XLIII
DO SACRAMENTO DO MATRIMÔNIO: SUA NATUREZA, IMPEDIMENTOS, OBRIGAÇÕES, DIVÓRCIO, SEGUNDAS NÚPCIAS E ESPONSAIS
Qual é o outro sacramento instituído por Jesus Cristo para aperfeiçoar o homem, enquanto membro de uma sociedade com fins sobrenaturais?
O sacramento do matrimônio (XLII)*.
De que modo está ordenado o Sacramento do Matrimônio para o bem da sociedade sobrenatural?
Pela propagação da espécie humana, cujos indivíduos são os destinados a formá-la (XLI, XLII).
Que entendeis por sacramento do matrimônio?
A união de um só homem com uma só mulher, indissolúvel até a morte de um deles, contraída por mútuo consentimento, entre pessoas batizadas, com direito recíproco e exclusivo, nos atos que têm por fim dar à pátria terrestre e à pátria celestial dignos moradores e cidadãos (Ibid).
Por que o contrato matrimonial entre cristãos tem categoria de sacramento?
Porque assim o quis Jesus Cristo, ao elevá-lo à dignidade de simbolizar a sua própria união com a sua esposa, a Igreja, nascida do seu lado aberto na cruz, à maneira da primeira mulher, da costela de Adão, misteriosamente adormecido (XLII, 2).
Que é necessário para que um homem e uma mulher batizados possam unir-se em matrimônio?
Que ambos possam livremente dispor de si mesmos e que não exista entre eles qualquer obstáculo.
Que obstáculos se opõem à união matrimonial?
Os chamados impedimentos do matrimônio.
São da mesma natureza todos os impedimentos do matrimônio?
Não, Senhor; pois que uns somente o fazem ilícito e outros o fazem completamente nulo.
Quais os nomes que têm os primeiros e os segundos?
Os primeiros chamam-se impedientes e os segundos, dirimentes (cânon 1036).
Quais são os impedientes?
O voto simples de virgindade, o de castidade perpétua ou de não contrair matrimônio, o de receber ordens sacras ou de abraçar o estado religioso; o parentesco legal procedente da adoção, nos países em que a lei civil o considera impedimento impediente, e o chamado de religião mista, que tem lugar quando um dos contraentes, ainda que validamente batizado, professa as doutrinas de alguma seita herética ou cismática (conforme o Código Canônico).
Que é necessário para contrair matrimônio quando existe algum dos preditos impedimentos?
Que a Igreja o dispense, se bem que, para fazê-lo, exige razões muito atendíveis, especialmente quando se trata de um matrimônio em que intervenha o impedimento de religião mista, exigindo à parte acatólica dar garantias suficientes para afastar todo perigo de perversão do outro cônjuge e para que a prole receba o batismo e educação católica (conforme o Código Canônico).
Quais são os impedimentos dirimentes?
Ei-los aqui, extraídos do novo Código do Direito Canônico: (i) a falta de idade legal, que são dezesseis anos completos, para o homem e quatorze para a mulher, igualmente completos; (ii) a impotência, conhecida ou desconhecida, absoluta ou relativa, contanto que seja perfeita e anterior ao matrimônio; (iii) o matrimônio válido, anteriormente contraído, ainda que não tenha sido consumado; (iv) a disparidade de cultos, que tem lugar quando um dos contraentes está batizado na Igreja Católica ou se converteu da heresia ou do cisma e o outro se acha sem batizar; (v) as ordens sagradas; (vi) a profissão religiosa solene e também a simples, quando assim o decretar a Santa Sé; (vii) o rapto ou detenção violenta feita com o objetivo de arrancar o consentimento, até que a pessoa raptada seja posta em lugar seguro e possa manifestar livremente a sua vontade; (viii) o crime de adultério com promessa ou tentativa civil de matrimônio, o adultério seguido de assassinato em que intervenham um ou ambos os adúlteros e a cooperação física ou moral no assassinato de um dos cônjuges, ainda que não haja precedido o adultério; (ix) a consanguinidade, em linha reta, indefinidamente e, em colateral, até ao terceiro grau inclusive; multiplica-se este impedimento quantas vezes se multiplica o tronco comum; (x) a afinidade, em linha reta indefinidamente e, em colateral, até ao segundo grau inclusive; multiplica-se este impedimento como o da consanguinidade que o origina e, por matrimônio subsequente, com o consanguíneo do cônjuge defunto; (xi) a pública honestidade, proveniente do matrimônio inválido, consumado ou não e de concubinato público e notório; dirime o matrimônio no primeiro e segundo grau da linha reta entre o homem e os consanguíneos da mulher e vice-versa; (xii) o parentesco espiritual que contraem com o batizado, o batizante, o padrinho e a madrinha; (xiii) o parentesco legal, proveniente da adoção, nos países em que a lei civil o considera impedimento dirimente (Código, Canônico 1067-1080; LLXII).
