segunda-feira, 15 de março de 2021

A VIDA OCULTA EM DEUS: NECESSIDADE DAS PURIFICAÇÕES PASSIVAS


Para amar a Deus e para amar as almas de maneira adequada, precisamos de um coração puro e desinteressado. Pureza dos sentidos e pureza de espírito e de intenção: essas são as duas condições e também os dois frutos da verdadeira afeição.

O amor que Deus infunde em nossas almas é totalmente espiritual; é uma participação do seu Espírito. Uma vez que Deus nos fez compostos de corpo e alma, de matéria e espírito, toda afeição sobrenatural deve normalmente afetar nossa sensibilidade. Não é só a alma que ama, é todo o homem. E se o pecado original não viesse perturbar a ordem estabelecida entre as nossas faculdades, não teríamos que nos preocupar em regular nossa sensibilidade de acordo com a lei da razão e da fé. Esse ordenamento ocorreria por si mesmo e muito bem.

Mas, uma vez que a ordem foi perturbada, a primeira tarefa que se impõe é restaurá-la. Visto que nossos sentidos buscam satisfação independentemente da razão e, muitas vezes contra ela, eles devem ser disciplinados primeiro por esforço paciente e perseverante. Eles são servos, não senhores. Eles têm que informar e executar, e não lhes cabe comandar e muito menos perturbar. Todas as vezes que eles tendem a se afastar do caminho certo, temos que trazê-los de volta, de bom grado ou à força. E a melhor maneira de domesticá-los é privando-os: no início, eles murmuram, grunhem e até buscam se revoltar. Mas se a vontade permanece firme, termina a insubordinação. Aos poucos, eles tendem a se calar e a obedecer. Em troca, de vez em quando, a vontade permite que chegue até eles, na medida do possível, um pouco daquela felicidade com que o amor divino a inebria e isso é, para os sentidos, uma prova antecipada das alegrias mais puras que o Céu lhes reserva após a ressurreição.

Mas a graça continua a sua obra, atuando de fora para dentro, dos sentidos para a memória e, sobretudo, para a imaginação. A luta torna-se mais difícil e também mais demorada. O inimigo que temos de derrotar é um inimigo de incrível agilidade e mobilidade. No momento em que julgamos que o temos finalmente dominado, ele foge do controle. E, no entanto, é da maior importância submetê-lo ao regime do amor. Em particular, cabe à imaginação dispor os materiais necessários com os quais o nosso espírito possa realizar todas as suas obras. Por sua vez, o espírito os utilizará para dar relevo, cor e vida aos seus pensamentos, aos seus desejos, às suas vontades. As ordenações do espírito passam pela imaginação e cabe a ela colocar em movimento todas as faculdades de sua execução.

Nunca é demais dizer o quanto é importante para a alma que deseja servir a Deus, tanto interna como externamente, disciplinar este poder precioso mas terrível, submetendo-o a mortificações. É necessário, portanto, que a imaginação também aprenda - sobretudo ela - não a preceder mas a seguir, não a mandar mas a obedecer, a não buscar o que lhe agrada, mas a se contentar com o que lhe é dado. Se a Vossa graça, ó meu Deus, visando purificá-la mais profundamente, a faz mergulhar longos dias em amargura, sofrimento e trevas, ela deve aceitar esta provação como um justo castigo por seus desvios, como um redirecionamento necessário para os seus caminhos oblíquos e tortuosos, e como uma preparação essencial para o papel que doravante terá de desempenhar sob as ordens do vosso amor. Esta educação divina durará o tempo que for necessário para que os fins que Deus busca sejam assegurados. Mas, por outro lado, quanto enleio para a alma interior quando, uma vez concluída esta tarefa, se vê libertada finalmente da inoportuna - para não dizer louca - sujeição à imaginação, e torna-se então rainha em sua própria casa, e ali reina obedecida, respeitada, amada!

