sexta-feira, 10 de junho de 2016

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

Ó vida, vida! Como te podes sustentar, estando ausente da tua Vida? Em tanta soledade, em que te empregas? Que fazes, pois que todas as tuas obras são imperfeitas e falhas? Que te consola, ó alma minha, neste mar tempestuoso? Tenho lástima de mim, e maior do tempo em que não vivi lastimosa! Ó Senhor, como são suaves os vossos caminhos! Mas quem caminhará sem temor? Temo estar sem vos servir e quando vos vou a servir não encontro coisa que me satisfaça para pagar algum tanto do que vos devo. Parece que me quisera empregar toda nisto, mas, quando bem considero a minha miséria, vejo que não posso fazer nada que seja bom, se Vós não mo concedeis.

(Santa Teresa de Ávila)

quinta-feira, 9 de junho de 2016

O CÉU É AQUI...

ALMA DEVOTA: SILÊNCIO E VIDA INTERIOR


1. Procura tempo oportuno para cuidar de ti e relembra a miúdo os benefícios de Deus. Renuncia às curiosidades e escolhe leituras tais, que mais sirvam para te compungir, que para te distrair. Se te abstiveres de conversações supérfluas e passeios ociosos, como também de ouvir novidades e boatos, acharás tempo suficiente e adequado para te entregares a santas meditações. Os maiores santos evitavam, quando podiam, a companhia dos homens, preferindo viver com Deus, em retiro.

2. Disse alguém: 'Sempre que estive entre os homens menos homem voltei' (Sêneca, Ep. 7). Isso experimentamos muitas vezes, quando falamos muito. Mas fácil é calar de todo, do que não tropeçar em alguma palavra. Mas fácil é ficar oculto em casa, que fora dela ter a necessária cautela. Quem, pois, pretende chegar à vida interior e espiritual, importa-lhe que se afaste da turba, com Jesus. Ninguém, sem perigo, se mostra em público, senão quem gosta de esconder-se. Ninguém seguramente fala, senão quem gosta de calar. Ninguém seguramente manda, senão o que perfeitamente aprendeu a obedecer.

3. Não pode haver alegria segura, sem o testemunho de boa consciência. Contudo, a segurança dos santos estava sempre misturada com o temor de Deus; nem eram menos cuidadosos e humildes em si mesmos, porque resplandeciam em grandes virtudes e graças. A segurança dos maus, porém, nasce da soberba e presunção, e acaba por enganar-se a si mesma. Nunca te dês por seguro nesta vida, ainda que pareças bom religioso ou ermitão devoto.

4. Muitas vezes os melhores no conceito dos homens correram graves perigos, por sua demasiada confiança. Por isso, para muitos é melhor não serem de todo livres de tentações, mas que sejam frequentemente combatidos, para que não confiem demasiadamente em si, nem se exaltem com soberba, nem tampouco busquem com ânsia as consolações exteriores. Oh! Quem nunca buscasse alegria transitória, nem deste mundo cuidasse, que consciência pura teria! Oh! Quem arredasse todo vão cuidado, para só cuidar das coisas salutares e divinas, pondo toda a sua confiança em Deus, de que grande paz e sossego gozaria!

5. Ninguém é digno da consolação celestial, senão quem se excitar, com diligência, na santa compunção. Se queres compungir-te de coração, entra em teu quarto, despede todo o bulício do mundo, conforme está escrito: 'Compungi-vos em vossos cubículos' (Sl 4,5). Na cela acharás o que fora dela muitas vezes perdes. A cela bem guardada causa doçura, e pouco frequentada gera enfado. Se bem a guardares e habitares no princípio de tua conversão, ser-te-á depois querida companheira e suavíssimo consolo.

6. No silêncio e sossego faz progressos uma alma devota e aprende os segredos das Escrituras. Ali ela acha a fonte de lágrimas, com que todas as noites se lava e purifica, para tanto mais de perto unir-se ao Criador quanto mais retirada viver do tumulto do mundo. Aquele, pois, que se aparta de seus amigos e conhecidos verão aproximar-se Deus com seus santos anjos. Melhor é estar solitário e tratar de sua alma, que, descurando-a, fazer milagres. Merece louvor o religioso que raro sai, que foge de ser visto pelos homens e nem procura vê-los.

