quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

A CONFIANÇA NA NOSSA SALVAÇÃO

Certas almas angustiadas duvidam da própria salvação. Lembram-se de faltas passadas; pensam nas tentações tão violentas que, por vezes, nos assaltam a todos; esquecem a bondade misericordiosa de Deus. Essa angústia pode tornar-se uma verdadeira tentação de desespero.

Quando jovem, São Francisco de Sales conheceu uma provação dessas: temia não ser um predestinado ao Céu. Passou vários meses nesse martírio interior. Uma oração heroica libertou-o; o santo prostrou-se diante de um altar de Maria; suplicou à Virgem que o ensinasse a amar o seu Filho com uma caridade tanto mais ardente sobre a terra, quanto ele temia não poder amá-Lo na eternidade.

Nesse gênero de sofrimento, há uma verdade de fé que nos deve consolar imensamente. Só nos perdemos pelo pecado mortal. Ora, sempre o podemos evitar, e, quando tivermos tido a desgraça de cometê-lo, poderemos sempre reconciliar-nos com Deus. Um ato de contrição sincera, feito logo, sem demora, nos purificará, enquanto esperamos a confissão obrigatória, que convém se faça sem demora.

Certamente a pobre vontade humana deve sempre desconfiar da sua fraqueza. Mas o Salvador nunca nos recusará as graças de que carecemos. Fará também todo o possível para ajudar-nos na empresa, soberanamente importante, da nossa salvação. Eis a grande verdade que Jesus Cristo escreveu com o seu Sangue e que vamos agora reler juntos na história da sua Paixão.

Já tereis algum dia refletido como puderam os judeus apoderar-se de Nosso Senhor? Acreditareis, por acaso, que isso conseguiram pela astúcia ou pela força? Podeis imaginar que, na grande tormenta, Jesus foi vencido porque era o mais fraco? Seguramente não. Os inimigos nada podiam contra Ele. Mais de uma vez, nos três anos das suas pregações, haviam tentado matá-Lo. Em Nazaré, queriam atirá-lo de um precipício; por várias vezes tinham agarrado pedras para lapidá-Lo. Sempre, porém, a sabedoria divina desfez os planos dessa ímpia cólera; a força soberana de Deus reteve-lhes o braço; e Jesus afastou-se sempre tranquilamente, sem que ninguém tivesse conseguido fazer-Lhe o menor mal.

No Getsemani, ao dizer simplesmente o seu nome aos soldados do Templo vindos para assenhorearem-se da sua pessoa sagrada, toda a tropa caiu por terra tocada de estranho pavor. Os soldados só puderam levantar-se pela permissão que Ele lhes deu. Se Jesus foi preso, se foi crucificado, se foi imolado, é porque assim o quis, na plenitude da sua liberdade e do seu amor por nós: Oblatus est quia voluit (Is 53, 7).

Se o Mestre derramou, sem hesitar, o Sangue por nós, se morreu por nós, como poderia recusar-nos graças que nos são absolutamente necessárias e que Ele próprio nos mereceu pelas suas dores? Jesus ofereceu essas graças misericordiosamente às almas mais culpadas durante a Paixão dolorosa. Dois Apóstolos haviam cometido um crime enorme: a ambos ofereceu o perdão.

Judas atraiçoou-O e deu-Lhe um beijo hipócrita. Jesus falou-lhe com doçura tocante; chamou-lhe amigo; procurou à força de carinho tocar esse coração endurecido pela avareza. 'Amigo, a que vieste?'... 'Judas, com um beijo entregas o Filho do homem?' (Mt 26, 50 e Lc 22, 48). É esta a última graça do Mestre ao ingrato. Graça de tal força, que jamais lhe mediremos bem a intensidade, Judas, porém, repele-a: perde-se, porque assim formalmente o prefere.

Pedro julgava-se muito forte. Tinha jurado acompanhar o Mestre até à morte, e abandonou-O, quando O viu nas mãos dos soldados. Só O seguiu então de longe. Entrou a tremer no pátio do palácio do Sumo Sacerdote. Por três vezes renegou o seu Senhor - porque receiou os motejos de uma criada. Sob juramento afirmou que não conhecia 'esse homem'. Cantou o galo. Jesus voltou-se e fixou sobre o Apóstolo os olhos cheios de misericordiosas e doces censuras. Cruzaram-se os olhares. Era a graça, uma graça fulminante que esse olhar levava a Pedro. O Apóstolo não a repeliu: saiu imediatamente e chorou com amargura a sua falta.

Assim como a Judas, como a Pedro, Jesus nos oferece sempre graças de arrependimento e conversão. Podemos aceitá-las ou recusá-las. Somos livres! A nós compete decidir entre o bem e o mal, entre o Céu e o inferno. A salvação está nas nossas mãos.

O Salvador não só nos oferece as suas graças, como faz mais: intercede por nós junto ao Pai do Céu. Lembra-lhe as dores sofridas pela nossa Redenção. Toma a nossa defesa diante dEle; desculpa-nos as faltas: 'Pai' — exclama nas angústias da agonia — 'Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem!' (Lc 23, 34). O Mestre, durante a Paixão, tinha tal desejo de salvar-nos, que não cessava um instante de pensar em nós.

No Calvário, deu aos pecadores o seu último olhar; pronunciou em favor do bom ladrão uma das suas últimas palavras. Estendeu largamente os braços na Cruz para marcar com que amor acolhe todos os arrependimentos no seu Coração amantíssimo.

(Excertos da obra 'O Livro da Confiança', do Pe Thomas de Saint Laurent)