quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

PAPA EMÉRITO BENTO XVI

'Tu es Petrus et super hanc petram aedificabo Ecclesiam meam'


Tempus est optimus judex rerum omnium


(NÃO CONSTANDO DO VÍDEO) Caríssimos irmãos:

Convoquei-os para este consistório, não apenas para as três canonizações, mas também para comunicar a vocês uma decisão de grande importância para a vida da Igreja. Após ter repetidamente examinado minha consciência perante Deus, 

(INÍCIO DO VÍDEO) eu tive certeza de que minhas forças, devido à avançada idade, não são mais apropriadas para o adequado exercício do ministério de Pedro. Eu estou bem consciente de que esse ministério, devido à sua natureza essencialmente espiritual, deve ser levado não apenas com com palavras e fatos, mas não menos com oração e sofrimento. Contudo, no mundo de hoje, sujeito a mudanças tão rápidas e abalado por questões de profunda relevância para a vida da fé, para governar o barco de São Pedro e proclamar o Evangelho, é necessário tanto força da mente como do corpo, o que, nos últimos meses, se deteriorou em mim numa extensão em que eu tenho de reconhecer minha incapacidade de adequadamente cumprir o ministério a mim confiado. 

(SEGUNDA PÁGINA) Por essa razão, e bem consciente da seriedade desse ato, com plena liberdade, declaro que renuncio ao ministério como Bispo de Roma, sucessor de São Pedro, confiado a mim pelos cardeais em 19 de abril de 2005, a partir de 28 de fevereiro de 2013, às 20h, a Sé de Roma, a Sé de São Pedro, vai estar vaga e um conclave para eleger o novo Sumo Pontífice terá de ser convocado por quem tem competência para isso.

Caros irmãos, agradeço sinceramente por todo o amor e trabalho com que vocês me apoiaram em meu ministério, e peço perdão por todos os meus defeitos. E agora, vamos confiar a Sagrada Igreja aos cuidados de nosso Supremo Pastor, Nosso Senhor Jesus Cristo, e implorar a sua santa mãe Maria, para que ajude os cardeais com sua solicitude maternal, para eleger um novo Sumo Pontífice. Em relação a mim, desejo também devotamente servir a Santa Igreja de Deus no futuro, através de uma vida dedicada à oração.'




 




quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

SOBRE A PENITÊNCIA

INTRODUÇÃO

A partir da quarta feira de cinzas começa a Quaresma e, com ela, recordamos o jejum de Nosso Senhor Jesus Cristo no deserto durante quarenta dias. Portanto, o caráter deste tempo é o da penitência. Daí a exortação ao jejum, à mortificação e de recolhimento; daí os convites mais prementes aos pecadores para que voltem a Deus, para que se purifiquem dos seus pecados e obtenham o perdão.

Entretanto, em muitos lugares, muitas pessoas de diferentes fés cristãs e inclusive muitos católicos questionam, dizendo: Para que a Quaresma e tanta oração e penitência? Jesus não morreu por todos e pagou todas as nossas dívidas? É um insulto acreditar que não foi o suficiente o que Ele fez para nos salvar a todos. Se já estamos salvos pela morte de Cristo, para que os seus pastores para nos evangelizar? ... Em resposta a essas objeções, somente nos cabe dizer que, como católicos, não devemos nos apegar ao que estes dizem, mas no que Jesus fez e disse. Pois Ele, o nosso único Redentor, é também o nosso mestre e modelo, e como católicos assim o cremos.

E assim é. O Evangelho de S. Mateus (4,2), que é a leitura da Igreja no primeiro domingo da Quaresma, nos diz que o Senhor passou 40 dias em oração e penitência. Por que não devemos de imitá-lO, à nossa maneira, nos quarenta dias da Quaresma?

Além disso, em certa ocasião, os discípulos de João e os fariseus perguntaram a Jesus: 'Por que os teus discípulos não jejuam?" E ele usou a comparação das bodas em que, em se estando com o esposo, não era este o tempo propício para se jejuar. 'Dias virão, porém, em que o esposo lhes será tirado, e então jejuarão.' (Mc 2, 20). Como a esposa de Jesus, a Igreja fez e faz depois de sua ascensão.

É verdade que Jesus morreu por todos e pagou toda a dívida do pecado, mas também nos deu por sua Igreja os meios de salvação. Não deveria, pois, os homens usá-los para obtê-la? Exigiu tão claramente que enviou os seus apóstolos para pregar a todas as nações, e fazer-lhes ver o que havia ordenado, dizendo: 'Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado.' (Mc 16,16). Quantos se condenaram ou se condenam por não crerem ou não cumprirem este mandato...

Por isso, quando os apóstolos começaram suas pregações, e os judeus, 'compungidos de coração', lhes perguntaram: 'O que devemos fazer ?' não responderam: 'Alegrai-vos, Jesus morreu por todos e sereis salvos' mas o que Pedro falou: 'Arrependei-vos e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados' (Atos 2, 38). Não lhes bastava a sua fé em Jesus Cristo pela pregação ouvida.

