segunda-feira, 10 de outubro de 2016

QUANDO É PRECISO SER HOMEM... DE FÉ!

Há um indiferentismo religioso tão disseminado, tão generalizado, que quase mais nada produz qualquer reação, qualquer espanto. Pelo contrário, cada vez mais toda malícia, todo mal, toda iniquidade, tendem a se tornar banais. Nada é blasfêmia, nada mais é aberração litúrgica, nada mais é ofensivo à fé cristã. Quando todos se tornam fábulas de si mesmos, o horror do inexplicável pode ser moldado como um conto de fadas. Sem medos ou remorsos. Sem comentários.


(Terceiro Dia de Novena - Entrada de Nossa Senhora Aparecida - 05/10/2016)


FOTO DA SEMANA

'Quanto a nós, só vivemos durante esta vida, e depois da morte, nem mesmo nosso nome nos sobreviverá' (Eclesiástico 48, 12)


domingo, 9 de outubro de 2016

OS DEZ LEPROSOS

Páginas do Evangelho - Vigésimo Oitavo Domingo do Tempo Comum 


Num dado lugar, entre a Samaria e a Galileia, dez leprosos vieram ao encontro de Jesus e, seguindo as normas de conduta daqueles tempos, depararam-se a uma distância segura e gritaram: 'Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!' (Lc 17, 11). Os leprosos eram tomados como homens ímpios e imundos; a terrível doença era a simples manifestação externa de pecados gravíssimos ocultos. A exclusão social os exilava em grupos fora das cidades; o temor e o desprezo dos homens acompanhavam as suas chagas visíveis e outras muito piores que não se revelavam fisicamente. As vestes imundas tentavam esconder a lepra do corpo, mas atestavam de forma cristalina a impureza da alma.

Dez leprosos. Dez homens, excluídos e condenados pelos próprios homens, aproximaram-se de Jesus para implorar compaixão. Confiança e resignação no mesmo propósito; demonstração de fé e de retidão no gesto de todos de se aproximar do Mestre e, ao mesmo tempo, dEle ficar afastado de segura distância, em estrita observância aos preceitos da lei. Jesus, movido de compaixão, determinou-lhes: 'Ide apresentar-vos aos sacerdotes' (Lc 17, 14), impondo-lhes também o que era prescrito pela lei para que se comprovasse formalmente a condição de um homem suspeito ser leproso ou não. E os dez cumpriram fielmente as palavras do Mestre. E os dez foram curados pela mesma fé e a mesma confiança na misericórdia de Deus.

Dez homens foram movidos pela mesmo fervor na súplica pela cura da doença maligna. Livres do mal, certamente ansiaram por buscar os sacerdotes para receberem a confirmação oficial de suas restituições ao meio social, ao mundo dos homens a que estavam tão brutalmente excluídos. Mas um deles, um samaritano, afastou-se da direção do mundo que o receberia de volta e caminhou ao encontro de Cristo, assim que se viu curado, atirando-se aos pés de Jesus e glorificando a Deus em alta voz.

E, mais que os outros nove, será o personagem do portentoso milagre do perdão dos seus pecados e da salvação de sua alma: 'Levanta-te e vai! Tua fé te salvou' (Lc 13, 19). O mal físico que devora o corpo pode ser mortalmente perigoso. Mas é o pecado que inocula uma lepra na alma que nos priva da graça santificante, das virtudes e bens espirituais, que nos exclui não por um tempo da sociedade dos homens, mas que pode nos exilar eternamente das bem aventuranças da vida em Deus. Na súplica diária para não nos afligir a doença do pecado, esforcemos por nos colocar sempre, como o leproso samaritano, na santa presença de Deus com a eterna gratidão dos que estão curados e santificados pela infinita misericórdia do Pai.

sábado, 8 de outubro de 2016

POEMAS PARA REZAR (XXI)

QUISERA...


Quisera
fazer da minha súplica neste momento de oração 
o instante em que Deus vai tomar como medida
a medida do meu eterno coração.

Quisera, Jesus, quisera
que o meu eu se esvaísse como pó e fumaça
no incêndio de amor irradiado do peito chagado
da Vossa misericordiosa graça.

Quisera, ouso pedir, quisera
que no silêncio profundo do meu recolhimento
minha alma fosse moldada para todo o sempre
como a fotografia gerada neste momento.

E ainda quisera
que a luz de Deus velasse agora nos vales e abismos
mais profundos e íntimos do meu coração humano 
e lá pausasse e se tornasse eterna.