7. Para que queres ver o que não te é lícito possuir? Passa o mundo e a sua concupiscência (1Jo 2,17). A inclinação sensual convida a passeios; passada, porém, àquela hora, que nos fica senão consciência pesada e coração distraído? À saída alegre, muitas vezes sucede um regresso triste, e à véspera deleitosa uma triste manhã. Assim, todo gosto carnal entra suavemente; no fim, porém, remorde e mata. Que poderás ver alhures que aqui não vejas? Eis: aqui tens o céu, a terra e todos os elementos; e deles são feitas todas as coisas.

8. Que poderás ver, em parte alguma, estável debaixo do sol por muito tempo? Pensas talvez te satisfazer completamente? Pois não o conseguirás. Se visses diante de ti todas as coisas, que seria senão vã fantasia? Levanta os olhos a Deus nas alturas e pede perdão de teus pecados e negligências. Deixa as vaidades para os fúteis; tu, porém, atende ao que Deus te manda. Fecha atrás de ti a porta e chama a teu Jesus amado. Fica-te com ele em tua cela, porque tanta paz em outra parte não acharás. Se não tivesses saído, e escutado os rumores do mundo, melhor terias conservado a santa paz; enquanto folgares de ouvir novidades, terás que sofrer desassossego do coração.

(Excertos da obra 'Da Imitação de Cristo', de Thomas de Kempis)

terça-feira, 7 de junho de 2016

DO MINISTÉRIO SACERDOTAL

'... Entre todas as obras que a Divina Majestade opera no seio da Igreja por meio do ministério dos homens, a de maior excelência e que deve ser objeto da maior gratidão e estima, é o o ofício sacerdotal; ministério pelo qual o pão e o vinho se convertem no corpo e no sangue de Jesus Cristo Nosso Senhor e cuja Pessoa Divina encontra-se em presença real (...)

E não se levem em conta os poderes dos homens, ainda que sejam muito poderosos, posto que se tratam de poderes afetos às coisas terrenas, ao passo que os sacerdotes exercem o poder de Deus nas almas, abrindo-lhes as primícias do Céu e, ainda mais, tendo o poder de trazer o próprio Deus nas mãos e até o altar; os anjos do céu, ainda que sejam os serafins mais excelsos, reconhecem este poder extraordinário dos homens ordenados e confessam que mesmo eles, adornados com a natureza angélica e a visão direta de Deus, não têm o poder de consagrar a Deus, como um simples sacerdote o faz.

[Os anjos, porém] não têm inveja disso, porque estão cheios da verdadeira caridade e vendo, nas mãos de um sacerdote, o mesmo Filho de Deus a quem adoram no Céu e a quem louvam com profunda humildade e devoção, experimentam uma profunda admiração pela bondade divina que delegou dons tão maravilhosos aos homens ordenados e a exaltam cantando: Benedicite, Sacerdotes Domini, Dominum; laudate et superexaltate eum in saecula; com alegria honram os sacerdotes tão honrados por Deus, escutam com santo fervor as palavras proferidas por um sacerdote e adoram o mesmo Senhor e Rei presente nas mãos dos sacerdotes como muitas vezes o adoraram nos braços da Virgem Maria (...) Ó bondade excelsa que realiza tal grandeza nos sacerdotes muito além dos valores terrenos e os adorna com poderes tão grandiosos que se tornam capazes de realizar prodígios que nem os próprios anjos podem realizar!'

(São João de Ávila)

DOS CUIDADOS COM OS MORTOS (II)

SANTO AGOSTINHO

PARTE I

CAPÍTULO IV

Como esses princípios [anteriores] elencados são justos, não deixa de ser marca dos bons sentimentos do coração humano escolher para seus entes queridos que serão sepultados um lugar próximo aos túmulos dos santos. Já que o sepultamento é, por si mesmo, uma obra religiosa, a escolha do local não poderia ser estranha ao ato religioso. É consolo para os vivos, uma forma de testemunhar sua ternura para com os familiares desaparecidos. Não enxergo, porém, como os mortos podem encontrar aí alguma ajuda, a não ser quando o lugar onde descansam é visitado e são encomendados, pela oração [dos visitantes], à proteção dos santos junto ao Senhor. Contudo, isso pode ser feito ainda quando não é possível sepultá-los em tais lugares santos...

