quarta-feira, 16 de novembro de 2022

TESOURO DE EXEMPLOS (182/184)

 

182. FICOU A FOLHA EM BRANCO

Certo dia apresentou-se a Santo Antônio de Pádua um pecador para confessar-se. Estava, porém, tão perturbado e confuso, que apenas soluçava sem poder pronunciar nem uma palavra.
➖ Vai, meu filho - disse o santo - escreve os teus pecados e volta aqui de novo.
Uma vez de volta, o pecador foi lendo os seus pecados, como os havia escrito. Quando terminou a leitura, com grande surpresa viu que desaparecera do papel tudo o que escrevera e só restava a folha em branco.

Assim sucederá com a nossa alma quando nos confessarmos com humildade sincera e dor profunda. Toda mancha de pecado desaparecerá do nosso coração e aparecerá o candor, todo o candor da inocência recuperada.

183. A MODÉSTIA DE SÃO LUÍS

No ano de 1581, Maria da Áustria, filha do imperador Carlos V, passava pela ltália. O imperador e todos os príncipes foram convidados a recebê-la e, entre os convidados, estava também Luís Gonzaga, filho do marquês de Castiglione. Que magnífica festa naquele belo dia de outono, em ornamentos em todo balcão e em toda janela! 

Todos queriam ver a soberana. Finalmente ela apareceu. Todos agitaram os seus lenços de seda quando a contemplavam. O jovem Luís naquele instante levantou a mão associando-se à festa, mas conservou os olhos fechados; a filha do imperador passou e ele não a viu. Alguns pensarão que isso era escrúpulo e exagero; também São Luís sabia que não cometia pecado por ver a rainha, mas sabia igualmente que a pérola preciosa da castidade nós a levamos em vasos frágeis e, às vezes, basta um só olhar imprudente para perdê-la.

184. O VESTIDO CELESTIAL

Caía a noite. Em sua celazinha cheia de sombra, Santa Catarina de Sena pensava na festa que estava por terminar. Via os estandartes agitados pelos jovens; via a multidão apinhada no campo sob o sol de verão, os palcos repletos de luxuosas damas. Naquele momento começou o demônio a tentá-la: 'Também. tu, Catarina, poderias estar com eles. Por que cortaste teus cabelos louros, por que trazes o cilício sobre o teu corpo delicado, por que queres fazer-te religiosa? Olha este vestido, não é mais lindo que o místico hábito claustral?' Na dúbia claridade da noite, a santa julgou ver diante de si um jovem que lhe apresentava um rico vestido feito de pétalas de rosas.

Enquanto Catarina estava como que suspensa, apareceu-lhe Maria Santíssima. Como o tentador, também ela trazia nos braços um esplêndido vestido bordado a ouro e pérolas, radiante de pedras preciosas. 'Deves saber, minha filha' - disse a Mãe de Jesus com voz dulcíssima - 'que os vestidos tecidos por mim no coração do meu Filho, morto por ti, são mais preciosos que qualquer outro vestido trabalhado por outras mãos que não as minhas'.

Então Catarina, ardendo em desejo de possuí-lo e tremendo de humildade, inclinou a cabeça e a Virgem a vestiu com a túnica celestial. O demônio apresenta-se às almas com um vestido de rosas e prazeres carnais; Maria, ao contrário, com um vestido de pureza e santidade. Dai preferência a este último; somente com ele podereis entrar no céu.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

terça-feira, 15 de novembro de 2022

A MORTE DE SÃO JOSEMARIA ESCRIVÁ

 

Em 26 de junho de 1975, São Josemaria Escrivá levantou-se muito cedo como de costume, fez a habitual meia hora de oração e celebrou a missa, por volta das oito horas; era missa votiva de Nossa Senhora, na qual o sacerdote pede, na oração da coleta, 'a perfeita saúde da alma e do corpo'. Depois de um rápido café da manhã, encarregou dois dos seus filhos de visitarem uma pessoa, para que este se apresentasse a Paulo VI o seu testemunho de fidelidade e união. Queria fazer chegar ao Papa esta mensagem: 'Há anos que ofereço todos os dias a Santa Missa pela Igreja e pelo Papa ... hoje mesmo renovei este meu oferecimento a Deus pelo papa'.

Às nove e meia partiu para Castelgandolfo, na Villa dele Rose, onde teria uma reunião familiar e formativa com as suas filhas espirituais do Colégio Romano Santa Maria. Era um dia de muito calor. Durante o trajeto rezaram o terço e conversaram animadamente. 'Vós tendes alma sacerdotal' - disse àquelas mulheres jovens, quando chegou - 'Dir-vos-ei como sempre que venho aqui. Os vosso irmãos leigos também têm alma sacerdotal. Podes e deveis ajudar com essa alma sacerdotal e, juntamente com a graça do Senhor e o sacerdócio ministerial em nós, sacerdotes da Obra, faremos um trabalho eficaz... Imagino que de tudo tiras oportunidade para conversar com Deus e com nossa Mãe, e com São José, nosso Pai e Senhor, e com os nossos Anjos da Guarda, para ajudarem esta Igreja Santa, nossa Mãe, que está necessitada, que está passando tão mal no mundo, neste momento! Temos de amar a Igreja e o Papa, seja ele quem for. Pedi ao Senhor que o nosso serviço seja eficaz para a sua Igreja e para o Santo Padre'.

