sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

SOBRE O FUTURO: ADIVINHAÇÃO X DEDUÇÃO LÓGICA


A Igreja Católica condena veemente a astrologia e quaisquer outras formas de adivinhação (CIC 2116): 

2116. Todas as formas de adivinhação devem ser rejeitadas: recurso a Satanás ou aos demônios, evocação dos mortos ou outras práticas supostamente 'reveladoras' do futuro. A consulta dos horóscopos, a astrologia, a quiromancia, a interpretação de presságios e de sortes, os fenômenos de vidência, o recurso aos 'médiuns', tudo isso encerra uma vontade de dominar o tempo, a história e, finalmente, os homens, ao mesmo tempo que é um desejo de conluio com os poderes ocultos. Todas essas práticas estão em contradição com a honra e o respeito, penetrados de temor amoroso, que devemos a Deus e só a Ele.

Dentre as inúmeras passagens bíblicas que condenam estas práticas de adivinhação e magia, no capítulo 47 do Livro de Isaías, o profeta, após prever a destruição da Babilônia, ironiza a valia dessas abominações praticadas em larga escala diante a ruína da cidade e da ira de Deus contra ela:

Ora, uma calamidade virá sobre ti e não saberás conjurá-la; a catástrofe vai desabar sobre ti sem que possas impedi-la. Repentinamente alcançar-te-á uma ruína que não terás sabido evitar. Agarra-te, portanto, a teus feitiços e à multidão de teus sortilégios, nos quais te esmeraste desde tua juventude! Talvez acharás uma receita eficaz para criar o terror. Esbanjaste teus esforços entre tantos conselheiros. Que eles então se levantem e te salvem, aqueles que preparam o mapa do céu e observam os astros, que comunicam a cada mês como irão as coisas (Is 47, 11 - 13). 

O próprio Catecismo da Igreja nos alerta da necessidade de cautela e discernimento sobre a prática de previsões a qualquer preço:

1115. Deus pode revelar o futuro aos seus profetas ou a outros santos. Mas a atitude certa do cristão consiste em pôr-se com confiança nas mãos da Providência, em tudo quanto se refere ao futuro, e em pôr de parte toda a curiosidade malsã a tal propósito. A imprevidência, no entanto, pode constituir uma falta de responsabilidade. 


Entretanto, isso não implica o descuido da atenção aos sinais que o próprio Deus nos dá para que, sob tais fundamentos, possamos deduzir logicamente (e não prever) os acontecimentos futuros, visando sempre o bem e a maior glória de Deus entre os homens, o que implica o domínio do estudo (ciência) e principalmente, de discernimento e humildade (sabedoria): 

Não imiteis o procedimento dos pagãos; nem temais os sinais celestes, como os temem os pagãos (Jr 10,2)

Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra a aflição e a angústia apoderar-se-ão das nações pelo bramido do mar e das ondas (Lc 21, 25).

Se alguém deseja uma vasta ciência, ela sabe o passado e conjectura o futuro; conhece as sutilezas oratórias e revolve os enigmas; prevê [deduz] os sinais e os prodígios, e o que tem que acontecer no decurso das idades e dos tempos (Sb 8,8).

Foi utilizando estas premissas de ciência e sabedoria que os Reis Magos, por exemplo, deduziram e, assim, puderam experimentar os resultados concretos de um sinal de Deus para com os homens, com base nos sinais associados a um evento astronômico - a Estrela de Belém. 

PERMANECEI FIRMES NA BARCA!

Em tudo aquilo que faz, o Senhor nos ensina como viver aqui na terra. Não há ninguém neste mundo que não seja viajante, ainda que nem todos desejem voltar à pátria. Sofremos com as ondas e as tempestades que decorrem da viagem. Mas, pelo menos, permanecemos na barca. Pois, se há perigo até dentro da barca, fora da barca a morte é inevitável! Aquele que nada em alto mar pode ter braços muito possantes; contudo, cedo ou tarde, vencido pela imensidão das águas, é por elas tragado, e desaparece. Assim, é necessário permanecer na barca, isto é, ser transportado pelo lenho, para poder atravessar o mar. 