Mesmo quando a sensibilidade estiver bem submetida às ordens do amor de Deus, não estará proferida a última palavra de sua obra purificadora. O trabalho mais necessário ainda não foi feito ou, pelo menos, ainda não terminou. Pois a desordem entrou no homem e se estabeleceu nele por meio das faculdades superiores e será, portanto, necessário que a graça se eleve novamente àquelas alturas, para penetrar nas profundezas humanas, para reparar o que o pecado destruiu e para restabelecer em harmonia o que era divisão e confronto. Em vez de se tornar a medida das coisas, a inteligência terá que se adaptar a elas. Ela deverá ingressar na escola das realidades divinas e aprender com as mentes mais dóceis e penetrantes que as estudaram ao longo dos séculos, num esforço profundo de vê-las como Deus que as criou as vê, isto é, de dentro! Deve sobretudo submeter-se à Vossa própria escola, ó meu Deus, Vós que sois a Verdade eterna.

O que pressupõe conhecer sobretudo é Vos conhecer. Mas ninguém Vos conhece como Vós mesmo e, assim, só Vós podeis dizer realmente quem sois. É claro que as as criaturas falam muito sobre Vós mas como vão revelar o que, no fundo, ignoram, ou seja, a Vossa vida íntima? Também é verdade que, por Vossa bondade, dignastes enviar-nos os Vossos profetas e o Vosso próprio Filho amado para que Vos explicasse. Mas era absolutamente necessário que Ele e todos os profetas usassem palavras humanas para cumprir tal missão sagrada, pois falavam então como homens se dirigindo a outros homens. Como explicitar o Ser Infinito que sois por algumas palavras da pobre linguagem humana! Vós as extrapolam em muito e, assim, o que elas nos falam de Vós, longe de suprir os nossos anelos, apenas os excitam e os avivam cada vez mais.

O ideal seria, então, que pudéssemos entrar na Vossa escola e nos tornássemos Vossos discípulos diretos, uma vez que quereis ser o nosso Mestre. Mas, para tal, impõe-se uma rigorosa purificação de nossas faculdades superiores, até o mais íntimo de nossa alma. Porque sois, meu Deus, puro espírito e espírito de santidade. E para ser admitido na Vossa escola, para Vos ouvir, para Vos compreender, para gostar de Vós, temos também de ser criaturas puramente espirituais. Entretanto, uma vez que a nossa alma esteve mergulhada por tanto tempo na matéria, revestiu-se de todas as suas formas. E, assim, já não sabe mais compreender e gostar, senão de acordo com aquilo que está na ordem das coisas sujeitas aos sentidos. E de tanto viver sob o sensível, esqueceu-se de sua própria vida que é a vida espiritual. É necessário, então, que a infusão do Vosso amor possa purificá-la e então restaurá-lo por dentro. Obra difícil e de transformação dolorosa, mas preciosa e necessária.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte II -  A Ação de Deus; tradução do autor do blog)

domingo, 14 de março de 2021

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Que se prenda a minha língua ao céu da boca, se de ti, Jerusalém, eu me esquecer!' (Sl 136)


 14/03/2021 - Quarto Domingo da Quaresma

16. A LUZ DE CRISTO 


O Quarto Domingo da Quaresma é chamado Domingo Laetare ou Domingo da Alegria, e constitui um dos mais festejados do Ano Litúrgico. Por se enquadrar na metade do tempo quaresmal, período este vivido pela Igreja em meio à tristeza e penitências, a liturgia desse domingo se propõe a reacender nos católicos a firme alegria e esperança que devem ser o sustento dos católicos até a plenitude do tempo pascoal, à espera do Senhor Que Vem.

Santa alegria, pois 'Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele' (Jo 3, 17). A Primeira Vinda de Cristo é um exercício contínuo da graça divina nas sendas do perdão e da misericórdia, no acolhimento do pecador, na manifestação exaustiva da compaixão e do amor extremado de Deus pelas criaturas humanas, para salvar o mundo e maturar a boa semente em frutos de eternidade: 'Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna' (Jo 3, 16).

