domingo, 13 de março de 2016

JESUS E A MULHER ADÚLTERA

Páginas do Evangelho - Quinto Domingo da Quaresma


Neste Quinto Domingo da Quaresma, o Evangelho ratifica, mais uma vez, o testamento da misericórdia infinita de Deus. Deus, sendo Amor e Misericórdia infinitos, quer a salvação do homem e espera, com imensos tesouros da graça e paciência, a volta do filho pródigo ou a conversão da mulher adúltera, a floração da figueira ainda estéril, o encontro da dracma perdida ou o reencontro com a ovelha desgarrada.

Jesus está no templo, depois de uma noite de orações no Monte das Oliveiras, pregando sabedoria e misericórdia ao povo reunido à sua volta. E eis que, de repente, é interrompido pela entrada súbita de um bando de fariseus que trazem consigo uma mulher apanhada em adultério. Os fariseus interrogam Jesus, então, com malícia diabólica: 'Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. Moisés, na Lei, mandou apedrejar tais mulheres. Que dizes tu?' (Jo 8, 4-5). O dilema impetrado pela iniquidade era sórdido:  Jesus, condenando a pecadora à morte, violaria a lei romana ou salvando-lhe a vida, desconsideraria a Lei de Moisés. Qualquer que fosse a sua decisão, manifestada publicamente no Templo, Jesus estaria exposto às violações e sanções das leis romanas ou às do Sinédrio.

Diante da investida maliciosa, 'Jesus, inclinando-se, começou a escrever com o dedo no chão' (Jo 8, 6). Trata-se da única referência a Jesus escrevendo nas Escrituras. O que teria Jesus escrito no chão? Palavras ou uma frase inteira? Os nomes ou a relação dos pecados dos homens à sua volta? Com o dedo no chão...seria o piso de uma das áreas internas do Templo de terra solta ou areia? Num piso de pedra, como entender a escrita do dedo de Jesus? Perguntas sem respostas ecoando pelos tempos. Mas, certamente, foi algo que lhes dissipou o frêmito. Por que diante ainda de questionamentos de outros e ante a resposta contundente de Jesus: 'Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra' (Jo 8, 7), começaram a sair em silêncio, um a um, a começar dos mais velhos. Não ficou nenhum dos acusadores e a mulher adúltera se viu, então, sozinha diante de Jesus. E Jesus manifesta à mulher pecadora a imensa misericórdia de Deus e a graça do perdão: 'Eu também não te condeno. Podes ir, e de agora em diante não peques mais' (Jo 8, 11).

Naquele dia, no templo, os fariseus transtornados de orgulho tornaram-se réus de sua própria malícia e suspeição; a mulher, exposta à execração pública pelo pecado cometido, obteve a graça do perdão. Naquele dia, no templo, não sabemos exatamente o que Jesus escreveu no chão, mas foi algo que marcou indelevelmente o tesouro das graças divinas, numa mensagem gravada a ferro e a fogo no coração humano: 'Quero a misericórdia e não o sacrifício...' (Mt 12, 7).

sexta-feira, 11 de março de 2016

O PURGATÓRIO SEGUNDO SANTO AGOSTINHO

Senhor, não me interpeles na tua indignação. Não me encontres entre aqueles a quem haverás de dizer: 'ide para o fogo eterno que está preparado para o diabo e seus anjos'. Nem me corrijas em teu furor, mas purifica-me nesta vida e torna-me tal que já não necessite do fogo corretor, atendendo aos que hão de salvar-se, ainda que, não obstante, como que através do fogo. Por que acontece isto se não é porque edificam aqui sobre o cimento, lenha, palha e feno? Se tivesse edificado sobre o ouro, a prata e as pedras preciosas, estariam livres de ambas as classes de fogo, não apenas daquele eterno, que atormentará os ímpios para sempre, mas também daquele que corrigirá aos que hão de salvar-se através do fogo (Comentário ao Salmo 37,3: BAC 235,654). 