E Paulo ensinou coisas sublimes sobre a nossa redenção: 'Cristo morreu por nós ... deu a si mesmo em resgate por todos ... cancelou o decreto firmado contra nós, etc, etc. Ainda assim, ponderou a necessidade da fé para a justificação e a salvação. Ele certamente tinha uma fé muito grande e muito forte em Cristo, pois pregava que nada nem ninguém poderia separá-lo de seu amor (Romanos 8, 35-39).

Entretanto, disse aos coríntios: 'castigo o meu corpo e o mantenho em servidão, de medo de vir eu mesmo a ser excluído depois de eu ter pregado aos outros.' (I Cor 9, 27). Se peço penitência e que se mortifique, é para vencer e garantir a sua salvação! ... Em outra carta, ele diz que, se seus oponentes vangloriam de ser ministros de Cristo, assim também o era, e ainda mais do que eles, pelos trabalhos sofridos por Cristo, pelas muitas fadigas, repetidas vigílias, com fome e sede, freqüentes jejuns, frio e nudez!' (II Cor 11, 27). Antes ele havia assinalado que as privações devem marcar os ministros de Deus (II Cor 6, 5).

Mais ainda, o mesmo Apóstolo chega a dizer aos Colossenses: 'O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo(místico) que é a Igreja.' (Col 1,24).

Isso nos mostra que, apesar de ter Cristo morrido por todos e ter satisfeito todos os nossos pecados, há que se padecer os membros de seu corpo místico, que somos nós. E é isso que deseja a Igreja na Quaresma: que o jejum, a abstinência e outras privações, nestes padecimentos do corpo místico de Cristo, possam assegurar, como diz São Pedro, nossa vocação e eleição, a nossa salvação por meio de boas obras; 'procedendo deste modo, não tropeçareis jamais; assim vos será aberta largamente a entrada no reino eterno' (2 Pe, 10-11).

Até agora temos tratado sobre a correta interpretação que a Igreja dá à penitência; agora vamos analisar o seu conceito, suas classes e sua importância como meio eficaz para realizar a nossa salvação. Para isso, a Igreja recorda-nos que, para se salvar, há dois caminhos: a inocência e a penitência. Para quantos, é este o único caminho! E por causa da importância do mesmo, vamos, com a ajuda de Deus, ilustrar das melhor maneira esta virtude.

A PENITÊNCIA

Esta pode ser considerada como Sacramento, ou como virtude ou ato de virtude; dela nos diz Santo Inácio em seus Exercícios Espirituais - é sentir dor pelos seus pecados, com a firme determinação de não cometer aqueles e nem outros mais. O Concílio de Trento a chama 'contrição': ' uma vez que que ocupa o primeiro lugar entre os atos do penitente, e consiste em uma dor intensa e ódio ao pecado cometido, com o propósito de não pecar mais.'

Dor dos pecados - Esta é um dos principais frutos da Quaresma: condoer-se, arrepender-se dos próprios pecados, com um sincero arrependimento que chegue, embora não se sinta, ao mais íntimo da alma. Para isso, é necessário que se peça ao Senhor e também considerar cuidadosamente o que é o pecado em si mesmo e em relação a Deus, e seus efeitos desastrosos sobre a alma. Quando olhamos os efeitos funestos de certas doenças do corpo, como não as abominarmos? ... Se pudéssemos ver o que faz o pecado na alma! ... O pior é que nem mesmo se quer pensar sobre isso! ... Daí o pouco fruto de nossas poucas confissões e o fracasso de certas 'conversões' ...

Propósito de não pecar - Novamente muitos têm a mesma dificuldade, pelo mesmo motivo de não considerar suficientemente a malícia e as punições do pecado. Às vezes acontece o que sucedeu à cidade de Nínive: seus habitantes aterrorizados ante a ameaça da destruição da cidade, correram a fazer penitência (Jonas 3, 5). Mas quanto tempo dura isso? ...

A PENITÊNCIA EFICAZ

Para isso, recordemos outra vez o que dizia São Paulo: ' castigo o meu corpo e o mantenho em servidão, de medo de vir eu mesmo a ser excluído depois de eu ter pregado aos outros.' (I Cor 9, 27). Se isso fazia São Paulo, o que nós devemos fazer? ... Para fazer uma penitência eficaz, é essencial:

Combater o pecado - 'Cada um é tentado, atraído e lisonjeado pela própria concupiscência", diz Santiago (I, 14). A raiz do pecado está em nós mesmos e a luta para evitá-lo deve começar pelo 'escravizar a carne', ou seja, dominar as próprias paixões. São Paulo chega a dizer que 'os que são de Jesus Cristo crucificaram a carne, com as paixões e concupiscências.' (Gal 5,24). Para isso, eles devem refrear seus instintos e sentidos, que são como janelas por onde entra a morte do pecado (Jer 9,21).

