quinta-feira, 8 de setembro de 2022

GLÓRIAS DE MARIA: FESTA DA NATIVIDADE DE MARIA

Com o nascimento de Maria, Deus dá ao mundo a aurora que anuncia a vinda do Messias, o início histórico da obra da Redenção. Maria, 'bendita entre todas as mulheres' e rainha dos anjos, foi privilegiada pelos desígnios da Providência com as graças mais sublimes para ser elevada à excelsa dignidade de Mãe do Nosso Salvador Jesus Cristo, Mãe de Deus. 

'Deus onipotente, antes que o homem caísse, previu a sua queda e decidiu, antes dos séculos, a redenção humana. Decidiu Ele encarnar-se em Maria... Hoje é o dia em que Deus começa a pôr em prática o seu plano eterno, pois era necessário que se construísse a casa, antes que o Rei descesse para habitá-la. Casa linda, porque, se a Sabedoria constrói uma casa com sete colunas trabalhadas, este palácio de Maria está alicerçado nos sete dons do Espírito Santo. Salomão celebrou de modo soleníssimo a inauguração de um templo de pedra. Como celebraremos o nascimento de Maria, templo do Verbo encarnado?'

(Homilia sobre a Natividade de Maria, de São Pedro Damião)

A Festa da Natividade de Maria (celebrada no dia 8 de Setembro, pelo calendário tridentino) era celebrada no Oriente Católico muito antes de ser instituída no Ocidente e tem sua origem provavelmente em Jerusalém, pelos meados do século V. De acordo com a Tradição, Maria nasceu de pais virtuosos e avançados em idade, Joaquim e Ana, que cumpriam fielmente os seus preceitos cristãos em Jerusalém, resignados e pacientes diante a esterilidade do casal. Contemplados com a gravidez tardia, nasceu-lhes pela Divina Providência a filha que seria a Mãe de Deus, evento singular da história da humanidade que não foi objeto nem de profecias e nem de sinais extraordinários antes, durante ou depois da natividade de Maria.

'Ó Joaquim e Ana, casal bem-aventurado e verdadeiramente sem mancha! Pelo fruto do vosso seio fostes reconhecidos, segundo a palavra do Senhor: 'Pelos seus frutos os reconhecereis'. A vossa conduta foi agradável a Deus e digna daquela que nasceu de vós. Tendo levado uma vida casta e santa, engendrastes a joia da virgindade, aquela que deveria permanecer Virgem antes, durante e depois do parto, a única sempre Virgem de espírito, de alma e de corpo. Convinha, de fato, que a virgindade saída da castidade produzisse a Luz única e monógena, corporalmente, pela benevolência d’Aquele que A gerou sem corpo – o Ser que não gera, mas que é eternamente gerado, para Quem ser gerado é a única qualidade própria da Sua Pessoa. Ó que maravilhas, e que alianças estão neste menino! Ó Filha da esterilidade, virgindade que engravida, nela se unirão divindade e humanidade, sofrimento e impassibilidade, vida e morte, para que em todas as coisas o menos perfeito seja vencido pelo melhor! E tudo isto para minha salvação, ó Mestre! Amas-me tanto que não realizaste esta salvação nem pelos anjos, nem por nenhuma outra criatura, mas tal como já a minha criação, também a minha regeneração foi Tua obra pessoal. Assim, eu exulto, faço despertar a minha alegria e o meu júbilo, volto à fonte das maravilhas, e embriagado de uma torrente de alegria, toco de novo a cítara do espírito e canto o hino divino da natividade'.

(Homilia sobre a Natividade de Maria, de São João Damasceno)


Nasce Maria, dádiva de Deus, santíssima em sua concepção, santíssima no seio de sua mãe, santíssima desde o primeiro instante de sua vida. Pois não convinha que o santuário de Deus, a mansão da sabedoria, o relicário do Espírito Santo, a urna do maná celestial, tivesse em si a menor mácula. Antes de receber sua alma santíssima, sua carne foi completamente purificada até do menor resíduo de toda mancha, sem a mais ínfima inclinação para o pecado.

