sábado, 23 de janeiro de 2021

A GNOSE E SUAS DOUTRINAS FALSAS (II)

Dissemos que a Gnose foi apareceu entre os homens pela primeira vez no Pecado Original. Antes de continuar, porém, é importante observar que ela se manifestou antes mesmo disso, na Queda dos Anjos. Pois, uma vez que a essência de uma coisa é determinada pelo seu fim último, podemos identificar a essência da Gnose como a tentativa da criatura de se divinizar. Isso, porém, já havia ocorrido com a rebelião dos anjos. Lúcifer e os outros anjos quiseram fazer-se como Deus, isto é, sem Deus: por seus próprios esforços naturais e sem ajuda. A consequência foi a queda e a transformação de anjos em demônios.

'Quis ut Deus?' respondeu São Miguel Arcanjo, visto que ninguém de fato é como Deus, mas esta era precisamente a afirmação de Lúcifer: ser como Deus, e é esta mesma afirmação que ele mais tarde propôs a Adão e Eva. A gnose remonta, portanto, em sua essência, aos primeiros momentos do universo, ao primeiro ato livre das criaturas racionais. Daí se desenvolveu ao longo dos séculos, assumindo proporções teológicas e morais cada vez mais amplas, percorrendo caminhos diferentes de acordo com as religiões e nações que visita: seja hinduísmo, budismo ou judaísmo; seja a nação persa, a nação egípcia ou qualquer outra.

Vamos nos concentrar na Religião Judaica, considerando, com Don Julio Meinvielle, que esta é a forma de Gnose mais influente no mundo moderno. A Gnose Judaica é uma perversão da Cabala. A Cabala, antes de sua perversão, constituiu a tradição oral do Antigo Testamento. A autêntica fé judaica, que se tornou fé católica com o advento do Senhor, tinha uma tradição dupla: uma tradição escrita e uma tradição oral, precisamente como a fé católica.

A tradição oral, isto é, a Cabala primordial, ensinava aos homens as verdades fundamentais da natureza e da graça necessárias para a salvação; falava da natureza de Deus e de seus atributos, de espíritos puros e do universo invisível; continha até ensinamentos sobre a Santíssima Trindade e a Encarnação de Nosso Senhor antes do seu Advento a este mundo. Esta sublime e mística Tradição, entretanto, passou por um processo de perversão sob a influência da Gnose egípcia. A Gnose egípcia remonta a três mil anos antes da vinda do Senhor e, portanto, ao início dos tempos. A perversão ocorreu durante o exílio do povo judeu no Egito no século 14 antes de Cristo, e depois na Babilônia no século 6 a.C. de uma forma ainda mais prejudicial.

Parte dessa influência consistia em práticas mágicas e outra parte em falsas doutrinas. As falsas doutrinas eram negações da Revelação Divina conforme contido na Fé Judaica pré-cristã e podem, portanto, ser consideradas heresias sensu lato. Esses erros se insinuaram na tradição oral judaica e representam um desenvolvimento das doutrinas gnósticas centrais. Examinemos duas destas doutrinas falsas: a transformação do homem em Deus e o monismo entre Deus e o homem. Vamos examinar essas duas doutrinas em seus vários desenvolvimentos, primeiro à luz da Fé, depois à luz da razão.

I. A transformação do homem em Deus

A doutrina da transformação do homem em Deus é elaborada como um processo de evolução e inclui os seguintes elementos:

(i) o surgimento de Deus, do mundo e do homem a partir do Nada
(ii) a reencarnação;
(iii) a evolução e a realização graduais de Deus e do homem

O surgimento de Deus, do mundo e do homem a partir do Nada

A fé nos ensina que Deus existe eternamente e não tem começo no tempo. Ensina-nos igualmente que o mundo e o homem não vieram a existir por si próprios, mas que Deus os criou e os fez do nada (ex nihilo), mas não do nada como de uma substância preexistente, mas do nada no sentido de que de fato não havia nada e nenhuma substância preexistente. Por outro lado, a razão humana nos ensina que nada pode surgir do nada, pois nada, por definição, não existe.

Reencarnação

Na Carta aos Hebreus (Hb 9,27), se lê: 'É destinado aos homens morrer uma vez, e depois disso, o julgamento'. Além disso, a fé nos ensina que a alma humana é capaz de um desenvolvimento positivo, mas não por meio de reencarnações repetidas, mas pela obra de aperfeiçoamento moral e santificação. A razão ensina que a reencarnação é impossível, pois cada alma humana é o princípio de seu próprio corpo humano: a alma humana não pode conformar um corpo não humano, e não pode conformar um corpo humano que não seja o seu.