A alegria e as esperanças cristãs se fundem em plenitude na Luz de Cristo, mas nem todos a receberão, mas nem todos a tomarão como guia e exemplo, conforme as próprias palavras de Jesus dirigidas a Nicodemos, no diálogo que se imortalizou no evangelho deste domingo: 'a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas ações eram más' (Jo 3, 19). Na eternidade, verão Deus face a face os Filhos da Luz, aqueles que praticam a Verdade e se comprazem na jubilosa esperança da posse eterna da Plena Visão: 'mas, quem não crê, já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho unigênito' (Jo 3, 18).

Neste domingo, celebramos a luz, a luz de Cristo, que rompe a escuridão de nossa alma cega nos afazeres mundanos e que nos liberta das trevas do pecado, moldando a argila frágil da natureza humana pelo cinzel da graça e do amor de Deus. Ao se debruçar até o pó, Jesus nos dá ciência de que conhece a nossa imensa fragilidade; ao proclamar sua divindade, nos conforta de que, como Filhos da Luz, somos definitivamente os herdeiros da divina misericórdia. No meio do caminho desta jornada quaresmal, elevemos a Cristo nossas almas frágeis de argila e a Ele supliquemos conservá-las firmemente na direção do Círio Pascal, ao encontro da luz do Cristo Ressuscitado Que Vem.

sábado, 13 de março de 2021

PALAVRAS ETERNAS (XI)

'Tantum ardere est parum, tantum lucere vanum est: Ardere et lucere est perfectum'


'Estar aceso é pouco; iluminar apenas é coisa vã: a perfeição está em arder e iluminar'
(São Bernardo)

5 VIAS PRÁTICAS PARA UM BOM EXAME DE CONSCIÊNCIA

I. Exame pelos pensamentos, palavras e ações

Pensamentos: consenti em pensamentos contrários à fé ou à Providência de Deus? Tive ódio a alguém? Desejei ou me deleitei em alguma coisa impura?

Palavras: falei palavras más? Jurei falso? Tive conversações desonestas? Atribuí ao próximo algum crime, ou revelei, sem motivo, aquilo que devia estar oculto? Tenho mentido?

Ações: trabalhei ou fiz trabalhar nos dias santificados? Deixei de ouvir Missa em dia de preceito? Respeitei meus pais e superiores? Desobedeci-lhes? Tenho cometido algum excesso nas comidas, bebidas, jogos e divertimentos? Olhei, com mau fim ou detidamente, objetos perigosos? Fiz alguma coisa indecente? Tirei alguma coisa alheia ou defraudei o próximo?

II. Exame pelos mandamentos e obrigações do próprio estado

Primeiro Mandamento: neguei ou pus em dúvida alguma coisa das que Deus revelou e a Igreja nos ensina? Tenho dito palavras contra a fé? Tenho guardado ou lido livros proibidos, romances obscenos, ou jornais contrários à religião ou aos seus ministros? Desconfiei de Deus? Queixei-me da sua Providência? Ignoro a doutrina cristã? Falei mal da religião ou de seus ministros? Consenti em usar alguma coisa supersticiosa como benzeduras, feitiços, orações extravagantes etc.? Acreditei em sonhos, dias felizes, cartas, leituras da mão, etc.?

Segundo Mandamento: pronunciei com pouco respeito o nome de Deus, de Maria Santíssima, ou dos santos? Jurei falso? Cumpri os votos e promessas?

Terceiro Mandamento: trabalhei ou fiz trabalhar nos dias santos, sem causa justa? Ouvi a Santa Missa? Cometi alguma irreverência na Igreja?

Quarto Mandamento: honrei aos meus pais e superiores? Murmurei deles, tendo-lhes respondido mal, ou dito palavras injuriosas? Obedeci-lhes? Prestei-lhes auxílio quando se achavam em necessidade?