'A gloriosa Virgem não apenas foi preservada do pecado original em sua concepção, como foi também adornada da justiça original e confirmada em graça desde o primeiro momento de sua vida, segundo muitos eminentes teólogos, a fim de ser mais digna de conceber e dar à luz o Salvador do mundo. Privilégio que jamais foi concedido à criatura alguma, nem humana nem angélica, pertencendo somente à Mãe do Santo dos Santos, depois de seu Filho Jesus ... Todas as virtudes, com todos os dons e frutos do Espírito Santo, e as oito bem-aventuranças evangélicas se encontram no coração de Maria desde o momento de sua concepção, tomando inteira posse e estabelecendo n'Ela seu trono num grau altíssimo e proporcionado à eminência de sua graça'.

(Homilia, São João Eudes)


Maria Santíssima é a nova Eva, a mãe espiritual dos homens; é Judite que será vitoriosa sobre o inimigo do povo de Deus; é Ester que alcançará misericórdia para o seu povo. Foi Maria que Adão entreviu quando Deus lhe disse que uma mulher esmagaria a cabeça da serpente. Deus a tinha em vista quando prometeu a Abraão, aos patriarcas e a Davi, que o Salvador brotaria da sua estirpe. Ela é o tronco de Jessé que havia de dar a flor escolhida, conforme a profecia de Isaías. 

Genealogia de Jesus Cristo, filho de David, filho de Abraão: 2Abraão gerou Isaac;Isaac gerou Jacob; Jacob gerou Judá e seus irmãos; 3Judá gerou, de Tamar, Peres e Zera; Peres gerou Hesron; Hesron gerou Rame; 4Rame gerou Aminadab; Aminadab gerou Nachon; Nachon gerou Salmon; 5Salmon gerou, de Raab, Booz; Booz gerou, de Rute, Obed; Obed gerou Jessé;6Jessé gerou o rei David. David, da mulher de Urias, gerou Salomão; 7Salomão gerou Roboão; Roboão gerou Abias; Abias gerou Asa; 8Asa gerou Josafat; Josafat gerou Jorão; Jorão gerou Uzias; 9Uzias gerou Jotam; Jotam gerou Acaz; Acaz gerou Ezequias; 10Ezequias gerou Manassés; Manassés gerou Amon; Amon gerou Josias; 11Josias gerou Jeconias e seus irmãos, na época da deportação para Babilónia.12Depois da deportação para Babilónia, Jeconias gerou Salatiel; Salatiel gerou Zorobabel;13Zorobabel gerou Abiud. Abiud gerou Eliaquim; Eliaquim gerou Azur; 14Azur gerou Sadoc; Sadoc gerou Aquim; Aquim gerou Eliud; 15Eliud gerou Eleázar; Eleázar gerou Matan; Matan gerou Jacob. 16Jacob gerou José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama Cristo.18Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe, estava desposada com José; antes de coabitarem, notou-se que tinha concebido pelo poder do Espírito Santo.19José, seu esposo, que era um homem justo e não queria difamá-la, resolveu deixá-la secretamente.20Andando ele a pensar nisto, eis que o anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: 'José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que ela concebeu é obra do Espírito Santo. 21Ela dará à luz um filho, ao qual darás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados'. 22Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor tinha dito pelo profeta: 23Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho; e hão-de chamá-lo Emanuel, que quer dizer: Deus conosco.

(Evangelho: Mateus, 1, 1-16.18-23)

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XXXIX)

 

Capítulo XXXIX

Razões da Expiação no Purgatório - Pecados Contra a Caridade - Santa Margarida Maria e as Duas Pessoas Nobres no Purgatório - Visão de Almas de Religiosas no Purgatório

Já dissemos que a Justiça Divina é extremamente severa em relação aos pecados contra a caridade. A caridade é, de fato, a virtude mais cara ao Coração de nosso Divino Mestre, a qual recomenda aos seus discípulos como aquela que deve distingui-los aos olhos dos homens. Por isso, Ele diz que 'todos os homens saberão que vocês são meus discípulos, se vocês amarem uns aos outros' (Jo 13,35). Não é, pois, surpreendente que a aspereza para com o próximo, e todas as outras faltas contra a caridade sejam punidas severamente na outra vida.

