terça-feira, 30 de setembro de 2014

ORAÇÃO DE JOELHOS (POSTAGEM 1000 DE SENDARIUM)


ORAÇÃO DE JOELHOS

Pai,
de joelhos me coloco diante de Vós,
porque é assim, e somente assim,
que a criatura pode estar diante o Criador.
Hoje, os homens são mais insensatos do que homens,
mais loucos do que homens,
e querem ser cada vez mais do que homens.
E, em nome de nomes que não são os vossos,
redefinem, refazem e redimensionam um deus ao gosto de cada um.
Quantos se outorgam donos de suas vidas,
senhores de seus destinos e de destinos alheios,
donos do corpo e dos seus instintos:
e vivem ao léu de suas únicas vontades e desejos
porque creem que, por ser a vida uma vez só,
têm que ser felizes a qualquer preço,
e a felicidade humana consiste, então, em satisfazer todos os imponderáveis limites do nada.

Pai,
de joelhos me coloco diante de Vós,
porque assim compreendo melhor a minha pequenez.
Há tanta loucura lá fora, e tanta gente falando de paz,
e fazendo passeatas e cartazes pedindo paz,
gente vestida de branco com almas de toda cor.
Querem presídios, polícia, grades, sistemas de segurança,
querem a miséria bem longe deles, querem o mal dominado,
querem ser, ter, poder, sem problemas ou riscos.
Quero isso não, Pai,
não que eu queira esta violência gratuita e animalesca,
eu apenas não quero esta paz que conforta a omissão,
esta paz que acovarda e adula a tibieza,
esta paz inútil.
Eu vos peço a paz que é vossa e não dos homens,
a paz interior que me faz primeiro quebrar as grades e as trancas
das prisões de meu coração covarde  
e ansioso por construir masmorras.
E, assim, anseio mais construir um coração sereno,
que cultiva a paz
e pedir, para os que querem tanto a paz das ruas,
encontrar nas ruas corações que têm a Vossa Paz.

Pai,
de joelhos me coloco diante de Vós,
porque assim posso interromper meus passos pelos caminhos do mundo.
Um mundo hoje forjado por tantos atalhos,
onde se impõe correr, ultrapassar todas as medidas, chegar na frente,
competir, jogar para ganhar, vencer sempre:
e todo este grande prêmio do mundo tem por nome ilusão.
Como é fácil vender consciências por trocados,
comprar prazeres, barganhar verdades,
como é fácil seguir a louca correnteza
de tantos rios de prazer;
como é doce a vertigem da incerteza e da insensatez tresloucada
do viver por viver...
Pai, tira de mim o não ter tempo nunca;
tira de mim o apego ao escarcéu do mundo,
tira de mim a embriaguez e a euforia das vitórias fáceis:
que os meus passos não me levem para longe de mim mesmo
e da Vossa Santa Presença;
que eu não seja pedra de escândalo
nem juiz dos Vossos filhos,
que eu não seja escravo e nem senhor
da argila humana que me molda;
e que eu aprenda,
com o mais puro amor dos anjos,
a cumprir sempre a Vossa Santa Vontade.

Pai,
de joelhos me coloco diante de vós,
para poder ouvir nas batidas compassadas do meu coração
o portentoso silêncio da Vossa voz.
Pelo homem que sou,
pela consciência de que nada sou,
como um sopro ou um piscar de olhos,
como centelha de chama,
é que, diante de Vós,
eu, obra menor dos Vossos prodígios,
não posso nunca estar de pé...
E, assim, de joelhos,
em nome do Vosso infinito Amor por mim
ouso suplicar a divina graça
de, um dia,
ser o mais comum dos homens
no céu.
Amém.

(Arcos de Pilares)

Aos leitores do blog: para você e sua família, o meu presente é esta oração de minha autoria, em homenagem à postagem número 1000 do SENDARIUM. Obrigado a todos pelas visitas e que Deus lhes dê a Sua bênção e a Sua graça.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

29 DE SETEMBRO - SÃO MIGUEL ARCANJO

(São Miguel com elmo e armadura medieval - Catedral de Bruxelas)

'Houve uma batalha no Céu: Miguel e os seus Anjos guerrearam contra o Dragão. O Dragão batalhou, juntamente com os seus Anjos, mas foi derrotado e não se encontrou mais um lugar para eles no Céu.' (Apoc. 12, 7-8).

'Naquele tempo, surgirá Miguel, o grande Príncipe, constituído defensor dos filhos do seu povo e será tempo de angústia como jamais houve.' (Dan. 12, 1).

Assim como Lúcifer é o chefe dos demônios, Miguel é o maior dentre os anjos, Príncipe das milícias celestes, protetor da Santa Igreja e da humanidade contra as forças do inferno. Assim, a designação de arcanjo (oitavo coro dos anjos) tem sentido genérico e nominativo, pois certamente São Miguel, sendo o primeiro dentre os Anjos, é o maior dos serafins. Dentre os vários santuários destinados ao Príncipe das milícias celestes, destaca-se aquele localizado no Monte Saint Michel na França, cuja foto constitui a abertura e o símbolo deste blog.

(Santuário de São Miguel - Monte Saint Michel/França)

São Miguel, rogai por nós!
Intercedei a Deus por nós!

domingo, 28 de setembro de 2014

OS HUMILDES E OS DUROS DE CORAÇÃO

Páginas do Evangelho - Vigésimo Sexto Domingo do Tempo Comum


No Evangelho deste domingo, encontramos Jesus após a sua entrada triunfal em Jerusalém, acossado pela malícia humana dos escribas, mestres da lei, anciãos e demais membros do Sinédrio. Tomados pela inveja e calúnia, queriam justificar publicamente a sentença de morte que já haviam imposto secretamente a Jesus nos seus corações e mentes. O júbilo messiânico daquele Domingo de Ramos selara em definitivo o destino e a morte de Jesus.

A missão do Senhor aproxima-se do final e impõe-se cumpri-la até o fim. Jesus contempla com enorme tristeza aqueles homens duros de coração que, cientes de todos os textos proféticos, não compreenderam ou não quiseram compreender os sinais da vinda do Messias ao mundo dos homens. Da mesma forma como negaram João Batista, era preciso agora, com muito mais vigor e malícia, negarem a Cristo; mais do que isso, precisavam tramar e manipular o povo para tornar natural e incontestável a condenação de Jesus à morte, a uma morte de cruz.  

Aos duros de coração, elabora, então, a parábola dos dois filhos que o pai ordena trabalharem na vinha: 'Filho, vai trabalhar hoje na vinha!’ (Mt 21, 28). O primeiro se nega a princípio e depois acata a ordem do pai e o segundo, que parecia acatar, não cumpre a ordem paterna. Filhos que são os filhos deste mundo, chamados por Deus, para serem operários nas vinhas do Senhor: os que ouvem o chamado à graça, pela manhã ou nas horas mais tardias da vida, e vão trabalhar na vinha e os que não vão, por desobediência explícita, por insensatez, por descuidado zelo. Ontem, os primeiros foram os gentios, publicanos e pecadores e os últimos, os escribas e os fariseus que tramaram contra Jesus; ontem e sempre, os primeiros foram aqueles que humildemente refletiram as palavras e os ensinamentos do Mestre no coração e os últimos, os duros de coração, que se ensoberbeceram no jogo das meras palavras e das promessas vazias.

O caminho da salvação perpassa pelo coração. 'Então Jesus lhes disse: Em verdade vos digo que os cobradores de impostos e as prostitutas vos precedem no Reino de Deus' (Mt 21, 31). Foram e são muitos os pecadores que aceitaram o firme propósito do arrependimento sincero e de conversão; infelizmente também são muitos os que se apegam aos valores humanos, à vanglória, à tibieza e à obstinação do orgulho desmedido. Nesta conduta de retidão, serão separados o joio e o trigo, os justos e os ímpios diante do tribunal de Deus, porque 'quando um justo se desvia da justiça, pratica o mal e morre ... quando um ímpio se arrepende da maldade que praticou e observa o direito e a justiça, conserva a própria vida' (Ez 18, 26 - 27).

sábado, 27 de setembro de 2014

27 DE SETEMBRO - SÃO VICENTE DE PAULO


Filho de camponeses, Vicente de Paulo nasceu na pequena aldeia de Pay, região de Bordéus e dos Pirineus, em 24 de abril de 1575. Iniciou seus estudos com os franciscanos em Dax, formando-se mais tarde em teologia em Toulouse, onde tornou-se sacerdote em 23 de setembro de 1600. Forjava-se ali um dos maiores e mais belos exemplos da santificação e de apostolado missionário de toda a história da Igreja. 

Foi o fundador da Companhia da Missão (padres lazaristas) devotada à evangelização dos pobres e co-fundador da Congregação das Filhas da Caridade, cuja primeira superiora foi Santa Luísa de Marillac. Inspirado por seu amor a Deus e aos homens, Vicente de Paulo foi o criador de muitas obras de caridade e de piedade cristãs, às quais devotou toda a sua vida, pautada na missão de levar e viver plenamente o Evangelho de Cristo junto aos pobres, aos doentes, aos renegados, aos presos, aos desvalidos do mundo. O seu exemplo e seus ensinamentos inspiraram, mais tarde, em 1833, a criação das chamadas Conferências Vicentinas, que projetaram o legado da ação e das obras de caridade do santo ao mundo inteiro.



Este grande amigo e benfeitor dos mais necessitados faleceu em 27 de setembro de 1660 e seu corpo foi sepultado na igreja de São Lázaro (ou capela dos Lazaristas) em Paris, sendo encontrado praticamente incorrupto, quando exumado 52 anos após a sua morte. O coração do santo é conservado em um relicário na Capela de Nossa Senhora Milagrosa, também em Paris. Foi canonizado em 1737 pelo Papa Clemente XII e declarado patrono de todas as obras de caridade da Santa Igreja, em 1885, pelo papa Leão XIII.

São Vicente de Paulo, rogai por nós!

CIÊNCIA DOS SANTOS E CIÊNCIA DOS HOMENS

Ao falar da ciência mundana, diz São Paulo: A ciência incha, a caridade porém edifica. O que julga saber muito, ainda ignora como deve saber. Quando a ciência mundana anda associada ao amor de Deus, é de grande vantagem para nós e para os outros; mas, quando se acha desacompanhada da caridade, causa-nos grande dano, tornando-nos orgulhosos e levando-nos a desprezar os outros; porque, tanto o Senhor é pródigo das suas graças com os humildes, como avaro com os orgulhosos.