Quinto Mandamento: perdoei a quem me ofendeu? Tive ódio a alguém? Desejei algum mal? Disse palavras ofensivas? Briguei? Excedi-me nas comidas e bebidas prejudicando a minha saúde?

Sexto e nono Mandamentos: tenho consentido deliberadamente em algum mau pensamento? Desejei fazer alguma coisa impura? Estive entretendo em algum prazer indevido? Tive conversações desonestas? Tenho lido ou guardado algum livro ou estampa indecente? Tive olhares perigosos? Pratiquei comigo ou com outrem alguma ação impura? Dei algum escândalo?

Sétimo e décimo Mandamentos: cobicei os bens do próximo? Roubei, defraudei ou retive o alheio? Tenho pagado no prazo marcado as minhas dívidas? Tenho causado algum dano ou prejuízo? Enganei ao próximo nas compras ou vendas?

Oitavo Mandamento: fiz juízo temerário? Descobri, sem causa, algum pecado grave e oculto do próximo? Levantei falso testemunho? Menti?

Em relação aos mandamentos da Igreja:

Ouvi Missa inteira e com atenção todos os dias de preceito? Fui causa que outros a não ouvissem ou a ouvissem mal? Cumpri os preceitos da confissão e comunhão? Fiz o jejum e a abstinência?

Em relação às obrigações do próprio estado:

Um casado examinará: se ama sua mulher. Se a tem injuriado com palavras. Se a tem ofendido com ações. Se lhe tem sido fiel.
Uma casada: se ama seu marido. Se o tem ofendido com palavras ou obras. Se lhe tem sido fiel e obediente.
Os pais: se têm educado religiosamente seus filhos. Se os vigiam, procurando saber o que fazer, onde vão e como se comportam. Se os têm corrigido. Se lhes dão bom exemplo. Se os tratam com dureza excessiva, amaldiçoam ou rogam pragas contra eles. Se procuram que assistam às Missas e rezas da Igreja e recebam os santos sacramentos amiúde.
Os superiores, de qualquer classe que sejam, poderão fazer a si mesmos idênticas interrogações a respeito dos seus súditos: examinarão também se os fazem trabalhar além do que é justo e se lhes pagam os ordenados.
Um moço examinará: se fugiu ou se se afastou das companhias, diversões e convivências perigosas. Se se ocupa no estudo ou trabalho. Se obedece os conselhos e avisos de seus superiores.
Uma moça examinará: se faltou à modéstia ou escandalizou pelo modo de vestir, brincar ou outros movimentos do corpo. Se procura ou conserva amizades que a põem em perigo de ofender a Deus. Se tem cuidado das coisas da sua casa.
Um empregado: se murmurou de seus patrões ou os desrespeitou. Se cumpriu suas ordens. Se os defraudou nalguma coisa. Se cuidou bem de seus interesses.
Um negociante: se falsificou os gêneros. Se cometeu alguma fraude nas compras e vendas. Se fez algum contrato usurário, ilícito etc.
Um fabricante: se impediu que os operários fossem à missa nos dias santos. Se os fez trabalhar nos dias santos. Se os fez trabalhar mais do que era justo ou além do contrato. Se permitiu na fábrica conversas indecentes. Se consentiu nalguma desordem.
Um médico: se visitou os doentes com a frequência necessária. Se, nos casos difíceis, descurou o estudo e as consultas. Se procurou que os doentes recebessem os sacramentos, quando os julgava em perigo de vida.

III. Exame pelos sete vícios capitais

Soberba:  é um apetite desordenado de ser preferido aos outros. São filhas deste vício a jactância, vanglória, as brigas, a discórdia, desobediência. Julguei eu ser mais do que realmente sou, pelos dons da natureza ou da graça? Pretendi ser mais do que os outros? Tratei com atenção e respeito aos mais velhos e superiores? Tratei com doçura aos meus iguais? Procurei a minha honra, gabando-me de alguma coisa? Tive complacência ou vanglória da pessoa, sangue, qualidades, empregos ou riquezas? Cobicei honras ou empregos elevados? Deixei-me levar da vaidade? Apeguei-me ao meu próprio juízo, preferi o meu parecer ao alheio, ou não cedi nas disputas? Desprezei os outros? Fiz zombaria de alguma pessoa? Obedeci a meus superiores?

