quarta-feira, 17 de março de 2021

'O QUE FALAREI QUANDO DEUS ME JULGAR?'

Quid faciam, cum surrexerit ad iudicandum Deus? Et cum quaesierit, quid respondebo illi? – 'Que farei quando Deus se levantar para me julgar? E quando me perguntar, o que lhe responderei?' (Jó 31, 14)

Logo que o homem expira, assentar-se-á contra ele o juízo. Virão depois os acusadores, particularmente o demônio, que o tentou durante a vida e o Anjo da guarda, cujas inspirações desprezou. Jesus Cristo mesmo, que a tudo esteve presente, será, ao mesmo tempo, testemunha e juiz. Dize-me: que responderemos a tais acusadores se tivermos a desgraça de morrer em pecado?… E se a morte nos colhesse nesta noite, qual seria a nossa sentença?

I. Logo que o homem expira, assentar-se-á contra ele o juízo e serão abertos os livros. Esses livros serão dois: o Evangelho e a consciência. No Evangelho se lerá o que o culpado devia fazer; na consciência, o que tiver feito. Na balança da divina justiça, não se pesarão as riquezas, nem a dignidade, nem a nobreza das pessoas, mas tão somente as obras. Pelo que Daniel disse ao rei Baltazar: Appensus es in statera, et inventus es minus habens – 'Foste pesado na balança e achou-se que tinhas menos do peso'. Notai bem, comenta o Padre Alvarez: não é o ouro, nem o poder de rei que está na balança, mas unicamente a sua pessoa.

Virão depois os acusadores e, em primeiro lugar, o demônio. O espírito maligno agora engana-nos com mil astúcias; mas ali, diz Santo Agostinho, perante o tribunal de Jesus Cristo: recitabit verba professionis nostrae – representará todas as obrigações que havíamos assumido e deixado de cumprir. Obiciet in faciem nostram – denunciar-nos-á todas as faltas, marcando o dia e a hora em que as cometemos.

Depois, segundo diz o mesmo santo, dirá ao Juiz: 'Senhor, por este culpado eu não sofri bofetadas como Vós, nem açoites, nem qualquer outro castigo e contudo ele Vos virou as costas, a Vós que morrestes pela sua salvação, para se fazer meu escravo; é, pois, justo que seja meu. Ordenais, pois, que seja todo meu, já que não quis ser vosso' –Iudica esse meum qui tuus esse noluit.

Virá em seguida como acusador o Anjo da Guarda que, na palavra de Orígenes, dirá: 'Senhor, durante tantos anos me empenhei junto dele, mas desprezou todas as minhas admoestações'. Então sucederá o que diz Jeremias; os próprios amigos serão contra a alma culpada – Omnes amici eius spreverunt eum .

II. Não serão somente os demônios e os anjos da guarda os acusadores da alma perante o tribunal de Jesus Cristo. Segundo o profeta Habacuc, serão também acusadores as paredes, no recinto das quais se tiver pecado e, segundo São Paulo, a própria consciência dará testemunho contra o pecador, e São Bernardo acrescenta que também os pecados falarão e dirão: 'Sabes que tu nos praticaste, somos, pois, obras tuas; não te deixamos' – Opera tua sumus, non te deseremus.

Mas acima de todos, diz São João Crisóstomo, bradarão por vingança as chagas de Jesus Cristo: 'Os cravos', diz o santo, 'queixar-se-ão de ti; as chagas falarão contra ti, a própria Cruz de Jesus Cristo levantará a voz contra ti'. A tudo isso que poderá responder o pobre pecador? E tu, minha alma, que é que responderás? Interroga-te a ti mesma e pergunta como o santo Jó: Quid faciam, cum surrexerit ad iudicandum Deus  – 'Que farei quando Deus se levantar para me julgar?'

Ah! Meu Jesus, se me quisésseis agora pagar segundo as obras que fiz, não receberia em paga senão o inferno. Quantas vezes eu mesmo escrevi a minha condenação àquele lugar de tormentos! Agradeço-Vos a paciência que tivestes em me suportar. Ó meu Deus, se devesse agora comparecer no vosso tribunal, que conta daria de toda a minha vida? Non intres in iudicium cum servo tuo – 'Não entreis em juízo com o vosso servo'. Esperai, Senhor, um pouco; não me julgueis ainda! 

