Nosso Senhor, foi um martírio contínuo? Todos eles tiveram de morrer de uma maneira muito cruel e dolorosa. E o que eles tinham feito para sofrerem tudo isso? Tinham procurado apenas a honra do Senhor e a salvação das suas almas. Se fordes censurados, ridicularizados, escarnecidos, perseguidos, embora não tenhais feito nada de mal, tanto melhor para vós. Se não tiverdes de passar por nenhum sofrimento neste mundo, como então vos achareis diante o Senhor no dia do julgamento?

Pois então, se fordes perseguidos, ridicularizados e feridos, embora nada tenhais feito de mal, estareis com certeza no caminho certo para o Céu. O que o Salvador nos disse? 'Tomai a vossa cruz e segui-me; perseguiram-me a mim, perseguir-vos-ão também a vós; mas não desanimeis, antes alegrai-vos, porque será grande a vossa recompensa nos céus. Pois quem não estiver disposto a sofrer tudo, até perder a vida por amor a mim, não é digno de mim'. Amém.

sexta-feira, 25 de agosto de 2023

ORAÇÃO DO BOM PASTOR (SÃO JOÃO DAMASCENO)


Cristo, meu Deus, dignastes humilhar-vos para me acolher e me carregar sobre os ombros como a ovelha perdida e me conduzistes a prados verdejantes e às fontes da água viva da sã doutrina transmitida pelos vossos pastores. Sim, Vós os guiastes na luz da graça para confiar depois a eles o cuidado de guiar o vosso rebanho. E agora, Senhor, chamastes também a mim, para ser pastor e guia do vosso povo...

Para isso, aliviai, Senhor, o fardo pesado dos meus pecados que vos ofenderam gravemente; purificai o meu espírito e o meu coração. Guiai-me por caminhos retos como uma lâmpada que me ilumina. Dai-me a coragem de propagar a vossa palavra e que a língua de fogo do vosso Espírito mantenha acesa a minha fé ardente em todas as vossas coisas. Permanecei sempre comigo e não permitais que eu me aparte da vossa presença.

Sede, Senhor, o meu pastor; e sede comigo o pastor das vossas ovelhas, de modo que o meu coração nunca se desvie nem para a direita nem para a esquerda. Que o vosso Santo Espírito me guie sempre pelo caminho reto, de modo que todas as minhas obras sejam apenas frutos da vossa vontade, desde agora e até o fim dos meus dias.

(A Fé Ortodoxa)

DOUTORES DA IGREJA (XXII)

 22São João Damasceno, Presbítero (†749)

Doutor da Arte Cristã
Concessão do título: 1883 - Papa Leão XIII

Celebração: 04 de dezembro (Memória Facultativa)

 Obras e Escritos 

  • A Fonte da Sabedoria, em 3 partes: Dialectica (Dialética ou Capítulos Filosóficos); De haeresibus - Sobre as Heresias e De orthodoxa fidei - Sobre a Fé Ortodoxa
  • Contra imaginum calumniatores orationes tres - Três Discursos contra quem calunia as imagens santas
  • Institutio elementaris ad dogmata - Um estudo elementar sobre dogmas
  • Contra Jacobitas - Contra os Jacobitas
  • Dialogus contra Manichaeos - Diálogo contra os Maniqueus
  • Adversos Nestorianos - Contra os Nestorianos
  • De fide contra Nestorianos - Sobre a Fé, contra os Nestorianos
  • De sacris ieiuniis - Sobre os Jejuns Santos
  • De recta sententia liber - Sobre o pensamento correto
  • Epistula de hymno Trisagio - Carta sobre o Hino Três Vezes Santo
  • De duabus in Christo voluntatibus - Sobre as Duas Vontades em Cristo (ou Contra os Monotelitas)
  • Homilias a Nossa Senhora
  • Sermões
  • Hinos