segunda-feira, 2 de setembro de 2013

PALAVRAS DE SALVAÇÃO



Oração do Anjo de Portugal, em aparição às três crianças em Fátima (Portugal, 1917) antecipando as aparições da Santíssima Virgem, prostrado em terra e trazendo consigo uma Hóstia Consagrada:

'Meu Deus: eu creio, adoro, espero-vos e amo-vos. Peço-vos perdão por aqueles que não creem, não adoram, não esperam e não vos amam'

O CÉU É AQUI...

domingo, 1 de setembro de 2013

'QUEM SE HUMILHA SERÁ ELEVADO'

Páginas do Evangelho - Vigésimo Segundo Domingo do Tempo Comum 


Humildade e mansidão são os frutos da fé para deleite de abundantes graças de Deus para aquele que vive a generosidade despojada dos que seguem a Jesus: 'Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração' (Mt 11, 29). Na parábola do Evangelho deste domingo, estas virtudes essenciais da graça são manifestas na transposição dos primeiros e dos últimos lugares de um grande banquete. 

Diante do Filho de Deus vivo, os escribas e fariseus se preocuparam primeiro em ocupar lugares de honra à mesa. Eles observavam Jesus, eles tinham curiosidade, interesse e empenho em questionar Jesus por qualquer uma de suas palavras ou ações, mas não percebiam a própria insensatez e vaidade de suas ações primeiras: a busca desenfreada por ocupar os primeiros lugares, a vanglória de usufruir com pompas uma posição destacada na mesa de jantar, a jactância de se apropriar sem rodeios das melhores posições para exercerem, com maior júbilo e sem reservas, o desmedido orgulho de suas escolhas humanas.

Eis que Jesus os conclama a viver a humildade da vida em Deus, sem buscar os privilégios e os prestígios efêmeros do mundo: 'Quando tu fores convidado para uma festa de casamento, não ocupes o primeiro lugar... Mas, quando tu fores convidado, vai sentar-te no último lugar' (Lc 14, 8, 10). Como convivas do banquete, seremos provedores de honra ou da vergonha, dependendo da medida de nossa humildade ou da desdita de nosso orgulho: 'Porque quem se eleva, será humilhado e quem se humilha, será elevado' (Lc 14, 11).

E a humildade não pode prescindir do despojamento, da generosidade desinteressada, da mansidão. A mão que estende a dádiva não se curva à retribuição; a ação de oferta não se compraz da gratidão; a semente que gerou fruto não impõe recompensa alguma. Oferece o 'banquete' de seus dons e talentos aos pobres, e aleijados, e coxos, e cegos...'porque eles não te podem retribuir' (Lc 14, 14). Assim, sem a gratidão e os louvores humanos, o homem sábio ajunta tesouros e a recompensa eterna na ressurreição dos justos.

sábado, 31 de agosto de 2013

POEMAS PARA REZAR (XII)




Jacopone da Todi (1230? - 1306) foi um monge franciscano italiano autor de vários poemas, escritos em dialeto úmbrio (italiano antigo), bem como de alguns tratados de vida espiritual. É considerado o provável autor do hino litúrgico 'Stabat Mater Dolorosa'. O poema abaixo constitui a Lauda VI da sua obra reunida Laudi.


Guarda che non caggi, amico

Guarda che non caggi, amico, guarda!
Or te guarda dal Nemico,
che se mostra esser amico;
no gli credere a l'inico: guarda!
Guarda'l viso dal veduto,
ca'l coraio n'è feruto,
c'a gran briga n'è guaruto: guarda!
Non udir le vanetate,
che te traga a su' amistate:
più che vesco appicciaràte: guarda!
Pon a lo tuo gusto un frino,
ca'l soperchio gli è venino,
a lussuria è sentino: guarda!
Guàrdate da l'odorato,
lo qual ène sciordenato,
ca' l Segnor lo t'ha vedato: guarda!
Guàrdate dal toccamento,
lo qual a Deo è spiacemento,
al tuo corpo è strugimento: guarda!
Guàrdate da li parente
che non te piglien la mente,
ca te farò star dolente: guarda!
Guàrdate da molti amice,
che frequentan co formice;
'n Deo te seccan le radice: guarda!
Guàrdate dal mal pensire,
che la mente fo firire,
la tua alma emmalsanire: guarda!