Quando alguém padece algum mal, pela perversidade ou erro de um terceiro, peca, certamente, o homem que, por ignorância ou injustiça, causa um mal a alguém; porém não peca Deus, que por um justo mas oculto desígnio, permite que isto ocorra. Contudo, há penas temporais que alguns padecem apenas nesta vida, outros após a morte, e outros agora e depois. De toda forma, estas penas são sofridas antes daquele severíssimo e definitivo juízo. Mas nem todos os que hão de sofrer penas temporais através da morte cairão nas eternas, que terão lugar após o juízo. Haverá alguns, de fato, a quem se perdoarão no século futuro o que não se lhes foi perdoado no presente; ou seja, que não serão castigados com o suplício eterno do século futuro, como falamos mais acima (A Cidade de Deus 21,13: BAC 172,791-792). 

A maior parte [das pessoas], uma vez conhecida a obrigação da lei, se veem vencidas primeiramente pelos vícios que chegam a dominá-las; tornam-se, assim, transgressoras da lei. Logo buscam refúgio e auxílio na graça, com a qual recuperarão a vitória, mediante uma amarga penitência e uma luta mais vigorosa, submetendo primeiro o espírito a Deus e obtendo depois o domínio sobre a carne. Quem quiser, pois, evitar as penas eternas não deve apenas se batizar; deve ainda se santificar seguindo a Cristo. Assim é como quem passa do diabo para Cristo. Quanto às penas expiatórias, não pense ninguém em sua existência se não será antes do último e terrível juízo (A Cidade de Deus 21, 16: BAC 172,798). 

Não se pode negar que as almas dos falecidos são aliviadas pela piedade dos parentes vivos, quando oferecem por elas o sacrifício do Mediador ou quando praticam esmolas na Igreja. Porém, estas coisas aproveitam aquelas [almas] que, quando viviam, mereceram que se lhes pudessem aproveitar depois. Pois há um certo modo de viver, nem tão bom que aproveite destas coisas depois da morte, nem tão mal que não lhes aproveitem; há tal grau no bem que o que possui não aproveita de menos; ao contrário, há tal [grau] no mal que não pode ser ajudado por elas quando passar desta vida. Portanto, aqui o homem adquire todo o mérito com que pode ser aliviado ou oprimido após a morte. Ninguém espere merecer diante de Deus, quando tiver falecido, o que durante a vida desprezou (Das Oito Questões de Dulcício 2, 4: BAC 551,389). 

Lemos nos livros dos Macabeus que foi oferecido um sacrifício pelos falecidos. E apesar de não podermos ler isto em nenhum outro lugar do Antigo Testamento, não é pequena a autoridade da Igreja universal que reflete este costume, quando nas orações que o sacerdote oferece ao Senhor, nosso Deus, sobre o altar encontra seu momento especial na comemoração dos falecidos (Do Cuidado devido aos Mortos 1,3: BAC 551,439). 

Na pátria (Céu), não haverá lugar para a oração, mas apenas para o louvor. Por que não para a oração? Porque nada faltará. O que aqui é objeto de fé, ali será objeto de visão. O que aqui se espera, ali se possuirá. O que aqui se pede, ali se recebe. Contudo, nesta vida existe uma certa perfeição alcançada pelos santos mártires. A isto se deve o uso eclesiástico, conhecido pelos fiéis, de se mencionar os nomes dos mártires diante do altar de Deus; não para orar por eles, mas pelos demais falecidos de que se faz menção. Seria uma injúria rogar por um mártir, a cujas orações devemos nos encomendar. Ele lutou contra o pecado até derramar seu sangue. Aos outros, imperfeitos todavia, mas sem dúvida parcialmente justificados, diz o Apóstolo na Epístola aos Hebreus: 'Todavia não resististes até tombar em vossa luta contra o pecado' (Sermão 159,1: BAC 443,498).

quinta-feira, 10 de março de 2016

ORAÇÃO A NOSSA SENHORA (SÃO BERNARDO)


Doce Virgem Maria, minha augusta soberana, minha amável senhora, minha tão boa e tão amável Mãe, eu ponho em Vós toda a minha esperança, e sei que não serei confundido.

Doce Virgem Maria, creio tão firmemente que, do alto do Céu, Vós velais dia e noite por mim e pelos que esperam em Vós; estou tão intimamente convencido de que nunca, quando se espera tudo de Vós, algo faltará; que resolvi viver de ora em diante sem nenhuma apreensão, e depor diante de Vós todas as minhas inquietações.