Ditoso o homem a quem Deus dá a ciência dos santos, como a deu a Jacó: Dedit illi scientiam sanctorum (Sap. 10, 10)! Deste dom, como do maior de todos, fala a Escritura. Ó quantos homens vivem cheios de si mesmos, pelos conhecimentos que têm das matemáticas, belas letras, línguas estrangeiras e antiguidades, que nada aproveitam ao bem da religião, nem aumenta as vantagens espirituais! De que serve possuir uma tal ciência, saber tão belas coisas, se não se sabe amar a Deus e praticar a virtude? Os sábios do mundo, que só procuram adquirir um grande nome, estão privados das luzes celestes, que o Senhor dispensa aos simples: Abscondisti haec a sapientibus et prudentibus (sábios e prudentes do século), et revelasti eo parvulis (Matth.11, 25). Os Parvuli são os espíritos simples, que põem todo o seu cuidado em agradar a Deus.

Santo Agostinho proclama bem-aventurado o que conhece a grandeza e bondade de Deus embora ignore tudo o mais: Beatus, qui te scit, etiamsi illa nesciat (Conf. 1. 5. c. 4). Quem não conhece a Deus, não pode amá-lo; ora, quem ama a Deus é mais sábio que todos os literatos, que não sabem amá-lo. Hão de levantar-se os ignorantes e arrebatar o Céu, exclama o mesmo santo doutor! Quantos rústicos, quantos pobres camponeses, subirão à santidade e conseguirão a vida eterna, da qual quereriam gozar antes um só instante, do que adquirir todos os bens da terra! Aos Coríntios escrevia o Apóstolo: Não fiz profissão entre vós de saber outra coisa senão a Jesus Cristo, e Jesus Cristo Crucificado. Como seríamos felizes se chegássemos a conhecer a Jesus Crucificado, a conhecer o amor que ele nos testemunhou e o amor que mereceu da nossa parte, sacrificando por nós a sua vida na cruz, e se, estudando um livro tal, chegássemos a amá-lo com um amor ardente!

Um grande servo de Deus, o Pe. Vicente Carafa, escrevendo a alguns jovens eclesiásticos, que estudavam para trabalharem na salvação das almas ,dizia-lhes: 'Para operar grandes conversões nas almas, mais vale ser homem de muita oração, que de muita eloquência; porque as verdades eternas, que convertem as almas, melhor se pregam pelo coração que pelos lábios somente'. Devem pois os ministros do Evangelho ter uma vida que se mostre de acordo com o que ensinam; devem, numa palavra, apresentar-se como homens que, desprendidos do mundo e da carne, só procuram a glória de Deus, e fazê-lo amar de todos. Por isso o Pe. Carafa ajuntava: 'Ponde todo o vosso cuidado em vos dardes ao exercício do amor divino; desde que o amor de Deus toma posse do nosso coração, só por si o desapega de todo o amor desordenado, e o torna puro, despojando-o dos afetos terrenos'. 'Um coração puro', diz Santo Agostinho, 'é um coração vazio de toda a cobiça: Cor purum est cor vacuum ab omni cupiditate'. Com efeito, ajunta São Bernardo, 'quem ama a Deus só pensa em o amar e não deseja outra coisa: Qui amat, amat, et aliud novit nihil' (In Cant. s. 83).

Dizia São Tomás de Vilanova: 'Para converter os pecadores, e fazê-los sair do atoleiro das suas iniquidades, são necessárias flechas de fogo; mas como podem elas provir dum coração gelado, que o amor de Deus não aquece?' A experiência mostra que um padre de ciência medíocre, mas abrasado no amor de Jesus Cristo, atrai mais almas a Deus, que muitos oradores sábios e eloquentes, que deleitam os ouvintes. Aqueles que, por seus conhecimentos raros, belos pensamentos e engenhosas reflexões, despedem os seus ouvintes muito satisfeitos, deixam-nos afinal com o coração desprovido do amor de Deus, e talvez mais frio que antes. Mas o que aproveita isso para o bem comum? E que fruto colhe o pregador, senão agravar mais a sua responsabilidade diante de Deus? Em vez dos bons frutos que podia produzir com o seu sermão, somente granjeia vãos aplausos. Ao contrário, quem de um modo simples prega a Jesus crucificado, não para ser louvado, mas só para o fazer amar, desce da cadeira enriquecido de merecimentos pelo bem que fez, ou que pelo menos desejava fazer nos seus ouvintes.O que acima fica dito tem aplicação, não só aos pregadores, mas também aos professores e confessores. Quanto bem pode fazer um professor de ciências, ensinando a seus discípulos as máximas da verdadeira piedade!O mesmo se pode dizer dos confessores.

Notem-se também os abundantes frutos que se podem produzir nas conversas com os outros. Pode-se pregar sempre; mas que bem um padre instruído e santo pode fazer na conversação, falando a propósito da vaidade das grandezas humanas, da conformidade com a vontade de Deus e da necessidade que temos de nos recomendarmos sem cessar à proteção do Céu, no meio de tantas tribulações que nos afligem e de tantas tentações que nos assaltam! Digne-se o Senhor dar-nos as luzes e forças de que necessitamos para empregarmos os restantes dias da nossa vida em O amar e fazer a sua vontade, pois que só isso nos aproveita e tudo o mais é perdido!

(Excertos da obra 'A Selva', de Santo Afonso Maria de Ligório)

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

SANTOS E MÁRTIRES (III)


SÃO COSME E SÃO DAMIÃO

Irmãos e especializados em Medicina, Cosme e Damião serviram por muitos anos os pobres da região da Síria, no início do Século IV, para a honra e glória de Deus. Com grande zelo apostólico, pregavam o Evangelho, convertendo muitas almas, sem pagamentos ou quaisquer honrarias, pelo que foram privilegiados pela Providência com muitas graças e curas milagrosas. Durante a perseguição do imperador Dioclesiano e enquanto desenvolviam suas atividades na Cilícia (ano 303), os irmãos foram trazidos à presença do governador Lísias, que exigiu deles uma pronta renúncia às pregações e à fé cristã. Ante a recusa destemida de ambos, o governador ordenou que fossem torturados e posteriormente decapitados. 

Os corpos foram transportados e enterrados em Cira, na Síria, numa igreja que lhes recebeu o nome. Favorecido, mais tarde, pela cura de uma doença pela intercessão de Cosme e Damião, o imperador Justiniano construiu uma igreja em honra deles em Constantinopla, passando a promover publicamente o culto de ambos, que tornou-se, em pouco tempo, generalizado, inclusive no Ocidente, com a construção de muitas igrejas dedicadas aos mártires; partes de suas relíquias foram levadas no século VI para a Baviera, onde repousam no altar mor da igreja de São Miguel, em Munique. A partir de então, os nomes de São Cosme e São Damião foram incluídos nos cânones da Santa Missa, em destaque entre os grandes mártires da Igreja. A festa litúrgica dos dois mártires é celebrada no dia 26 de setembro, que são comumente representados com instrumentos médicos e com semblantes iguais, pois supostamente teriam sido gêmeos.



(martírio de São Cosme e São Damião)

(altar da Igreja de São Miguel com parte das relíquias dos santos)

São Cosme e São Damião, rogai por nós!

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

DAS CONTRADIÇÕES DO AMOR CRISTÃO


Digo muitas vezes que quero amar a Jesus, e realmente quero amá-lo; sei que o amor conduz necessariamente à imitação, e que não se pode amar a Jesus sem imitá-lo; mas, se se trata de eu sofrer um pouco por seu amor tornando-me deste modo semelhante a Ele, logo a coragem me falta e o desânimo se apodera de mim. Digo que o amo, mas se o sofrimento me assalta vou logo ter com Ele e peço-lhe que me alivie. Afigura-se-me ver a Jesus mostrando-me o coração todo inflamado em chamas de caridade, e peço-lhe... Peço-lhe que tenha compaixão de mim.

Eis a contradição! Tenho uma ferida no coração, e em vez de sofrê-la resignadamente por seu amor, peço-lhe que a cure. Não reparando que Ele tem uma mais profunda que a minha. Tenho espinhos agudos que me envolvem a alma e me fazem sofrer um martírio; mas em vez de sofrer-lhes a punção por seu amor, peço-lhe que os arranque para sempre, não pensando que os espinhos que cercam o seu coração são bem mais agudos e cruéis que os meus.

Tenho também eu que levar uma cruz, uma cruz que me parece tão pesada! Mas em vez de levá-la com coragem pelo caminho do meu calvário, peço-lhe com insistência cotidiana que me alivie, que me livre desse peso. E peço isto a Ele que tem uma cruz plantada no meio do coração, cruz que não tem semelhança em toda a série das dores humanas.

Jesus é tão bom que, para tornar-me semelhante a Ele e proporcionar-me o seu amor, faz-me participante dos sofrimentos do seu coração. E eu, eu que pretendo amá-lo, ouso desejar e pedir-lhe que Ele mesmo destrua em mim o traço de maior semelhança que tenho com Ele. E pensar eu que toda a minha devoção ao Sagrado Coração consiste quase inteiramente neste desejar as suas delícias e ser isento das minhas penas!

Agora compreendo a razão por que Jesus não me ouve; é porque me quer maior bem que o que merecem as minhas orações; é porque, se eu não sofro um pouco, em quase nada me torno semelhante a Ele. Portanto, terei bem fixo diante dos olhos a imagem do Sagrado Coração de Jesus... aquelas feridas... aqueles espinhos... aquela cruz... e, no futuro, serei mais cauteloso em pedir-lhe que me alivie das minhas dores.

Antes deveria pedir-lhe que me desse um pouco, não mais que um pouco, das suas penas. Mas devo confessá-lo para minha confusão, sinto que me falta a coragem. Contudo quantas almas fervorosas há que todos os dias pedem a Jesus que as torne participantes da sua Paixão? Quanto mais penso nisto, mais me sinto humilhado. É possível que eu, com esta estima que tenho de mim, não tenha a coragem de pedir um, ao menos um, dos espinhos da sua coroa? Que lugar me compete, pois, entre o número das almas devotas do Sagrado Coração? Poderei dizer que ocupo ao menos o último lugar?