Reparar os efeitos do pecado - 'Fazendo frutos dignos de penitência'. Quais são esses frutos? ... Os que são diretamente contrários ao pecado: reparar o furto ou roubo com a restituição; contra a murmuração e a calúnia, com a restauração da honra e da reputação; da raiva e injúrias, com a humildade da satisfação; contra os pecados da inimizade e do ódio, com a sinceridade da reconciliação, e assim todos os demais. Assim como o remédio é aplicado para sarar a parte doente, a penitência visa corrigir o que está defeituoso. Tem-se a língua demasiado solta? ... Aplica-se a ela o remédio.

Evitar as ocasiões de pecado - Os moralistas distinguem a ocasião próxima e a remota, segundo a facilidade ou dificuldade de cair em pecado diante dela; a voluntária ou a fortuita, etc, etc... Se somos cuidadosos o suficiente para evitar ocasiões que colocam em risco a saúde ou a vida do corpo, por que não as da alma?

A PENITÊNCIA FALSA

Existem vários tipos de penitência falsa:

Penitência Suspeita - A penitência interna, ou seja, a contrição indispensável à confissão, é sempre sincera, verdadeira? Não se reduz, muitas vezes, a uma mera formalidade externa, superficial, inadequada? A rapidez que é praticada e a facilidade com que se volta a cometer os mesmos pecados não são sinais de que tal 'penitência' deixa a desejar? ...

Penitência Frágil - é aquela baseada em motivos sólidos. Durante a Quaresma, muitos se arrependem verdadeiramente, choram, lamentam e detestam os seus pecados e parecem ter um desejo sincero de evitá-los, mas se apoiam em uma sincera convicção de mudar suas vidas para se salvarem ou em impressões fugazes, que logo se desvanecem? ... 'A penitência que evita a ocasião de pecado traz consigo as nuances de uma penitência falsa'.

Penitências Inúteis - Muitos se queixam de que não podem manter o jejum, e às vezes com razão, por razões de trabalho. Porém, quanta 'penitência' é feita hoje em dia em dietas de emagrecimento, para garantir padrões de beleza, para preservar a saúde, em uma palavra, por puras razões temporais... se houvesse mais fé e amor de Deus, não haveria mais espírito de penitência e sacrifício? ...

Peço a Deus que estas reflexões os ajudem, queridos irmãos, para viver da melhor maneira e de acordo com a graça de Deus, esta Quaresma que está apenas começando. 

Sinceramente em Cristo,

Mons. Martin Davila Gandara (Superior de La Sociedad Sacerdotal Trento, tradução do autor)

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

DITOS ESPIRITUAIS DOS PAIS DO DESERTO - VIDA DE ORAÇÃO

1. A purificação, da alma, através da plenitude das virtudes, torna a disposição da inteligência inabalável e apta a receber o estado procurado. 

2. A oração é uma conversa da inteligência com Deus: que estado não é, pois, necessário, para essa tensão sem retorno, para ir a seu Senhor e conversar com ele, sem nenhum intermediário? 

3. Moisés, quando quis aproximar-se da sarça ardente, foi impedido de fazê-lo, até que tirasse os sapatos. E tu, que pretendes ver Aquele que ultrapassa todo pensamento e todo sentimento, como não te libertas de todo pensamento apaixonado? 

4. Primeiramente, ora para obter o dom das lágrimas; assim, poderás suavizar, pela compunção, a dureza inerente à tua alma e, confessando tua iniquidade contra ti, ao Senhor, obter dele o perdão. 

5. Mantém-te corajoso e ora com energia; afasta as preocupações e as reflexões que se apresentarem, pois elas te perturbam e te agitam, debilitando o teu vigor. 

6. Os demônios te vêem cheio de ardor pela verdadeira oração? Eles te sugerem, então, o pensamento de certas coisas, que te apresentam como necessárias. Depois, não tardam a avivar a lembrança que a elas se liga, levando a inteligência a procurá-las. A inteligência não as encontra, entristece-se profundamente e se aflige. Chegado o momento da oração, eles devolvem então à memória os objetos de suas buscas e de suas lembranças; assim, enfraquecida por essas associações, ela não, vai conseguir realizar a oração proveitosa. 

7. Esforça-te por manter teu intelecto surdo e mudo durante a oração: assim poderás orar. 

8. A oração é produto da doçura e da ausência de ira. 

9. A oração é fruto da alegria e do reconhecimento. 

10. A oração é exclusão da tristeza e do desalento. 

11. 'Vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e depois pega a tua cruz e nega-te a ti mesmo', para poderes orar sem distração. 

12. Se queres orar dignamente, renuncia-te a todo instante; se suportas toda sorte de provações, resigna-te sabiamente por amor da oração. 

13. Na hora de orar, encontrarás o fruto de todo sofrimento aceito com sabedoria. 

14. Se queres orar como convém, não entristeças nenhuma alma; senão, oras em vão. 

15. O rancor cega a faculdade mestra de quem ora e derrama-lhe trevas sobre as orações. 

16. Armado contra a ira, não admitirás jamais a cobiça, pois é a cobiça que alimenta a ira; esta por sua vez, turva os olhos da inteligência e destrói, assim, c, estado de oração. 