Esse lenho que transporta a nossa fraqueza é a cruz do Senhor, da qual trazemos o sinal, e que nos impede de ser tragado pelo mundo. Nós sofremos com a agitação das ondas, mas é o Senhor que nos transporta. A barca que transporta os discípulos, isto é, a Igreja atravessa as águas, e as tempestades das provações assaltam-na. O vento contrário, ou seja, o demônio que faz oposição à Igreja, não se acalma. Ele se esforça por impedi-la de chegar ao repouso. Mas grande é aquele que intercede por nós. Com efeito, na tumultuosa navegação em que pelejamos, ele transmite confiança, vem ao nosso encontro e nos reconforta, do medo que, abalados pela barca, nós nos deixemos abater e nos atiremos ao mar. 

Pois, mesmo se a barca é sacudida, é ainda assim, uma barca: só ela transporta os discípulos e recebe Cristo. Ela está em grande perigo sobre o mar, mas fora dela, logo pereceremos. Mantém-te firme na barca, e ora ao Senhor. Todos os conselhos podem faltar; o leme torna-se insuficiente; as velas estendidas, mais perigosas que úteis. Quando todos os socorros e as forças humanas falharem, só resta aos marinheiros o propósito de orar e erguer os corações para Deus. Por acaso, aquele que conduz os navegantes até o porto, irá abandonar a Igreja e não a conduzirá ao repouso?

(Dos Sermões de Santo Agostinho)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

O EPITÁFIO DE ABÉRCIO

De relevância teológica singular, o chamado epitáfio de Abércio, bispo de Hierápolis (Frígia), constitui a mais antiga referência à prática da eucaristia na Igreja primitiva. A inscrição, datada do século II e restaurada a partir de fragmentos diversos obtidos pelas expedições arqueológicas de W. Ramsay em 1883, nas proximidades de Hierápolis (atual Turquia), possui um simbolismo riquíssimo, por suas referências a Cristo, o Bom Pastor, e à celebração da eucaristia, ministrada sob as duas espécies, pelas primeiras comunidades cristãs. As diferentes partes da inscrição original são conservadas nos museus do Vaticano.

(reprodução da inscrição original no Museo della Civitá, em Roma)

Eu, cidadão de pátria ilustre,
fiz este túmulo durante a vida,
para ter aqui um jazigo nobre para o meu corpo repousar.

Meu nome é Abércio.
Sou um discípulo de um Santo Pastor,
que apascenta o seu rebanho de ovelhas
entre montes e planícies
e que tem grandes olhos e que tudo vê.

'Um Santo Pastor que apascenta o seu rebanho de ovelhas' e que 'tem grandes olhos e tudo vê' é uma alusão direta a Jesus Cristo, como o Bom Pastor que cuida zelosamente de suas ovelhas, conforme citado nas Sagradas Escrituras.

Ele me ensinou [as verdades] das escrituras, dignas de fé,
e me enviou a Roma para contemplar o palácio
e ver a rainha de vestes esplendentes e sandálias de ouro:
lá conheci um povo marcado com um selo resplandecente.

O 'palácio' é a Santa Igreja, 'rainha de vestes esplendentes e sandálias de ouro'; 'o povo marcado com um selo resplandecente' são os os filhos batizados da Igreja. O termo 'selo' (σφραγί), como expressão para batismo, já era bem conhecido no século II.

E fui à planície e às cidades da Síria
e à Nisibis, depois de atravessar o [rio] Eufrates.
Encontrei companheiros por onde passei
e tive Paulo comigo.

Por toda parte a fé me guiou
e me serviu como alimento;
o peixe da fonte, grande e puro,
que a Virgem recolheu
é dado a comer todos os dias aos seus amigos,
junto com um vinho refinado
misturado em água, e com pão.