Já que tantas misericórdias me tendes prodigalizado até ao presente, concedei-me ainda esta: dai-me uma grande dor de meus pecados. Arrependo-me, ó Bem supremo, de Vos ter tantas vezes desprezado. Amo-Vos sobre todas as coisas. Perdoai-me, Eterno Pai, pelo amor de Jesus Cristo e pelos seus merecimentos dai-me a santa perseverança. Tudo espero, meu Jesus, do vosso sangue. Maria Santíssima, em vós confio. Lançai, ó minha Mãe, um olhar sobre a minha miséria e tende piedade de mim. 

(Excertos da obra 'Meditações para todos os Dias e Festas do Ano', de Santo Afonso Maria de Ligório)

terça-feira, 16 de março de 2021

VERSUS: 'FILHOS E FILHAS DE ABRAÃO?'

'És acaso maior do que nosso pai Abraão? E, entretanto, ele morreu... e os profetas também. Quem pretendes ser?' Respondeu Jesus: 'Se me glorifico a mim mesmo, a minha glória não é nada; meu Pai é quem me glorifica, aquele que vós dizeis ser o vosso Deus e, contudo, não o conheceis. Eu, porém, o conheço e, se dissesse que não o conheço, seria mentiroso como vós. Mas conheço-o e guardo a sua palavra. Abraão, vosso pai, exultou com o pensamento de ver o meu dia. Viu-o e ficou cheio de alegria'. Os judeus lhe disseram: 'Não tens ainda cinquenta anos e viste Abraão!' Respondeu-lhes Jesus: 'Em verdade, em verdade vos digo: antes que Abraão fosse, eu sou' (Jo 8, 53-58).

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Palavras do papa Francisco no seu primeiro discurso na recente viagem ao Iraque:

A religião, por sua natureza, deve estar ao serviço da paz e da fraternidade. O nome de Deus não pode ser usado para 'justificar atos de homicídio, de exílio, de terrorismo e de opressão' (Francisco e Ahmad Al-Tayyeb, Documento sobre a Fraternidade Humana, Abu Dhabi, 4/02/2019). Pelo contrário, Deus, que criou os seres humanos iguais em dignidade e direitos, chama-nos a difundir amor, benevolência, concórdia. Também no Iraque, a Igreja Católica deseja ser amiga de todos e, através do diálogo, colaborar de forma construtiva com as outras religiões, para a causa da paz. A presença muito antiga dos cristãos nesta terra e o seu contributo para a vida do país constituem um rico legado que pretende continuar a servir a todos. A sua participação na vida pública, como cidadãos que gozam plenamente de direitos, liberdades e responsabilidades, testemunhará que um são pluralismo religioso, étnico e cultural pode contribuir para a prosperidade e a harmonia do país [05/03/2021]

Palavras do papa Francisco no seu discurso durante o Encontro Inter-Religioso em Ur:

'Deus Todo-Poderoso, nosso Criador, que amais a família humana e tudo o que as vossas mãos fizeram, nós, filhos e filhas de Abraão pertencentes ao Judaísmo, ao Cristianismo e ao Islão, juntamente com os demais crentes e todas as pessoas de boa vontade, agradecemo-Vos por nos terdes dado como pai comum na fé Abraão, filho insigne desta nobre e amada terra'.


Eis uma oração feita a Deus, na união dos 'filhos e filhas de Abraão pertencentes ao Judaísmo, ao Cristianismo e ao Islão' e omitindo o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, para implorar pela paz e pela segurança dos homens neste mundo, particularmente pelas vítimas de tantas tragédias no Iraque, pedido reiterado 'juntamente com os demais crentes e todas as pessoas de boa vontade'. Podemos questionar os bons propósitos da oração? Podemos não reconhecer a enorme necessidade de se buscar a paz entre os homens e, em especial, ao sofrido povo cristão do Iraque? Podemos criticar um apostolado que postula  e manifesta publicamente tais imperativos humanos?

Podemos, e devemos. Bons propósitos não bastam. Bons propósitos podem ser águas turvas quando mascaram e desfiguram a Verdade. Bons propósitos podem ser blasfêmias quando anulam as Verdades da fé cristã e desafiam a misericórdia divina. Bons propósitos e boas intenções não são salvaguardas do bem realizado, mas podem apenas servir de pano de fundo para o mal em frenesi. A posteridade de Abraão, abençoada e prometida por Deus, não é fruto apenas da carne, mas do espírito. A posteridade de Abraão é a posteridade de Cristo, pela qual e por meio da qual Deus prometeu a Abraão: 'Este é o pacto que faço contigo: serás o pai de uma multidão de povos' (Gn 17,4).