Quisera, meu Deus, quisera
que o meu nome fosse proclamado na memória
da multidão que Vos louva em cânticos de glória
e que eu fosse senhor no céu de uma morada.

Quisera, ó como quisera,
que esta oração fosse contada como chumbo e ouro
como lastro singular e moeda de excepcional tesouro
no juízo particular dos meus talentos.

E, por fim, quisera 
pedir à minha mãe, Nossa Senhora, velar comigo
no derradeiro instante do homem que inda terei sido
e, após, no infinito minuto com o meu Deus.

(Arcos de Pilares)




sexta-feira, 7 de outubro de 2016

GLÓRIAS DE MARIA: NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO

A palavra Rosário vem do latim Rosarium, que significa 'Coroa de Rosas'. Nossa Senhora é a Rosa das rosas, Rainha das rainhas, sendo chamada, então, Rosa Mística (como é invocada na Ladainha Lauretana), Rainha das Rosas de todas as devoções, Nossa Senhora do Rosário. Se, a cada Ave Maria, adorna-se a Mãe de Deus com uma rosa espiritual, o Rosário adorna Maria com uma Coroa de todas as Rosas.

O Santo Rosário é a oração mais perfeita e o instrumento mais poderoso que nos é concedido pela Divina Providência para vencer o pecado e as tentações diabólicas. Com o rosário, recordamos o memorial da Paixão de Jesus Cristo e meditamos os mistérios de gozo, dor e glória de Jesus e Maria. Pelo Rosário, a terra se une aos céus, e nós a Nossa Senhora, no louvor ao Senhor nosso Deus. Com o Rosário, alcançamos a paz de coração e a salvação eterna da alma. Pelo Rosário, obtemos a remissão pela culpa e pela pena dos nossos pecados, tornamo-nos herdeiros dos méritos infinitos da Paixão de Jesus e invocamos sobre nós e nossas famílias as graças extraordinárias da Misericórdia Divina. 

A origem do Rosário é antiga, mas se formalizou por meio de uma famosa aparição de Nossa Senhora a São Domingos de Gusmão. No seu ferrenho combate e conversão dos seguidores da seita herética dos albigenses, São Domingos defrontou-se com terríveis dificuldades e perseguições, devido à dureza espiritual daquelas almas. Retirou-se, então, em oração, para um lugar ermo situado nos arredores de Toulouse e suplicou a intercessão da Virgem Maria para os bons propósitos de tão dura missão. 

As suas preces extremadas foram atendidas e o santo recebeu uma aparição de Nossa Senhora que lhe entregou o Rosário (também chamado Saltério de Maria, em referência aos 150 salmos de Davi), ensinando-o como rezá-lo e assegurando ser esta a arma mais poderosa para se ganhar as almas para o Céu. Este evento, respaldado por numerosos documentos pontifícios, é narrado na obra 'Da Dignidade do Saltério', do Bem-Aventurado Alain de la Roche (1428 – 1475), célebre pregador da Ordem Dominicana. Com o Rosário em punho, São Domingos pregou incansavelmente na França, Itália e Espanha a devoção que a própria Senhora do Rosário lhe havia ensinado, convertendo os hereges e os tíbios, e erradicando por completo naqueles países a heresia albigense.


Graças, louvores e indulgências sem conta estão associadas à oração devota do Santo Rosário. Rezai-o sempre, rezai-o todos os dias! O maior milagre que o Rosário pode nos proporcionar é nos fazer plenamente dignos das promessas de Cristo e nos elevar de criaturas humanas na terra a herdeiros diretos do Céu ainda nesta vida.

PORQUE HOJE É A PRIMEIRA SEXTA-FEIRA DO MÊS


A Grande Revelação do Sagrado Coração de Jesus foi feita a Santa Margarida Maria Alacoque durante a oitava da festa de Corpus Christi  de 1675...

         “Eis o Coração que tanto amou os homens, que nada poupou, até se esgotar e se consumir para lhes testemunhar seu amor. Como reconhecimento, não recebo da maior parte deles senão ingratidões, pelas suas irreverências, sacrilégios, e pela tibieza e desprezo que têm para comigo na Eucaristia. Entretanto, o que Me é mais sensível é que há corações consagrados que agem assim. Por isto te peço que a primeira sexta-feira após a oitava do Santíssimo Sacramento seja dedicada a uma festa particular para  honrar Meu Coração, comungando neste dia, e O reparando pelos insultos que recebeu durante o tempo em que foi exposto sobre os altares ... Prometo-te que Meu Coração se dilatará para derramar os influxos de Seu amor divino sobre aqueles que Lhe prestarem esta honra”.