Passados cerca de vinte minutos, sentiu-se mal. Calou-se e sentiu vertigens. Teve de retirar-se a uma salinha para descansar uns minutos. Como não recompunha por completo, despediu-se, pedindo que lhe perdoassem o transtorno causado. Voltaram a Roma. Acompanhavam-no Pe. Álvaro Del PortilloPe. Javier Echevarría e o arquiteto Javier Cotelo. Chegou a Vila Tevere uns minutos antes do meio dia. O padre saiu do carro com desenvoltura e semblante risonho. Ninguém suspeitava de nada além de uma ligeira indisposição.

Passou pelo oratório e fez a sua habitual genuflexão: devota, pausada, com uma saudação a Jesus Sacramentado. Dirigiu-se imediatamente ao quarto de trabalho. Entrou e, depois de dirigir um olhar cheio de carinho à imagem da Virgem – conforme seu costume e de todos na Obra – disse: 'Javi... Não me sinto bem!' E caiu no chão.

Durante a sua estadia no México, em 1970, havia contemplado uma imagem que representava a Virgem de Guadalupe entregando uma rosa ao índio Juan Diego. Tinha dito que gostaria de morrer assim: olhando Maria, enquanto ela lhe oferecia uma flor. E morreu como era o seu desejo: saudando uma imagem da Virgem de Guadalupe e recebendo das mãos da Senhora a rosa que abre o amor às portas da eternidade.

(Excertos, com adaptações, da obra 'São Josemaria Escrivá', de Michele Dolz)

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

POEMAS PARA REZAR (XLII)


Pastor que con tus silbos amorosos...

(Lope de Vega)

Pastor que con tus silbos amorosos
me despertaste del profundo sueño,
Tú, que hiciste cayado de ese leño,
em que tiendes los brazos poderosos,

vuelve los ojos a mi fe piadosos,
pues te confeso por mi amor y dueño,
y la palabra de seguirte empeño
tus dulces silvos y tus pies hermosos.

Oye, pastor, pues por amores mueres,
no te espante el rigor de mis pecados,
pues tan amigo de rendidos eres.

Espera, pues, y escucha mis cuidados;
?pero cómo te digo que me esperes,
si estás para esperar los pies clavados?

***************

Pastor que por teus chamados amorosos...

Pastor que por teus chamados amorosos
me despertaste de profundo enfado,
Tu que fizeste desse lenho um cajado 
do qual pende teus braços poderosos,

volve os olhos sobre mim, piedosos,
pois por amor e meu jugo confessado,
hei de seguir com zelo e tal cuidado 
teus doces anelos e teus pés formosos.

Ouve, pastor, que sofres por amores,
não acalente dor pelos meus pecados,
quem morreu pelos pobres pecadores.

Espera, pois, e escuta os meus chamados:
mas, como o que peço pode ter favores,
se já esperas por mim com pés cravados?

(tradução do autor do blog)

domingo, 13 de novembro de 2022

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'O Senhor virá julgar a terra inteira; com justiça julgará(Sl 97)

 13/11/2022 - Trigésimo Terceiro Domingo do Tempo Comum

51. A IGREJA DO FIM DOS TEMPOS


Eis um dia singular daqueles tempos ditosos em que Cristo andou pela terra dos homens: Jesus, os apóstolos e outras tantas pessoas caminhavam juntos, sob a vista esplêndida do Templo de Jerusalém que, erigido por Salomão como obra prima das grandes realizações humanas, era então o centro de peregrinação religiosa de todo o povo judeu. Mesmo abundantes na graça, alguns daqueles eram ainda homens de pouca fé: admiravam o templo físico portentoso da criatura, mas não percebiam o Templo de Deus vivo diante deles no caminho poeirento ao Monte das Oliveiras.

Jesus, ciente desse naturalismo extremo, vai confundi-los: 'Vós admirais estas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído' (Lc 21,6). Menos de quarenta anos depois, a terrível profecia de Jesus seria concretizada por completo. Mas aquelas pessoas, mesmo sob evidências tão claras, pensaram em termos dos fins dos tempos e Jesus, então, vai respondê-los, associando o acontecimento da destruição do Templo tão próxima com a consumação dos séculos, em tempos bem mais remotos: 'Cuidado para não serdes enganados, porque muitos virão em meu nome, dizendo: ‘Sou eu!’ e ainda: ‘O tempo está próximo’. Não sigais essa gente! Quando ouvirdes falar de guerras e revoluções, não fiqueis apavorados. É preciso que estas coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim' (Lc 8-9).