Abércio relata o que viu nas comunidades cristãs de Roma, Síria e outras regiões da Ásia Menor: a mesma fé e a eucaristia como centro da vida cristã. O 'peixe grande e puro' é Jesus Cristo (da palavra grega Ichthys), concebido da Virgem Maria e dado aos homens pelo batismo (fonte do 'peixe grande e puro') e que é servido como 'alimento' (eucaristia) no banquete do pão e do vinho. Paulo é uma referência ao apóstolo dos gentios.

Eu, Abércio, ditei estas sentenças
para que assim fossem escritas,
na idade de setenta e dois anos.
Todo aquele que ler e compartilhar estas coisas
rogue por mim.

E ninguém erga outro túmulo
sobre este meu sepulcro;
caso contrário, deverá pagar 
2000 peças de ouro para o erário romano
e outros 1000 à Hierápolis,
minha pátria ilustre!

Abércio faz aqui uma referência à prática da oração pelos mortos ('rogue por mim') e estabelece a natureza inviolável do seu túmulo, às custas da tributação de pesadas multas.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

14 DE DEZEMBRO - SÃO JOÃO DA CRUZ

(1542 - 1591)

João de Yepes, 'uma das almas mais puras da Igreja' no dizer de Santa Teresa, nasceu, assim como a própria Santa Teresa, na província de Ávila (Fontiveros) na Espanha, em 1542. Formado desde o berço na escola da pobreza e do sofrimento, estudou com os padres jesuítas e ingressou na Ordem Carmelita aos 21 anos, ordenando-se sacerdote em 1567. Com decisão tomada para se transferir para a Ordem dos Cartuxos, então de hábitos bem mais austeros que o Carmelo, teve um encontro com Santa Teresa que mudou a sua vida. Diante da proposta da santa de reformar a Ordem Carmelita, abraçou esta causa com desmedido zelo e devoção por mais de 20 anos, assumindo, então, o nome de João da Cruz. 

Apesar de ter sido o primeiro padre da reforma carmelita, foi duramente perseguido pela Ordem, sendo isolado e privado de todas as suas funções originais. Nesse período de duras provações, ascese e contemplação, moldou-se a extraordinária poesia mística do santo, expressa em obras como  'Subida do Monte Carmelo', 'Noite escura da alma', 'Cântico Espiritual' e 'Chama de amor viva'. Num ambiente de perseguição, doenças e grandes sofrimentos, veio a falecer aos 49 anos de idade, no dia 14 de dezembro de 1591. O Papa Clemente X o beatificou em 1675; Bento XIII o canonizou em 27 de dezembro de 1726 e o Papa Pio XI o declarou 26º Doutor da Igreja Universal no princípio do século XX.

SÃO JOÃO DA CRUZ, rogai por nós!

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

DO LIVRO DAS CINTILAÇÕES (I)

Prólogo

Leitor, quem quer que tu sejas, que lês este pequeno livro, eu, que o escrevi, rogo-te que o leias com alma e acolhas com gratidão estas saborosas sentenças. Com exceção do trabalho e da boa vontade, nada há aqui de meu. Das palavras do Senhor e de seus santos, destacaram-se estas cintilações que, também elas, não se devem a meu engenho, mas unicamente à graça de Deus e a meu Mestre Ursino, que me encarregou deste trabalho e ensinou-me a fazê-lo. 

Desejoso de obedecer, perscrutei páginas e páginas e, ao deparar uma sentença fulgurante, colhia-a com a diligência de quem encontra uma pérola ou gema. Tal como uma fonte, que se faz de muitas gotas, assim reuni testemunhos de diversos volumes para tentar compor este opúsculo. Assim como do fogo procedem centelhas, assim também fulgem, extraídas das Escrituras, estas breves sentenças neste livro de cintilações. Quem quiser lê-lo, poupar-se-á trabalho; que não se canse pelo caminho das outras páginas: aqui encontrará o que deseja. Mas, para que esta obra não seja considerada sem autor ou tida por apócrifa, a cada sentença, por meio de siglas, ajunto o nome do autor.