Avareza: é um apetite desordenado das riquezas. Cobicei o alheio? Retive o alheio contra a vontade do dono? Usei mal das riquezas, ou não dei esmola quando o exigia a caridade? Procurei os bens da terra com demasiado afã, ou pus neles o meu coração? Por causa do dinheiro, disse mentiras nos negócios, ou cometi fraudes, enganos, perjúrios, violências? Fiz boas obras por interesse temporal? Deixei alguma obra do divino serviço por cobiça ou para acrescentar riquezas?

Luxúria: é um apetite desordenado dos prazeres sensuais. Consenti em algum pensamento contra a castidade? Pensei com prazer nos pecados passados, ou desejei cometê-los outra vez? Disse alguma palavra ou tive alguma conversa contra a virtude angélica? Como me comportei nos olhares? Faltei à modéstia? Estive em alguma ocasião, baile, teatro ou reunião, em que pudesse manchar a minha alma com algum pensamento, palavra ou ação má?

Ira: é um apetite desordenado de vingança. Tive ódio a meu próximo, propósito de vingar-me, desejo de que lhe acontecesse algum mal? Entristeci-me com o bem alheio, e consenti em desejos de vingança? Disse alguma injúria a meu próximo, ou murmurei dele? Roguei pragas, proferi maldições? Tive contendas ou disputas? Perdoei as injúrias? Em minhas doenças, tive impaciência ou desejei ver-me livre delas contra a vontade de Deus? Desejei a mim ou a outros a morte? Maltratei os animais?

Gula: é um apetite desordenado de comer e beber. Comi carne nos dias proibidos? Guardei os jejuns da Igreja ou aqueles a que sou obrigado por voto? Comi ou bebi demais? Comi ou bebi só por gulodice?
Inveja: é uma tristeza desordenada do bem de outrem. Alegrei-me com o mal alheio, ou dei lugar à tristeza, quando vi a outrem na prosperidade? Senti e mostrei desgosto de ouvir os louvores do próximo, ou diminuí os louvores que outros lhe teciam? Odeio aos outros, porque me igualam ou avantajam em prosperidade e estimação? Tive inveja dos bens do próximo, ou de suas honras, dignidades, amizades, formosura, ciência ou virtudes?

Preguiça: é uma tristeza, tédio ou aborrecimento dos exercícios de piedade. Fugi da virtude por temor dos trabalhos e dificuldades? Deixei-me levar da negligência em praticar coisas árduas no serviço divino? Deixei-me vencer pela tibieza na observância dos mandamentos ou dos deveres do meu estado? Fui inconstante nas boas obras, ou as não acabei, podendo? Desconfiei nas tentações? Tive rancor ou ódio contra as pessoas boas, porque a sua virtude era para mim uma exprobação? Perdi o tempo? Empreguei-o em distrações, conversações inúteis, jogos, etc.?

IV. Exame pelos cinco sentidos

Visão: olhei para coisas formosas, vãs ou perigosas, só por vaidade, sensualidade e curiosidade? Olhei com imodéstia, liberdade ou desedificação dos outros? Fitei os olhos nalgum objeto mau ou perigoso? Olhei com leviandade de uma para outra parte?

Ouvido: apliquei os meus ouvidos a escutar conversas vãs ou curiosas, procurei notícias inconvenientes, lisonjas, louvores próprios ou murmurações? Deixei de ouvir conversações boas, sermões etc., ou os ouvi de má vontade? Recebi bom os avisos ou correções?