17. Não te contentes de orar nas atitudes exteriores, mas leva tua inteligência ao sentimento da oração espiritual, com grande temor. 

18. Não ores para que tuas vontades se cumpram: elas não concordam necessariamente com a vontade de Deus. Ora, sim, segundo o ensinamento recebido, dizendo: 'que vossa vontade se cumpra em mim.' Em tudo, pede-lhe que se faça a sua vontade, pois ele quer o bem e o benefício para tua alma; tu, porém, não é isso necessariamente que procuras. 

19. O que há de bom fora de Deus? Deixemos, pois, a ele, todos os nossos interesses e isso será vantajoso para nós. Aquele que é Bom é também, necessariamente, Aquele que concede dons excelentes. 

20. Não te aflijas quando não receberes imediatamente, de Deus, o objeto de teu pedido: é que ele quer fazer-te ainda maior bem, por tua perseverança em permanecer com ele na oração. O que é de mais sublime, de fato, do que conversar com Deus e abstrair-se numa íntima comunicação com ele?

21. A oração sem distração é a intelecção mais alta da inteligência. 

22. A oração é uma ascensão da inteligência para Deus. 

23. Ora, em primeiro lugar, para te purificares das paixões;. em segundo lugar, para te libertares da ignorância; em terceiro lugar, para te libertares de toda tentação e abandono. 

24. Orando com teus irmãos ou orando só, esforça-te por orar, não por hábito, mas com sentimento. 

25. Tua inteligência divaga durante a oração? É que ela ainda não ora como monge; ela ainda é do mundo e se ocupa em enfeitar a tenda exterior. 

26. Enquanto oras, vigia intensamente a tua memória, para que, ao invés de sugerir-te as suas lembranças, ela te leve à consciência da tua prática; pois, a inteligência tem uma perigosa tendência: deixar-se pilhar pela memória, no momento da criação. 

27. Qual o objetivo dos demônios, quando excitam em nós a gula, a impudicícia, a cobiça, a ira, o rancor e as outras paixões? Querem que a nossa inteligência, estupidificada por elas, não possa orar convenientemente; pois, as paixões da parte irracional, vencedoras, impedem-na de mover-se de acordo com a razão (de acordo com as razões dos seres como objeto de contemplação) para procurar atingir a Razão (o Logos: o Verbo) de Deus. 

28. Nós vamos às virtudes (primeiro degrau: vida ativa) em vista das razões dos seres criados (segundo degrau: contemplação inferior); vamos a estas, em vista do Senhor, que as estabeleceu (terceiro degrau: teologia); quanto ao Senhor, ele costuma aparecer no estado de oração. 

29. O estado de oração é um 'hábito' impassível que, por um amor supremo, arrebata aos cimos intelectuais a inteligência possuída nela sabedoria " 

30. Quem ama a Deus conversa incessantemente com ele, como com um Pai, despojando-se de te do pensamento apaixonado. 

31. Não é porque se tenha atingido a apatheia que se irá orar verdadeiramente, pois é possível ficar nos pensamentos simples (isto é, purificados de laços sensíveis) e distrair-se na meditação deles, estando, portanto, longe de Deus. 

32. Suponhamos que a inteligência não permaneça nos pensamentos simples; nem por isso terá atingido o lugar da oração e, pois ela pode encontrar-se na contemplação dos objetos e ocupar-se em suas razões: ora, essas razões, sendo ao mesmo tempo expressões simples, em sua qualidade de considerações de objetos, imprimem uma forma na inteligência e a afastam muito de Deus. 

33.  Suponhamos que a inteligência se eleve acima da contemplação da natureza corpórea; ela ainda não tem a visão perfeita do lugar de Deus pois pode encontrar-se na ciência dos inteligíveis e partilhar sua multiplicidade. 

34. Quem ora em espírito e em verdade, não tira mais das criaturas os louvores que dá ao Criador: é do próprio Deus que ele louva Deus. 

35. Se és teólogo, vais orar verdadeiramente; e se oras verdadeiramente, és teólogo! 

36. Quando tua inteligência, num ardente amor de Deus, sai, por assim dizer, pouco a pouco, de tua carne; . quando rejeita todos os pensamentos que vêm dos sentidos, da memória ou do temperamento; quando ela se enche, aa mesmo tempo de respeito e de alegria, então podes considerar-te próximo dos limites da oração. 

37. Não imagines possuir a Divindade em ti, quando oras, nem deixes tua inteligência aceitar a marca de uma forma qualquer; mantém-te como imaterial diante do Imaterial e compreenderás. 

38. Fica atento às armadilhas dos adversários: acontece, enquanto oras puramente e sem perturbação, que se te apresente, de súbito, uma forma desconhecida e estranha. Ela quer levar-te à presunção de que ali localizas Deus e fazer com que vejas a Divindade no objeto quantitativo que de repente apareceu diante dos teus olhos; porém, a Divindade não tem quantidade nem rosto. 