Doce Virgem Maria, Vós me tendes estabelecido na mais inabalável confiança. Oh! Sou mil vezes grato por tão precioso dom! Permanecerei em paz dentro de Vosso coração puríssimo, não cuidarei senão de Vos amar e Vos obedecer, enquanto administrareis Vós mesma, boa Mãe, meus mais caros interesses.

Doce Virgem Maria, que entre os filhos dos homens, uns esperem a felicidade de suas riquezas, outros de seus talentos; outros se apóiem sobre a inocência de suas vidas, o rigor de suas penitências, o fervor de suas orações, o grande número de suas boas obras. De minha parte, minha Mãe, esperarei somente em Vós, depois de Deus, e todo o fundamento de minha esperança será a confiança que tenho em vossas bondades maternais.

Doce Virgem Maria, os maus poderão arrancar-me a reputação e o pouco de bem que eu possua; as doenças poderão tirar de mim as forças e a faculdade exterior de vos servir; poderei perder por mim mesmo vossas boas graças pelo pecado; mas a minha amorosa confiança em vossas maternais bondades, não; jamais, jamais irei perdê-las. Eu conservarei essa inabalável confiança até meu último suspiro. Nenhum dos esforços infernais há de conquistá-la. Eu morrerei repetindo mil vezes vosso nome bendito, fazendo repousar sobre o vosso Coração Imaculado a minha esperança.

E por que estou eu tão firmemente convencido de vossas maternais bondades, se não é porque Vós sois misericórdia, e nada senão misericórdia? Estou certo de que vos invocarei sempre, porque sempre me consolareis; estou certo de que vos servirei sempre, porque sempre me ajudareis; estou certo de que vos amarei sempre, porque Vós sempre haveis de me amar; estou certo de obter sempre tudo de Vós, porque vossa bondade maternal excederá sempre a minha esperança.

Sim; é só de Vós, dulcíssima Virgem, que espero e aguardo o único bem que desejo: a união a Jesus no tempo e na eternidade. Somente de Vós, porque é a Vós que meu Divino Salvador escolheu para declinar sobre mim todos os seus favores e para me conduzir com segurança a Ele. Sois Vós, minha Mãe que, depois de me haver feito compartilhar as humilhações e os sofrimentos de Vosso divino Filho, ireis introduzir-me em suas delícias e em sua glória, para louvá-Lo e bendizê-Lo, ao Vosso lado e convosco, pelos séculos dos séculos. Amém.

quarta-feira, 9 de março de 2016

VERSUS: EVA X MARIA


Eva obedeceu ao demônio e nos legou, assim, o pecado e a morte. Instauradora da desordem e do mal, Eva sucumbiu por orgulho.



Nossa Senhora obedeceu a Deus e, por ela, nos chegou a salvação. Ao restaurar a ordem perdida por Eva, Maria nos legou a vida.

terça-feira, 8 de março de 2016

QUANDO A BÍBLIA NÃO É NADA ECUMÊNICA...

Nem todo aquele que me diz: 'Senhor, Senhor', entrará no Reino dos céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus (Mt 7, 21).

Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Vós fechais aos homens o Reino dos céus. Vós mesmos não entrais e nem deixais que entrem os que querem entrar (Mt 23, 13).

Raça de víboras, maus como sois, como podeis dizer coisas boas? Porque a boca fala do que lhe transborda do coração (Mt 12, 34).

Jesus disse-lhes: Isaías com muita razão profetizou de vós, hipócritas, quando escreveu: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim (Mc 7, 6).

Serpentes! Raça de víboras! Como escapareis ao castigo do inferno? (Mt 23, 33).

Quando orardes, não façais como os hipócritas, que gostam de orar de pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade eu vos digo: já receberam sua recompensa (Mt 6, 5).

Até quando julgareis iniquamente, favorecendo a causa dos ímpios? (Sl 81, 2).

Esmagai, pois, o braço do pecador perverso; persegui sua malícia, para que não subsista (Sl 9, 36).