Língua: falei de Deus com pouco respeito? Falei da vida alheia? Descobri os defeitos do próximo? Falei alguma palavra grosseira ou não conforme ao meu estado e profissão? Fui sincero e claro com o meu diretor e confessor?

Examinem-se também os pecados cometidos com o gosto, o olfato o tato.

V. Exame pelas potências da alma

Entendimento: fui negligente em aprender a doutrina e as coisas necessárias para salvar-me? Penso frequentemente em Deus e no bem da minha alma? Afasto a minha imaginação de representações inconvenientes ou de ideias perigosas? Procurei saber alguma coisa má, inútil ou superior às minhas forças? Detive-me, propositalmente, em maus pensamentos? Sou contumaz, teimoso em minhas opiniões, ou desprezador das alheias? Julguei ou suspeitei temerariamente dos defeitos ou ditos dos outros? Segui as máximas ou ditames do mundo e da carne? Fui inconstante nos meus bons propósitos?

Memória: lembro-me com frequência dos benefícios de Deus, de seus preceitos, avisos e inspirações?  Tenho presentes os propósitos e os deveres para com Deus, para com o próximo e para comigo mesmo? Esqueci os meios de me santificar?

Vontade:  sujeitei a minha vontade cumprindo com prontidão e alegria os mandamentos de Deus, da Igreja e as ordens dos superiores? Procurei fazer a vontade alheia, desde que nisso não houvesse pecado? Tive má intenção nas boas obras, buscando-me a mim nelas, bem como fazer o meu gosto e vontade? Acaso me apropriei dos talentos, obras e coisas como se as não houvesse recebido de Deus?

(texto publicado originalmente em http://www.saopiov.org/)

sexta-feira, 12 de março de 2021

ORAÇÃO AO SANTO ANJO DO HORTO

Eu te saúdo, Santo Anjo, que consolastes Jesus no Monte das Oliveiras. Tu consolastes meu Senhor Jesus Cristo em sua agonia.

Contigo louvo a Santíssima Trindade, que te escolheu dentre todos os Anjos, para consolar e fortalecer a quem é Consolo e Fortaleza de todos os aflitos e que diante dos pecados do mundo e, de modo especial, diante dos meus pecados, repleto de dor, caiu ao solo.

Pela honra que recebeste e pela disponibilidade, humildade e amor com que ajudaste a santa humanidade de meu Salvador Jesus, eu te peço um arrependimento perfeito dos meus pecados. Consola-me na tristeza que atualmente me aflige e em todas as outras penas que vão sobrevir, especialmente na hora da minha agonia. Amém. 

(Oração de Bento XV, papa da Igreja, 1914 - 1922)

quinta-feira, 11 de março de 2021

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

'Não vos deixeis iludir, meus irmãos. Se alguém seguir a um cismático não herdará o reino de Deus. Se alguém seguir o caminho da heresia, não se encontrará de acordo com a Paixão de Cristo. Tende o cuidado de tomar parte numa só Eucaristia. Porque uma é a carne de Nosso Senhor Jesus Cristo, um é o cálice do seu Sangue e um o altar que faz com que sejamos um, assim como também um é o bispo, juntamente com o seu presbitério e os diáconos, meus companheiros na servidão. Assim sendo, o que fizerdes estará de acordo com a Vontade de Deus'.

(Santo Inácio de Antioquia)

quarta-feira, 10 de março de 2021

TESOURO DE EXEMPLOS (55/57)

 

55. DEUS ME CHAMA

Um missionário lazarista, falecido na Itália em fins do século passado, pregava retiro a umas jovens de Constantinopla precisamente nos dias em que a cólera invadia a infeliz cidade. Na manhã do terceiro dia, bem cedo, viu o missionário chegar uma das jovens retirantes, que lhe disse:
➖ Padre, desejo confessar-me e fazer uma boa comunhão esta manhã. Depois da missa lhe direi o motivo.