39. Quando o demônio ciumento fracassa na excitação da memória durante a oração, age sobre a compleição do corpo, para despertar na inteligência algum fantasma desconhecido e, assim, dar-lhe forma. A inteligência, acostumada a limitar-se a conceitos, é então facilmente subjugada; aquela que tendia à gnose imaterial e sem forma, deixa-se iludir e pensa que a fumaça é luz. 

40. Sê prudente, protegendo tua inteligência de todo conceito, na hora da oração, para que ela seja firme na sua tranqüilidade própria (de sua natureza original). Então, Aquele que tem piedade dos ignorantes virá também sobre ti e receberás um dom de oração muito glorioso. 

41. Não poderias possuir a oração pura, estando perturbado com coisas materiais e agitado por inquietações contínuas, pois a oração é abandono dos pensamentos. 

42. Impossível correr entrevado; a inteligência sujeita às paixões também não poderia ver o lugar da oração espiritual, pois ela é solicitada de todos os lados pelo pensamento apaixonado e não consegue manter-se inflexível. 

43. Se oras verdadeiramente, sentirás uma grande segurança; os anjos te escoltarão como a Daniel e te iluminarão sobre as razões dos seres. 

44. A salmodia vence as paixões e acalma a intemperança do corpo; a oração faz a inteligência exercer sua atividade própria. 

45. A oração é atividade que convém à dignidade da Inteligência; é a aplicação mais admirável e mais completa desta. 

46. A salmodia depende da sabedoria multiforme; a oração é o prelúdio da gnose imaterial e uniforme. 

47. Se ainda não recebeste o carisma da oração e da salmodia, insiste: tu o receberás. 

48. No momento das tentações dessa espécie, recorre a uma oração breve e veemente. 

49. O corpo tem o pão por alimento; a alma, a virtude; a inteligência, a oração espiritual. 

50. Não escutes as exigências de teu corpo no exercício da oração; não deixes que uma picada de piolho, pulga, pernilongo ou mosca, te prive da melhor vantagem da oração. 

51. A respeito de um outro irmão espiritual, lemos que uma víbora atacou-lhe o pé durante a oração. Mas ele não moveu os braços até acabar a oração habitual, e escapou ileso, porque amara a Deus mais que a si mesmo. 

52. Não eleves os olhos enquanto oras; renuncia à carne e à alma e vive segundo a inteligência. 

53. Um outro santo, cheio do amor de Deus e de zelo na oração, encontrou, quando andava pelo deserto, dois anjos que se puseram, um à sua direita, outro à sua esquerda, e caminharam juntos. Mas ele não lhes deu a mínima atenção, para não perder o melhor. Pois, lembrava-se da palavra do Apóstolo: 'Nem os anjos, nem os principados, nem os poderes, poderão separar-nos da caridade de Cristo' (Rm 8,38). 

54. Aspiras a ver a face do Pai, que está no céu: não procures, por nada deste mundo, perceber forma ou rosto durante a oração. 

55. Feliz o espírito livre de qualquer forma durante a oração. 

56. Bem-aventurada a inteligência que, no momento da oração, torna-se imaterial e despojada de tudo. 

57. Aquele outro leva à perfeição a oração que não cessa de fazer frutificar para Deus toda a sua intelecção primeira (a do estado original) 

58. A atenção em busca de oração vai encontrá-la, pois se a oração vem depois de alguma coisa, é justamente da atenção. Apliquemo-nos nisso. 

59. A vista é o melhor de todos os sentidos; a oração é a mais divina de todas as virtudes. 

60. A excelência da oração não reside na simples quantidade, mas na qualidade. São testemunhas os dois que subiram ao templo (Lc 18,10s) e as palavras: 'Nas vossas orações, não useis de vãs repetições' (Mt 6,7). 

61. Enquanto ainda tens atenção para o que provém do corpo; enquanto tua inteligência considera os atrativos externos, ainda não viste o lugar da oração: estás mesmo longe do caminho abençoado que conduz a ele. 

62. Pois, quando em tua oração tiveres conseguido ultrapassar qualquer outra alegria, é que finalmente, em toda verdade, terás encontrado a oração.

(Excertos da obra 'Tratado sobre a Oração'; Evrágio Pôntico - Século IV; tradução de Jean Gouillard) 

domingo, 24 de fevereiro de 2013

A TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR


Jesus acabara de fazer o anúncio de sua Paixão aos discípulos e eles experimentavam, naquele momento, o peso das tribulações e das adversidades futuras que certamente teriam de enfrentar. O Filho do Homem se revelara vítima pascal e não senhor de um exército dominador: o Reino de Deus não é deste mundo e a redenção teria que perpassar necessariamente pela subida do Calvário. Aqueles homens precisavam, mais do que nunca, da fortaleza da graça sobrenatural. E, três deles, Pedro, Tiago e João, a receberiam com abundância extrema.

