quinta-feira, 2 de maio de 2013

A FÉ EXPLICADA: O PURGATÓRIO (II)


A opinião mais comum, que está mais de acordo com a linguagem da Escritura e é geralmente mais aceita entre os teólogos, coloca o Purgatório nas entranhas da Terra, não longe do Inferno dos réprobos. [...] Lá não reina horror, desordem, desespero nem trevas eternas. A esperança divina difunde sua luz, e esse lugar de purificação é chamado também “estadia da esperança”. [A venerável Cônega Matteotti] viu lá almas que sofriam cruelmente, mas anjos as visitavam e assistiam em seus sofrimentos. [...]

No Purgatório as almas estão confirmadas em graça, marcadas com o selo dos eleitos, e, desse modo, isentas de todo vício. [...] Há no Purgatório, como no Inferno, uma dupla pena: a da privação da visão de Deus (temporária) [...]. E a dos sentidos, ou sofrimento sensível. [...] Consiste no fogo e em outras espécies de sofrimento.

Com relação à severidade desses sofrimentos, uma vez que são infligidos pela infinita justiça, são eles proporcionados à natureza, gravidade e número dos pecados cometidos. Cada um recebe de acordo com suas obras, cada um tem que saldar os débitos de que se vê culpado diante de Deus. Esses débitos diferem enormemente em qualidade. [...] As almas sofrem vários tipos de sofrimentos, uma vez que há inumeráveis graus de expiação no Purgatório, e que alguns são incomparavelmente mais severos que outros. No entanto, falando em geral, os Doutores concordam em dizer que as dores do Purgatório são as mais dilacerantes. 'O mesmo fogo, diz São Gregório, atormenta os réprobos e purifica os eleitos'. [...]

Santa Catarina de Gênova, em seu tratado sobre o Purgatório, diz: 'As almas sofrem um tormento tão extremo, que a língua não pode descrever, nem pode o entendimento ter dele a menor noção, se Deus não o torna conhecido por uma graça particular'. [...]  Santo Tomás vai ainda além; ele afirma que a menor dor do Purgatório ultrapassa todos os sofrimentos desta vida, quaisquer que sejam. [...] Para provar essa doutrina, afirma-se que as almas do Purgatório sofrem a dor da perda da visão de Deus. Ora, essa dor ultrapassa os mais agudos sofrimentos. [...]

Entretanto as almas do Purgatório estão em contínua união com Deus e perfeitamente resignadas com sua vontade; ou melhor, sua vontade está tão transformada na de Deus, que elas não podem querer senão o que Deus quer. [...]  O Purgatório é uma espécie de Inferno no que diz respeito aos sofrimentos; é um Paraíso no que diz respeito ao deleite infundido nos corações pela caridade — caridade maior que a morte e mais poderosa que o Inferno.

A fé não nos fala sobre a duração precisa das dores do Purgatório. Sabemos em geral que elas são medidas pela Justiça Divina, e que cada uma delas é proporcionada ao número e à gravidade das faltas ainda não expiadas. Deus pode, no entanto, sem prejuízo de sua Justiça, abreviar esses sofrimentos aumentando sua intensidade; a Igreja Militante pode também obter sua remissão pelo Santo Sacrifício da Missa [principalmente pela chamada 'Missa Gregoriana', isto é, uma série ininterrupta de 30 Missas] e outros sufrágios oferecidos pelos falecidos.

De acordo com a comum opinião dos Doutores, as penas expiatórias são de longa duração. 'Não há dúvida, diz São Roberto Bellarmino, de que as penas do Purgatório não são limitadas a dez ou vinte anos, e de que elas duram, em muitos casos, séculos'. [...] Por que as almas devem sofrer antes de serem admitidas a ver a face de Deus? Qual é a matéria, qual o objeto dessas expiações? O que tem o fogo do Purgatório que purificar, que consumir? Dizem os Doutores que são as manchas deixadas pelos pecados.

Mas, o que se entende por manchas? De acordo com a maioria dos teólogos, não é a culpa do pecado, mas a dor ou débito de dor vindo do pecado. Para entender bem isso, devemos nos lembrar de que o pecado produz um duplo efeito na alma, a que chamamos débito (reatus) de culpa e débito de sofrimento. O pecado torna a alma não somente culpada, mas merecedora da dor ou castigo. Ora, depois que a culpa é perdoada [pela confissão], geralmente acontece que a dor permanece para ser sofrida, inteiramente ou em parte, e isso tem que ser sofrido na presente vida ou na vida futura. [...]

O débito vem de todas as faltas cometidas durante a vida, especialmente de pecados mortais [perdoados] não expiados quanto à culpa, e que se negligenciou em expiar com frutos meritórios ou penitência exterior. [...] Toda mancha de culpa desapareceu então, mas a dor permanece para ser sofrida em todo seu rigor e longa duração, pelo menos pelas almas que não são assistidas pelos vivos. Elas não podem obter o menor alívio por si próprias, porque o tempo do mérito passou; não podem merecer mais, não podem senão sofrer, e desse modo pagar à terrível justiça de Deus tudo o que devem, até o último ceitil.

Esses débitos de sofrimento são os remanescentes do pecado e uma espécie de mancha, que intercepta a visão de Deus e coloca um obstáculo na união da alma com seu fim último. Uma vez que as almas do Purgatório fiquem livres da culpa do pecado – escreve Santa Catarina de Gênova – não há outra barreira entre elas e sua união com Deus, salvo os remanescentes do pecado, dos quais têm que ser purificadas. [...]

Almas que se permitem ser ofuscadas pelas vaidades do mundo, mesmo que tenham a boa fortuna de escapar à danação, terão que sofrer terrível punição. [...]  Aqueles que tiveram o infortúnio de dar mau exemplo, ferir ou causar a perda das almas pelo escândalo, devem ter o empenho em reparar tudo neste mundo, se não querem ser sujeitos à mais terrível expiação no outro.

(Excertos da obra: 'Purgatory, illustrated by the lives and legends of the Saints', do Pe. Padre F.X. Schouppe, TAN Books and Publishers, 1973, originais da Revista Catolicismo, 2005).