A posteridade de Abraão é a multidão de povos que abraçaram a fé cristã e creem que Jesus Cristo é o Filho de Deus vivo, o salvador da humanidade. A posteridade de Abraão não inclui todos os povos, nem os pagãos, nem os que adoram outros deuses, nem os que professam doutrinas diferentes daquelas ensinadas e vividas por Jesus Cristo e, assim, a descendência abraâmica não inclui os povos que pertencem ao judaísmo ou ao islamismo. Muito menos ainda 'os demais crentes e todas as pessoas de boa vontade' são filhos ou filhas de Abraão. 

É preciso refutar a tal ponto a autêntica fé cristã para fazer vicejar os frutos insossos do diálogo inter-religioso? É preciso negar, esconder, subtrair, sublimar o nome de Jesus Cristo de um discurso cheio de respeito humano e profundamente ofensivo à glória de Deus?  É preciso ocultar Jesus Cristo porque 'nós, filhos e filhas de Abraão' precisamos ser irmãos em nome do ecumenismo e a cultivar uma Igreja Católica que deseja ser amiga de todos? Então é assim: como católicos obedientes e ecumênicos, atentos aos apelos do mundo que nos detesta, devemos aceitar candidamente não falar de Jesus Cristo aos nossos irmãos 'filhos e filhas de Abraão' e nem mencionar Nossa Senhora nas nossas campanhas da fraternidade (?) para não melindrar os protestantes - os nossos tão estimados 'outros irmãos na fé'? Mas a fé não é uma prática viva e heroica, movida pela graça divina e incensada por um amor incondicional?

Será que Deus realmente compartilha com isso? Ou vivemos tempos tremendos de provação para a sua Igreja e para a nossa fé? Sem Jesus e sem Maria, a Igreja Católica é vã, inútil, vazia. Com Jesus e com Maria, a barca de Pedro vai avançar por sobre estas espessas trevas de ecumenismo e apostasia e chegar um dia à Pátria Celeste, a qual muitos chegarão, mas não todos, nem todos os povos, nem os que fizeram concessões ao mundo, nem os que fizeram do ecumenismo a religião universal, nem todos os que se aclamam ingenuamente como irmãos iguais na fé, nem tampouco todos os que se rejubilam por ser no mundo 'filhos e filhas de Abraão'.

segunda-feira, 15 de março de 2021

A VIDA OCULTA EM DEUS: NECESSIDADE DAS PURIFICAÇÕES PASSIVAS


Para amar a Deus e para amar as almas de maneira adequada, precisamos de um coração puro e desinteressado. Pureza dos sentidos e pureza de espírito e de intenção: essas são as duas condições e também os dois frutos da verdadeira afeição.

O amor que Deus infunde em nossas almas é totalmente espiritual; é uma participação do seu Espírito. Uma vez que Deus nos fez compostos de corpo e alma, de matéria e espírito, toda afeição sobrenatural deve normalmente afetar nossa sensibilidade. Não é só a alma que ama, é todo o homem. E se o pecado original não viesse perturbar a ordem estabelecida entre as nossas faculdades, não teríamos que nos preocupar em regular nossa sensibilidade de acordo com a lei da razão e da fé. Esse ordenamento ocorreria por si mesmo e muito bem.

Mas, uma vez que a ordem foi perturbada, a primeira tarefa que se impõe é restaurá-la. Visto que nossos sentidos buscam satisfação independentemente da razão e, muitas vezes contra ela, eles devem ser disciplinados primeiro por esforço paciente e perseverante. Eles são servos, não senhores. Eles têm que informar e executar, e não lhes cabe comandar e muito menos perturbar. Todas as vezes que eles tendem a se afastar do caminho certo, temos que trazê-los de volta, de bom grado ou à força. E a melhor maneira de domesticá-los é privando-os: no início, eles murmuram, grunhem e até buscam se revoltar. Mas se a vontade permanece firme, termina a insubordinação. Aos poucos, eles tendem a se calar e a obedecer. Em troca, de vez em quando, a vontade permite que chegue até eles, na medida do possível, um pouco daquela felicidade com que o amor divino a inebria e isso é, para os sentidos, uma prova antecipada das alegrias mais puras que o Céu lhes reserva após a ressurreição.