Ó Jesus, tu bem o sabes: eu não ouso perguntar-te se sou uma alma afeiçoada ao teu Coração, pois tenho medo de uma resposta desanimadora. Mas, vejas em mim o que vires, seja qual for o grau de imperfeição a que tenha descido, peço-te que tenhas de mim piedade. Encontro-me sem coragem, sem energia, porque me falta o verdadeiro amor. O sofrimento repugna-me, causa-me horror; não ouso já prometer-te coisa alguma, quase não ouso sequer dirigir-te uma súplica. Porém estou aqui diante de Ti: Tu me amas, queres santificar-me, queres salvar-me. Portanto, não olhes a minha pusilanimidade e a fraqueza do meu coração: prossegue a obra do teu amor sobre mim, faze de mim o que quiseres, contanto que me faças santo, contanto que meu lugar seja o Paraíso.

(Excertos da obra 'Centelhas Eucarísticas', de original italiano, 1906; trad. de Adolfo Tarroso Gomes, 1924)

terça-feira, 23 de setembro de 2014

RECOLHIMENTOS FORÇADOS


O recolhimento está mais espalhado do que se imagina. Está mais unido à vida humana do que se pensa. Senão olhemos para três espécies de recolhimento, aos quais, não diremos todos, mas grande parte, a maior parte dos homens, quer queiram quer não, se devem submeter. São os recolhimentos a que nós chamaremos de forçados ou impostos. E se estes recolhimentos não encontrarem as almas preparadas - ai! que martírio cruel! que sofrimento profundo!

Mas, se, pelo contrário, houver harmonia entre eles e o interior dos indivíduos, então podem-se transformar em estados de verdadeira paz e quietação, quando não de verdadeira e íntima felicidade - o que está, sem dúvida, dentro dos planos sapientíssimos de Deus. Consideremos, portanto, o recolhimento na pobreza, o recolhimento na doença, o recolhimento na velhice.

RECOLHIMENTO NA POBREZA

Bem-aventurado quem compreende a lição, talvez dolorosa, deste tríplice recolhimento e para ele se prepara e por ele se santifica, quando soar a hora da Providência. Uma das grandes chagas do mundo, talvez em todos os tempos, mas parece que, de modo especial, em os nossos dias, é a pobreza ambiciosa, a pobreza dissipada, a pobreza a sonhar - não com uma melhoria razoável na existência - mas com a ostentação e o luxo.

E quando estas tendências não ficam só em desejos, mas se transformam em realizações impossíveis ou ridículas, vemos, então, desgraças e desordens não poucas. Temos insistido que o recolhimento é salutar ou necessário para todos, ricos e pobres, grandes e pequenos, nas cidades e nos campos, mas estamos considerando, agora, o recolhimento que as circunstâncias nos impõem e para as quais seremos sábios, se soubermos recebê-lo de boa mente e dele nos aproveitar.

Não falamos da miséria, que esta é um estado anormal, que, a não ser muito de passagem, nos parece que nunca está nos planos sapientíssimos de Deus. Mas a pobreza, a vida modesta, em geral, é uma situação, de per si, recolhida. A ostentação não lhe fica bem. Ela, então, se fecha em sua casa, em seu quintal, em sua oficina ou escritório, e, fugindo de toda exibição, leva uma vida modesta, que, muita vez, é sinônimo de paz, de muita paz.

Se é explicável e desculpável, às vezes, a inveja neste mundo, um destes casos nos parece ser a inveja que desperta a casa pobre, asseada, onde, não havendo aspirações descabidas, existe um contentamento sadio, uma união edificante, uma força contagiosa. E quando esta pobreza vive na pureza dos campos, é ouro sobre azul. Não podemos conceber estado natural mais feliz. Feliz a pobreza que não somente conhece o seu lugar, mas que o ama e o zela com carinho, quer no lar, quer no trabalho.

Pode, então, o luxo enfatuar-se a seu lado e a ostentação do rico pavonear-se numa ostentação ruidosa, a alma do pobre conserva a paz do seu escondimento e goza os encantos do seu recolhimento, forçado talvez ou imposto, mas aceito com espírito de fé e com a razão esclarecida. O recolhimento da pobreza limpa, da pobreza que trabalha, da pobreza alegre, é uma das situações mais encantadoras da vida. Infelizmente, tão pouco compreendida.

Existem, entretanto, almas assim. São os gozadores da paz e os distribuidores da paz. Passam pelo mundo assim como os santos. E sem deixarem de ter o seu ideal, pelo contrário, pelo fato mesmo de terem o seu ideal bem firmado, é que, por nada do mundo, abandonariam a clausura de sua pobreza feliz. 

Lembremo-nos da pobreza beatifica da casa de Nazaré. Lembremo-nos do lar humilde, sofredor, mas feliz, de uma bem-aventurada Ana Maria Taigi. Não conhecemos a pobreza edificante e, ainda por cima, dadivosa do operário irlandês Matt Talbot? A pobreza destes, como de tantos outros, era a cela misteriosa de sua felicidade, em intima união com seu Deus, que sempre se manifestou entre os pobres, de um modo humilde e nos lugares mais simples. São José, amante da pobreza e modelo do recolhimento, rogai por nós!

RECOLHIMENTO NA DOENÇA

O homem se agita. Anda por toda parte, em uma eterna dissipação. Quer saber tudo, tudo ver, ouvir tudo. Preocupa-se com bagatelas e ninharias. Fala a todo propósito. Só se aquieta quando dorme. Mas, até ao último momento do dia ou já nos primeiros instantes da manhã, está em atividade a sua língua, sem um instante de repouso, ou de concentração. Enquanto espera o sono, já deitado, ou sem a coragem para se levantar, quanta fantasia, que é um modo de falar também!

De repente, é uma febre, um desastre, uma doença qualquer (há tantas) e eis o homem dissipado preso a um quarto, a uma cama, ao sofrimento, em um recolhimento, exterior ao menos, forçado. Infeliz, muito infeliz, o pobre acidentado ou doente (não, pelo sofrimento físico), se este recolhimento representar uma novidade cruel em sua vida, se for um estado, do qual, o pobre homem sempre fugiu, consciente ou inconscientemente.

'Padre - dizia-me uma senhora enferma, proibida de ler e de receber visitas. - que horror esta solidão! Ao menos, povoe-me a cabeça de bons pensamentos!' Entretanto, era uma senhora distintíssima, de vida exemplar. Mas, é que, nestas circunstâncias, todas as reservas são poucas. Só mesmo uma vida de preparação, pela oração e reflexão, pelo recolhimento voluntário, pode tornar suportável o isolamento doloroso da doença.

Doente, em um sanatório, uma jovem religiosa holandesa, de vida contemplativa, sozinha ali, sem parentes ou conhecidos, era vista, enquanto podia, caminhar ou arrastar-se de seu quarto à capelinha, sem olhar e sem falar com ninguém no trajeto. Diante do sacrário tornava-se ela a imagem do recolhimento e da devoção. Poucos dias antes de sua morte, passando pelo seu corredor, em visita aos doentes, tivemos a tentação de penetrar naquele ambiente singular. Batemos à porta, com receio. Uma voz sumida deu-nos licença de entrar. Quase nos arrependemos: era tudo tão branco, ali dentro, e tão silencioso. Solidão completa. A freira sozinha, deitada, talvez já sem movimentos, olhava para um grande crucifixo, aos pés de sua cama. De mansinho, lhe perguntamos: 'Irmã, deseja alguma coisa?'

'Nada, Padre. Só a bênção de Deus'. Demos-lhe a bênção e saímos com receio de ter violado um santuário. Sempre nos ficou a lembrança daquele recolhimento doloroso, heróico. Mas que nos pareceu um recolhimento cheio de paz. Aprendamos a necessidade de praticar o recolhimento voluntário na saúde, para que, quando a doença nos amarrar em um ambiente fechado, não seja brusca demais a mudança. Deveríamos entrar, então, em uma atmosfera com a qual já estivéssemos familiarizados de há muito.

Foi no recolhimento forçado de longa convalescença que Inácio de Loiola, o cavaleiro mundano de Pamplona, sentiu o desejo da leitura, e, pela leitura, naquela atmosfera silenciosa do castelo, entrou em si mesmo e converteu-se. Mas foi um caso raro, pois não ama nem procura o livro na doença quem não aprendeu a procurá-lo na saúde. O livro é um ótimo companheiro desses recolhimentos forçados pois enche o vazio, povoa a solidão, e constrói dentro do doente essas celas misteriosas, onde é possível uma elevação verdadeira.

Mas pobre do doente que, para passar o tempo, se vê obrigado a contar as tábuas do forro ou a seguir o tic-tac do relógio ou a desfiar a franja da coberta. Pior ainda a sorte daquele que se distrai pensando em tolices, construindo castelos no ar, sonhando coisas impossíveis. Pobre doente! Como o recolhimento o castiga com severidade! Não vale a pena prepararmo-nos para essa situação tão comum na vida de cada cristão? Pensemos.

Entrando em um hospital, o problema é tão claro a quem quer ver, que a resolução deve ser imediata. Santa Clara, doente, sofrendo muito, não queria perder seu tempo precioso, e, enquanto o seu corpo penitente, preso em sua cela franciscana, se entregava à santa e forçada ociosidade, trabalhavam suas mãos, com diligência, costurando e bordando toalhas e corporais para o culto do seu Jesus Sacramentado. Que beleza encontra-se em um recolhimento, assim, tão rico de atividade!

Afinal, é preciso convencermo-nos: temos que tomar uma atitude, em face do possível, melhor, do provável, ou do quase certo recolhimento doloroso que, mais cedo ou mais tarde, por menos ou mais tempo, nos envolverá. Queremos, então, vivê-lo, estupidamente, como um gato velho debaixo do fogão, sem proveito, sem um pensamento superior, quem sabe, até, com pavores e revoltas íntimas? Ou queremos aproveitá-lo para nosso aperfeiçoamento e elevação? Depende de nós.