Comungou com singulares mostras de fervor. Depois da ação de graças veio a dizer-lhe:
➖ Padre, esta noite, passei-a acordada e tive a sensação de que chegara para mim o momento da morte e minha alma, separada do corpo, era levada por meu anjo da guarda ao tribunal do soberano juiz. Já não era o Salvador tão bom e misericordioso, de que tantas vezes nos falam os padres, mas um juiz inexorável. Iam chegando de todas as partes do mundo inúmeras almas; muitas iam para o inferno, outras muitas para o purgatório, muitas poucas diretas para o céu.

Perturbada e atemorizada, levantei os olhos e - ó felicidade! - minha boa Mãe, a Imaculada, ali estava a olhar para mim com uma doçura infinita. Animada com esta vista, do fundo do meu coração saiu o grito que repetia muitas vezes na terra: 'Boa Mãe, Mãe do Perpétuo Socorro, socorrei-me, salvai-me!'. Estava eu aos pés do tribunal de Deus e a minha sorte eterna ia decidir-se num instante. De repente, uma voz melodiosa, como nenhuma outra da terra, se fez ouvir:
➖ Meu Filho, esta é minha filha.

Então Nosso Senhor, voltando-se para a sua gloriosa Mãe, disse-lhe com inefável carinho, que não se pode exprimir em linguagem humana:
➖ Pois é vossa: julgai-a Vós.
E por todo juízo a Rainha dos Santos abriu-me os braços e eu me refugiei neles. Era feliz por toda a eternidade!

Calou-se a jovem. Seu rosto brilhava como se ainda estivesse vendo aquela visão celeste. O missionário, mais impressionado do que deixava perceber, pregou naquela manhã sobre a necessidade da preparação para a morte. Apenas havia terminado, vieram chamá-lo com toda a urgência; uma das jovens que assistiam ao retiro acabava de cair de cama vítima da cólera. Naquele corpinho, que se retorcia com a violência da doença, reconheceu ele a jovem da visão.
➖ Padre, eu bem lhe dizia, Deus me chama!

E duas horas depois, com um sorriso celestial nos lábios, sua alma voava para a glória, repetindo pela última vez sua jaculatória favorita:
➖ 'Minha Mãe, Mãe do Perpétuo Socorro, socorrei-me, salvai-me!'

56. UM SACRISTÃO E UMA VOZ MISTERIOSA

Na pequena cidade de Ostra-Brama, Polônia, há uma bela igreja onde, há séculos, se venera uma devota imagem de Nossa Senhora das Dores. No mês de março de 1896, um forasteiro, falando polonês com sotaque russo, apresentou-se ao sacristão com dois grossos círios, dizendo que queria que ardessem diante da milagrosa imagem até se acabarem.
➖ Fiz promessa - disse - que fiquem acesos até amanhã depois da missa sem que se apaguem. 

Tendo um grande negócio, que amanhã se há de decidir e só me resta este tempo para recomendá-lo a Nossa Senhora. Se quiser, irei junto para colocá-los na igreja.
➖ Eu o farei com gosto - replicou o sacristão - mas o caso é que, quando se deixam luzes na igreja, tenho de passar a noite lá, por temor de um incêndio.
➖ Sei - disse o desconhecido - mas por esse seu trabalho dou-lhe agora mesmo dois rublos.

A filha do sacristão preparou ao pai a ceia e roupas quentes e o russo foi com ele acender os círios, rezou alguns minutos e foi-se embora. O sacristão, uma vez sozinho, tocou as Ave-Marias, fechou as portas, rezou sua oração da noite, sentou-se numa cadeira, na sacristia, e logo começou a cochilar. De repente ouve uma voz que lhe grita:
➖Apaga, apaga os dois círios!