Neste Segundo Domingo da Quaresma, meditamos esta extraordinária experiência sobrenatural vivida pelos três apóstolos no alto do Monte Tabor. Jesus os levou consigo para subir a montanha 'para rezar' (Lc 9,28), pois é a oração que nos coloca plenamente sob o repositório das graças divinas. A fragilidade humana tomou frente a princípio pelo sono de todos e pelas palavras desarticuladas de Pedro: 'vamos fazer três tendas' (Lc 9,33). Mas esvaiu-se de vez quando os três apóstolos foram inundados pela claridade luminosa emanada dos corpos gloriosos de Jesus, Moisés e Elias. 

Naquele lugar, e ainda que por um breve tempo, os três apóstolos puderam contemplar na terra a glória de Deus. E testemunhar que a história humana evolui pelos tempos confirmada pela Lei (presença de Moisés) e pelos Profetas (presença de Elias). A transfiguração do Senhor é um evento extraordinário da manifestação divina de Jesus aos homens, um olhar da história humana no espelho da eternidade.

'Este é o meu Filho, o escolhido. Escutai o que Ele diz' (Lc, 9, 35). Solícitos na oração, firmes na fé, tornamo-nos oratórios dignos das abundantes graças de Deus. Somos movidos, pela coragem, a superar as adversidades, as tentações, as dores humanas; pela fortaleza, impõe-se seguir em frente, avançar para águas mais profundas, subir a montanha das graças e da transfiguração de nossa imensa fragilidade humana. E também, descer outra vez a montanha, voltar ao caminho de Jerusalém e do Gólgota, repetir quantas vezes,  e por quanto tempo for, o itinerário contínuo de enfrentar e vencer o mundo, oportuna ou inoportunamente, até o Tabor definitivo de nosso encontro com Deus na eternidade.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

PAPAS DA GRÃ - RENÚNCIA

Bento IX - Ocupou o cargo mais alto da Igreja Católica por três períodos distintos. Eleito em 1032, foi deposto em 1044. Recuperou o cargo em 1045, ano em que renunciou. Arrependido, voltou em 1047, para ser deposto definitivamente um ano depois. Conhecido por ter uma vida escandalosa e por ter sido um dos papas mais controversos da história, Bento IX renunciou em 1045 e vendeu seu posto para o padrinho, Gregório VI.

Gregório VI - Embora considerado um homem de grande reputação, Gregório VI chegou ao papado por meio do suborno do Papa Bento IX e, assim, foi intimado a renunciar por um conselho de bispos depois de menos de dois anos como pontífice.

Celestino V - Em 1294, apenas cinco meses depois de empossado, renunciou ao pontificado em favor de Bonifácio VIII. Era conhecido por ter um perfil fraco e submisso, além de sentir-se sobrecarregado com as demandas do cargo. 
Gregório XII - Em 1415, abdicou do cargo, depois de cinco anos no poder, durante o Cisma do Ocidente, conflitos entre Roma e Pisa, na Itália, e Avignon, na França, sobre a sucessão e o local de residência dos papas – solucionado depois da renúncia, em 1418, com o Concílio de Constança. À época, havia uma disputa entre três autoridades da Igreja que se auto-intitulavam papas. Gregório XII foi um dos papas eleitos em idade mais avançada, com 90 anos

Bento XVI - Depois de um mandato de oito anos, alegou problemas de saúde para renunciar ao cargo: 'no mundo de hoje, sujeito a mudanças tão rápidas e abalado por questões de profunda relevância para a vida da fé, para governar o barco de São Pedro e proclamar o Evangelho, é necessário tanto força da mente como do corpo, o que, nos últimos meses, se deteriorou em mim numa extensão em que eu tenho de reconhecer minha incapacidade de adequadamente cumprir o ministério a mim confiado.'

(5 papas: renúncias formalizadas e expressas em documentos pontifícios)

ORAÇÃO: 'STABAT MATER DOLOROSA'


'Stabat Mater Dolorosa' é considerado um dos maiores sete hinos litúrgicos latinos de todos os tempos.  O hino tem origem no século XIII e sua autoria tem sido atribuída ao Papa Inocêncio III (m. 1216), São Boaventura, ou mais provavelmente, Jacopone da Todi (1230-1306). A partir de 1727 e até os dias atuais, tornou-se ofício comum aplicado às liturgias do Setenário das Dores de Nossa Senhora, tendo recebido inúmeras adaptações musicais em latim e em diferentes vernáculos.

HINO STABAT MATER DOLOROSA

Stabat mater dolorosa
iuxta Crucem lacrimosa,
dum pendebat Filius.

Estava a mãe dolorosa
chorando junto à cruz
da qual seu Filho pendia.

Cuius animam gementem,
contristatam et dolentem
pertransivit gladius.

Sua alma soluçante,
inconsolável e angustiada
era atravessada por um punhal.

O quam tristis et afflicta
fuit illa benedicta,
mater Unigeniti!

Ó, quão triste e aflita
estava a bendita mãe
do Filho Unigênito!