Pode ser um tempo de paz interior muito grande, apesar dos sofrimentos, até de certo gozo em Deus e, sem dúvida, de merecimentos para nós e para o mundo. Depende de nós. Exemplos lindos e fortes não nos faltam. Saibamos preparar a nossa obra prima.

Lidvina de Schiedam foi mestra neste recolhimento imposto, durante mais de 30 anos, por uma doença que estragou a beleza de seu semblante, mas que aformoseou a sua alma, que, cheia de luz, de força e de sabedoria, transformou a humildade de seu quarto, em uma sala de audiência, onde toda classe de pessoas vinha pedir as suas luzes e conselhos, o seu consolo, o seu amor e alegrias de Deus. 

O recolhimento doloroso, dolorosíssimo e, às vezes até, heroico, da enfermidade, tem, como melhores companheiros, a limpeza, as flores, os livros, as santas conversações, os bons pensamentos, as jaculatórias, o querido rosário. E, sobretudo, Jesus na santíssima eucaristia, que, justamente, nessas ocasiões, mostra toda a força de sua presença, de sua graça, toda a misericórdia e doçura de seu coração. Mas, com Jesus, vem Maria, vem São José, vêm os Santos Anjos. Compreende-se, então, o que é a comunhão dos santos. Se nós soubéssemos viver a nossa fé!

RECOLHIMENTO NA VELHICE

Há uma terceira espécie de recolhimento forçado, que, infelizmente, vai-se tornando cada vez mais raro, é o recolhimento da idade, ou a velhice. Pronunciamos com respeito esta palavra, que a própria Sagrada Escritura glorifica e promete aos homens, como uma recompensa. A velhice é sempre um dom de Deus, pois que a vida é um dom de Deus. Ora, quanto mais larga for esta, maior é o presente do céu; é verdade que, muitas vezes, mal aproveitado.

Não importam os achaques, os trabalhos, os aborrecimentos, àquele que se preparou para a velhice; pela vitória de suas paixões, e más inclinações, goza a suavidade e a paz dos últimos anos. E tanto mais insistimos sobre isso, quanto mais sabemos como se despreza a velhice e como se relega ao abandono de um quarto ou de horas e horas de solidão, um ente que deveria ser cercado de todo carinho. Infeliz de quem, então, só souber queixar- se e lamentar-se: é o estribilho monótono da velhice desaproveitada e irritada.

Mas aquele que, iluminado pela fé, sabe o que significa esta idade - quanto de merecimentos e de santas alegrias não recolhe? As pernas já se negam a grandes passeios e longas caminhadas, para que o pequeno quintal ou jardim, a varanda florida e a casa sejam o seu pequeno mundo de paz e de meditação. A vista torna-se sempre mais fraca, para que o olhar da alma, mais forte, alcance distâncias eternas. Os ouvidos vão perdendo a sua argúcia, para que melhor ouça a alma as vozes de Deus e da consciência. A língua perde, pouco a pouco, a sua agilidade, para que o silêncio envolva aquela vida que se transforma. A alimentação se torna cada vez mais parca e mais leve, para que o corpo, por assim dizer, se vá espiritualizando, e mais se deseje outra comida: a vontade de Deus, a graça, a santa comunhão.

E desse recolhimento sublime, ele sai, de vez em quando, para nos falar da fugacidade de tudo o que nos rodeia e nos aponta para a eternidade. São esses quadros lindos que, de vez em quando, se encontram: velhices resignadas e pacificas, velhices alegres e ocupadas. Velhices, nas quais a alma boa se vai, pouco a pouco, desprendendo dos laços da carne, para que, em chegando a hora, desfira, livremente, o voo para as alturas.

Visitamos, certa vez, três ou quatro sacerdotes jesuítas de 70 a 80 anos, na Vila Gonzaga de São Leopoldo: cada um em seu quarto, bem arranjado e limpo, entregue ao seu estudo, leitura ou oração. Com que prazer nos receberam! E nós, com que receio de perturbarmos o seu recolhimento. Velhice abençoada! Como ela sabe aproveitar-se do seu recolhimento forçado, mas bem compreendido!

E essas matronas e chefes de família, que souberam envelhecer com fé e dignidade, que lição! Vede-as em sua cadeira de braços ou recostadas em sua cama, ou repousando sob uma árvore do quintal, com seu tricô ou seu jornal ou sua leitura espiritual ou seu terço, ou rodeados pelos netinhos ou filhos: são as despedidas tranquilas desta terra; são os preparativos e acenos para a eternidade.

E' verdade que muita velhice não se aproveita, não só por culpa da própria pessoa, cuja vida desorganizada ou desregrada não foi uma preparação para esta idade importante, mas, muitas vezes, também, porque o ambiente, as coisas, as pessoas que a rodeiam, são mais de molde a irritar e aborrecer ou a dispersar, do que consolar, animar e recolher.

Pobres velhos, nas famílias ricas e pobres, que vivem, tanta vez, relegados ao esquecimento ou expostos ao ridículo ou tratados como pesos mortos, que já podiam desaparecer. Mas também para isso, nos devemos preparar, contando mais com nossos esforços e energias, do que com o auxílio dos outros. Construamos, desde já, o ambiente interior em que queremos passar a velhice, se Deus Nosso Senhor no-la der; ambiente interior forte e pacificador, capaz de transformar ou substituir os ambientes exteriores menos favoráveis.

Conheci um sacerdote jesuíta de 92 anos que ainda visitava os pobres doentes e os consolava, e que ainda, por escrito, preparava, cuidadosamente, a homília do domingo. Ó velhices lindas, velhices moças, que podem exclamar, todos os dias, com a liturgia, ainda que lhes tremam as mãos: 'Subirei ao altar de meu Senhor, do Senhor que alegra a minha juventude'.

Ai! os pecados contra a velhice! contra a velhice dos outros e contra a nossa própria possível velhice! não os cometamos. Cerquemos de amor, de veneração, a idade, que quase toca, com a mão fidalga (pois a velhice não parece privilégio da verdadeira nobreza?) os portais da eternidade.

Preparemos o nosso futuro feliz. E vós, queridos velhinhos, não vivais humilhados, de cabeça baixa. Erguei a vossa fronte. Não sois pesos mortos; sois reservatórios de vida, de energias, de valores morais. Que em vós, fontes de Nosso Senhor, se bebam as águas da prudência, da fé, da experiência, mas também de santas alegrias, de quem soube por que viveu e como viveu. 

Que o vosso recolhimento feliz, voluntário, espalhe notas de seriedade, de reflexão, no meio de leviandade e dissipação de um mundo louco, que mente a idade, que pinta os cabelos e os bigodes, que caminha com desenvoltura forçada, que não quer ter filhos e muito menos netos - mas que padece da velhice mais precoce, porque lhe falta a juventude perene de uma alma pura, humilde, boa. Povoai-vos, recolhimentos da velhice! Cantai, com melodia cristã, os formosos versos das 'Velhas Arvores' de Bilac.

(Excertos da obra 'Recolhimento', por Dom Henrique Golland Trindad, 1945)

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

DA VIDA ESPIRITUAL (74)



Sendo Infinito, tudo em Deus é infinito. Mas se fosse possível estabelecer um maior atributo de Deus, este seria a Misericórdia. Que a invocação perene à Misericórdia do Pai seja o grito profundo de tua alma em todos os dias de tua vida: misericórdia, misericórdia, misericórdia!

domingo, 21 de setembro de 2014

NAS VINHAS DO SENHOR

Páginas do Evangelho - Vigésimo Quinto Domingo do Tempo Comum


Estamos na fase final da pregação pública de Jesus; depois da longa preparação dos discípulos e das premissas do seu Evangelho, aproxima-se o momento do sacrifício do Cordeiro Imolado para a salvação do mundo. Resta ao Senhor pouco tempo para consolidar, entre os seus, os fundamentos da Igreja e das realidades do Reino dos Céus. E, numa parábola magnífica, Jesus nos ensina que Deus nos chama a todos à perfeição e concede o mesmo prêmio de salvação eterna, independentemente de quando os seus escolhidos encontraram definitivamente o caminho da graça. 

'O Reino dos Céus é como a história do patrão que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha. Combinou com os trabalhadores uma moeda de prata por dia, e os mandou para a vinha' (Mt 20, 1-2). Desde o batismo, desde a primeira hora, desde 'a madrugada' dos tempos, somos chamados a partilhar e compartilhar a glória de Deus nas vinhas do Senhor, como fieis da Igreja, como discípulos do Cristo, como filhos de Deus. No mundo dos homens, desde o batismo nos tornamos herdeiros potenciais da graça, operários da messe a caminho do Céu.

Mas o mundo nos empurra e confunde a caminhada da graça; as aspirações humanas nos tolhem e retêm os propósitos de santificação. Ficamos à mercê dos tempos e dos contratempos. Deus não nos abandona nunca e, como o patrão persistente e incansável, volta pela manhã, pelo meio-dia, pela tarde, pelo final do dia, à espera do 'sim' filial, pela conversão definitiva, pelo retorno do filho pródigo. Na parábola dos operários da vinha, todos receberam igualmente o mesmo prêmio, o mesmo pagamento, mesmo os que foram chamados por último: 'cada um deles também recebeu uma moeda de prata' (Mt 20, 10). Porque a medida da justiça de Deus não é feita pelas medidas humanas: a misericórdia de Deus é infinita para os que O amam; todos os trabalhadores foram contemplados com o mesmo salário, porque todos responderam prontamente ao chamado à vinha e tornaram-se, assim, herdeiros comuns da mesma graça: a vida eterna em Deus.

Ainda assim, nas sementeiras da graça, fomentaram-se os espinhos da discórdia e da inveja, por parte dos operários que se julgaram injustiçados com o pagamento equivalente: 'Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualaste a nós, que suportamos o cansaço e o calor o dia inteiro’ (Mt 20, 12). Pelo olhar da inveja humana, a misericórdia infinita de Deus teria que ter dimensões paralelas e distintas; a inveja obscurece o valor da graça daquele que a recebeu mais cedo pela concessão da mesma graça concedida ao que chegou mais tarde a ela nos caminhos da vida e, tantas vezes por isso, 'os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos' (Mt 20, 16). Porque a inveja mata e aniquila as sementes da graça recebida e é a caridade comum entre todos que produz, em todos, os mesmos frutos de vida eterna, nas vinhas do Senhor.

sábado, 20 de setembro de 2014

MISSA DO SILÊNCIO

Se eu, como leigo, pudesse pedir,
pediria uma missa do silêncio;
sem padres cantores,
sem tambores, sem bandinhas,
sem 'puxadores' de coro,
sem melodias baratas,
sem cantorias insossas,
sem coreografias infantis de folhetos agitados,
sem dancinhas ridículas e vulgares,
sem palmas para aniversariantes ou meninas de 15 anos,
sem palmas para Nossa Senhora, sem palmas para Jesus.