Hipócritas! Sabeis distinguir o aspecto do céu e não podeis discernir os sinais dos tempos? Essa raça perversa e adúltera pede um milagre! Mas não lhe será dado outro sinal senão o de Jonas! Depois, deixando-os, partiu (Mt 16, 4).

Jesus, percebendo a sua malícia, respondeu: 'Por que me tentais, hipócritas?' (Mt 22, 18).

Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Limpais por fora o copo e o prato e por dentro estais cheios de roubo e de intemperança (Mt 23, 25).

Hipócritas! Sabeis distinguir os aspectos do céu e da terra; como, pois, não sabeis reconhecer o tempo presente? (Lc 12, 56).

Certos homens ímpios se introduziram furtivamente entre nós, os quais, desde muito tempo, estão destinados para este julgamento; eles transformam em dissolução a graça de nosso Deus e negam Jesus Cristo, nosso único Mestre e Senhor (Jd 1, 4).

Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Sois semelhantes aos sepulcros caiados: por fora parecem formosos, mas por dentro estão cheios de ossos, de cadáveres e de toda espécie de podridão (Mt 23, 27).

e se tenha em conta que a lei não foi feita para o justo, mas para os transgressores e os rebeldes, para os ímpios e os pecadores, para os irreligiosos e os profanadores, para os que ultrajam pai e mãe, os homicidas (I Tm 1, 9).

Pisareis aos pés os ímpios, os quais serão pó, sob a planta de vossos pés, no dia em que eu agir - diz o Senhor dos exércitos (Ml 3, 21).

Pois acharás um duplo mal em todo o bem que lhe fizeres, porque o próprio Altíssimo abomina os pecadores, e exerce vingança sobre os ímpios (Ecl 12, 7).

Bem sei que sois a raça de Abraão; mas quereis matar-me, porque a minha palavra não penetra em vós...Vós fazeis as obras de vosso pai...  Vós tendes como pai o demônio e quereis fazer os desejos de vosso pai. Ele era homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade, porque a verdade não está nele. Quando diz a mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira (Jo 8, 37, 41, 44).

Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Percorreis mares e terras para fazer um prosélito e, quando o conseguis, fazeis dele um filho do inferno duas vezes pior que vós mesmos (Mt 23, 15).

Porque o Senhor ama a justiça e não abandona os seus fiéis. Os ímpios serão destruídos, e a raça dos ímpios exterminada (Sl 36, 28).

O homem prudente oculta sua sabedoria; o coração dos insensatos proclama sua própria loucura (Pv 12, 23).

As varas estão preparadas para os mofadores e os golpes para o dorso dos insensatos (Pv 19, 29).

Jesus disse-lhes: 'Guardai-vos com cuidado do fermento dos fariseus e dos saduceus' (Mt 16, 6).

Porque esta é a vontade de Deus que, praticando o bem, façais emudecer a ignorância dos insensatos (I Pd 2, 15).

Vós, sendo homens sensatos, suportais de boa mente os loucos (II Cor 11, 19).

Jesus disse-lhes: 'Eu me vou, e procurar-me-eis e morrereis no vosso pecado. Para onde eu vou, vós não podeis ir' (Jo 8, 21).

Ó presunção criminosa, onde tiveste origem, para cobrir a terra com tua malícia e tua perfídia? (Ecl 37, 3).

Ter dois pesos é abominação para o Senhor; uma balança falsa não é coisa boa (Pv 20, 23).

Hipócritas! É bem de vós que fala o profeta Isaías: Este povo somente me honra com os lábios; seu coração, porém, está longe de mim. Vão é o culto que me prestam, porque ensinam preceitos que só vêm dos homens (Mt 15, 7 - 9). 

Chamai esse povo de moeda falsa, pois que o Senhor o rejeitou (Jer 6, 30).

Deixai-os. São cegos e guias de cegos. Ora, se um cego conduz a outro, tombarão ambos na mesma vala (Mt 15, 14).

E ensinava-lhes nestes termos: 'Não está porventura escrito: A minha casa chamar-se-á casa de oração para todas as nações? Mas vós fizestes dela um covil de ladrões (Mc 11, 17).