E Jesus vai lhes falar não apenas dos sinais das guerras e das revoluções, mas também dos terremotos, das pestes, da fome, dos escândalos, de eventos extraordinários no céu. Mas todos estes serão apenas sinais precursores. Antes da grande tribulação, a Igreja e os filhos da Igreja serão caluniados, perseguidos e mortos: estes são os grandes sinais dos tempos do fim. A era das perseguições também deve ser a era dos mártires, a era das testemunhas fieis, dos herdeiros da graça, dos soldados de Cristo revestidos da armadura espiritual de São Paulo: 'Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé' (2 Tm 4,7).

Mas a Divina Providência vai interceder em favor do 'pequeno resto' porque, os perseverantes na fé e fieis a Cristo, que foram odiados por causa do Seu nome, não perderão 'um só fio de cabelo da cabeça' (Lc 21, 18) pois Jesus assim o prometeu: 'É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!' (Lc 21, 19). A Igreja caluniada e perseguida, traída pelos seus próprios filhos, porque, muitas vezes, 'Sereis entregues até mesmo pelos próprios pais, irmãos, parentes e amigos' (Lc 21, 16), renascerá triunfante no embate final, pois nasceu de Cristo e, em Cristo, nasceu para a eternidade.

sábado, 12 de novembro de 2022

A VIDA OCULTA EM DEUS: A AÇÃO DA ALMA UNIDA A DEUS


Toda alma que vos ama, ó meu Deus, é uma alma forte e a sua força aumenta com o amor. Quando ela vos ama com todo o coração, o seu coração se alarga e a sua força torna-se então um verdadeiro poder. Como isso acontece, ó meu Deus? Pela força do amor. Quanto mais profundo for este amor, mais íntima e perfeita será a união entre Deus e a alma.

Vós sois um Deus onipotente. Tudo está sujeito ao vosso poder: céu e terra, anjos e homens. Nada acontece no mundo sem a vossa expressa permissão; uma nação não pode desaparecer e nem pode morrer um pássaro qualquer sem que Vós o permitais. Pois bem, a alma intimamente unida a Deus pela força do amor compartilha desta força divina e deste poder. Torna-se para as demais uma fonte de energia e de fortaleza. Ela orienta e as outras acolhem; exorta e é correspondida; caminha e faz seguidores; eleva-se e eleva as outras às alturas da graça. O que dá um encanto especial a esta alma é a suavidade da graça e a fortaleza da sua resposta. Vós, ó meu Deus, tudo fazeis com doçura e firmeza - suaviter et fortiter.

Todas as ações desta alma interior são medidas, ponderadas, equilibradas, coerentes. Ela fala quando é conveniente falar; permanece em silêncio quando é melhor ficar em silêncio. Segue em frente quando é preciso; mas, outras vezes, se retrai e se recolhe silenciosamente sem que os outros percebam. E assim em tudo. É isso que lhe confere um encanto especial. Ela possui um zelo próprio, moldado, burilado, quase perfeito, que nos extasia. Não possui nada além e, no entanto, nada lhe falta. É um fruto maduro e atraente, agradável à vista e ao paladar, pois possui alguma coisa de divino. Porque Deus faz bem todas as coisas.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte IV - Fecundidade Apostólica; tradução do autor do blog)

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

'O PARAÍSO É TEU!'

Lemos na vida de São Felipe Neri o seguinte: uma freira do mosteiro de Santa Maria, de nome Escolástica Gazzi, foi procurá-lo na portaria, para lhe dar a conhecer um pensamento que nunca revelara a ninguém: a convicção de que ela seria réproba. Ao avistá-la, disse-lhe são Felipe: 'O que fazes, Escolástica, o que fazes? O paraíso é teu!' 'Não, meu pai - respondeu-lhe a monja - 'receio que se dê o contrário; sinto como se me fosse perder'. 'Não' - respondeu-lhe o santo - 'eu te digo que o paraíso é teu, bem como vou provar. Dize-me, por quem morreu Jesus Cristo?' 'Pelos pecadores' - respondeu-lhe a irmã. 'Pois bem' - concluiu o santo - 'o paraíso é teu, e te pertence, porque te arrependeste dos teus pecados'. Esta conclusão restituiu a paz de espírito à irmã Escolástica. A tentação abandonou-a e nunca mais a perturbou. Pelo contrário, as palavras 'o paraíso é teu!' ressoavam-lhe sempre aos ouvidos. 


Caro leitor, possa São Felipe prestar-nos, a vós e a mim, idêntico serviço! Ora, aqui temos, não uma resposta à nossa tentação, mas outro modo de encará-la. Supliquemos o dom de um santo discernimento e temor e continuemos alegremente o caminho, acrescentando graça a graça, amor a amor, sem duvidar de nossa eternidade. O céu não tardará a vir. A tentação seria antes impacientar-nos pela demora. Mas seja feita a vontade de Deus. Que o nosso ato de amor seja permanecer onde estamos, contentando-nos em viver por sua causa. A vida é uma luta; nada, porém, muito dolorosa, porque não nos impede de amar a Deus. Com este amor, só podem ser leves todas as aflições.

(Excertos da obra 'O Progresso na Vida Espiritual', do Pe. William Faber)