Ao mosteiro de São Martinho de Ligugé, no qual recebi a tonsura, ofereço este livro. Que este oferecimento me ligue a ele pela perpetuidade, pois desde minha juventude é nele que habitam os mestres que tanto me enriqueceram com seus dons. Escrevi-o com a ajuda de Jesus, eu mesmo, e ofereci a eles para crescer em Cristo, para obedecer suas ordens e em tudo prestar-lhes serviço, o que faço com muito gosto.

Se ocorreu algum descuido, rogo-te, leitor, que não me censures com ira, mas corrige-me com benevolência. Escrevo meu nome - 'Defensor' - não por glória vã, mas para que todo leitor se lembre de mim. Tal como o porto para o navegador, assim também para mim foi com regozijo que cheguei à última linha. Conjuro a meus leitores e imploro a meus ouvintes que rezem por mim, último de todos, para que, enquanto esteja vivo, seja cumulado da sabedoria de Deus; e, ao sair desta carne, mereça eu gozar da bem-aventurança da vida eterna.


Do Livro das Cintilações* - I

I - O amor

1. Disse o Senhor no Evangelho: Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos (Jo 15, 13).

2. Disse Agostinho: Onde não há amor a Deus, aí reina a cobiça carnal (Ench. 117).

3. Disse Agostinho: Quão grande é a caridade: sem ela, tudo é em vão; com ela tudo ganha sentido (In Ioh. Ev., IX, 8; PL 35, 1462).

4. Disse Agostinho: Estende ao longo do mundo inteiro o teu amor, se queres amar a Cristo, pois, por todo o mundo, espalham-se os membros de Cristo (In Ioh. Ep., X, 8; PL 35, 2060).

5. Disse Agostinho: Do mesmo modo que teu corpo sem espírito, isto é, sem alma, estaria morto, assim também tua alma sem o Espírito Santo, isto é, sem amor, seria tida por morta (In Ioh. Ev., IX, 8; PL 35, 1462).

6. Disse Gregório: O amor dá as forças de que carecemos pela falta de experiência (Hom. Ev., 21, 1; PL 76, 1169).

7. Disse Gregório: A caridade tem grandeza: seu amor alcança até mesmo os inimigos (Hom. Ez. 1, 6, 19; PL 76, 840).

8. Disse Jerônimo: Não há distância que separe aqueles que estão unidos pelo amor (Epist. 71, 7, 2; PL 22, 672).

II - A paciência

9. Disse o Senhor no Evangelho: Pela vossa paciência, possuireis as vossas almas (Mt 5,9).

10. Disse Jerônimo: Entre os cristãos, infeliz é quem lança a ofensa e não quem a sofre  (Ep. 17,1; PL 22, 359).

11. Disse Jerônimo: Sofre-se mais suportando o inoportuno do que pela ausência de quem se ama (Ibid. 118, 2, 3; PL 22, 961).

12. Disse Gregório: A paciência verdadeira está em suportar sem alteração de ânimo os defeitos dos outros e não em guardar ressentimentos contra os que nos fazem o mal (Hom. Ev., 35).

13. Disse Gregório: A paciência verdadeira é aquela que sabe amar o sofrimento; pois, suportar odiando não é a virtude da mansidão, mas ira disfarçada (Hom. Ez., 2, 5, 14).

14. Disse Isidoro: Não pode ter paz aquele que põe sua esperança num homem.

III - O amor a Deus e ao próximo

15. Disse o Senhor no Evangelho: Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: em que vos ameis uns aos outros (Jo 13,35).

16. Disse Paulo Apóstolo: Para os que amam a Deus, tudo contribui para o bem (Rm 13,10).

17. Disse Paulo Apóstolo: Nem olho viu, nem ouvido ouviu, nem jamais ascendeu ao coração humano, o que Deus tem preparado para os que o amam (I Cor 2,9).