Mas a graça continua a sua obra, atuando de fora para dentro, dos sentidos para a memória e, sobretudo, para a imaginação. A luta torna-se mais difícil e também mais demorada. O inimigo que temos de derrotar é um inimigo de incrível agilidade e mobilidade. No momento em que julgamos que o temos finalmente dominado, ele foge do controle. E, no entanto, é da maior importância submetê-lo ao regime do amor. Em particular, cabe à imaginação dispor os materiais necessários com os quais o nosso espírito possa realizar todas as suas obras. Por sua vez, o espírito os utilizará para dar relevo, cor e vida aos seus pensamentos, aos seus desejos, às suas vontades. As ordenações do espírito passam pela imaginação e cabe a ela colocar em movimento todas as faculdades de sua execução.

Nunca é demais dizer o quanto é importante para a alma que deseja servir a Deus, tanto interna como externamente, disciplinar este poder precioso mas terrível, submetendo-o a mortificações. É necessário, portanto, que a imaginação também aprenda - sobretudo ela - não a preceder mas a seguir, não a mandar mas a obedecer, a não buscar o que lhe agrada, mas a se contentar com o que lhe é dado. Se a Vossa graça, ó meu Deus, visando purificá-la mais profundamente, a faz mergulhar longos dias em amargura, sofrimento e trevas, ela deve aceitar esta provação como um justo castigo por seus desvios, como um redirecionamento necessário para os seus caminhos oblíquos e tortuosos, e como uma preparação essencial para o papel que doravante terá de desempenhar sob as ordens do vosso amor. Esta educação divina durará o tempo que for necessário para que os fins que Deus busca sejam assegurados. Mas, por outro lado, quanto enleio para a alma interior quando, uma vez concluída esta tarefa, se vê libertada finalmente da inoportuna - para não dizer louca - sujeição à imaginação, e torna-se então rainha em sua própria casa, e ali reina obedecida, respeitada, amada!

Mesmo quando a sensibilidade estiver bem submetida às ordens do amor de Deus, não estará proferida a última palavra de sua obra purificadora. O trabalho mais necessário ainda não foi feito ou, pelo menos, ainda não terminou. Pois a desordem entrou no homem e se estabeleceu nele por meio das faculdades superiores e será, portanto, necessário que a graça se eleve novamente àquelas alturas, para penetrar nas profundezas humanas, para reparar o que o pecado destruiu e para restabelecer em harmonia o que era divisão e confronto. Em vez de se tornar a medida das coisas, a inteligência terá que se adaptar a elas. Ela deverá ingressar na escola das realidades divinas e aprender com as mentes mais dóceis e penetrantes que as estudaram ao longo dos séculos, num esforço profundo de vê-las como Deus que as criou as vê, isto é, de dentro! Deve sobretudo submeter-se à Vossa própria escola, ó meu Deus, Vós que sois a Verdade eterna.

O que pressupõe conhecer sobretudo é Vos conhecer. Mas ninguém Vos conhece como Vós mesmo e, assim, só Vós podeis dizer realmente quem sois. É claro que as as criaturas falam muito sobre Vós mas como vão revelar o que, no fundo, ignoram, ou seja, a Vossa vida íntima? Também é verdade que, por Vossa bondade, dignastes enviar-nos os Vossos profetas e o Vosso próprio Filho amado para que Vos explicasse. Mas era absolutamente necessário que Ele e todos os profetas usassem palavras humanas para cumprir tal missão sagrada, pois falavam então como homens se dirigindo a outros homens. Como explicitar o Ser Infinito que sois por algumas palavras da pobre linguagem humana! Vós as extrapolam em muito e, assim, o que elas nos falam de Vós, longe de suprir os nossos anelos, apenas os excitam e os avivam cada vez mais.