... e as doze Promessas:
  1. A minha bênção permanecerá sobre as casas em que se achar exposta e venerada a imagem de meu Sagrado Coração.
  2. Eu darei aos devotos do meu Coração todas as graças necessárias a seu estado.
  3. Estabelecerei e conservarei a paz em suas famílias.
  4. Eu os consolarei em todas as suas aflições.
  5. Serei seu refúgio seguro na vida, e principalmente na hora da morte.
  6. Lançarei bênçãos abundantes sobre todos os seus trabalhos e empreendimentos.
  7. Os pecadores encontrarão em meu Coração fonte inesgotável de misericórdias.
  8. As almas tíbias se tornarão fervorosas pela prática dessa devoção.
  9. As almas fervorosas subirão em pouco tempo a uma alta perfeição.
  10. Darei aos sacerdotes que praticarem especialmente essa devoção o poder de tocar os corações mais empedernidos.
  11. As pessoas que propagarem esta devoção terão os seus nomes inscritos para sempre no meu Coração.
  12. A todos os que comungarem nas primeiras sextas-feiras de nove meses consecutivos, darei a graça da perseverança final e da salvação eterna.

    ATO DE DESAGRAVO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS 
    (rezai-o sempre, particularmente nas primeiras sextas-feiras de cada mês)

Dulcíssimo Jesus, cuja infinita caridade para com os homens é deles tão ingratamente correspondida com esquecimentos, friezas e desprezos, eis-nos aqui prostrados, diante do vosso altar, para vos desagravarmos, com especiais homenagens, da insensibilidade tão insensata e das nefandas injúrias com que é de toda parte alvejado o vosso dulcíssimo Coração.

Reconhecendo, porém, com a mais profunda dor, que também nós, mais de uma vez, cometemos as mesmas indignidades, para nós, em primeiro lugar, imploramos a vossa misericórdia, prontos a expiar não só as nossas próprias culpas, senão também as daqueles que, errando longe do caminho da salvação, ou se obstinam na sua infidelidade, não vos querendo como pastor e guia, ou, conspurcando as promessas do batismo, renegam o jugo suave da vossa santa Lei.

De todos estes tão deploráveis crimes, Senhor, queremos nós hoje desagravar-vos, mas particularmente das licenças dos costumes e imodéstias do vestido, de tantos laços de corrupção armados à inocência, da violação dos dias santificados, das execrandas blasfêmias contra vós e vossos santos, dos insultos ao vosso vigário e a todo o vosso clero, do desprezo e das horrendas e sacrílegas profanações do Sacramento do divino Amor, e enfim, dos atentados e rebeldias oficiais das nações contra os direitos e o magistério da vossa Igreja.

Oh, se pudéssemos lavar com o próprio sangue tantas iniquidades! Entretanto, para reparar a honra divina ultrajada, vos oferecemos, juntamente com os merecimentos da Virgem Mãe, de todos os santos e almas piedosas, aquela infinita satisfação que vós oferecestes ao Eterno Pai sobre a cruz, e que não cessais de renovar todos os dias sobre os nossos altares.

Ajudai-nos, Senhor, com o auxílio da vossa graça, para que possamos, como é nosso firme propósito, com a viveza da fé, com a pureza dos costumes, com a fiel observância da lei e caridade evangélicas, reparar todos os pecados cometidos por nós e por nossos próximos, impedir, por todos os meios, novas injúrias à vossa divina Majestade e atrair ao vosso serviço o maior número possível de almas.

Recebei, ó Jesus de Infinito Amor, pelas mãos de Maria Santíssima Reparadora, a espontânea homenagem deste nosso desagravo, e concedei-nos a grande graça de perseverarmos constantes até a morte no fiel cumprimento dos nossos deveres e no vosso santo serviço, para que possamos chegar todos à Pátria bem-aventurada, onde vós, com o Pai e o Espírito Santo, viveis e reinais, Deus, por todos os séculos dos séculos. Amém.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

CREDO DA VIDA INTERIOR

Quando empregamos as palavras vida de oração, contemplação, vida contemplativa - termos que se encontram nos Padres da Igreja e nos escolásticos - a nossa intenção é sempre designar a vida interior normal, acessível a todos, e não os estados pouco comuns de oração que a teologia mística estuda, como êxtases, visões, arrebatamentos, etc. Sairíamos do nosso plano, se nos demorássemos num estudo de ascetismo. Limitamo-nos a recordar, em poucas palavras, o que todos os católicos devem aceitar como absolutamente certo, no que diz respeito ao governo da sua alma.