Disso temos várias provas, tiradas da Vida da Beata Margarida Maria. 'Soube pela irmã Margarida' - diz Madre Greffier em suas Memórias - 'que ela um dia ela rezou em intenção de duas pessoas de alta posição no mundo que haviam acabado de falecer. Ela viu ambos no Purgatório. A primeira foi condenada por vários anos aos sofrimentos, apesar do grande número de missas que foram celebradas por ela. Todas essas orações e sufrágios foram aplicados pela Justiça Divina às almas pertencentes a algumas das famílias dos seus súditos, que foram prejudicadas por causa de suas injustiças e falta de caridade. Como nada foi deixado para aqueles pobres, que lhes permitissem fazer orações por eles após a sua morte, Deus os compensou da maneira que relatamos. A outra ficou no Purgatório por tantos dias quantos anos viveu nesta terra. Nosso Senhor deu a conhecer à Irmã Margarida que, entre as boas obras que esta pessoa tinha feito, especial consideração havia sido dada à caridade com que tinha suportado as faltas do próximo, bem como os esforços que tinha feito para superar os desgostos que isso lhe causara. 

Em outra ocasião, Nosso Senhor mostrou à Beata Margarida um grande número de almas de religiosas no Purgatório que, por não terem servido com zelo às suas superioras durante a vida ou porque tiveram algum desentendimento com elas, foram severamente punidas e privadas, após a morte, do auxílio da Santíssima Virgem e dos santos, e também das visitas dos seus anjos da guarda. Várias dessas almas estavam destinadas a permanecer por muito tempo sob chamas terríveis. Algumas delas não tinham nenhum outro sinal de sua predestinação além de não odiarem a Deus. Outras, que viveram sua vida religiosa, mas que durante a vida mostraram pouca caridade para com as suas irmãs, foram privadas dos sufrágios oferecidos em sua intenção e não receberam assistência alguma.

Acrescentemos ainda mais um extrato das Memórias da Madre Greffier: 'Enquanto Irmã Margarida estava orando por duas religiosas falecidas, suas almas lhe foram mostradas nas prisões da Justiça Divina, onde uma sofria incomparavelmente mais do que o outra. A primeira lamentava muito que, por suas faltas contra a caridade mútua e a santa amizade que deveria permanecer nas comunidades religiosas, ela havia sido privada, entre outras punições, dos sufrágios que lhe eram oferecidos pela comunidade. Ela recebeu alívio apenas pelas orações de três ou quatro pessoas da mesma comunidade, por quem teve menos afeição e inclinação durante a sua vida. Essa alma sofredora também se recriminava pela excessiva facilidade com que havia recebido dispensas das regras e dos exercícios da comunidade. Finalmente, ela deplorava o cuidado que havia devotado na terra para obter para seu corpo tantos confortos e comodidades. Depois deu ainda a conhecer à nossa querida Irmã que, como castigo por três faltas, ficou à mercê de três ataques violentos do demônio durante a sua última agonia, o que quase a fez acreditar-se perdida e a ponto de cair em desespero mas que, pela intercessão da Santíssima Virgem, a quem sempre tivera grande devoção durante a sua vida, ela tinha sido arrebatada por três vezes das garras do inimigo'.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)

BREVIÁRIO DIGITAL - LADAINHA DE NOSSA SENHORA (XLV)

AUXÍLIO DOS CRISTÃOS, rogai por nós.

(Ilustração da obra 'Litanies de la Très-Sainte Vierge', por M. L'Abbé Édouard Barthe, Paris, 1801)

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

'PADRE, AGORA ACREDITO!'


