quarta-feira, 16 de agosto de 2023

DOUTORES DA IGREJA (XXI)

  21São Cirilo de Jerusalém, Bispo (†386)

Doutor da Catequese
Concessão do título: 1883 - Papa Leão XIII

Celebração: 18 de março (Memória Facultativa)

 Obras e Escritos 

  • Catequeses Mistagógicas
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terça-feira, 15 de agosto de 2023

GLÓRIAS DE MARIA: ASSUNÇÃO AO CÉU

 

A Assunção de Maria - Palma Vecchio (1512 - 1514)

"Pronunciamos, declaramos e de­finimos ser dogma de revelação divina que a Imaculada Mãe de Deus sempre Virgem Maria, cumprido o curso de sua vida terrena, foi assunta em corpo e alma à Glória celeste”.

                            (Papa Pio XII, na Constituição Dogmática  Munificentissimus Deus, de 1º de novembro de 1950)


A solenidade da Assunção da Virgem Maria (celebrada pela Igreja no dia 15 de agosto) existe desde os primórdios do catolicismo e, desde então, tem sido transmitida pela tradição oral e escrita da Igreja. Trata-se de um dos grandes e dos maiores mistérios de Deus, envolto por acontecimentos tão extraordinários que desafiam toda interpretação humana: 

1. Nossa Senhora NÃO PRECISAVA morrer, uma vez que era isenta do pecado original;

2. Nossa senhora QUIS MORRER para se assemelhar em tudo ao seu Filho, pela aceitação de sua condição humana mortal e para mostrar que a morte cristã é apenas uma passagem para a Vida Eterna;  

3. Nossa Senhora NÃO PODIA passar pela podridão natural da carne tendo sido o Sacrário Vivo do próprio Deus;

4. A morte de Nossa Senhora foi breve (é chamada de 'Dormição') e ela foi assunta ao Céu em corpo e alma;

5. Aquela que gerou em si a vida terrena do Filho de Deus foi recebida por Ele na glória eterna;

6. Nossa Senhora foi assunta ao Céu pelo poder de Deus; a ASSUNÇÃO difere assim da ASCENSÃO de Jesus, uma vez que Nosso Senhor subiu ao Céu pelo seu próprio poder.


Louvor a Ti, Filha de Deus Pai,
Louvor a Ti, Mãe do Filho de Deus,
Louvor a Ti, Esposa do Espírito Santo,
Louvor a Ti, Maria, Tabernáculo da Santíssima Trindade!

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

A REDE SEMPRE VAI TER PEIXES BONS E MAUS

Nosso Senhor foi um modelo incomparável de paciência: aguentou um 'demônio' entre os seus discípulos até à sua Paixão (Jo 6,70). Dizia Ele: 'Deixai um e outro crescer juntos, até à ceifa, para que não suceda que, ao apanhardes o joio, arranqueis o trigo ao mesmo tempo' (Mt 13,29). Tendo a rede como símbolo da Igreja, predisse que esta traria para a praia, quer dizer, até ao fim do mundo, toda a espécie de peixes, bons e maus. E deu a conhecer de muitas outras maneiras, tanto abertamente como através de parábolas, que haveria sempre essa mistura de bons e maus. E, no entanto, afirmou que é necessário vigiar pela disciplina na Igreja quando disse: 'Se o teu irmão pecar, vai ter com ele e repreende-o a sós. Se ele te der ouvidos, terás ganho o teu irmão' (Mt 18,15).

Mas hoje vemos pessoas que só tomam em consideração os preceitos rigorosos, que mandam reprimir os que causam perturbação, que ordenam que 'não se deem aos cães as coisas santas', que se 'tratem como aos publicanos' aqueles que desprezam a Igreja, que se repudiem do seu corpo os membros escandalosos (Mt 7,6; 18,17; 5,30). O seu zelo intempestivo causa muita tribulação à Igreja, porque desejariam arrancar o joio antes do tempo e a sua cegueira faz deles próprios inimigos da unidade de Jesus Cristo.

Tomemos cuidado em não deixarmos entrar no nosso coração estes pensamentos presunçosos, em não procurarmos destacar-nos dos pecadores para não nos sujarmos com o seu contato, em não tentarmos formar como que um rebanho de discípulos puros e santos. Sob o pretexto de não frequentarmos os maus, conseguiríamos apenas romper a unidade. Pelo contrário, recordemo-nos das parábolas da Escritura, dessas palavras inspiradas, desses exemplos tocantes, onde se nos demonstra que os maus estarão sempre misturados com os bons na Igreja, até ao fim do mundo e até ao dia do Juízo, sem que a sua participação nos sacramentos seja prejudicial aos bons, desde que estes não participem dos pecados daqueles.