Se é verdade que denominam de 'memorial' ou 'monumento' aos sepulcros vistosamente construídos, fazem-no, na verdade, para trazer à memória aqueles que, pela morte, foram subtraídos aos olhos dos vivos. Isto é feito para que as pessoas continuem a se lembrar deles, para que não aconteça de, tendo sido retirados da presença dos vivos, também sejam retirados do coração pelo esquecimento. Aliás, o termo 'memorial' indica claramente esse sentido de recordação, da mesma forma como 'monumento' significa 'o que traz à mente', ou seja, o que a faz recordar. Eis o motivo pelo qual os gregos chamam de mnemeion ao que chamamos de 'memoria' ou monumentum. Na língua deles, mnème significa 'memória', a faculdade com a qual recordamos.

Assim, quando o pensamento de alguém se concentra sobre o lugar onde o corpo de um ente querido jaz e esse local esteja consagrado pelo nome de um mártir venerável, então a afeição amorosa recorda-se e reza, recomendando o falecido querido a esse mártir. Não se pode duvidar de que essas súplicas, feitas pelos fiéis em nome dos seus caros defuntos, são úteis a estes caso apenas tenham merecido - durante a vida - beneficiar-se após a morte. Ainda que se suponha que alguma circunstância impediu o sepultamento ou que não foi dada a autorização para sepultar num desses locais sagrados, não será por isso que deveremos negligenciar as orações pelos falecidos.

A Igreja tomou para si o encargo de orar por todos aqueles que morreram dentro da comunhão cristã e católica. Ainda que não se conheça todos os nomes [dos fiéis defuntos], ela os inclui numa comemoração geral. Dessa forma, aqueles que não possuem mais pais, filhos ou outros parentes e amigos para auxiliá-los, são amparados pelo sufrágio dessa piedosa Mãe comum. Julgo, porém, que caso esses sufrágios pelos mortos sejam feitos sem verdadeira fé e piedade, de nada valeria ao espírito deles que seus corpos sem vida se encontrassem sepultados nos lugares mais santos.

CAPÍTULO V

Aquela mãe cristã de que me falaste desejou que o corpo de seu filho fosse depositado na basílica de um mártir por ter aquele expirado na fé. É que ela acreditava que a alma do finado poderia ser ajudada pelos méritos desse mártir. Essa fé, a seu modo, já era uma súplica; e súplica útil, se admitirmos isso, à medida em que voltar o seu pensamento frequentemente em direção a esse túmulo e, cada vez mais, recomendar o filho em suas orações; e é isto o que realmente será útil para a alma do finado. O que vale não é o lugar onde o corpo está enterrado, mas a viva afeição da mãe, revivificada pela lembrança desse lugar. A isso, devemos acrescentar que o objeto de sua afeição e o pensamento do santo protetor contribuirão bastante para tornar mais fecunda sua oração e piedade.

Ocorre que aqueles que oram impõem aos seus membros uma posição condizente com a oração: ajoelham-se, estendem as mãos, prostram-se no chão e praticam outros gestos do gênero. É certo que Deus conhece-lhes a verdade oculta e a intenção do coração, e não tem a necessidade desses sinais sensíveis para penetrar no íntimo da consciência humana. Entretanto, é por essas demonstrações que a pessoa estimula-se a si mesma a orar e gemer com mais humildade e fervor. Ainda que os gestos corporais não se produzam sem o movimento interior da alma, esses atos externos e invisíveis aumentam - não sei como - o ato interior e invisível.

Ainda que estivesse impedido ou impossibilitado de os realizar com seus próprios membros, isso não incapacitaria o homem interior de orar. Deus o vê, contrito e arrependido, prostrar-se no santuário secreto do seu coração. De forma análoga, podemos dizer que o local de sepultamento é, por certo, de grande importância para aquele que encomenda a Deus a alma do morto querido, desde que a oração seja vivificada pelo espírito interior, já que foi o sentimento interno do coração que escolheu com antecedência o lugar santificado para o sepultamento. E esse local, após receber o corpo, renova e aumenta o sentimento interior, que foi o princípio de tudo, pelas lembranças que suscita.

Contudo, se tão piedosa pessoa não consegue sepultar aquele que ama no lugar onde desejaria por inspiração cristã, ela não deve, por isso, suprimir as orações necessárias para a encomendação do defunto. Pouco interessa se aqui ou ali está um corpo sem vida: o essencial é que a alma encontre seu repouso. Deixando este mundo, ela leva conscientemente consigo o tipo de sorte que lhe está reservada, se a felicidade ou o infortúnio. Não é da carne que a alma espera ajuda para a sua vida futura. É ela que lhe comunicava a vida na terra. Ao partir, ela retirou a vida; ao voltar, a devolveria. É a alma que prepara para a carne o que lhe será devido no momento da ressurreição, e ao corpo ela o fará revivificar, seja para o castigo ou para a glória.