Primeira Verdade:

A vida sobrenatural é a vida do próprio Jesus Cristo em mim, pela fé, pela esperança e pela caridade. A presença de Nosso Senhor, por meio desta vida sobrenatural, não é a presença real, própria da sagrada comunhão, mas uma presença de ação vital, como pode ser, no corpo humano, a ação da cabeça ou do coração sobre os membros; ação íntima, que Deus, quase sempre, me oculta, tornando-a insensível às minhas faculdades naturais, para aumentar o mérito da minha fé; ação divina que deixa subsistir o meu livre arbítrio e utiliza as causas segundas - acontecimentos, pessoas e coisas - para me fazer conhecer a vontade de Deus e aumentar a minha participação na vida divina. Esta vida, iniciada no batismo, pelo estado de graça; aperfeiçoada pela confirmação; conservada e enriquecida pela eucaristia, é a minha vida cristã.

Segunda Verdade:

Jesus Cristo comunica-me o seu Espírito por meio desta vida, e torna-se, assim, o princípio superior que me leva - caso não lhe oponha obstáculos - a pensar, julgar, amar, querer, sofrer e trabalhar com Ele. por Ele e nEle. As minhas ações exteriores tornam-se manifestações desta vida de Jesus em mim, e começo a realizar o ideal de vida interior formulado por São Paulo: 'Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim' (Gl 2, 20). A vida cristã, a piedade, a vida interior, a santidade não diferem essencialmente entre si; são os diversos graus de um só e mesmo amor; são a aurora, a luz e o esplendor do mesmo sol.

A minha vida interior há de ser, pois, a minha vida cristã aperfeiçoada. O essencial da vida cristã limita-se aos esforços necessários para conservar a graça santificante. A vida interior vai mais além. Visa o desenvolvimento desta graça, procura atrair graças atuais abundantes e corresponder a elas. Posso, assim, defini-la como o estado de atividade da alma que regula as suas inclinações naturais, e se esforça por adquirir o hábito de julgar e de se dirigir em tudo pela luz do Evangelho e os exemplos de Nosso Senhor. Portanto, dois movimentos. Em virtude do primeiro, a alma subtrai-se a tudo quanto as criaturas possam ter de contrário à vida sobrenatural, e procura estar incessantemente presente a si mesma: Aversio a creaturis. Em virtude do segundo, a alma tende para Deus e com Ele se une: Conversio ad Deum. Assim é que a alma quer ser fiel à graça que Nosso Senhor lhe oferece a cada momento. Em suma, vive unida a Jesus e realiza a sua vontade: 'O que permanece em Mim, e Eu nele, esse dá muito fruto; porque sem Mim nada podeis fazer' (Jo 15, 5).

Terceira Verdade:

Privar-me-ia de um dos mais poderosos meios de adquirir esta vida interior, se me não esforçasse por ter fé precisa e sólida nesta presença ativa de Jesus em mim, e, sobretudo, por alcançar que essa presença se torne em mim uma realidade viva, vivíssima até, que vá penetrando, cada vez mais, a atmosfera das minhas faculdades. Jesus tornar-se-á, assim, a minha luz, o meu ideal, o meu conselho, o meu apoio, o meu recurso, a minha força, o meu médico, a minha consolação, a minha alegria, o meu amor, numa palavra a minha vida. Adquirirei, deste modo, todas as virtudes. Somente então poderei dizer, com toda a sinceridade, a admirável oração de São Boaventura, que a Igreja aconselha como ação de graças depois da missa: 'Feri, dulcíssimo Jesus, o mais íntimo e profundo do meu ser com o dardo suavíssimo e salutar do vosso amor...'

Quarta Verdade:

A minha vida sobrenatural pode crescer, a cada instante, em proporção com a intensidade do meu amor a Deus, por meio de nova infusão da graça da presença ativa de Jesus em mim. Tal infusão é produzida através dos atos meritórios (virtude, trabalho, sofrimentos, oração, missa, etc.) e pelos sacramentos, sobretudo a Eucaristia. É, pois, certo - e esta consequência esmaga-me com a sua grandeza, mas também me enche de júbilo - que por meio de cada pessoa ou acontecimento, Jesus manifesta-se a mim, ocultando, sob essas aparências, a sua sabedoria e amor. É sempre Jesus que se apresenta à minha alma. por meio da graça do momento presente - missa, oração, leitura, atos de caridade, de renúncia, de luta, de confiança - solicitando sempre a minha cooperação para aumentar em mim a sua vida. Ousarei esconder-me?