(Excertos da obra 'A Fé e as Obras', de Santo Agostinho)

domingo, 13 de agosto de 2023

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Mostrai-nos, ó Senhor, vossa bondade e a vossa salvação nos concedei!(Sl 84)

Primeira Leitura (1Rs 19,9a.11-13a) - Segunda Leitura (Rm 9,1-5)  -  Evangelho (Mt 14,22-33)

 13/08/2023 - Décimo Nono Domingo do Tempo Comum

38. 'VEM!'(JESUS ANDANDO SOBRE AS ÁGUAS)


Jesus, antes de despedir a multidão às margens do mar de Tiberíades, ordena aos apóstolos que entrem na barca e façam sozinhos a travessia para a outra margem. Aquele que, momentos antes, fizera a multiplicação dos pães e dos peixes, não se comprazia com o ardor da turba admirada pelo extraordinário milagre, mas refém de um messianismo enganoso e deturpado. Esse mesmo brilho enganoso poderia ter perpassado nos olhos de alguns de seus discípulos. Jesus, ciente destes desvios e interpretações ruinosas, liberta-se dos homens e se isola em oração fervorosíssima em lugar isolado, muito provavelmente para pedir e suplicar ao Pai o pleno cumprimento de sua missão salvífica e redentora, muito além das comoções humanas.

Então, já noite alta, os apóstolos sentiram medo e aflição, sozinhos na barca que se agitava perigosamente nas águas revoltas pelos ventos impetuosos. E o medo se transformou em terror quando julgaram ver um fantasma andando sobre as águas, em direção à barca. Jesus se revelou, então, a eles: 'Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!' (Mt 14, 27). Mas a incerteza e a desconfiança ainda imperavam naquela barca à mercê dos ventos, expressas pelo grito de Pedro: 'Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água' (Mt 14, 28). Ao que Jesus respondeu: 'Vem!' (Mt 14, 28).

'Vem!' Eis o chamado de Jesus a Pedro, aos seus discípulos, a cada um de nós. Ir ao encontro de Jesus, e em Jesus colocar toda a nossa confiança e certeza, é o caminho da plenitude da graça. Ir ao encontro de Jesus, quaisquer que sejam os obstáculos, as provações e as tempestades do mundo, mesmo que pareça que estamos despojados de tudo e de todos, ainda que se tenha de andar sobre as águas de um mar tenebroso. Basta-nos a fé. A fé que faltou, então, a Pedro, quando distanciou o seu olhar do Senhor e se fixou nas marolas do mundo, afundando-se no mar. Mas 'Jesus logo estendeu a mão, segurou Pedro, e lhe disse: “Homem fraco na fé, por que duvidaste?” (Mt 14, 3'). E subiram ambos ao barco.

A frágil embarcação no meio do nada e em completa escuridão é agora o templo de Deus: 'Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus!' (Mt 14, 33). Jesus está junto aos seus discípulos, e lhes dá a sua paz. Paz que faz serenar os ventos e as águas, paz que afasta os temores e aflições, paz que inunda os corações da graça divina. Paz que nos foi legada também como desígnio de salvação; tesouro que se encontra quando, na inquietude dos conflitos e incertezas do mundo, somos passageiros da grande Barca (Santa Igreja) que ruma confiante ao encontro do Senhor que Vem.

sábado, 12 de agosto de 2023

O VALOR INFINITO DA SANTA MISSA

Nossos pais, Adão e Eva, desobedeceram o preceito de Deus e se rebelaram enganados por Satanás, que lhes disse: 'Tomai e comei e sereis como deuses'. O homem, quando peca, se rebela contra Deus e diz com as suas obras: Non serviam - Não servirei. Despreza a Deus, que é o seu Senhor e Pai. Deste desprezo se queixa muito sentidamente este bom Pai, dizendo por um profeta: 'criei filhos e os fiz crescer e eles me desprezaram' (Is 1,92).

... O corpo, mais ou menos cedo, morrerá, mas depois ressuscitará por Cristo, que ressuscitará tudo. A alma daquele que peca mortalmente sofre duas mortes: a primeira é a privação da graça e a segunda a privação da glória do céu, a condenação da pena e sepultura eterna do inferno; da primeira morte se pode ressuscitar pelos méritos de Jesus Cristo, mas da segunda não, porque in inferno nulla est redemptio - não existe nenhuma redenção no inferno.

