Além da afirmação do triunfo
do Coração Imaculado de Maria e do impacto relativo ao Segredo de Fátima,
muitos outros aspectos da mensagem assumiram importância capital no contexto
das revelações. A consagração aos Primeiros Cinco Sábados, as orações ensinadas
por Nossa Senhora às crianças, o milagre do sol e as aparições do Anjo de
Portugal constituem exemplos marcantes destes fatos, tendo sido descritos e
abordados em detalhe nos livros e documentos sobre as aparições de Fátima.
Um aspecto, porém,
exatamente por não se enquadrar no espírito das revelações, não tem sido
analisado com igual rigor, mas, embora secundário, deveria merecer muita
atenção e reflexão por parte de todos os homens. É o que poderíamos chamar de
“mensagem esquecida de Fátima”. Este fato ocorreu já na primeira aparição e a
sua revelação deveu-se a uma resposta de Nossa Senhora a uma pergunta de Lúcia.
Recapitulemos o diálogo entre a Mãe de Deus e a pastorinha de Fátima:
“
_ A Maria das Neves já
está no céu?
_ Sim, está.
_ E a Amélia?
_ Estará no Purgatório
até o fim do mundo”.
Maria das Neves e Amélia
eram duas amigas de Lúcia que frequentavam a sua casa “para aprender a tecer
com sua irmã mais velha” e teriam falecido pouco antes das aparições (Maria das
Neves faleceu em 26/02/1917 e Amélia faleceu a 28/03/1917, ambas com 20 anos de
idade). A resposta de Nossa Senhora quanto ao destino eterno de Amélia é
categórico: “Estará no Purgatório até o
fim do mundo”.
São palavras duras e
preocupantes quando revelam a justiça de Deus aplicada a uma jovem portuguesa
que vivera apenas 20 anos, no início do século XX, em um lugar isolado e
deserto, perdido nos contrafortes da Serra do Aire, então distante cerca de
150km do norte de Lisboa, onde predominam colinas pedregosas e azinheiras,
descendente de um povo bom e ordeiro, católicos praticantes e devotos do terço
diário. Fátima, em 1917, representava
provavelmente um ambiente de extrema religiosidade e de prática corrente da
moral cristã. Que pecados terríveis teriam sido cometidos por esta moça de modo
a ter que pagar as penas e danos devido a eles no Purgatório até o fim do
mundo?
A primeira questão que
surge desta revelação deveria ser a de uma reflexão profunda sobre o pecado e a
justiça divina. É evidente que morar em Fátima em 1917 não constituiu garantia
de salvação a ninguém e que é possível que alguma alma tenha, inclusive, sido
condenada eternamente. Mas isto é uma absoluta elucubração; o destino de Amélia,
ao contrário, é fato, é uma revelação direta de Nossa Senhora aos homens. Qual
seria a nossa reflexão sobre a justiça divina transferindo a realidade do
destino eterno de Amélia à realidade dos homens e mulheres, jovens e crianças
das nossas grandes e pequenas cidades, às Amélias
(almas) do nosso tempo? Não deveríamos nós reavaliarmos profundamente os
conceitos de misericórdia e justiça de Deus e começarmos a praticar, na vida
diária de cada um, o preceito lógico de São Domingos Sávio: “antes morrer do que pecar?”.
Uma segunda questão que se
apresenta refere-se ao próprio destino final de Amélia. A alma no Purgatório
nada pode fazer para diminuir ou abreviar os seus sofrimentos, mas as orações
daqueles que ainda vivemos na terra podem intervir profundamente nesta
condição, por graça e obra da misericórdia divina. Esta interação de bens
espirituais dos filhos de Deus constitui a comunhão dos santos e o tesouro da
Igreja, obtido através dos méritos infinitamente satisfatórios da redenção de
Cristo. Assim, pois, deve-se entender que Amélia estará no Purgatório até o fim
do mundo se não houver quem reze por ela ou mande celebrar missas em sua
intenção. E novamente, a mensagem de Fátima mostra a sua unidade perfeita ao
relacionar o exemplo de Amélia com o apelo fervoroso de Nossa Senhora: “Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios pelos
pecadores, que vão muitas almas para o Inferno por não haver quem se sacrifique
e peça por elas”. Reconheçamos
definitivamente o valor imponderável das orações, penitências e sofrimentos no
plano salvífico de Deus. Todas as grandes obras de Deus, e em particular
àquelas relacionadas à conversão e salvação das almas, são feitas com a dor e o
sacrifício de algumas almas privilegiadas. Em Fátima, estas foram as missões
específicas desempenhadas por Jacinta e Francisco Marto – as duas crianças
morreram em circunstâncias extremamente sofridas e dolorosas - almas escolhidas
por Deus como vítimas da expiação e reparação dos pecados de Amélia e de todos
nós.