Quinta Verdade:

A tríplice concupiscência, causada pelo pecado original, e aumentada por cada pecado atual, gera em mim elementos de morte opostos à vida de Jesus. Ora, essas inclinações e tentações diminuem esta vida e podem chegar a suprimi-la. Mas, se a minha vontade resistir, elas não lhe causarão qualquer prejuízo. Pelo contrário, contribuirão, como qualquer elemento de combate espiritual, para aumentá-la, conforme a medida do meu esforço.

Sexta Verdade:

Sem o emprego fiel de certos meios, a inteligência obscurece-se e a vontade torna-se fraca para cooperar com Jesus no aumento e conservação da sua vida em mim. A diminuição dessa vida produz a tibieza da vontade. A dissipação, a covardia, a ilusão, fazem-me cair nos pecados veniais. E estes põem em risco a minha salvação, porque dispõe a minha alma para o pecado mortal. Se tiver a infelicidade de cair nesta tibieza (e se cair ainda mais baixo), devo tentar tudo para dela sair, reavivando o meu temor de Deus, pondo-me em presença do meu fim, da morte, dos juízos de Deus, do inferno, da eternidade, do pecado, etc., e reacendendo o meu amor a Jesus, pela consideração das suas chagas, da sua paixão e morte na cruz. Irei em espírito ao Calvário, onde me prostrarei aos pés sacratíssimos do Redentor, a fim de que o seu sangue vivo, correndo pela minha cabeça e pelo meu coração, dissipe a cegueira e o gelo da minha alma e galvanize a minha vontade. 

Sétima Verdade:

Se a minha sede de viver de Jesus deixar de aumentar, é porque não possuo o grau de vida interior que Ele exige de mim. Tal sede há de dar-me o desejo de lhe agradar em tudo e o temor de lhe desagradar. Também é indispensável o mínimo de recolhimento, que me permita, no decurso das ocupações, conservar o coração numa pureza e generosidade suficientemente grandes para não ser abafada a voz de Jesus. Ora, essa sede diminuirá, certamente, se não puser em prática certos meios: oração da manhã, vida litúrgica, sacramentos, comunhões espirituais, exame de consciência, leitura espiritual, etc., ou se, por culpa minha, esses meios já nada me dizem. Sem vida interior e recolhimento, os pecados veniais hão de multiplicar-se na minha vida, e chegarei a não fazer caso deles. Para os ocultar e enganar-me a mim mesmo, servirão as aparências de piedade, o zelo pelas obras, etc..

Oitava Verdade:

A minha vida interior será o que for a minha guarda do coração: 'Aplica-te com todo o cuidado possível à guarda do teu coração, porque dele é que procede a vida' (Pv 4, 23). Esta guarda do coração é a solicitude em preservar todos os meus atos, de tudo o que pode viciar a sua causa motriz ou a sua prática. Solicitude tranquila, natural, mas também enérgica, pois baseia-se no recurso filial a Deus. É trabalho mais do coração e da vontade que do espírito, o qual deve ficar livre para a prática dos seus deveres. Longe de embaraçar a ação, a guarda do coração aperfeiçoa-a, regulando-a pelo espírito de Deus e acomodando-a aos deveres de estado.

Este exercício pratica-se a todo o momento. É uma observação, por meio do coração, das ações presentes e das diversas partes de cada ação, à medida em que elas se realizam. É a observância exata do age quod agis. Como sentinela vigilante, a alma observa, atentamente, os movimentos do seu coração, e vigia as suas inclinações, as paixões, as palavras e as ações. A guarda do coração exige certo recolhimento; uma alma dissipada não consegue realizá-la. Mas com a sua prática frequente, adquire-se o hábito. Para onde vou? Que faria Jesus em meu lugar? O que me aconselharia? Que exige Ele de mim neste momento? Tais são as interrogações que. espontaneamente, se apresentam à alma sedenta de vida interior. Para a alma que vai a Jesus, por meio de Maria, a guarda do coração reveste-se de um caráter ainda mais afetivo, e o recurso a esta boa Mãe torna-se verdadeira necessidade para o seu coração. 