Como Deus é tão bom, não quer a morte do pecador, mas que ressuscite da primeira morte; para isto e para que não caia na segunda morte, aí está o sacrifício. Quem oferece sacrifício coloca os seus pecados sobre a vítima e esta deve morrer ou ficar destruída por eles e depois o oferente deve comer da vítima para participar dos seus méritos: eis aqui o porquê da missa e comunhão. E o concílio de Trento deseja que em todas as missas os fiéis que a assistem nelas também comunguem.

O pecado é de uma malícia infinita pela razão do objeto ofendido, que é Deus e, por isso, só um Deus feito homem podia dar uma digna satisfação à divina justiça. Esta digna satisfação a deu Jesus Cristo uma vez no Calvário, morrendo em uma cruz por todos; mas depois é preciso que se faça em particular esta aplicação, como se faz na santa missa, segundo mandato de Jesus Cristo, dizendo: Hoc facite in meam commemorationem - fazei isto em minha memória. E como as pessoas irão se sucedendo e continuando até a consumação dos séculos, assim também continuará este sacrifício até a consumação dos séculos, segundo a promessa do mesmo Jesus Cristo com estas palavras: 'Eis que estarei convosco até a consumação dos séculos  (Mt 28,20).

Por meio do que se disse até aqui, depreende-se quais as razões pelas quais se deve continuar este santo sacrifício da missa até o fim do mundo e a obrigação que têm os cristãos de assistir a ele a fim de participar dos seus méritos. Mas como de algum tempo para cá vejo que alguns cristãos facilmente se dispensam de assistir a missa, não obstante o preceito determinante da Igreja, nossa Mãe, me vejo na obrigação de explicar-lhe a razão; e o motivo é que o vírus protestante infiltrou no coração destas pessoas. 

... Realmente não se é de estranhar isto, porque o protestantismo não foi nem é atualmente outra coisa que uma violenta explosão de todas as paixões rancorosas contra a Igreja católica, apostólica, romana e como os mistérios do amor não podem associar-se com os sistemas inventados pelo ódio, do mesmo modo o homem carnal não pode perceber nem entender as coisas espirituais; eis aqui por que razão os protestantes não têm missa e nem os filósofos carnais têm apreço por ela e, por fim, alguns cristãos já não assistem a santa missa porque são cristãos apenas carnais e contagiados pelos protestantes.

... Assistamos nós o santo sacrifício da missa, não só nos domingos e festas e dias de preceito, por ser um dever, mas também nos demais dias por devoção. Devemos oferecer este santo sacrifício a Deus não só para dar-lhe satisfação de nossas faltas, culpas e pecados, mas também em reconhecimento do seu supremo domínio sobre nós e em testemunho dos benefícios e graças que Ele nos dispensa continuamente, pois tudo o que temos dele recebemos; e em agradecimento por tantas graças recebidas, devemos assistir este sacrifício que o mesmo Jesus Cristo oferece ao eterno Pai por nós. Ele é a principal oferenda e a vítima oferecida. Jesus Cristo é o advogado que temos no céu com Deus Pai, que intercede por nós, como diz São João. E, além disso, o temos sobre o altar, sempre intercedendo por nós, como assegura São Paulo.

Certamente que não basta, nem é suficiente, cumprirmos, como bons cristãos, o mandato da assistência à santa missa e da comunhão nela para fazer-nos mais participantes dos méritos de Jesus Cristo; é, além disso, indispensável que sejamos sacerdotes ou sacrificadores, não só na missa, juntamente com Jesus Cristo, sacrificador invisível e o sacerdote, sacrificador visível, devemos oferecer-nos também a nós mesmos como vítimas para a glória de Deus e em satisfação das nossas culpas e pecados. Os maus não são contados por Deus como sacerdotes, nem seu sacrifício pode ser aceito e agradável, por não ser sacrifício de justiça, que é o único que pode ser aceito.

Este sacrifício que fazem de si os bons é muito agradável aos olhos de Deus e muito satisfatório por suas faltas e as da nação inteira, como se lê na sagrada Escritura. Disse um dos mártires macabeus: 'Eu entrego meu corpo e minha vida à morte. Sobre mim e meus irmãos se acalmará a justa indignação do Onipotente, que está irritado contra nossa nação' (2Mc 7,37‑38). E, com efeito, assim foi; por meio do sacrifício destes mártires, a ira se mudou em misericórdia: Ira enim Domini in misericordiam conversa est  (2Mc 8,5).