Cuida de não caíres, amigo

Cuida de não caíres, amigo, cuida!
Cuida daquele Inimigo
que assemelha ser amigo;
não te fies no iníquo: cuida!
Co'a vista e o que vê, cuidado,
o coração machucado
a muito custo é curado: cuida!
Não dês ouvido à vaidade,
ao visgo dessa amizade
terás presa a tua vontade: cuida!
Freia o excesso de tua boca,
é veneno, que na toca
da luxúria desemboca: cuida!
Cuida de tudo que incite
teu olfato a seu limite;
o Senhor não te permite: cuida!
Cuida do tato e o que estreita,
pois para Deus é desfeita,
e ao corpo a dor sempre espreita: cuida!
Cuida para que um parente,
não se aposse de tua mente,
e o forces a ser dolente: cuida!
Cuida de quem se avizinha
tal qual formiga daninha;
a raiz em Deus definha: cuida!
Cuida do mau pensamento,
fará da mente um tormento,
d'alma doença e lamento: cuida!

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O CALENDÁRIO GREGORIANO

(Papa Gregório XIII)

O Papa Gregório XIII (1572 - 1585) convocou um grupo de especialistas para corrigir o então vigente 'calendário juliano' (implantado pelo imperador romano Júlio César (100 a.C.- 44 a.C.) em 46 a.C.) que não estava ajustado ao ano solar, superando-o em 11 minutos e 14 segundos. Assim, em pouco mais de 1600 anos, o calendário juliano havia defasado cerca de 10 dias, com impacto direto sobre datas fixas do ano (celebração da páscoa, equinócio da primavera, solstícios, etc). Os estudos apresentados pelos especialistas resultaram na elaboração do chamado 'calendário gregoriano', consubstanciado pela promulgação da bula papal Inter Gravissimas em 1582.


A retificação do calendário comportou três grandes alterações: (i) foram omitidos dez dias do calendário, deixando de existir os dias entre 5 a 14 de outubro de 1582. A bula papal prescrevia que o dia seguinte à quinta-feira, 4 de outubro, fosse sexta-feira, 15 de outubro; (ii) os anos seculares só seriam considerados bissextos se divisíveis por 400, eliminando-se, assim, o atraso de três dias a cada quatrocentos anos observada no calendário anterior; (iii) o ano solar foi corrigido para uma duração média de 365 dias, 5 horas, 49 minutos e 12 segundos.


O novo calendário foi sendo adotado aos poucos, inicialmente pelos países e regiões católicas. Portugal e Espanha o adotaram de imediato em outubro de 1582; a França, em dezembro de 1582; a Alemanha e a Áustria, em 1584; a Hungria, em 1587; a Inglaterra, somente em 1752; a Suécia, em 1753, a China em 1912; a Rússia, a partir de 1918 e a Grécia, em 1923.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

SE ADÃO E EVA PECARAM, QUE CULPA TEMOS NÓS?

Apresenta-se aqui aquela questão que algumas pessoas costumam comentar entre si. Ao pecar, estão prontas a acusar seja o que for, exceto a si mesmas. Declaram elas: se foram Adão e Eva que pecaram, que fizemos nós, pobres infelizes, para nascermos na cegueira da ignorância e nos tormentos da dificuldade? 

(...) Dirijo uma breve resposta a essas pessoas para que se tranquilizem e deixem de murmurar contra Deus. Pois poderiam, talvez, se lamentar com razão se homem algum houvesse existido que não tenha podido triunfar do erro e da concupiscência. Uma vez, porém, que Deus se acha em tudo presente e que de tantas maneiras se serve das criaturas para chamar a si — a Ele, que é o Senhor — esse seu servo que dele se desviou, a fim de instruí-lo, caso creia; consolá-lo, caso espere; encorajá-lo, caso ame; ajudá-lo, caso faça esforço; e escutá-lo, caso implore. Não te recriminam pelo fato de ignorares, contra tua própria vontade, mas de negligenciares procurar saber o que ignoras. Tampouco te é imputado como culpa não poderes curar teus membros feridos, mas de menosprezares Aquele que te quer curar. Enfim, são esses os teus verdadeiros pecados. 

(...) As más ações que cometemos por ignorância e as boas que não conseguimos praticar, apesar da boa vontade, denominam-se 'pecados', visto tirarem sua origem daquele primeiro pecado cometido por livre vontade. Esse, com efeito, como antecedente, mereceu os outros pecados, como consequentes. Assim, de modo semelhante, costumamos denominar 'língua' não apenas o órgão que pomos em movimento na boca ao falarmos, mas também aquilo que resulta desses movimentos, isto é, a forma e a sequência sonora das palavras. Nesse sentido, dizemos: uma é a língua grega; outra, a latina. Da mesma maneira, denominamos 'pecado' não apenas o que em sentido próprio é pecado, por ter sido cometido conscientemente e por livre vontade, mas também o que é a consequência necessária do mesmo pecado, como castigo do mesmo. 