18. Disse João Apóstolo: Este é o mandamento que temos de Deus: que quem ama a Deus ame também a seu próximo. Pois aquele que não ama a seu irmão a quem vê, como vai amar a Deus a quem não vê? (I Jo 4,20 e 21).

19. Disse Agostinho: Nossa vida é o amor. E se o viver é amar, o ódio é a morte (En. Ps. 54, 7).

20. Disse Agostinho: Fomenta o amor em ti: só ele te conduzirá à Vida.

21. Disse Gregório: A prova de que se ama está nas obras (Hom. Ev., 30, 1).

22. Disse Gregório: Todo projeto se mede exclusivamente pelo amor (Hom. Ev., 27, 1).

23. Disse Gregório: Não se ama a Deus de verdade, se não se ama o próximo; não se ama o próximo de verdade, se não se ama a Deus (Hom. Ev., 30, 10; PL 76, 1227).

24. Disse Isidoro: Não ama a Cristo de todo o coração quem odeia um homem (Sent., II, 3).

* (Liber Scintillarum, escrito por volta do ano 700, constitui uma coletânea de máximas e sentenças compiladas das Sagradas Escrituras ou proclamadas pelos Pais da Igreja, organizadas por um monge - que se autodenomina 'Defensor' - do Mosteiro de São Martinho de Ligugé; tradução de Jean Lauand)

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

DA EXPLICAÇÃO DO MAGNIFICAT (X)


Conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão e sua posteridade para sempre

Os homens falam muito e são extremamente hábeis em prometer muitas coisas; mas suas palavras e promessas não são, no mais das vezes, senão mentira e embustes. Deus fala pouco; Ele tem uma só palavra, mas com esta só palavra governa todas as coisas e cumpre verdadeira e fielmente todas as suas promessas. São as promessas que fez a Adão, a Abraão e aos outros Pais e Patriarcas, as mencionadas pela bem-aventurada Virgem nessas últimas palavras de seu divino Cântico: conforme tinha dito a nossos pais, a Abraão e à sua posteridade para sempre; promessas que cumpriu ao encarnar-se em seu bendito seio. Foi o que Ele declarou aos judeus quando lhes disse: 'Abraão desejou ardentemente ver o meu dia', isto é, o dia da minha Encarnação, de meu nascimento e permanência na terra, do qual esperava a sua salvação e a salvação do mundo.

Vemos assim como Deus é verdadeiro em suas palavras e em suas promessas, o que deve causar-­nos uma grande consolação. Pois essa fidelíssima realização das promessas de Deus nos dá uma certeza infalível de que se cumprirão perfeitissimamente todas as outras promessas que nos fez. Ora, o nosso adorável Salvador não é o único a quem se chama o Fiel e o Verdadeiro; pois a Santa Igreja atribui também essa qualidade à sua divina Mãe, a Virgem fiel. Escutemo-­la nas palavras do Espírito Santo: 'Vinde todos a mim'. Todos, não só alguns; todos, homens e mulheres, grandes e pequenos, ricos e pobres, jovens e velhos, saudáveis e enfermos, justos e pecadores, fiéis e infiéis, sábios e ignorantes; pois desejo aliviar-vos em todas as necessidades e alcançar a salvação de todos. 

Vinde a mim com grande confiança; pois Deus me concedeu todo o poder no céu e na terra, e tenho mais amor e ternura por vós do que é possível existir nos corações de todas as mães, passadas, presentes e futuras. Vinde a mim, pois, assim como dei a vida à vossa adorável cabeça que é o meu Filho Jesus, posso dá-la também a seus membros; estarei convosco para conduzir-vos sempre e por toda a parte, em todas as coisas. Eu vos consolarei nas aflições; protegerei entre todos os perigos dessa vida; defenderei de todos os inimigos visíveis e invisíveis; iluminarei as trevas; fortalecerei nas fraquezas; darei amparo nas tentações. Assistir-vos-ei na hora da morte; receberei vossas almas na saída do corpo para apresentá-las a meu Filho. Enfim, dar-vos-ei lugar em meu regaço e em meu coração maternal; ter-vos-ei sempre presentes diante de meus olhos e mostrar-vos-eis que tenho um verdadeiro coração de Mãe.