Sobre aquelas palavras do Apóstolo aos colossenses: 'Eu que no presente me alegro por saber que padeço por vós e por saber que estou sofrendo em minha carne o que falta na paixão de Cristo em seus membros, sofrendo trabalhos em prol do seu corpo místico, que é a Igreja' (Col 1,24), dizem os expositores que os méritos de Jesus Cristo são de infinito valor em si mesmos e suficientes para redimir milhares de mundos; mas o eterno Pai não os aceitou senão com a condição de que os homens façam a sua parte nesta paixão para poder gozar do seu fruto; isto é, devemos cooperar ouvindo a santa missa, recebendo a sagrada comunhão, fazendo oração, sofrendo com mansidão e paciência as calúnias, penas e trabalhos, mortificando as paixões e sentidos e oferecer tudo a Deus.

Mas singularmente nas calamidades públicas, nas que padecem os inocentes o mesmo que os culpados, e talvez mais, se cumpre assim a condição e vontade do Pai celestial. Os culpados padecem como réus e, se depois deste castigo não se convertem, é para eles motivo de maior ruína e condenação. Mas os bons, sofrendo com paciência e resignação, se purificam ainda mais de suas imperfeições e crescem na virtude, de modo que se fazem mais agradáveis aos olhos de Deus e, com as suas penas bem sofridas, dão cumprimento ao que por decreto divino faltava à paixão de Jesus Cristo. Assim é como se acalma a divina justiça e se alcançam as divinas misericórdias. Em prova desta verdade basta ler as sagradas Escrituras e a história eclesiástica. Quantas vezes nações inteiras foram perdoadas pela penitência, paciência e oração dos bons! Quantos bens, graças e conversões não alcançaram as penas e o sangue dos mártires!

Na verdade, não seria contra a razão dizer que o inocente, o santo por excelência, padeça e morra para salvar os pecadores e que a multidão dos pecadores não sofra nada? Desta multidão de pecadores, uns são maus, perdidos e obstinados e outros são pecadores justificados ou que devem ser purificados. Padecer dos males não serve para acalmar e satisfazer a divina justiça, antes a provocam mais com as maldições e blasfêmias que os pecadores vomitam e com os pecados de toda sorte que cometem; mas os pecadores justificados, pela graça estão unidos a Deus, seus sofrimentos e méritos estão unidos com os de Jesus Cristo. Por isso, todos os bons são chamados às penas e sofrimentos, como diz São Paulo: 'que todos aqueles que querem viver piamente em Cristo Jesus padecerão perseguições, mais ou menos segundo seus progressos na perfeição' (2Tim 3,12). Isto diz Cornélio à Lápide, quando fala das penas de Maria Santíssima ao pé da cruz que, quanto mais santa é uma alma e mais perto de Cristo está, tanto mais Jesus Cristo lhe oferece o cálice da sua paixão.

Mas devemos nos animar muito por pensar que, se com Cristo padecemos sobre a terra, com Ele mesmo reinaremos no céu; e devem ser para nós de grande consolo aquelas palavras que o Arcanjo São Rafael disse a Tobias: 'Porque és agradável aos olhos de Deus, foi necessário que a tentação te provasse' (Tb 12,13). Alegremo-nos, pois, em meio às penas, ao ver que somos dignos de sofrer algo por amor divino, por nossos defeitos, para juntar méritos para o céu e para satisfazer pelas faltas, culpas e pecados dos nossos irmãos e poder assim alcançar para eles a misericórdia, a graça e a glória. Este é o sacrifício que de nós mesmos devemos oferecer ao eterno Pai, juntamente com os méritos de Jesus Cristo, de Maria Santíssima, dos santos do céu e dos justos da terra.

(Santo Antônio Maria Claret)

sexta-feira, 11 de agosto de 2023

PALAVRAS ETERNAS (XVIII)


Há quem busque o saber por si mesmo, conhecer por conhecer: 
é uma indigna curiosidade.

Há quem busque o saber só para poder exibir-se: 
é uma indigna vaidade. 

Há quem busque o saber para vendê-lo por dinheiro ou por honras: 
é um indigno tráfico.

Mas há quem busque o saber para se edificar, 
e isto é prudência.

E há quem busque o saber para edificar os outros, 
e isto é amor. 