Assustado, levanta-se, olha para todos os lados e não vê ninguém. Julga ter sido um sonho e torna a dormir; mas, pouco depois, desperta-o a mesma voz misteriosa:
➖ Apaga, apaga os círios!
Como não vê ninguém, para acabar com aqueles sonhos, acha que seria melhor apagar as velas; mas, lembrando de sua promessa e do dinheiro recebido, pôs-se a rezar o rosário até que, vencido pelo sono, adormece pela terceira vez. Desta vez, a voz desperta-o com mais força:
➖ Apaga, apaga depressa os círios.

Convencido afinal de que a voz vinha do alto, apaga os círios e fica tranquilo. Ao romper do dia, toca as Ave-Marias, prepara o altar para a missa e começam a chegar os fiéis e também sua filha. Esta, terminada a missa, pergunta ao pai por que apagara os círios. Inteira do que acontecera, após a saída dos fiéis, levaram os círios para examiná-lo, pois notaram que eles tinham um peso extraordinário.

O sacristão, com uma faca foi rasgando a cera e, no interior do círio, viu que o pavio penetrava num tubo de ferro. Suspeitando uma armadilha sacrílega, puseram os círios num barril de água e foram depressa avisar ao vigário e ao delegado de polícia. Descobriram, então, que os dois tubos estavam carregados com dinamite e calculados para explodir precisamente à hora da missa. Imagine-se a gratidão dos habitantes de Ostra-Brama para com Nossa Senhora por os ter livrado, com sua intervenção direta, do terrível atentado.

57. SALVO POR NOSSA SENHORA

Um jovem seminarista francês, por instigação de um parente, abandonou a vocação. Seus pais e mestres fizeram tudo para abrir-lhe os olhos e mantê-lo na vocação. Obstinou-se e partiu para a capital, onde conseguiu ótima colocação e ganhava bom dinheiro. Desgraçadamente, maus amigos o arrastaram aos vícios e de suas práticas religiosas só conservou o 'Lembrai-vos', oração que todas as noites rezava em louvor a Maria Santíssima.

Ao cabo de alguns anos perdeu a colocação e caiu na mais profunda miséria; e, como já não contava com o auxílio da religião, entregou-se ao desespero e resolveu acabar com a vida. Ia já lançar-se ao rio para afogar-se, quando, por inspiração singular, quis antes rezar o seu 'Lembrai-vos' a Nossa Senhora. Ajoelhou-se e rezou...

Ao levantar-se, um terror estranho se apoderou dele: parecia-lhe ver um abismo aberto e fogo abrasador diante de seus olhos; em sua mente agitada pelo remorso, começavam a despertar as recordações da infância. Percebeu que um passo apenas o separava do inferno. Fugiu atemorizado pelas ruas de Paris, sem saber aonde ia... Ao acaso? Não. Nossa Senhora guiou-lhe os passos até uma igreja, em que entrou arrastado por uma força invisível.

Uma grande multidão de fiéis rezava em silêncio diante da imagem de Maria adornada de luzes e flores.
O infeliz sentiu pouco a pouco renascer a sua confiança. Viu um padre que entrava no confessionário e foi ajoelhar-se aos pés dele. Era o Venerável P. Desgenettes, pároco de Nossa Senhora das Vitórias. Entretanto, o rapaz não tinha intenção de confessar-se; queria somente desabafar seu coração e contar a história da sua vida e de seus desvarios.

O padre recebeu-o com a bondade e doçura de uma mãe e, quando ele terminou o seu testemunho, disse:
➖ Meu filho, quero completar a sua história. Faz poucos meses que um bispo esteve pregando nesta igreja e recomendou às orações dos fiéis a um jovem, a quem queria muito, e que andava perdido em alguma parte desta capital. 

O pecador, entre lágrimas e soluços, ocultou o rosto entre as mãos. O pároco ouviu-lhe a confissão preparou-o para uma fervorosa comunhão, restituindo-lhe a paz da alma. O jovem reparou os escândalos que dera, indo pedir perdão aos seus pais, mestres e ao bondoso prelado e, por fim, entrou para uma ordem religiosa para fazer austeras penitências.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

ver PÁGINA: TESOURO DE EXEMPLOS