A evolução e a realização graduais de Deus e do homem

A fé ensina que Deus é imutável e não muda. São Tiago escreve (Tg 1, 16-17): 'Não se iludam, portanto, meus queridos irmãos. Toda dádiva boa e todo dom perfeito procedem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança, nem sombra de alteração'. A razão nos diz, além disso, que Deus é transcendente e imutável por definição. Se algo muda no homem, não é Deus. Acrescentamos uma última crítica lógica, válida para todas as três doutrinas evolucionistas, ou seja: o maior não pode derivar do menor: a substância não pode proceder do nada; Deus não pode proceder do homem; a alma não pode purificar-se por si mesma no curso de vidas sucessivas.

II. Monismo

O monismo entre Deus e o homem é elaborado na direção de três formas distintas de monismo: (i) um monismo ontológico entre Deus e o universo, onde o universo é considerado em certo sentido como divino (doutrina do panteísmo); (ii) um monismo moral onde o bem e o mal são considerados partes integrantes de uma realidade maior, que não permite nenhum princípio real de distinção entre eles. Este monismo moral é considerado, em última análise, como o próprio Deus; (iii) um monismo lógico no qual até mesmo a verdade e a falsidade se reconciliam uma com a outra.

Monismo entre Deus e o Universo (Panteísmo)

Nós respondemos a este erro como respondemos ao erro do monismo entre Deus e o homem. A fé ensina que Deus é criador: Credo in unum Deum, creatorem coeli et terrae. Deus é, portanto, totalmente independente do universo, que Ele criou com um ato livre de vontade. Não emanou dEle de acordo com a sua natureza; não veio necessariamente à existência. Além disso, a razão nos ensina que o conceito de Deus é um conceito de um ser essencialmente transcendente.

Monismo Moral

O monismo moral é, com efeito, concebido como a tese de que o bem e o mal são uma só coisa e que o mal existe em Deus. A fé nos ensina, em contraste, que o bem e o mal são princípios distintos, opostos um ao outro; que aderindo o homem ao bem , ele é salvo, e aderindo ao mal, ele é condenado. A fé ensina igualmente que Deus é infinitamente bom, o Pai das Luzes, para citar mais uma vez São Tiago (Tg 1, 13): 'Deus é inacessível ao mal e não tenta a ninguém'.

A razão, de acordo com a doutrina de São Tomás, ensina-nos que o bem e o mal não formam uma só entidade, visto que o bem é o próprio Ser, e o mal é a privação do bem. O mal não está em Deus, visto que Deus é infinita e necessariamente bom. Como já dissemos das outras perfeições de Deus, podemos dizer da sua bondade: se Ele não é bom, então Ele não é Deus.

Monismo Lógico

O monismo lógico afirma que o verdadeiro e o falso também constituem uma única realidade. A Gnose sustenta isso, por exemplo, em seu sincretismo, sustentando que todas as religiões e filosofias são iguais. A fé nos ensina, por contraste, que o verdadeiro e o falso são opostos, e o Senhor diz (Mt. 5,37): 'Mas seja a vossa palavra sim, sim: não, não; e o que está além disso provém do mal' .

A razão afirma que o falso é uma negação do verdadeiro. Como diz Aristóteles, é impossível que a mesma coisa, ao mesmo tempo e da mesma forma, seja verdadeira e falsa. Este é o princípio da não contradição, um dos primeiros princípios do pensamento e da metafísica. Se renunciarmos a esses primeiros princípios, renunciaremos à própria racionalidade e à própria possibilidade de compreender e explicar qualquer coisa.

Don Julio Meinvielle sustenta que o absurdo do monismo lógico - que o verdadeiro e o falso formam uma única realidade - é a consequência da absurda tese gnóstica de que o mundo, o homem e Deus emergem do nada. Diríamos, antes, que corresponde a todos os absurdos ensinados pela Gnose: a emergência do nada, a reencarnação, o desenvolvimento de Deus no mundo, o panteísmo, a chamada reconciliação entre o bem e o mal. Em última análise, o Monismo Lógico é o resultado da tese fundamental da Gnose: que o homem pode se tornar Deus. A irracionalidade desta tese resulta da rebelião da vontade contra a Verdade. A tese nada mais é do que a expressão máxima dessa rebelião.

(Excertos da obra 'The New Religion - Gnosis and the Corruption of the Faith', do Pe. Pietro Leone)