O que se vê aqui além de uma simples fotografia? Um registro momentâneo de um sacerdote ministrando a sagrada comunhão a um homem já de idade avançada? Sim, certamente é isso. Mas o que sabemos realmente sobre o que pode significar uma simples fotografia, irrelevante para quase todos e um verdadeiro tesouro para poucos? Essa fotografia é um exemplo disso. O nome do senhor de idade recebendo a sagrada comunhão é Frederico Abresch e a sua presença nessa fotografia é um reflexo de sua conversão e completa mudança de vida, traduzida no seu extraordinário relato abaixo.

'Quando, em novembro de 1928, fui procurar pela primeira vez o Padre Pio, eu não tinha fé alguma. Como descendente de uma família protestante, de formação completamente anticatólica, fiz-me católico por razões de conveniência. As verdades da fé cristã me deixavam indiferente; me interessavam mesmo eram as ciências ocultas. Iniciei-me no espiritismo, mas me pareceram pouco sólidas as mensagens do além. Busquei então conhecer as artes místicas da magia e da teosofia com afinco e dedicação. Mas, para agradar à minha esposa, aproximava-me dos sacramentos de vez em quando, sem qualquer convicção.

Lembro-me de ter ouvido falar do Padre Pio, um frade capuchinho, estigmatizado, que, segundo me contaram, realizava milagres. Movido pela curiosidade, pensando também na minha esposa, à época gravemente doente e às vésperas de fazer uma operação que a privaria para sempre do seu enorme desejo de ser mãe, decidi tentar a sorte. Dirigi-me a San Giovanni Rotondo e aqui nem vale a pena revelar a minha desconfiança, tratando-se de fatos relativos à Igreja Católica que, segundo a minha opinião, não passavam de um amontoado de superstições.

Como foi frio o meu o primeiro contato com o Padre Pio! Dirigiu-me algumas poucas palavras, que me pareceram muito secas e de quem esperava um acolhimento muito mais afetuoso, depois de tão longa viagem. No entanto, uma vez ali, decidi confessar-me. Mal me ajoelhei, o Padre me alertou que nas minhas confissões precedentes eu tinha ocultado pecados graves. Perguntou-me se eu ali estava de boa fé. Respondi dizendo considerar que a confissão era apenas uma boa instituição social, mas não acreditava no caráter sobrenatural do sacramento. Contudo, alguma coisa me levou a acrescentar em seguida: 'Padre, agora acredito!'

O Padre Pio ficou calado por uns momentos e, depois, com uma expressão de dor indizível, exclamou: 'Isso é heresia. Todas as suas confissões têm sido sacrílegas. É necessário fazer uma confissão geral. Faça um bom exame de consciência, lembrando-se de quando se confessou bem pela última vez. Jesus tem sido mais misericordioso consigo do que foi com Judas'. Olhou-me com ar sereno e disse-me em voz alta: 'Sejam louvados Jesus e Maria!' E dirigiu-se à igreja para confessar as mulheres.

Fiquei sozinho na sacristia, profundamente impressionado. Não me saíam dos ouvidos as palavras do Padre: 'Lembre-se de quando se confessou bem pela última vez...' É certo que, ao fazer-me católico, fui batizado 'sob condição' e o batismo efetivamente tinha apagado todos os pecados da minha vida passada. Por ocasião do meu casamento, também fizera uma boa confissão. Mas, agora, para minha maior tranquilidade, decidi que iria declarar todos os meus pecados lembrados, desde a minha infância. Tinha a cabeça fervendo destas ideias, quando o Padre Pio reentrou na sacristia e disse de imediato: 'Vamos lá. Quando é que você se confessou bem pela última vez?'

Comecei a balbuciar algumas palavras, mas ele me interrompeu prontamente: 'Você se confessou bem no regresso da sua viagem de lua-de-mel. Deixemos o resto e comecemos a partir desse momento'. Eu estava pasmado. Mas o Padre Pio não me deixou tempo para refletir. Em voz alta, sob a forma de perguntas precisas, começou a enumerar todos os meus pecados acumulados há tantos anos. Chegou a dizer-me o número exato das missas a que eu tinha faltado.