Se eu, como leigo, pudesse pedir,
pediria uma missa do silêncio;
sem práticas adocicadas e vazias,
sem sermões ideológicos,
sem gritos dos excluídos,
sem encenações e teatros,
sem abusos litúrgicos,
sem performances ou malabarismos,
sem avisos de quermesses,
sem trajes indecorosos,
sem gente conversando sobre as banalidades da vida.

Se eu, como leigo, pudesse pedir,
pediria uma missa do silêncio;
com todo o rigor litúrgico,
com respeito e retidão interior,
com muita oração e penitência, 
com muito zelo e devoção,
com muito joelho no chão,
com muita prudência na voz,
com dor pelo nosso pecado
com fé na misericórdia de Deus.

Se eu, como leigo, pudesse pedir,
pediria uma missa do silêncio;
com o silêncio dos humildes, 
com o silêncio dos fracos,
com o silêncio dos inocentes,
com o silêncio dos simples,
com o silêncio dos pecadores convertidos,
com o silêncio dos servos,
com o silêncio dos santos,
com o silêncio de Nossa Senhora,
com o silêncio do Calvário.

Se eu, como leigo, pudesse pedir,
pediria uma missa do silêncio;
uma missa feita exclusivamente para a glória de Deus,
para um encontro com Deus,
para se estar completamente sob o olhar de Deus;
uma missa livre da vaidade diabólica das palavras,
uma missa livre do barulho dos homens,
uma missa livre das misérias do mundo.
Se eu, como leigo, pudesse pedir,
pediria uma missa do silêncio.

(Arcos de Pilares)

TARDE TE AMEI!

1. Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova! Tarde Te amei... Trinta anos estive longe de Deus. Mas durante esse tempo algo se movia dentro do meu coração. Eu era inquieto, alguém que buscava a felicidade, buscava algo que não achava. Mas Tu Te compadeceste de mim e tudo mudou porque Tu me deixaste conhecer-Te. Entrei no meu íntimo sob Tua Guia e o consegui porque Tu Te fizeste meu auxílio.

2. Tu estavas dentro de mim e eu fora: 'Os homens saem para fazer passeios, a fim de admirar o alto dos montes, o ruído incessante dos mares, o belo e ininterrupto curso dos rios, os majestosos movimentos dos astros. E, no entanto, passam ao largo de si mesmos. Não se arriscam na aventura de um passeio interior'. Durante os anos de minha juventude, pus meu coração em coisas exteriores que só faziam me afastar cada vez mais d’Aquele a Quem meu coração, sem saber, desejava. Eis que estavas dentro e eu fora. Seguravam-me longe de Ti as coisas que não existiriam senão em Ti. Estavas comigo e não eu Contigo.

3. Mas Tu me chamaste, clamaste por mim e Teu grito rompeu minha surdez: 'Me fizeste entrar dentro de mim mesmo. Para não olhar para dentro de mim, eu havia me escondido. Mas Tu me arrancaste de meu esconderijo e me puseste diante de mim mesmo a fim de que eu enxergasse o indigno que era, o quão deformado, manchado e sujo estava'. Em meio à luta, recorri a meu grande amigo Alípio e lhe disse: 'Os ignorantes nos arrebatam o céu e nós, com toda a nossa ciência, nos debatemos em nossa carne'. Assim me encontrava, chorando desconsolado, enquanto perguntava a mim mesmo quando deixaria de dizer 'Amanhã, amanhã...' Foi então que escutei uma voz que vinha da casa vizinha... uma voz que dizia: 'Toma e lê, Toma e lê!'

4. Brilhaste, resplandeceste sobre mim e afugentaste minha cegueira. Então corri à Bíblia, a abri ao acaso e li o primeiro capítulo sobre o qual caiu o meu olhar. Pertencia à carta de São Paulo aos Romanos e dizia assim: 'Não em orgias e bebedeiras, nem na devassidão e libertinagem, nem nas rixas e ciúmes. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo' (Rm 13,13s). Aquelas Palavras ressoaram dentro de mim. Pareciam escritas por uma pessoa que me conhecia, que sabia da minha vida.

5. Exalaste Teu Perfume e respirei. Agora suspiro por Ti, anseio por Ti. Deus... de Quem separar-se é morrer, de Quem aproximar-se é ressuscitar, com Quem habitar é viver. Deus... de Quem fugir é cair, a Quem voltar é levantar-se, em Quem apoiar-se é estar seguro. Deus... a Quem esquecer é perecer, a Quem buscar é renascer, a Quem conhecer é possuir. Assim foi como descobri a Deus e me dei conta de que no fundo era a Ele, mesmo sem saber, a Quem buscava ardentemente meu coração.

6. Provei-Te, e agora tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me, e agora ardo por Tua Paz: 'Deus começa a habitar em ti quando tu começas a amá-Lo'. Vi dentro de mim a Luz Imutável, Forte e Brilhante! Quem conhece a Verdade conhece esta Luz. Ó Eterna Verdade! Verdadeira Caridade! Tu és o meu Deus! Por Ti suspiro dia e noite desde que Te conheci. E mostraste-me então Quem eras. E irradiaste sobre mim a Tua Força dando-me o Teu Amor!

7. E agora, Senhor, só amo a Ti! Só sigo a Ti! Só busco a Ti! Só ardo por Ti!

8. Tarde te amei! Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu Te amei! Eis que estavas dentro e eu, fora. E fora Te buscava e lançava-me, disforme e nada belo, ante a beleza de tudo e todos que criaste. Estavas comigo e não eu Contigo. Seguravam-me longe de Ti as coisas que não existiriam senão em Ti. Chamaste, clamaste por mim e rompeste minha surdez. Brilhaste, resplandeceste e Tua Luz afugentou minha cegueira. Exalaste Teu Perfume e respirando-o, suspirei por Ti, Te desejei. Eu Te provei,Te saboreei, e agora tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me e agora estou ardendo em desejos por Tua Paz!

(Excertos de 'Confissões' 10, 27-29, de Santo Agostinho)

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

HORA SANTA DE SETEMBRO


Caía a tarde da Quinta-Feira Santa... Junto com as primeiras sombras, os horrores de uma agonia espantável inundavam já o Coração dilacerado de Jesus. O Nazareno Salvador era o Filho do Homem, tinha uma Mãe, única em Sua ternura, divina em Sua formosura! Seu carinho e olhar eram para Jesus mais que o canto dos anjos, mais que a brisa perfumada dos céus. Era Ela a bênção do Pai. E devia deixá-la, por amor aos homens!

Ó Quinta-Feira Santa, dia das despedidas supremas do Mestre! Havia chegado Sua hora: prostrado por terra, de joelhos ante a Virgem Maria, o Filho-Deus lhe pede licença para morrer, para a redenção de Seus verdugos. E entrecortada a voz pelos soluços, descansando Sua cabeça soberana sobre o peito de Sua Mãe, lhe confia Jesus Suas ovelhinhas recuperadas do rebanho. Maria O tem apertado em Seus braços, pondo a lembrança no berço de Belém, e os olhos, milagrosamente iluminados, no Calvário de amanhã.

E essa Rainha chora, ungindo a cabeça do Redentor com Suas preciosas lágrimas; chora, oferecendo ao Eterno Pai essa Vítima, o Cordeiro Imaculado; chora, bendizendo ao mundo, cujo resgate começou no casebre ditoso de Nazaré, e que terminará no dia seguinte em um cadafalso de horror, de sangue e de vergonha. Abraça, delirante de amor, ao Filho, e antes que os espinhos profanem Sua fronte, a beija em nome do céu, porque é Seu Deus; volta a beijá-lO em nome da terra, porque é Seu Rei, e pronuncia um fiat! dilacerador, onipotente... Era já a noite; Jesus confiou Sua Mãe desolada aos amigos de Betânia e aos anjos, e Se separa, levando a alma inundada numa agonia mais amarga que a morte.

(Pausa)

As almas 

Jesus sacramentado, recordai-Vos nesta hora e neste dia incomparável, Vossa primeira angústia crudelíssima: o sacrifício de Vossa Mãe, por amor ao mundo infeliz. Senhor, não somente como Deus que sois, senão como Jesus, o Filho de Maria, Vós penetrais e compreendeis a crueldade mortal das separações da Terra e a dor que provocam as ausências, as despedidas e a morte. Ah!, precisamente porque sois Jesus, viemos, pois, nos desafogar naquela primeira ferida de Vosso Coração, aberta ao Vos despedir de Maria, dolorosa como nenhuma Mãe, desde esse instante.

Vede nela, Jesus, tantas mães, tantas esposas, tantas almas que choram hoje ante o Sacrário, a ausência de seres muito queridos. Quantas chegarão amanhã, sozinhas, ante a Cruz ensanguentada. Sim, virão sozinhas, porque a desgraça, ai!, e talvez a falta de fé, tenham separados do lar ou de vossos templos um irmão, um esposo ou algum filho separados, mas não despedidos, mil vezes não, do Sacrário de Vosso Coração, que é a ressurreição dos caídos. Nele, como num cálice, vêm chorar convosco, neste Getsêmani, as angústias da ausência, muitas mães atribuladas, tantos pais cristãos, muitos irmãos desolados, que reclamam de Vosso Coração a paz, no triunfo de Vosso amor em seus lares, a paz no regresso dos pródigos, a paz na resignação pelas crueldades da morte.

Não importa que soframos nós, Mestre, aqui a Vosso lado; mas que os nossos sejam também Vossos, que Vos adorem, que Vos amem todos, como no dia sem manchas da Primeira Comunhão. Ó, doce Nazareno, recordai as aflições de Maria, ao Vos despedir dela, na Quinta-Feira Santa, não esqueçais o último abraço de Vossa Mãe, e o encargo que Vos fez de velar, com especial ternura, na Eucaristia sacrossanta, pelas mães doloridas e por todos os ausentes do lar.