(...) Dessa maneira, aprouve, muito justamente a Deus, que governa soberanamente todas as coisas, que nascêssemos daquele primeiro casal, com ignorância e dificuldade no esforço e na mortalidade. Isso porque, ao pecarem, eles foram precipitados no erro, na dor e na morte. Assim, na origem do homem devia se manifestar a justiça daquele que pune; e no decorrer de sua vida, a misericórdia daquele que liberta. 

Posto que, se os primeiros homens, desde a sua condenação, perderam a sua felicidade, não perderam por aí a sua fecundidade. Logo, a sua descendência, mesmo carnal e mortal, poderia tornar-se em seu gênero certo elemento de honra e ornamento para o universo. Na verdade, não era justo que o primeiro homem gerasse filhos melhores do que ele mesmo era. Por outro lado, convinha, ao se converter para Deus, que qualquer homem pudesse triunfar do castigo que havia merecido ao nascer, no afastamento de Deus. Outrossim, não convinha que essa boa vontade de regresso a Deus fosse impedida. Pelo contrário, que fosse ajudada. O Criador de todas as coisas mostrava além do mais, por esse meio, com quanta facilidade o primeiro homem teria podido, se o quisesse, manter-se no estado no qual havia sido criado, visto que sua descendência pôde vir a triunfar do estado em que nascera. 

Em seguida, se supusermos que Deus criou uma só alma, da qual tiraram sua origem as almas de todos os homens que nascem, quem poderia negar não ter cada homem pecado, ao pecar o primeiro homem? No caso, porém, de as almas serem criadas separadamente, uma a uma, na ocasião do nascimento de cada homem,não se pode achar ser contra a razão, mas, ao contrário, perfeitamente conveniente e bem conforme a ordem que os desméritos da primeira alma sejam conaturais à alma seguinte, e que o mérito da segunda seja conatural à antecedente. 

Com efeito, o que há de indigno para o Criador se, ainda assim, ter ele querido demonstrar a dignidade da alma — natureza espiritual — ultrapassar de muito os seres corporais, e que o grau de profundidade ao qual uma alma chegou, em sua degradação, possa ser o ponto de origem de outra alma? Eis por que, quando a alma, ao pecar, cai na ignorância e nas dificuldades, fala-se então, com razão, de castigo, visto que, certamente, ela foi melhor antes de tal castigo. 

(...)  Por outro lado, ao admitirmos que talvez as almas já tenham preexistido em algum lugar secreto disposto por Deus, e serem elas enviadas para animar e governar os corpos de cada uma das pessoas que for nascendo — nesse caso, estão elas destinadas a esse ofício para dar uma boa direção ao corpo em que nascem, sujeito à penalidade do pecado, isto é, padecendo a mortalidade devida ao pecado do primeiro homem. Fazem isso dominando o corpo por meio das virtudes, para submetê-lo a uma servidão perfeitamente legítima e conveniente, para lhe fazer adquirir assim progressivamente, conforme a ordem, em tempo oportuno, um lugar na morada incorruptível do céu. Essas almas, ao entrarem na vida presente, sujeitando-se ao encargo de reger membros mortais, devem também submeter-se ao esquecimento da vida precedente, assim como aceitar os trabalhos desta vida. Aí está a explicação daquela ignorância e dificuldades que foram para o primeiro homem o castigo de sua queda mortal: é para assim ser expiada a miséria da própria alma. 

Mas para as outras almas, elas encontram, desse modo, acesso à sua função de recuperar para o corpo a incorruptibilidade. Assim, tampouco, são denominados pecados a ignorância e a fraqueza, a não ser no sentido de que o corpo, provindo da geração de pecador, comunica às almas que vêm a unir-se a elas aquela mesma ignorância e dificuldade. Mas nem essas almas, nem o Criador devem ser julgados responsáveis, como de uma falta. Pois Deus deu-lhes a capacidade de agir bem, nos deveres penosos, e também ensinou-lhes o caminho da fé, em meio à cegueira da ignorância. E acima de tudo, deu-lhes esse reto julgamento pelo qual toda alma reconhece que é preciso procurar tudo o que não lhe traz utilidade alguma em ignorar. Deu-lhes ainda o poder de fazer esforços perseverantes no cumprimento de seus deveres, para vencerem a dificuldade de agir bem. Implorarem assim a ajuda do Criador para a obtenção de auxílio divino nos seus esforços. 