Quae maerebat et dolebat,
pia Mater, dum videbat
nati poenas inclyti.

Transpassada de dor,
chorava, vendo
o tormento do seu Filho.

Quis est homo qui non fleret,
matrem Christi si videret
in tanto supplicio?

Quem poderia não se entristecer
ao contemplar a Mãe de Cristo
sofrendo tanto suplício?

Quis non posset contristari
Christi Matrem contemplari
dolentem cum Filio?

Quem poderia conter as lágrimas
vendo a mãe de Cristo
dolorida junto ao seu Filho?

Pro peccatis suae gentis
vidit Iesum in tormentis,
et flagellis subditum.

Pelos pecados do seu povo
Ela viu Jesus no tormento,
flagelado por seus súditos.

Vidit suum dulcem Natum
moriendo desolatum,
dum emisit spiritum.

Viu seu doce Filho
morrendo desolado
ao entregar seu espírito.

Eia, Mater, fons amoris
me sentire vim doloris
fac, ut tecum lugeam.

Ó mãe, fonte de amor,
faz-me sentir toda a tua dor
para que eu chore contigo.

Fac, ut ardeat cor meum
in amando Christum Deum
ut sibi complaceam.

Faz com que meu coração arda
no amor a Cristo Senhor
para que possa consolá-lo.

Sancta Mater, istud agas,
crucifixi fige plagas
cordi meo valide.

Santa Mãe, marca profundamente
no meu coração
as chagas do teu Filho crucificado.

Tui Nati vulnerati,
tam dignati pro me pati,
poenas mecum divide.

Por mim, teu Filho coberto de chagas
quis sofrer seus tormentos,
quero compartilhá-los.

Fac me tecum pie flere,
crucifixo condolere,
donec ego vixero.

Faz com que eu chore
e que carregue com Ele a sua cruz
enquanto dure a minha existência.

Iuxta Crucem tecum stare,
et me tibi sociare
in planctu desidero.

Quero estar em pé
ao teu lado, junto à cruz
chorando junto a ti.

Virgo virginum praeclara,
mihi iam non sis amara,
fac me tecum plangere.

Virgem das virgens notável,
não sejas rigorosa comigo,
deixa-me chorar junto a ti.

Fac, ut portem Christi mortem,
passionis fac consortem,
et plagas recolere.

Faz com que eu compartilhe a morte de Cristo
que participe da sua paixão
e que rememore suas chagas.

Fac me plagis vulnerari,
fac me Cruce inebriari,
et cruore Filii.

Faz com que me firam suas feridas,
que sofra o padecimento da cruz
pelo amor do teu Filho.

Flammis ne urar succensus,
per te, Virgo, sim defensus
in die iudicii.

Inflamado e elevado pelas chamas,
seja defendido por ti, ó Virgem,
no dia do Juízo Final.

Christe, cum sit hinc exire,
da per Matrem me venire
ad palmam victoriae.

Faz com que eu seja custodiado pela cruz,
fortalecido pela morte de Cristo
e confortado pela graça.

Quando corpus morietur,
fac, ut animae donetur 
paradisi gloria. Amen.

Quando o corpo morrer,
faz com que minha alma alcance
a glória do Paraíso. Amém.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

22 DE FEVEREIRO - A CÁTEDRA DE PEDRO

A celebração da festa litúrgica da Cátedra de São Pedro no dia 22 de fevereiro tem origem muito antiga e está documentada por sua inclusão num calendário do ano 354 e no Martyrologium Hieronymianum, o mais antigo da Igreja Latina, composto entre 431 e 450. Na pessoa de São Pedro (e de todos os seus sucessores), insere-se o fundamento visível da unidade da Igreja, nascida de Deus e glória de Deus até os confins dos séculos 'porque as portas do inferno não prevalecerão contra ela' (Mt 16,18).

"O chamado de Pedro' (Giorgio Vasari, sem data)


'Feliz és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus. E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus' (Mt 16, 17-19).



quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

20 DE FEVEREIRO - BEM AVENTURADOS JACINTA E FRANCISCO


Jacinta contava apenas sete anos e Francisco apenas nove quando tiveram, juntamente com Lúcia (à época, com 10 anos) as visões de Nossa Senhora em Fátima. Se é verdade que São Domingos Sávio morreu aos 15 anos e Santa Maria Goretti aos onze, é possível que crianças em tal tenra idade sejam capazes de viver e praticar a virtude com zelo heroico e, assim, alcançarem o cimo da santificação? A resposta é sim e este sim se aplica aos pequenos videntes de Fátima. Pois, foi exatamente com base na curtíssima vida de Jacinta e de Francisco Marto que o Papa João Paulo II revogou os decretos impeditivos de Pio XI neste sentido e declarou-os bem aventurados da Igreja em 13 de maio de 2000.