(Pausa) 

(Pedi aos Sagrados Corações de Jesus e de Maria que, pela mútua aflição da Quinta-Feira Santa, remediem tantas desgraças morais dos lares; neste dia em que nos obsequiou Seu Coração na Santa Eucaristia, Ele não pode nos negar essa graça).

Com o Coração dilacerado, umedecido o peito e os cabelos com as lágrimas de Sua divina Mãe, sobe Jesus a colina de Sião e chega com os Seus à sala da última Ceia de Sua vida. Está ferido de amor. O choro avermelhou Seus olhos formosíssimos, e se esforça todavia em brotar abundantemente; mas o Mestre o contém prisioneiro em Seu Coração, que já agoniza. 'E como nos houvesse amado sempre com amor sem limites, nessa hora sublime, nos amou com excesso', com delírio infinito: deliciosamente enlouquecido, por Sua própria caridade, se fez Pão, se fez Eucaristia e, indefeso, aniquilado, Se entregou na Hóstia por nós, até a consumação dos tempos: 'Venceu-Vos o amor, que é Jesus. Viva Vosso Coração Sacramentado!'.

(Pausa)

Ao recordar a dádiva por excelência do Coração de Jesus Cristo, Sua maravilhosa Eucaristia, temos exclamado, com ardor da alma: 'Viva Vosso Coração Sacramentado!'. Mas ai!, não é esse, não, o grito de um mundo que herdou a dureza de um povo deicida, e ainda a perfídia do discípulo traidor. Aí tendes a Deus Sacramentado, aí está, decepcionado com milhares de Seus redimidos. Fabricou a prisão do Sacrário, inventou o céu da Hóstia, e Seu povo Lhe pagou com o esquecimento. Seu povo fez silêncio ao redor da Arca Santa, e aí onde O vedes, almas consoladoras, aí O tendes abandonado entre as sombras desse pobre calabouço, sendo Deus, que é a bem-aventurança dos céus.

Chama, e Sua voz se perde no deserto; pede, e Seu reclamo se dissipa no silêncio; Se queixa e Seu gemido é apagado, muitas vezes, com o clamor de Seus filhos, que riem e cantam, despreocupados por completo do Cativo do altar. E o Homem-Deus conheceu esta afronta, e a saboreou em toda sua inefável amargura, ao consagrar o primeiro pão, na Quinta-Feira Santa. Ó sim, o soube, e Seu Coração não vacilou, porque esperava a vós, almas fidelíssimas, porque as via chegar com uma oração de consolo e de vitória, ante Seu altar! Digamo-la com uma só voz, e que essa oração seja a um tempo o desagravo desse ignominioso esquecimento e o pedido imperioso de uma nova época de triunfo para o Coração de Jesus - Eucaristia.

As almas

Com o íntimo fervor com que comungou São João, de Vossa mão benditíssima, e com a fé ardorosa de São Paulo, Vos suplicamos, Jesus Sacramentado, que desperteis nas almas incontáveis desejos de comungar. Conjuramo-Vos, pois, que nos escuteis:

(Todos, em voz alta)

Reinai, Coração Divino, pela Comunhão de cada dia.

Pela primeira Comunhão, distribuída a Vossos apóstolos na Ceia misteriosa da Quinta-Feira Santa...
Reinai, Coração Divino, pela Comunhão de cada dia.

Pelos protestos de amor e de fidelidade, de Vossos discípulos ao lhes entregar o tesouro de Vosso Sagrado Coração...
Reinai, Coração Divino, pela Comunhão de cada dia.

Pelo poder maravilhoso conferido aos apóstolos e pela instituição do sacerdócio para a perpetuidade dos mistérios eucarísticos...
Reinai, Coração Divino, pela Comunhão de cada dia. 

Pela renovação, não interrompida desde então, do holocausto do Cenáculo e da Cruz, no maravilhoso Sacrifício da Missa...
Reinai, Coração Divino, pela Comunhão de cada dia.

Pelas inesgotáveis bondades de Vosso Coração, nas vitórias outorgadas à Vossa Igreja pelo Sacramento do altar...
Reinai, Coração Divino, pela Comunhão de cada dia. 

Pelos prodígios incessantes de santificação, operados na recepção frequente e cotidiana do maná sacramentado...
Reinai, Coração Divino, pela Comunhão de cada dia.

Por Vossa residência fidelíssima de vinte séculos de Sacrário, não obstante o esquecimento, o desdém e o sacrilégio...
Reinai, Coração Divino, pela Comunhão de cada dia.

Pela sabedoria de Vossa Igreja, ao convidar com santa pressa à recepção frequente e diária da adorável Eucaristia...
Reinai, Coração Divino, pela Comunhão de cada dia.

Pela ternura redentora que abriu aos pequeninos de um mundo que se perde, o refúgio de Vosso Coração de Vosso Santo Tabernáculo...
Reinai, Coração Divino, pela Comunhão de cada dia.

(Pausa)

(Pedi com especial fervor o triunfo do Sagrado Coração na Comunhão diária)

Ele que é Senhor do céu e soberano na Terra, é já o divino escravo dos homens; o que nos deu a vida, Se aniquilou, o que rompeu nossas correntes, as tomou para Si, e é, por amor incompreensível, prisioneiro nosso desde o Cenáculo.

Arrastando invisíveis cadeias, interna-se entre os esquecimentos do Getsêmani... e, caindo aí de joelhos, ora e começa a agonizar. Fecunda-se, nesse instante, a tempestade de todas as dores sobre Seu Coração despedaçado, e, em meio de todas as angústias, repete, entre soluços: 'Amo-os, Pai! Feri-Me, mas salvai, perdoai os humanos!'; aumentam as angústias; passaram os carrascos, os blasfemos, os insultadores de Vossa Cruz, os negadores de Vosso Evangelho e de Vosso amor. E tendes repetido: 'Amo-os, Pai!. Perdoai os humanos!'.

Passaram os apóstatas, os infelizes renegados, que pisotearam o altar em que adoraram; passaram a multidão infinita dos covardes, dos que temeram confessá-lO, dos que se envergonharam de seu Rei e Salvador, e tendes exclamado, dolorido: 'Amo-os, Pai! Perdoai os humanos!'. Passaram os perseguidores de Vossa Igreja, os que lutaram mentindo, os sedutores dos povos, os hipócritas, os soberbos; passaram os ruins, os indiferentes de consciência, a turba incontável dos gozadores que profanaram a alma num lodaçal de paixões nefandas e o divino Agonizante tem repetido: 'Amo-os, Pai! Salvai, perdoai os humanos!'. Passaram os sacerdotes tíbios e infiéis, os pais mundanos e culpáveis da perdição de seus filhos; passaram os lares com todos seus delitos, as sociedades com todas suas orgias, os povos e governantes com todas as suas insultantes rebeldias; passaram os que esbofetearam o Pontífice, Seu Vigário, e soluçando e afogando nesse lago insondável de tédios, de horrores e agonias, tendes ainda balbuciado: 'Sim, os amo, Pai, os amo! Perdoai os humanos!'

Ai, como milhares de seitas vieram, enfim, a açoitar sacrilegamente Vosso rosto e transpassar Vosso Coração; os nomes dos malditos..., daquela legião inumerável de réprobos que, ungidos por Vosso sangue e resgatados com Vossa morte, quiseram, no entanto, morrer e maldizer eternamente! Estala, então, o Coração de Jesus num soluço de dor infinita, e essa palpitação violenta rompe Suas veias. Empalidece Jesus; mas, um instante depois, Seu rosto lívido, Seus cabelos desgrenhados, todo Seu corpo estremecido está encharcado em sangue. Cai então com a face sobre o pó, exclamando: 'Pai, é aqui que vim fazer Vossa vontade; mas, se for possível, afasta de mim este cálice!' Estava prostrado por terra ainda quando ressoaram nossos nomes em seu Coração agonizante.

Nos viu, sim, nos viu a nós que estamos aqui presentes, nesta Hora doce e santa de consolo. Baixamos nós com o anjo para sustentá-lO. Sentiu que O fazíamos descansar, desfalecido, entre nossos braços, que O confortávamos com sacrifícios, com ternura, com amor da alma; e desde então nos segue olhando, através de Suas lágrimas e das grades de Seu cárcere, como os amigos, como os confidentes de Seu entristecido Coração. Esse mesmo Coração palpita aí, nessa misteriosa tumba. Calemos, e que os batimentos de Seu coração nos contem Suas aflições secretas, Seus reclamos de amor, Seu desejo de triunfo.

(Pausa)

(Consagrai-vos nesta Hora mil vezes Santa a Seu Sagrado Coração, e jurai-Lhe amor eterno, em Sua Divina Eucaristia) 

Era plena noite: 'Vamos' – disse, de pronto, Jesus despertando os Apóstolos - 'vamos, pois se aproxima o que vai Me entregar'. Um momento mais, e Seu Coração se estremeceu, cruelmente torturado, à vista de Judas, o traidor. Havia-o amado tanto! Havia-o predestinado entre milhares; o fez Seu apóstolo e sacerdote; por um vil punhado de moedas vem entregar o Salvador! Estende-lhe os braços... e aproximando-se do rosto de Jesus, onde o beijou Sua Mãe Imaculada, aí o beija Judas. Dulcíssimo, mas profundamente comovido, lhe diz Jesus: 'Amigo, com um beijo me entregas?' Ai, como não se perdeu, em tantos séculos, essa palavra de infamante reprovação! É que os traidores vivem ainda espiando Seu Mestre. Essa raça perdura, vive de Seu sangue, segue sorteando Sua túnica e negociando Seu Evangelho. E o Senhor Jesus, porque é manso e porque é eterno, cala nesse Tabernáculo, testemunha das promessas que fizeram, monumento acusador das traições.

Beijam-nO e O entregam tantos, ai! que por renegar seu Mestre, recebem postos importantes, situação e moedas vis, sempre cobiçadas. Beijam-nO com perfídia e O entregam os infelizes que se dizem desenganados de Sua doutrina salvadora e que não suportam a santidade de Seu olhar e de Sua lei. Beijam-nO e O entregam tantos tímidos, que temem aos doutores e fariseus que perseguem a esse Deus, que condena a falsidade e toda covardia. E estes Judas são refinadamente cruéis com Jesus, que se aproximam dEle com fingimento de respeito, O traem, segundo dizem, por dever iniludível de sua situação, por honradez de convicção, por delicadeza de consciência.