Depois de me recordar todos os meus pecados mortais, fez-me ver a gravidade dessas faltas e disse com um tom inesquecível: 'Você cantava louvores a satanás, enquanto Jesus, no seu amor infinitamente carinhoso, se esforçava por salvá-lo'. Depois de ter recebido a absolvição, senti-me tão feliz e tão leve que até parecia ter asas. Ao voltar à povoação, com os outros peregrinos, comportei-me como uma criança doida de alegria. Humanamente falando, não há explicação para o que me aconteceu. O Padre Pio me via pela primeira vez. Durante a confissão, lembrou-me certos fatos por mim totalmente esquecidos. Conhecia deles os mínimos pormenores e destacou-os um a um para mim'.

Essa é a história de conversão do Sr. Frederico Abresch. A sua esposa curou-se da doença e não precisou mais ser operada.  E o casal pôde ter depois o tão desejado filho que viria, anos mais tarde, tornar-se um sacerdote.  Este mesmo que, na fotografia acima, oferece a Sagrada Comunhão ao seu pai. Qual o valor que pode ter nesta vida uma simples fotografia?

BREVIÁRIO DIGITAL - LADAINHA DE NOSSA SENHORA (XLIV)

CONSOLADORA DOS AFLITOS, rogai por nós.

(Ilustração da obra 'Litanies de la Très-Sainte Vierge', por M. L'Abbé Édouard Barthe, Paris, 1801)

domingo, 4 de setembro de 2022

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Vós fostes, ó Senhor, um refúgio para nós' (Sl 89)
  
 04/09/2022 - Vigésimo Terceiro Domingo do Tempo Comum 

41. 'QUEM NÃO CARREGA SUA CRUZ...' 


Na essência do amor a Deus vivido em plenitude, está o abandono aos valores do mundo e às glórias humanas. No desapego aos valores materiais, no desprendimento aos moldes terrenos de vidas tangidas meramente pelas relações humanas, ainda que louváveis e boas em si, a alma se liberta do lastro e das amarras das felicidades transitórias dessa vida para a impulsão definitiva para a felicidade eterna do Céu.

As palavras de Jesus no Evangelho de hoje são duras: 'Se alguém vem a mim, mas não se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser meu discípulo' (Lc 14, 26). Pois é preciso servir primeiro a Deus e depois aos homens; e porque é preciso estar sem lastros humanos para servir a Deus sobre todas as coisas, é preciso superar relações humanas ainda que fraternas; porque sendo o amor divino o itinerário da eternidade, é preciso vivê-lo em patamares além das dimensões seguras e sensíveis dos amores humanos mais belos, que ligam pai e filho, mãe e filha, irmãos e irmãs, pais e esposos. Eis a essência desse amor sem medidas: por tudo de lado, até a própria vida, para seguir Jesus Cristo e o Evangelho.

Esta dimensão de renúncia e despojamento completo não é fácil, não é simples, não é desprovida de sacrifício: 'Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo' (Lc 14, 27). Sim, é preciso carregar a cruz: cruz que se torna pesada quando tolhida à terra pelos afazeres e lastros dos apegos humanos; cruz que se torna um jugo suave quando levada pela alma do discípulo incensado do mais puro amor de Deus. Per crucem ad lucem: é pela cruz que se chega à luz.

Jesus vai revelar em seguida, por meio de duas curtas parábolas, que, uma vez conhecidas as dificuldades de superação dos nossos apegos aos valores humanos, o propósito de renúncia ao mundo exige planejamento, prudência e perseverança: 'Com efeito: qual de vós, querendo construir uma torre, não se senta primeiro e calcula os gastos, para ver se tem o suficiente para terminar?' (Lc 14, 28). 'Ou ainda: qual o rei que ao sair para guerrear com outro, não se senta primeiro e examina bem se com dez mil homens poderá enfrentar o outro que marcha contra ele com vinte mil?' (Lc 14, 31). Não se constrói uma torre ou se participa de uma guerra, sem armas, ferramentas ou projetos solidamente firmados. O que dizer, portanto, em relação à nossa caminhada de vida interior e espiritual que tem como medida a própria eternidade?