Dispensa alguma vez a Igreja nos impedimentos dirimentes?
Nem dispensa e nem pode dispensar nos impedimentos que são de direito divino ou natural estrito, como a impotência, o matrimônio consumado e a consanguinidade na linha reta e na colateral muito próxima. Pode e, de fato, dispensa nos outros, ainda que para fazê-lo exige causa grave.
Não existe outro impedimento dirimente que poderemos chamar extrínseco, visto que não afeta as partes contraentes?
Sim, Senhor; o da clandestinidade.
Que entendeis por impedimento de clandestinidade?
O que estabelece a lei eclesiástica, declarando nulos os matrimônios entre batizados na Igreja Católica, vivendo ou não no seu seio, entre católicos e acatólicos, estejam ou não estes últimos batizados, e entre latinos e orientais, quando não se contraem perante o pároco ou o ordinário do lugar em que se efetua ou perante um sacerdote delegado de qualquer deles, nos limites das suas respectivas jurisdições e com assistência de duas testemunhas pelo menos. É todavia válido o matrimônio celebrado apenas em presença de duas testemunhas quando, em perigo de morte, seja impossível ou muito difícil recorrer ao Ordinário ou ao Pároco, e quando as dificuldades para contraí-lo perante qualquer,deles hajam durado um mês (Código, cânons 1094-1099).
Quando as partes contraentes reúnem as devidas condições, que é preciso para que recebam o sacramento e quem é o ministro?
Basta, para o primeiro, que livremente, isto é, sem pressão, medo grave e injusto, nem violência exterior, prestem consentimento formal recíproco e atual, manifestado por palavras ou por meio de gestos inequívocos. São ministros do sacramento os mesmos contraentes (Código, cânons 1081-1087; XLVII, 1-6).
É nulo o consentimento matrimonial quando algum dos contraentes está em algum erro a respeito do outro?
Se o erro é acerca da pessoa do outro cônjuge, sim, senhor; porém, quando recai em suas qualidades pessoais, o matrimônio, ainda que ilícito, é válido (Código, cânon 1083).
É conveniente que assistam à missa própria do ato em que o sacerdote abençoa a sua união?
Sim, senhor; além de tudo, a Igreja deseja e recomenda que todos os seus filhos se disponham para receber tão grande sacramento, mediante uma boa confissão e fervorosa comunhão (Código, cânon 1101).
Que graça especial confere este sacramento aos que dignamente o recebem?
A de perfeita fidelidade e harmonia conjugal fundada num amor sincero e profundo, sobrenatural, suficiente para resistir até à morte, a quanto se tenda destruí-la ou quebrantá-la e, ao mesmo tempo, uma graça de generosidade, abnegação e espírito de sacrifício em favor dos futuros filhos, a fim de que os pais não estorvem a sua procriação, os recebam com alegria e lhes prodigalizem os mais minuciosos cuidados de alma e corpo, para fazer deles dignos cidadãos da pátria terrena e da pátria celeste (XLIX, 1-6).
Pode a lei do divórcio civil anular o matrimônio validamente contraído?
De maneira nenhuma, visto que nenhuma lei humana pode separar o que Deus uniu. Por conseguinte, ainda que decretado e executado o divórcio civil, permanecem ambos os cônjuges unidos com os laços do matrimônio e, se algum passa a segundas núpcias, Deus e a Igreja consideram a sua união como mero concubinato.
Ocorrida a morte de um dos cônjuges, pode o sobrevivente contrair novo matrimônio?
Não existe lei que o proíba, se bem que considerado em si mesmo, é mais perfeito o estado de viuvez; advirta-se que, se é viúva a mulher, ao celebrar o primeiro matrimônio, recebeu solenemente a benção nupcial, e não pode recebê-la segunda vez (LXIII, Código, cânons 1142, 1143).
São úteis e convenientes os esponsais?
Sim, senhor. Consistem, essencialmente, na promessa que fazem mutuamente os futuros cônjuges de contrair matrimônio. Para a sua validade, tanto no foro interno como no externo, é necessário que conste de escritura, firmada pelos interessados, pelo Pároco ou Ordinário do lugar e por duas testemunhas pelo menos. Se algum dos prometentes não sabe escrever ou está impossibilitado, é preciso fazer constar na ata e acrescentar a firma de outra testemunha (XLIII, 1; Código, cânon 1017).
Dão os esponsais direito de usar do matrimônio antes de celebrá-lo?
Não, senhor; e os desposados que o usem, além de cometer pecado mortal, expõem-se a que a justiça divina lhes faça, mais tarde, pagar caro semelhante abuso da honestidade dos esponsais.
* referências aos artigos da obra original
('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)