As almas

Ó nesta Hora Santa, sepulta no esquecimento o ultraje sangrento de tantos que se sentaram em Vosso banquete, que participaram de Vossas confidências, que foram Vossos amigos e depois Vos pospuseram à escória da Terra!

(Todos, em voz alta)

Perdoai as traições, Coração Agonizante de Jesus.

Pela imensa dor que afligiu Vosso Coração, na traição vilã do apóstolo, que Vos entregou com um beijo de perfídia...
Perdoai as traições, Coração Agonizante de Jesus.

Pela decepção sofrida na fuga vergonhosa dos onze discípulos, que haviam jurado amar-Vos até à morte...
Perdoai as traições, Coração Agonizante de Jesus.

Pela amargura saboreada na tripla negação de Pedro, pelas lágrimas humildes com que reparou sua presunção e, depois, sua lamentável covardia...
Perdoai as traições, Coração Agonizante de Jesus.

Pelo horrível desengano de Vosso povo, que depois de glorificar Vosso nome, aclamou Vossos carrascos e exigiu Vosso sangue...
Perdoai as traições, Coração Agonizante de Jesus.

Pela aflição que sofrestes pela ingratidão daqueles que curastes em Vosso caminhos, que recolheram Vossos prodígios e se unirão, no entanto, à turba deicida...
Perdoai as traições, Coração Agonizante de Jesus.

Pelo pranto que arrancou de Vossos olhos a maldição daquelas mães, cujos filhos bendissestes; pelo lodo que esses meninos lançaram em Vosso rosto...
Perdoai as traições, Coração Agonizante de Jesus.

Pela profunda ferida que Vos abriu o desespero de Judas, ao desconfiar de Vossa misericórdia inesgotável...
Perdoai as traições, Coração Agonizante de Jesus.

Pelas tristezas que Vos causaram as inumeráveis deserções previstas no Getsêmani, e que Vos ultrajaram, dilacerando no transcurso dos séculos, a túnica irrepartível da Vossa Igreja...
Perdoai as traições, Coração Agonizante de Jesus.

Pela agonia mortal sofrida pelas apostasias públicas de alguns ministros de Vosso altar; por esse cruel golpe, pelos gemidos que Vos arrancaram as blasfêmias desses desditosos Judas...
Perdoai as traições, Coração Agonizante de Jesus.

(Desagravai a Jesus por tantas traições de baixo interesse e de covardia)

(Pausa)

'A quem buscais?' – disse Jesus aos soldados, dominando com majestade divina uma dor imensa – 'A Jesus de Nazaré' – contestam a uma voz, os que vinham sedentos de Seu sangue –. Um momento mais, e o dulcíssimo Mestre Se adianta, oferece as mãos, dobra Seu pescoço e cativo dos homens, lhes entrega novamente o enamorado Coração. E vós, a quem buscais, almas fervorosas, nesta noite, aqui neste Getsêmani de Seu Sacrário?

As almas 

Viemos em busca de Vós, Jesus de Nazaré, nesta hora do poder das trevas, da solidão e do pecado. Por isso temos escolhido o momento supremo de Vosso desamparo, ó Divino Agonizante do altar!, para Vos surpreender a sós e ocupar nesta Hora Santa o posto de São João e dos Anjos. Sim, eu sou Vosso proprietário. Prisioneiro desse tabernáculo e de minha alma pobrezinha, eu sou Vosso proprietário, como tenho sido tantas vezes Vosso carrasco. Deixai-nos, pois, nos aproximarmos de Vosso cárcere voluntário e permiti que beijemos Vossas correntes, que bendigamos os ditosos muros de Vosso calabouço; consenti que choremos de amor ao meditar no sublime e incomparável cativeiro do Filho de Deus vivo. Aqui já não foi um pecador que Vos entregou: foi Vosso próprio Coração, o ditoso, o amabilíssimo, culpável desta prisão de amor.

Permiti-nos, pois, Vos ressarcir agora das amarguras de Vosso cativeiro com o clamor de nossa humilde adoração. Aproximai-Vos, Jesus, das portas de Vosso cárcere e recolhe a prece de Vossos filhos fidelíssimos... nos Sacrários todos da Terra, nas Hóstias consagradas do mundo inteiro.

(Todos em voz alta)

Adoramo-Vos, Coração de Jesus-Eucaristia.

Naqueles Tabernáculos inteiramente abandonados e distantes onde ficais largos meses esquecido, entre o pó do altar...
Adoramo-Vos, Coração de Jesus-Eucaristia.

Naqueles inúmeros templos onde se ofende com irreverência a humilde majestade de Vosso Sacrário...
Adoramo-Vos, Coração de Jesus-Eucaristia.

No pavimento do Santuário, no pó do caminho, na lama, em que as mãos de um sacrílego profanaram a Hóstia consagrada...
Adoramo-Vos, Coração de Jesus-Eucaristia.

Nos lábios do que Vos recebe como Judas em seu coração manchado pela culpa...
Adoramo-Vos, Coração de Jesus-Eucaristia.

No esplendor e pompa com que a Igreja Vos louva nos cultos públicos desse sacramento do amor...
Adoramo-Vos, Coração de Jesus-Eucaristia.

No feliz retiro dos monastérios, no coração de Vossas esposas virgens, que cantam ao Cordeiro um hino de amor imaculado...
Adoramo-Vos, Coração de Jesus-Eucaristia.

Em união com todos Vossos amigos que, na adoração perpétua e na Hora Santa, vêm para reparar e para Vos visitar, ó Deus encarcerado!...
Adoramo-Vos, Coração de Jesus-Eucaristia. 

No peito do moribundo que Vos chamou em seu socorro, nesse coração agonizante que desfalece já, ferido de morte... 
Adoramo-Vos, Coração de Jesus-Eucaristia.

(Pausa)

Não houve noite mais horrenda em suas dores que a noite da primeira Quinta-Feira Santa da Terra. Não tendes porque reconstituir a cena de vinte séculos atrás, almas fervorosas, quando aí tendes Jesus sentando sempre no banquinho dos criminosos, réu de um amor infinito. Aí O tendes, desde então, vendados os divinos olhos pelo pranto que Lhe arranca a tibieza dos bons, dos Seus; aí está, objeto incessante do desprezo dos sábios e dos honrados da Terra: aí segue sendo o ludíbrio sangrento dos que temem em Sua mesma inércia, em Seu silêncio sacramental. 'Vós, que ressuscitais dos mortos' – Lhe diz a incredulidade –'saí, se podeis, dessa tumba'; 'se sois Rei – Lhe dizem os governantes 'se é verdade que palpitas, Deus, nessa Hóstia, adivinha quem Vos feriu'. E O golpeiam com sacrílega legalidade, e profanam Seus templos, e insultam a mansidão de Seu Coração, que cala e que espera sempre perdoar.

Mas é, sobretudo, o pecado de altivez e de soberba o que mais Lhe ultraja na dulcíssima humildade de Seu Sacrário. É a rebeldia de Lúcifer, o orgulho humano, o excremento mais amargo de Seu cálice. Ó neste dia, espera de nós, com direito, um consolo de humildade. Ah!, sim, recebei-o mil vezes, Jesus Sacramentando, em paga de amor, por aquela eterna noite de sacrílega profanação de Vossa pessoa, sofrida na Quinta-Feira Santa.

(Lento e cortado)

As almas

Amamo-Vos, Jesus. Concedei-nos a glória de sermos pospostos, por Vosso entristecido Coração...
Amamo-Vos, Jesus. Outorgai-nos a sorte de sermos confundidos, por Vosso amargurado Coração...
Amamo-Vos, Jesus. Concedei-nos a graça de seremos desatendidos, por causa de Vosso misericordioso Coração...
Amamo-Vos, Jesus. Outorgai-nos a honra imerecida de sermos enganados, por Vosso acorrentado Coração...
Amamo-Vos, Jesus. Concedei-nos a recompensa de sermos desprezados, pela glória de Vosso ferido Coração...
Amamo-Vos, Jesus, outorgai-nos a distinção preciosa de sermos injuriados, pelo triunfo de Vosso Sagrado Coração...
Amamo-Vos, Jesus. Concedei-nos o gozo incomparável de sermos algum dia perseguidos, pelo amor de Vosso Divino Coração...
Amamo-Vos, Jesus. Outorgai-nos a coroa de sermos caluniados, no apostolado de Vosso Sagrado Coração...
Amamo-Vos, Jesus. Concedei-nos a amável regalia de sermos traídos, em holocausto de Vosso Divino Coração...
Amamo-Vos, Jesus. Outorgai-nos a honra de sermos aborrecidos em união com Vosso Agonizante Coração...
Amamo-Vos, Jesus, concedei-nos o privilégio de sermos condenados pelo mundo, no obséquio de Vosso Divino Coração...
Amamo-Vos, Jesus, outorgai-nos a amargura deliciosa de sermos esquecidos, por amor a Vosso Sagrado Coração...

Se o discípulo não há de ser mais que seu Mestre, Vos suplicamos, Jesus, dai-nos a parte que nos corresponde nos vilipêndios de Vosso Coração Sacramentado. Consolai-Vos de todos eles, Mestre muito amado, pois estes Vossos amigos que, pondo em Vosso Lado ferido, uma palavra de humildade, Vos protestam que Vós sois nessa Hóstia sua única fortuna, seu único Paraíso.

(Breve pausa)

A Quinta-Feira Santa não foi senão a hora de caridade e de agonia daquele dia de séculos que viverá encarcerado nos altares, cativo dos corações, prisioneiro de nossos templos, Jesus-Eucaristia. A Quinta-Feira Santa do Cenáculo e do Getsêmani perpetua-se para glorificação de Jesus até à consumação dos tempos; este Sacramento do amor e da fé ficará conosco até que a última Hóstia se consuma no peito do último homem que agonize.