Depois da visão do inferno, Nossa Senhora pediu a ambos orações e sacrifícios pela conversão dos pecadores, e as duas crianças passaram a se esmerar para o pleno cumprimento destas práticas desde então e citam-se inúmeros exemplos de mortificação dados por eles em diversas ocasiões. Em 1918, foram vitimados pela terrível gripe pneumônica que assolou toda a Europa. Durante meses, em meio a internações e operações diversas, os dois irmãos sofreram com grande resignação. 

Em janeiro de 1919, a Santíssima Virgem apareceu-lhes para dar uma surpreendente notícia e convidar Jacinta ao holocausto completo: 'Nossa Senhora veio nos ver e disse que vem buscar o Francisco muito breve para o Céu. E a mim, perguntou-me se queria ainda converter mais pecadores. Disse-lhe que sim. Disse-me que iria para um hospital, que lá sofreria muito; que sofresse pela conversão dos pecadores, em reparação dos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria e por amor de Jesus.' Francisco morreria em 04/04/1919. Jacinta, internada em um hospital de Lisboa, padeceu com serenidade os tormentos finais da sua enfermidade, até falecer em 20 de fevereiro de 1920.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

SERMÃO DA QUARESMA

Neste Oitavo Dia da Quaresma, acompanhemos as meditações de São Leão Magno:

'Há muitas batalhas dentro de nós: a carne contra o espírito, o espírito contra a carne. Se, na luta, são os desejos da carne que prevalecem, o espírito será vergonhosamente rebaixado de sua dignidade própria e isto será uma grande infelicidade; de rei que deveria ser, torna-se escravo.

Se, ao contrário, o espírito se submete ao seu Senhor, põe sua alegria naquilo que vem do céu, despreza os atrativos das volúpias terrestres e impede o pecado de reinar sobre o seu corpo mortal, a razão manterá o cetro que lhe é devido de pleno direito, nenhuma ilusão dos maus espíritos poderá derrubar seus muros; porque o homem só tem paz verdadeira e a verdadeira liberdade quando a carne é regida pelo espírito, seu juiz, e o espírito governado por Deus, seu Mestre.

É, sem dúvida, uma preparação que deve ser feita em todos os tempos: impedir, por uma vigilância constante, a aproximação dos espertíssimos inimigos. Mas é preciso aperfeiçoar essa vigilância com ainda mais cuidado, e organizá-la com maior zelo, nesta época do ano, quando nossos pérfidos inimigos redobram também a astúcia de suas manobras.

Eles sabem muito bem que esses são os dias da santa Quaresma e que passamos a Quaresma castigando todas as molezas, apagando todas as negligências do passado; usam então de todo o poder de sua malícia para induzir em alguma impureza aqueles que querem celebrar a santa Páscoa do Senhor; mudar para ocasião de pecado o que deveria ser uma fonte de perdão.

Meus caros irmãos, entramos na Quaresma, isto é, em uma fidelidade maior ao serviço do Senhor. É como se entrássemos em um combate de santidade.

Então preparemos nossas almas para o combate das tentações e saibamos que quanto mais zelosos formos por nossa salvação, mais violentamente seremos atacados por nossos adversários. Mas Aquele que habita em nós é mais forte do que aquele que está contra nós. Nossa força vem d’Aquele em quem pomos nossa confiança.

Pois se o Senhor se deixou tentar pelo tentador foi para que tivéssemos, com a força de seu socorro, o ensinamento de seu exemplo. Acabaste de ouvi-Lo. Ele venceu seu adversário com as palavras da lei, não pelo poder de sua força: a honra devida a sua humanidade será maior, maior também a punição de seu adversário se Ele triunfa sobre o inimigo do gênero humano não como Deus, mas como homem.

Assim, Ele combateu para que combatêssemos como Ele; Ele venceu para que também nós vencêssemos da mesma forma. Pois, meus caríssimos irmãos, não há atos de virtude sem a experiência das tentações, a fé sem a provação, o combate sem um inimigo, a vitória sem uma batalha. 

A vida se passa no meio das emboscadas, no meio dos combates. Se não quisermos ser surpreendidos, é preciso vigiar; se quisermos vencer, é preciso lutar. Eis porque Salomão, que era sábio, dizia: 'Meu filho, quando entras para o serviço do Senhor, prepara a tua alma para a tentação' (Ecl. 2,1).

Cheio da sabedoria de Deus, sabia que não há fervor sem combate laborioso; prevendo o perigo desses combates, anunciou-os de antemão para que, advertidos dos ataques do tentador, estivéssemos preparados para aparar seus golpes.'

(Dos Sermões de São Leão Magno)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

DA VIDA ESPIRITUAL (43)

Passaste há pouco pela experiência difícil de uma dor terrível, que te prostrou e te roubou o equilíbrio. Lamentaste a sensibilidade da carne e consideraste o extremo valor da saúde e me perguntaste, então, o que poderia ser a dor espiritual pelo castigo da perda da graça de Deus. Trata-se de algo que transcende a compreensão humana, porque é a dor total e sem refrigério algum, pois não tem a carne (cuja sensibilidade lamentas!) para amortecer nada, nunca...