(São Bernardo de Claraval)

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

O NOSSO MAIOR INIMIGO

O que é mais importante do que saber que este nosso corpo é o maior opositor e inimigo que temos? Inimigo mortal, o maior traidor que jamais se viu, que anda buscando a morte, e morte eterna, a quem lhe dá de comer e tudo de que necessita; que por ter ele um pouco de prazer, não teme em nada ultrajar a Deus e jogar alma e corpo no inferno, para sempre... Quantas vezes vos tem posto no inferno esse vosso inimigo? Quantas vezes vos tem feito ofender a Infinita Bondade? De quantos bens espirituais vos há privado? Quantas vezes põe vossa salvação em perigo a cada hora? Pois quem não se indignará e tomará uma coragem santa contra quem tantos males lhe faz, de tantos bens lhe priva e em tantos perigos lhe põe a cada momento?

Se detestamos ao demônio e lhe temos por capital inimigo pela guerra e dano que que nos faz, maior inimigo é nossa carne, porque ela nos faz mais cruel e mais contínua guerra, e muito pouco poderiam os demônios, se não tivessem por eles esta carne e sensualidade para fazer-nos guerra com ela. Isto fazia aos santos ter este ódio e aborrecimento contra si mesmos; e daí nascia neles um espírito grande de mortificação e penitência para vingar-se deste seu inimigo, e trazê-lo sujeito e rendido, e andar sempre com temor de dar algum contento e conforto ao seu corpo, parecendo-lhes que isso era ajudar e dar armas a seu inimigo, para que obrasse brios e forças para lhes fazer mal.

Diz Santo Agostinho: 'Não ajudemos nem demos forças a nossa carne, para que não faça guerra contra o espírito' (De salutaribus monitis, c. 35), mas procuremos castigá-la e mortificá-la para que não se rebele, porque, como diz o Sábio (Pv 29, 21): 'aquele que delicadamente cria o seu servo desde sua primeira idade, depois o achará rebelde e contumaz'.

Andavam aqueles santos monges antigos com tão grande cuidado neste exercício, procurando mortificar e diminuir as forças a este inimigo, que quando outros meios não bastavam, realizavam trabalhos corporais muito excessivos para domar e quebrantar seu corpo, como conta Paládio de um monge que era muito fatigado de pensamentos de vaidade e soberba, e não podendo afastá-los de si, resolveu tomar uma pá e passar um grande montão de terra de uma parte a outra. Perguntavam-lhe: 'Que fazeis?' Ao que respondia: 'Atormento e fatigo a quem me fatiga e atormenta; vingo-me de meu inimigo'. O mesmo se diz de São Macário em sua Vida; e de São Doroteu conta-se que fazia grande penitência e afligia muito ao seu corpo e, uma vez, vendo-lhe outro tão torturado, disse-lhe: 'Por que atormentas tanto o teu corpo?' Respondeu: 'Porque mata ele a mim'.

O glorioso São Bernardo, incendido em um ódio e coragem santa contra seu corpo, como contra seu inimigo capital, dizia: 'Levante-se Deus em nossa ajuda, e seja destruído este inimigo, menosprezador de Deus, amador do mundo e de si mesmo, servo e escravo do demônio. Por certo, se tendes bom sentir, que digais comigo: Bem merece a morte! morra o traidor! coloquem-no no madeiro, crucifiquem-no!'. Pois com estes brios e zelos nós temos que empenhar, mortificando nossa carne e sujeitando-a para que não se rebele, e arraste após si o espírito e a razão e tanto mais que, vencido este inimigo, ficará também o demônio vencido. Assim como os demônios nos fazem guerra e nos procuram vencer por meio de nossa carne, assim nós havemos de fazer guerra aos demônios e vencê-los, mortificando-a e contradizendo-a.

Nota isto muito bem Santo Agostinho quando ratificando as palavras do Apóstolo: 'Não luto eu contra o demônio como quem dá golpes no ar e briga com fantasmas, porque isso é inútil, senão que castigo e mortifico minha carne, e procuro trazê-la sujeita e rendida (I Cor 9, 20), complementa: 'castigai vossa carne, mortificai as vossas paixões e más inclinações e, dessa maneira, vencereis os demônios, porque assim nos ensina o Apóstolo a pelejar contra eles'.

Como um capitão em combate põe na masmorra e deixa preso em ferros o mouro que tem cativo, para que não se levante contra ele e ajude os seus inimigos, façamos nós o mesmo, sujeitando e mortificando nossa carne, para que não se junte ao bando dos nossos inimigos.

(Excertos da obra 'Exercício de Perfeição e Virtudes Cristãs', do Pe. Alonso Rodríguez)