Nona Verdade:

Quando uma alma procura imitar Jesus, em tudo e com todo o afeto, Ele reina nela. Nesta imitação há dois graus: (i) A alma esforça-se por se tornar indiferente às criaturas, consideradas em si mesmas, quer sejam conformes quer contrárias aos seus gostos. A exemplo de Jesus, apenas procura a vontade de Deus: 'Eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a dAquele que Me enviou' (Jo 6, 38). (ii) 'Jesus Cristo não procurou o que lhe era agradável' (Rm 15, 3). A alma inclina-se de melhor vontade para o que a contraria e repugna à natureza. Realiza então o agere contra (agir contra) de que fala Santo Inácio na sua célebre meditação do Reino de Cristo. É a ação contra a natureza, a fim de se preferir o que imita a pobreza do Salvador e o seu amor pelos sofrimentos e pelas humilhações. Segundo a expressão de São Paulo, é, então, que a alma conhece, verdadeiramente, a Cristo (Ef 4, 20).

Décima Verdade:

Seja qual for o meu estado, Jesus oferece-me, caso queira rezar e corresponder à sua graça, todos os meios de regressar à vida interior. Então, a minha alma não cessará de possuir a alegria, mesmo até no seio das provações, e nela se realizarão as palavras de Isaías: 'Então a tua luz surgirá como a aurora, e as tuas feridas não tardarão a cicatrizar-se; a tua justiça irá adiante de ti, e a glória do Senhor atrás de ti. Então invocarás o Senhor e Ele te atenderá; clamarás e Ele dirá: Eis-me aqui! (...) O Senhor te guiará constantemente, saciará a tua alma no árido deserto, dará vigor aos teus ossos e serás como um jardim bem regado, como uma fonte de águas inesgotáveis' (Is 58, 8-9-11).

Décima Primeira Verdade:

Deus quer que eu me santifique e me dedique às obras de apostolado. Devo, pois, gravar na minha alma esta convicção: Jesus quer ser a vida dessas obras. Os meus esforços, por si só, nada são: 'Sem Mim, nada podeis fazer' (Jo 15, 5). Somente serão úteis e abençoados por Deus, quando, por meio da verdadeira vida interior, estiverem unidos à ação vivificadora de Jesus. Tornar-se-ão, assim, onipotentes: 'Tudo posso nAquele que me conforta' (Fl 4, 13). Se proviessem da confiança orgulhosa nos meus talentos, seriam rejeitados por Deus. Porventura não seria sacrílega loucura da minha parte querer arrebatar a Deus, para com ela me adornar, uma porção da sua glória?

Longe de gerar em mim a pusilanimidade, tal convicção será a minha força. Sentirei a necessidade da oração para obter a humildade, que é um tesouro para a minha alma, a certeza do auxílio de Deus e o penhor do êxito para as minhas obras! Compenetrado da importância deste princípio, farei, durante os meus retiros, um sério exame de consciência para saber: se estou convicto da nulidade da minha ação, e da sua força, quando unida à ação de Jesus; se excluo, implacavelmente, qualquer vaidade, qualquer auto-contemplação, na minha vida de apóstolo; se me mantenho numa desconfiança absoluta de mim mesmo; e se peço a Deus que dê vida às minhas obras e me preserve do orgulho, primeiro e principal obstáculo para receber o seu auxílio.

Este credo da vida interior, tornado a base da existência para a alma, assegura-lhe, já neste mundo, uma participação da felicidade celeste.Vida interior, vida dos predestinados.Corresponde ao fim que Deus se propôs ao criar-nos. Corresponde ao fim da Encarnação: 'Deus enviou o seu Filho unigênito ao mundo, para que nós vivamos por Ele' (l Jo 4, 9). 'O fim da criatura humana' - diz São Tomás - 'é unir-se a Deus: toda a sua felicidade consiste nisso'. Ao contrário das alegrias do mundo, se nessa vida há espinhos exteriores, dentro há rosas. 'Devemos lamentar os pobres mundanos' - dizia o santo cura dArs - 'pesa-lhes sobre os ombros um manto forrado de espinhos; não podem fazer um movimento sem se picarem; ao passo que os verdadeiros cristãos têm um manto forrado de arminho'. 'Veem a cruz, mas não veem a unção', dizia São Bernardo. Estado celeste! A alma torna-se um céu vivo. Como Santa Margarida Maria, ela canta: 'Possuo constantemente, acompanhando os passos meus, o Deus do meu coração, e o coração do meu Deus'. É o começo da bem-aventurança. A graça é o céu na terra.

(Excertos da obra 'A Alma de Todo Apostolado', de Dom J.B. Chautard)