Na estrada dos ímpios não te embrenhes, não sigas pelo caminho dos maus. Evita-o, não passes por ele, desvia-te e toma outro. Porque eles não dormiriam sem antes haverem praticado o mal, não conciliariam o sono se não tivessem feito cair alguém, tanto mais que a maldade é o pão que comem e a violência, o vinho que bebem. Mas a vereda dos justos é como a aurora, cujo brilho cresce até o dia pleno. A estrada dos iníquos é tenebrosa, não percebem aquilo em que hão de tropeçar (Pv 4, 14 - 19).

segunda-feira, 7 de março de 2016

NO LIMIAR DO SOBRENATURAL (II)

Um crucifixo vivo?


Lucca / Itália - 1901

Em 1901, na casa da família Giannini para a qual trabalhava, Santa Gemma Galgani (1878 - 1903), durante os preparativos do jantar, dirigiu seu olhar, atenção e adoração ao grande crucifixo pendurado na parede da cozinha da casa. Em profundo estado de contemplação mística do Crucificado viu, de repente, o corpo de Jesus tomar forma e, destacando a sua mão direita da cruz, convidá-la a ir ao seu encontro na cruz. Elevada de imediato ao ar, sem quaisquer impedimentos físicos, a santa abraçou Jesus num êxtase de amor.

domingo, 6 de março de 2016

PAI DE MISERICÓRDIA

Páginas do Evangelho - Quarto Domingo da Quaresma


Neste Quarto Domingo da Quaresma, São Lucas nos mostra um das páginas mais belas dos Evangelhos, que é a parábola do filho pródigo. Que poderia muito bem ser a parábola da verdadeira conversão. Ou, com muito mais correção e sentido espiritual, a parábola do pai de misericórdia. Três personagens: o filho mais velho e o filho mais novo que, em meio às dolorosas experiências da vida humana, se reencontram  no grande abraço da misericórdia do pai.

Com a parte da herança que lhe cabe, o 'filho mais novo' opta pelo caminho fácil e tortuoso dos prazeres e vícios humanos, dos instintos insaciados, do vazio do mal. E esbanja, na via dolorosa do pecado, os bens que possuía: a alma pura, o coração sincero, os nobres sentimentos, a fortuna da graça. E, a cada passo, se afunda mais e mais no lodo das paixões humanas desregradas, da vida consumida no nada. Mas, eis que chega o tempo da reflexão madura, da conversão sincera, do caminho de volta ao Pai: 'Pequei contra ti; já não mereço ser chamado teu filho' (Lc 15, 18-19). 

O pai nem ouve as palavras do filho pródigo; no abraço da volta, somente ecoa pelos tempos a misericórdia de Deus: 'Haverá maior alegria no Céu por um pecador que fizer penitência que por noventa e nove justos que não necessitem de arrependimento' (Lc 15, 7). Diante do filho que volta, um coração de misericórdia aniquila a justiça da razão: 'Trazei depressa a melhor túnica para vestir o meu filho. E colocai um anel no seu dedo e sandálias nos pés.' (Lc, 15, 22). Como as talhas de água que se tornam vinho, a conversão verdadeira apaga e aniquila o mal desejado e consumido outrora: na reconciliação de agora desfaz-se em pó as misérias passadas de uma vida de pecado.

O 'filho mais velho' não se move por igual misericórdia e se atém aos limites difusos da justiça humana. Na impossibilidade absoluta de compreender o júbilo do pai com o filho que volta, faz-se vítima e refém da soberba e do orgulho humano: 'tu nunca me deste um cabrito para festejar com meus amigos' (Lc, 15,29).  O filho mais novo, que estava tão longe, está lá dentro outra vez. E o filho mais velho, que sempre lá esteve, recusa-se agora a entrar na casa do pai. Tal como no caso do primeiro filho, o pai de misericórdia vem, mais uma vez, buscar a ovelha desgarrada no filho mais velho que está fora e não quer entrar. Porque Deus, pura misericórdia, quer salvar a todos os seus pobres filhos afastados de casa e espera, com paciência e amor infinitos, a volta dos filhos pródigos e a volta dos seus filhos que creem apenas na justiça dos homens.