Deus mesmo ordena que se façam esforços, seja de modo exterior por intermédio da lei, seja por convites pessoais, no íntimo do coração. E ao mesmo tempo, prepara a glória daquela cidade bem-aventurada para os vencedores (do demônio), que arrastou o primeiro homem a tal miséria, tendo-o vencido por uma pérfida persuasão. E é precisamente aceitando essas misérias que os homens triunfam do demônio pela excelência de sua fé. Não é um fato de pouca glória o de vencerem o demônio, tomando sobre si aquele mesmo suplício pelo qual o espírito das trevas glorificava-se de ter vencido os homens. 

(...) Finalmente, se admitirmos a suposição de que as almas, antes de sua união com o corpo, encontravam-se em algum outro lugar e não foram enviadas pelo Senhor nosso Deus, mas, ao contrário, vieram espontaneamente unir-se aos corpos, a consequência é então fácil de ser compreendida. Tudo o que elas experimentam de ignorância e dificuldades, sendo consequência de sua própria vontade, não há aí, de modo algum, nada que se possa incriminar ao Criador. 

Aliás, mesmo se o próprio Senhor Deus tivesse enviado essas almas, uma vez que não as privou, até em meio da ignorância e das dificuldades, da vontade livre, nem da faculdade de pedir, de procurar e de esforçar-se, propondo-se Ele a dar às que lhe pedissem, de mostrar-se às que procurassem e de abrir-se às que batessem, Ele seria totalmente isento de qualquer culpa. Ele consentiria, assim, a essas almas zelosas e de boa vontade, poderem obter triunfo sobre a ignorância, as dificuldades, e dar-lhes-ia um meio de adquirir a coroa de glória. Quanto às almas negligentes, que pretendem desculpar seus pecados por meio de suas fraquezas, o Senhor Deus não consideraria como crime essa mesma ignorância ou dificuldade. Entretanto, por terem preferido permanecer envoltas nelas, em vez de chegar à verdade e à facilidade, procurando e esforçando-se com zelo, confessando com humildade suas faltas e orando, Ele as haveria de punir com justo castigo.

(Excertos da obra 'O Livre Arbítrio' de Santo Agostinho, Ed. Paulus, 1995, cap. 19-20; p. 210 - 217)

OS BONS E OS MAUS

A vida presente não é senão a preparação para a vida eterna. Aquela é o caminho que conduz a esta. Nós estamos in via, diziam os escolásticos, caminhando ad terminum, na estrada para o céu. Os sábios de hoje exprimiriam a mesma ideia, dizendo que a terra é o laboratório no qual se formam as almas, no qual se recebem e se desenvolvem as faculdades sobrenaturais que o cristão, após a morte, gozará na morada celeste. Como a vida embrionária no seio materno, é também uma vida, mas uma vida em formação, na qual se elaboram os sentidos que deverão funcionar na estada terrestre: os olhos que contemplarão a natureza, o ouvido que recolherá suas harmonias, a voz que a isso misturará seus cantos etc. 

No céu nós veremos a Deus face a face, é a grande promessa que nos foi feita. Toda a religião está baseada nela. E no entanto nenhuma natureza criada é capaz dessa visão. Todos os seres vivos têm sua maneira de conhecer, limitada por sua própria natureza. A planta tem um certo conhecimento das substâncias que devem servir à sua manutenção, posto que suas raízes se estendem em direção a elas, procurando-as para ingeri-las. Esse conhecimento não é uma visão. O animal vê, mas ele não tem a inteligência das coisas que seus olhos abarcam. O homem compreende essas coisas, sua razão as penetra, abstrai as ideias que elas contêm e através delas se eleva à ciência. Mas as substâncias das coisas permanecem escondidas, porque o homem é apenas um animal racional e não uma pura inteligência. 

Os anjos, inteligências puras, vêem a si mesmos na sua substância, podem contemplar diretamente as substâncias da mesma natureza da deles, e com mais razão as substâncias inferiores. Deus é uma substância à parte, de uma ordem infinitamente superior. O maior esforço do espírito humano conseguiu qualificá-Lo de 'ato puro', e a Revelação nos diz que Ele é uma trindade de pessoas na unidade da substância, a segunda engendrada pela primeira, a terceira que procede das outras duas, e isso numa vida de inteligência e de amor que não tem começo nem fim. Ver a Deus como Ele é, amá-Lo como Ele Se ama - e nisto consiste a beatitude prometida - está acima das forças de toda natureza criada e mesmo possível. 