CAPÍTULO VI

Lemos na 'História Eclesiástica' de Eusébio, escrita em grego e traduzida para o latim por Rufino, o seguinte acontecimento: na Gália, os corpos dos mártires de Lião foram atirados aos cães. A carne e os ossos que restaram foram reduzidos a cinzas, até a última parcela, e foram jogadas finalmente no rio Ródano, para que não sobrasse nada de sua memória.

Ora, devemos crer que se Deus permitiu tal destruição é para demonstrar aos cristãos que, ao confessarem a Cristo, desprezando esta vida, os mártires devem desprezar ainda mais a sepultura, pois se a detestável crueldade com que foram tratados os corpos desses mártires pudesse afastar do bem-aventurado repouso a alma vitoriosa, Deus certamente não o teria permitido. Está bem claro o que o Senhor afirmou: 'Não temais os que matam o corpo e depois nada mais podem fazer' (Lc 12,4). Isso não significa que os perseguidores perderiam o poder sobre o corpo dos fiéis após a morte, mas ainda que detivessem tal poder, nada mais podiam fazer para diminuir a felicidade das suas vítimas, pois já não podiam atingir a vida consciente delas no além-túmulo e também não podiam danificar mais os próprios corpos, do ponto de vista da integridade da sua ressurreição.

('De Cura pro Mortuis Gerenda' - O Cuidado Devido aos Mortos, de Santo Agostinho - Parte II)

domingo, 5 de junho de 2016

'LEVANTA-TE!'

Páginas do Evangelho - Décimo Domingo do Tempo Comum


Neste domingo, o Evangelho nos narra o encontro singular de Jesus com o cortejo fúnebre do filho único de uma viúva, à entrada da cidade de Naim, pequena cidade da Galileia: 'Quando chegou à porta da cidade, eis que levavam um defunto, filho único; e sua mãe era viúva' (Lc 7,12). O texto bíblico fala em duas grandes multidões: a que acompanhava Jesus celebrava o Senhor da Vida; a que seguia o cortejo pranteava a morte. Duas multidões, dois sentidos, um encontro: evento que vai proporcionar uma das mais extraordinárias manifestações da glória de Deus em Cristo.

Diante da morte, o último inimigo a ser vencido, o Senhor antecipou sua vitória. Movido pela misericórdia e pela compaixão, Jesus consola a viúva, compadecido pela sua dor tamanha; 'Não chores!' (Lc 7,14). Naquele momento tremendo, as duas multidões se calaram, o cortejo parou, parou o tempo dos homens. Jesus aproximou-se e tocou o caixão aberto. E, como o Filho do Deus Vivo, falou para ser ouvido pelos vivos e pelo morto: 'Jovem, eu te ordeno, levanta-te!' (Lc 7,14). Mais tarde, Jesus há de confirmar com palavras definitivas o seu gesto de agora: 'Eu sou a Ressurreição e a Vida!' (Jo 11, 25). A vitória sobre a morte é uma ordem de absoluta natureza divina: 'Levanta-te!'

E o que estava morto recuperou a vida; e a viúva que chorava dolorosamente a perda do filho único, chorou certamente de júbilo incontido; a multidão agora estremecia de espanto uma vez tornados testemunhas oculares de um prodígio da graça de Deus. E, entre a estupefação e o impacto de um contato tão estreito com o sobrenatural, compreenderam a dimensão do episódio e glorificaram extasiados a Revelação de Deus manifestada de forma tão singular diante de tantos homens. E aquele evento extraordinário foi proclamado pela Judeia inteira!

Jesus assume a ressurreição do filho único da viúva, como prerrogativa de salvação de todos os seus filhos, chamados à vida pela graça de Deus, amados e tangidos pela infinita misericórdia do seu Coração Divino. Ele quer sempre nos encontrar pelos caminhos de nossas vidas tortuosas e claudicantes, quer enxugar toda lágrima e aliviar todo nosso sofrimento, quer nos impelir a uma vida de graça e santificação, quer nos livrar de todo mal, do pecado e da morte eterna. Jesus espera por nós em muitos caminhos e nos tira do chão de nossa fragilidade humana vezes sem conta, esperando o nosso sim fiel e definitivo: 'Levanta - te!'.