Ah!, mas esse Sol de amor, o Coração oculto no peito de Jesus e nessa Hóstia, não permaneceu sempre velado a nossos olhos, não... Incontido em Seus ardores de caridade e nos fulgores de luz misericordiosa, pela ferida do Lado nos fala desse Coração Sagrado, com gemidos de pomba e, por fim, se revela, um dia venturoso, em toda a magnificência de Seu amor. E é Ele, o Nazareno divino, é o Mestre da Judeia, apaixonado pelas almas; é o mesmo Agonizante adorável, o mesmo cativo triunfante do Getsêmani; o que aparece ante os olhos extasiados de Margarida Maria, e o que, mostrando-lhe Seu Coração envolto em chamas, lhe diz:

'Eis aqui o Coração que tem amado tanto os homens; tenho podido conter por mais tempo o amor que por eles me devora. Vede que aqui venho, pois, pedir amor por amor, coração por coração; quero trocar Minha vida por vossa vida. Estou triste se Me esquece, se Me ultraja! Quero consolo, tenho ânsias de um solene desagravo numa grande festividade a Meu Coração! Venho exigir para Ele uma homenagem, um culto vitorioso; pois por Ele tenho de reinar! Vinde acompanhar-Me na adoração reparadora; vinde converter  o mundo na Hora Santa. Ah, vinde comungar, vinde, tenho sede de ser adorado no sacramento do altar! Traze-Me as almas, muitas almas e logo, levai-Me ao seio do lar, ao Coração do que padece, ao leito do pecador empedernido e vereis as glórias e os prodígio de Meu amor. Tomai e recebei, nesta Eucaristia, Meu Divino Coração; todo Ele vos pertence; amai-O; amai-O e fazei-O reinar!'.

(Assim falou o Deus de Santa Margarida Maria, assim nos segue falando pela deliciosa chaga de Seu peito. Espera uma resposta nesta noite que, ao esfumar-se, como uma visão do céu, irá confundir-se nas horas de uma eternidade feliz). 

(Pausa)

As almas

Anjo do Gestêmani, São João e Margarida Maria, adoradores felizes do Cenáculo, Virgem Imaculada, aproximai-vos todos, velai e orai conosco, e depositai nossa última prece, não aos pés de Jesus Sacramentado, mas na ferida sangrenta do Seu Lado.

Senhor Jesus, Vós o dissestes, Vós sois Rei; para isso viestes ao mundo; para reinar, estabelecestes o sacrifício perpétuo do altar; para reinar, nos revelastes os tesouros e as aspirações de Vosso Divino Coração;não em vão nos assegurastes, Jesus, que por Ele incendiaríeis em Vosso amor o mundo infeliz. Cumpre, pois, vossas promessas; estabelece já, exigimos, o reinado de Vosso amante Coração.

(Todos em voz alta)

Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração

1ª. Já, Jesus, sim, reinai imediatamente, antes que Satã e o mundo Vos arrebatem as consciência e profanem, em Vossa ausência, todos os estados da vida...
Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração.

2ª. Adiantai-Vos, Jesus, e triunfai nos lares, reinai neles pela paz inalterável prometidas aos que Vos têm recebido com hosanas...
Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração.

3ª. Não demoreis, Mestre muito amado, porque muitos destes padecem aflições e amarguras, que somente Vós prometestes remediar...
Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração.

4ª. Vinde, porque sois forte; Vós, o Deus das batalhas da vida; vinde, mostrai-nos Vosso peito ferido, como esperança celestial na hora da morte...
Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração.

5ª. Sede Vós o êxito prometido em nossos trabalhos; somente Vós a inspiração e recompensa em todas as empresas...
Venha a nós o reinado de vosso amante Coração.

6ª. E Vossos prediletos, quero dizer, os pecadores, não esqueceis que, para eles, sobretudo, revelastes a ternura incansável de Vosso amor.
Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração.

7ª. Ai! São tantos os tíbios, Mestre, tantos os indiferentes, a quem deveis inflamar com esta admirável devoção..
Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração.

8ª. 'Aqui está a vida', nos dissestes, nos mostrando Vosso peito atravessado. Permiti, pois, que aí bebamos o fervor, a santidade a que aspiramos...
Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração.

9ª. Vossa imagem, a Vosso pedido, tem sido entronizada em muitas casas. Em nome delas Vos suplico que sigais sendo em todas o Soberano muito amado...
Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração.

10ª. Colocai palavras de fogo, persuasão irresistível, vencedora, naqueles sacerdotes que Vos amam e que Vos pregam como João, Vosso apóstolo amado...
Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração.

11ª. E a quantos ensinem esta devoção sublime, a quantos publiquem suas inefáveis maravilhas, reservai-lhes, Jesus, um espaço vizinho àquele em que tendes gravado o nome de Vossa Mãe...
Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração.

12ª. E, por fim, Senhor Jesus, dai-nos o céu de Vosso Coração e a quantos compartilhamos Vossa agonia na Hora Santa, por esta hora de consolo e pela Comunhão das primeiras sextas: cumpri conosco Vossa promessa infalível; Vos pedimos que, na hora decisiva da morte...
Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração.

(Breve pausa)

E reclinados agora docemente em Vosso sagrado peito, deixai-nos dizer-Vos:

Bendizemo-Vos e amamo-Vos, Jesus, por todos os que Vos aborrecem.
Bendizemo-Vos e amamo-Vos por todos os que Vos blasfemam.
Bendizemo-Vos e amamo-Vos por todos os que Vos profanam com o sacrilégio.
Bendizemo-Vos e amamo-Vos por todos os que Vos negam neste Sacramento.
Bendizemo-Vos e amamo-Vos por todos os indiferentes que Vos esquecem.
Bendizemo-Vos e amamo-Vos por todos os bons que abusam da graça.
Bendizemo-Vos e amamo-Vos nesta Eucaristia com o Coração de Vossa divina Mãe, e com a caridade de todos os predestinados.

E se Vos negamos alguma vez, perdoai-nos, ó Deus Sacramentado e, em desagravo, deixai-nos Vos reconhecer no Sacrário em que Vós viveis. Se Vos ofendemos por fragilidade ou por malícia, deixai-nos Vos servir em eterna escravidão de amor eterno, porque é mais morte que vida a que não se consome em amar e em fazer amar Vosso amante, Vosso esquecido, Vosso Divino Coração, na Santa Eucaristia. Venha a nós o Vosso reino!

Pai-Nosso e Ave-Maria, pelas intenções particulares dos presentes.
Pai-Nosso e Ave-Maria, pelos agonizantes e pecadores.
Pai-Nosso e Ave-Maria, pedindo o reinado do Sagrado Coração mediante a Comunhão frequente e diária, a Hora Santa e a Cruzada da Entronização do Rei Divino nos lares, sociedades e nações.

(Cinco vezes)

Coração Divino de Jesus, venha a nós o vosso reino!

Ato final de consagração

Hosana a Vós, Jesus, hosana em reparação dos milhões de criaturas que ignoram por completo Vossa presença real nos Sacrários; em nome de todos eles Vos adoramos, Senhor, e Vos amamos com amor mais forte que a morte!

Hosana a Vós, Jesus, hosana em reparação dos que, crendo neste sublime mistério, vivem tranquilos, sem comungar jamais, desprezando o maná de Vossos altares; em nome de todos eles, Vos adoramos, Jesus, e Vos amamos com amor mais forte que a morte!

Hosana a Vós, Jesus, hosana em reparação dos que creem em Vossa Eucaristia e a profanam com horrendo sacrilégio; em nome de todos eles, Vos adoramos, Senhor, e Vos amamos com amor mais forte que a morte!

Hosana a Vós, Jesus, hosana em reparação dos que, por culpável tibieza, se afastam da mesa de comunhão e Vos recebem somente muito de vez em quando e, com receios de um temor exagerado, que Vos ofende; em nome de todos eles Vos adoramos, Senhor, e Vos amamos com amor mais forte que a morte!

Hosana a Vós, Jesus, hosana em reparação de tantos bons e piedosos, de tantos sacerdotes que poderiam ser santos unicamente dando-se generosamente à devoção de Vossa Sagrada Eucaristia, consagrando-se sem reserva a este amor dos amores, a este culto reparador, incomparável; em nome de todos eles, Vos adoramos, Senhor e Vos amamos com amor mais forte que a morte!

Ó segui, Jesus, revelando as maravilhas de Vosso Coração desde essa Hóstia! Avançai, Deus oculto e vencedor, avançai, conquistando na mesa de comunhão alma por alma, família por família, até que a Terra inteira exclame, alvoroçada: 'Louvado seja o Divino Coração em sua Eucaristia salvadora; a Ele, somente a Ele, nos altares, glória e honra pelos séculos dos séculos; venha a nós o Vosso reino!'.

Fórmula de consagração individual ao Sagrado Coração de Jesus,
composta por Santa Margarida Maria

Eu (...) vos dou e consagro, ó Sagrado Coração de Jesus Cristo, minha pessoa e minha vida, minhas ações, penas e sofrimentos, para não querer mais servir-me de nenhuma parte de meu ser, senão para Vos honrar, amar e glorificar.

É esta minha vontade irrevogável: ser todo Vosso e tudo fazer por Vosso amor, renunciando de todo o meu coração a tudo quanto Vos possa desagradar. Tomo-Vos, pois, ó Sagrado Coração, por único objeto de meu amor, protetor de minha vida, segurança de minha salvação, remédio de minha fragilidade e de minha inconstância, reparador de todas as imperfeições de minha vida e meu asilo seguro na hora da morte. Sede, ó coração de bondade, minha justificação diante de Deus, Vosso Pai, para que desvie de mim sua justa cólera. Ó coração de amor! Deposito toda a minha confiança em Vós, pois tudo temo de minha malícia e de minha fraqueza, mas tudo espero de Vossa bondade!

Extingui em mim tudo o que possa desagradar-Vos, ou se oponha à Vossa vontade. Seja o Vosso puro amor tão profundamente impresso em meu coração, que jamais possa eu esquecer-Vos, nem separar-me de Vós. Suplico, por Vosso infinito amor, que meu nome seja escrito em vosso coração, pois quero fazer consistir toda a minha felicidade e toda a minha glória em viver e morrer como vosso escravo. Amém.

(Hora Santa de Setembro*, pelo Pe. Mateo Crawley - Boevey)

* aplicável também para a Quinta - Feira Santa.