Para compreendê-Lo, essa natureza não deveria ser nada menos que igual a Deus. Mas aquilo que não tem cabimento pela natureza pode sobrevir pelo dom gratuito de Deus. E isto é: nós o sabemos porque Deus no-lo disse ter feito. Isto serve para os anjos e isto serve para nós. Os anjos bons vêem a Deus face a face, e nós somos chamados a gozar da mesma felicidade. Nós não podemos chegar a isso senão por alguma coisa de sobre-acrescentado, que nos eleva acima de nossa natureza, que nos torna capazes daquilo de que somos radicalmente impotentes por nós mesmos, como seria o dom da razão para um animal ou o dom da visão para uma planta. Essa alguma coisa é chamada aqui em baixo de 'graça santificante'. É, diz o apóstolo São Pedro, uma participação na natureza divina. 

E é preciso que seja assim; pois, como acabamos de ver, em nenhum ser a operação ultrapassa, pode ultrapassar, a natureza desse ser. Se um dia somos capazes de ver a Deus, é porque alguma coisa de divino terá sido depositada em nós, ter-se-á tornado uma parte do nosso ser, e o terá elevado até torná-lo semelhante a Deus. 'Bem amados', diz o apóstolo São João, 'agora somos filhos de Deus, e aquilo que um dia seremos ainda não se manifestou: seremos semelhantes a Ele, porque nós O veremos tal como Ele é' (I Jo., III, 2). Essa alguma coisa nós a recebemos desde este mundo, no santo Batismo. O apóstolo São João a chama um germe (I Jo., III, 9), isto é, o início de uma vida. Era o que Nosso Senhor nos assinalava quando falava a Nicodemos sobre a necessidade de um novo nascimento, de uma geração para a nova vida: a vida que o Pai tem nEle mesmo, que Ele dá ao Filho, e que o Filho nos traz ao nos enxertar nEle pelo Santo Batismo. Essa palavra enxerto, que dá uma imagem tão viva de todo o mistério, São Paulo a tomara de Nosso Senhor, que disse a Seus apóstolos: 'Eu sou a videira, vós sois os ramos. Assim como o ramo não pode dar fruto por si só, sem permanecer na videira, assim também vós, se não permanecerdes em Mim'.

(...) Toda a vida presente deve tender a esse desabrochar, à transformação do velho homem, do homem da pura natureza e mesmo da natureza decaída, em homem deificado. Eis o que acontece aqui em baixo ao cristão fiel. As virtudes sobrenaturais, infundidas em nossa alma no batismo, desenvolvem-se a cada dia pelo exercício que nós lhes damos com os socorros da graça, e tornam assim a graça capaz das atividades sobrenaturais que deverá desdobrar no céu. A entrada no céu será o nascimento, assim como o batismo foi a concepção.

(...) Isto não quer dizer que desde o momento em que o cristianismo foi pregado os homens não pensaram em mais nenhuma outra coisa que não fosse a sua santificação. Eles continuaram a perseguir as finalidades secundárias da vida presente, e a cumprir, na família e na sociedade, as funções que elas requerem e os deveres que elas impõem. Ademais, a santificação não se opera unicamente pelos exercícios espirituais, mas pelo cumprimento de todo dever de estado, por todo ato feito com pureza de intenção. 'Tudo quanto fizerdes, diz o apóstolo São Paulo, por palavras ou por obras, fazei-o em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo... Trabalhai para agradar a Deus em todas as coisas, e dareis frutos em toda boa obra' (Col., I, 10 e III, 17).

Além disso, permaneceram na sociedade, e nela permanecerão até o fim dos tempos, as duas categorias de homens que a Santa Escritura tão bem denomina: os bons e os maus. Todavia é de se reparar que o número dos maus diminui e o número dos bons aumenta à medida que a fé adquire mais influência na sociedade. Estes, porque têm a fé na vida eterna, amam a Deus, fazem o bem, observam a justiça, são os benfeitores de seus irmãos, e por tudo isso fazem reinar na sociedade a segurança e a paz. Aqueles, porque não têm fé, porque seus olhares ficaram fixados nesta terra, são egoístas, sem amor, sem piedade por seus semelhantes: inimigos de todo o bem, eles são na sociedade uma causa de discórdia e de impedimento para a civilização. Misturados uns aos outros, os bons e os maus, os crentes e os incrédulos, formam as duas cidades descritas por Santo Agostinho: O amor a si, que pode ir até ao desprezo de Deus, constitui a sociedade comumente chamada 'o mundo'; o amor a Deus, levado até ao desprezo de si mesmo, produz a santidade e povoa 'a vida celeste'.

(Excertos da obra 'A Conjuração Anticristã' de Monsenhor Henri Delassus, Tomo I, Cap. II, 1910).