E, terminando, eis o que me resta dizer-vos: lançai os olhares sobre a vida que leveis na terra e sobre todas as virtudes que então pratiquei pela graça de Deus: são outras tantas vozes que vos fa­lam e vos dizem: bem-aventurados os que seguem o caminho que eu segui, isto é, os que seguem o caminho da fé, da esperança, da caridade, da humildade, da obediência, da pureza, da paciência e das outras virtudes que na terra pratiquei. Abraçai pois todas essas virtudes, de todo o vosso coração. E meu Filho Jesus abençoar-vos-á, se O amardes e guardardes fielmente todos os seus mandamentos.

(Da Explicação do Magnificat, de São João Eudes)

domingo, 11 de dezembro de 2016

'ÉS TU AQUELE QUE HÁ DE VIR?'

Páginas do Evangelho - Terceiro Domingo do Advento 


Eis o Advento do Senhor: depois da vigilância e da conversão, vivenciados nos domingos anteriores, segue agora o ressoar das trombetas da legítima alegria cristã neste terceiro domingo. Sim, alegria cristã, alegria plena do amor de Cristo, proclamada pelo livro do Profeta Isaías: 'Os que o Senhor salvou voltarão para casa. Eles virão a Sião cantando louvores, com infinita alegria brilhando em seus rostos; cheios de gozo e contentamento, não mais conhecerão a dor e o pranto' (Is 35, 10). Neste deleite da graça, esparge-se a luz do entendimento da fé e amolda-se suavemente a paz divina ao coração humano que palpita inquieto enquanto não repousar definitivamente em Deus.

É neste sentimento de alegria, nascida e vivenciada numa fidelidade extrema ao amor de Deus, que exulta João Batista, ainda que na prisão. Uma alegria de tal plenitude de confiança e de graça, que vai merecer o elogio jubiloso do próprio Jesus: 'Em verdade vos digo, de todos os homens que já nasceram, nenhum é maior do que João Batista' (Mt 11,11). João Batista não está nos palácios reais, aturdido pelos prazeres do mundo; João Batista não se move pelo respeito e pelas condescendências humanas, na inconstância de 'um caniço agitado pelo vento' (Mt 11,7). No deserto ou na prisão, o primado de João é o da plenitude inabalável da fé cristã; nele como se fecha a sucessão dos profetas e se abre o novo tempo da missão dos apóstolos.

Diante da indagação dos discípulos de João Batista: 'És Tu, aquele que há de vir?' (Mt 11,3), Jesus manifesta a glória de Deus e a Vinda do Messias: 'Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados' (Mt 11, 4-5). É como se lhes proclamasse aos corações: 'Nos sinais de tantos portentos e milagres, alegrai-vos, pois a Luz do Mundo está entre vós'. E Jesus vai exortá-los à alegria eterna dos Filhos de Deus: 'Feliz aquele que não se escandaliza por causa de mim!' (Mt 11,6). 

Eis a felicidade eterna trilhada por João Batista, e também a de todos os santos e santas de Deus, que percorreram igualmente a mesma via de santificação. Louvado seja o homem que recebeu do próprio Cristo elogio de tal honra e glória; louvores muito maiores sejam dados aos homens e mulheres que se consumiram de alegria na mesma via de santidade e habitam para sempre as moradas do Pai, porque mesmo 'o menor no Reino dos Céus é maior do que ele' (Mt 11, 11), o maior dentre todos os homens nascidos até então. Nascidos para a eternidade, e herdeiros da Visão Beatífica, no Céu todos se tornam ainda maiores que o João Batista do mundo.