O ideal seria, então, que pudéssemos entrar na Vossa escola e nos tornássemos Vossos discípulos diretos, uma vez que quereis ser o nosso Mestre. Mas, para tal, impõe-se uma rigorosa purificação de nossas faculdades superiores, até o mais íntimo de nossa alma. Porque sois, meu Deus, puro espírito e espírito de santidade. E para ser admitido na Vossa escola, para Vos ouvir, para Vos compreender, para gostar de Vós, temos também de ser criaturas puramente espirituais. Entretanto, uma vez que a nossa alma esteve mergulhada por tanto tempo na matéria, revestiu-se de todas as suas formas. E, assim, já não sabe mais compreender e gostar, senão de acordo com aquilo que está na ordem das coisas sujeitas aos sentidos. E de tanto viver sob o sensível, esqueceu-se de sua própria vida que é a vida espiritual. É necessário, então, que a infusão do Vosso amor possa purificá-la e então restaurá-lo por dentro. Obra difícil e de transformação dolorosa, mas preciosa e necessária.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte II -  A Ação de Deus; tradução do autor do blog)

domingo, 14 de março de 2021

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Que se prenda a minha língua ao céu da boca, se de ti, Jerusalém, eu me esquecer!' (Sl 136)


 14/03/2021 - Quarto Domingo da Quaresma

16. A LUZ DE CRISTO 


O Quarto Domingo da Quaresma é chamado Domingo Laetare ou Domingo da Alegria, e constitui um dos mais festejados do Ano Litúrgico. Por se enquadrar na metade do tempo quaresmal, período este vivido pela Igreja em meio à tristeza e penitências, a liturgia desse domingo se propõe a reacender nos católicos a firme alegria e esperança que devem ser o sustento dos católicos até a plenitude do tempo pascoal, à espera do Senhor Que Vem.

Santa alegria, pois 'Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele' (Jo 3, 17). A Primeira Vinda de Cristo é um exercício contínuo da graça divina nas sendas do perdão e da misericórdia, no acolhimento do pecador, na manifestação exaustiva da compaixão e do amor extremado de Deus pelas criaturas humanas, para salvar o mundo e maturar a boa semente em frutos de eternidade: 'Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna' (Jo 3, 16).

A alegria e as esperanças cristãs se fundem em plenitude na Luz de Cristo, mas nem todos a receberão, mas nem todos a tomarão como guia e exemplo, conforme as próprias palavras de Jesus dirigidas a Nicodemos, no diálogo que se imortalizou no evangelho deste domingo: 'a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas ações eram más' (Jo 3, 19). Na eternidade, verão Deus face a face os Filhos da Luz, aqueles que praticam a Verdade e se comprazem na jubilosa esperança da posse eterna da Plena Visão: 'mas, quem não crê, já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho unigênito' (Jo 3, 18).

Neste domingo, celebramos a luz, a luz de Cristo, que rompe a escuridão de nossa alma cega nos afazeres mundanos e que nos liberta das trevas do pecado, moldando a argila frágil da natureza humana pelo cinzel da graça e do amor de Deus. Ao se debruçar até o pó, Jesus nos dá ciência de que conhece a nossa imensa fragilidade; ao proclamar sua divindade, nos conforta de que, como Filhos da Luz, somos definitivamente os herdeiros da divina misericórdia. No meio do caminho desta jornada quaresmal, elevemos a Cristo nossas almas frágeis de argila e a Ele supliquemos conservá-las firmemente na direção do Círio Pascal, ao encontro da luz do Cristo Ressuscitado Que Vem.

sábado, 13 de março de 2021

PALAVRAS ETERNAS (XI)

'Tantum ardere est parum, tantum lucere vanum est: Ardere et lucere est perfectum'


'Estar aceso é pouco; iluminar apenas é coisa vã: a perfeição está em arder e iluminar'
(São Bernardo)

5 VIAS PRÁTICAS PARA UM BOM EXAME DE CONSCIÊNCIA

I. Exame pelos pensamentos, palavras e ações

Pensamentos: consenti em pensamentos contrários à fé ou à Providência de Deus? Tive ódio a alguém? Desejei ou me deleitei em alguma coisa impura?

Palavras: falei palavras más? Jurei falso? Tive conversações desonestas? Atribuí ao próximo algum crime, ou revelei, sem motivo, aquilo que devia estar oculto? Tenho mentido?

Ações: trabalhei ou fiz trabalhar nos dias santificados? Deixei de ouvir Missa em dia de preceito? Respeitei meus pais e superiores? Desobedeci-lhes? Tenho cometido algum excesso nas comidas, bebidas, jogos e divertimentos? Olhei, com mau fim ou detidamente, objetos perigosos? Fiz alguma coisa indecente? Tirei alguma coisa alheia ou defraudei o próximo?

II. Exame pelos mandamentos e obrigações do próprio estado

Primeiro Mandamento: neguei ou pus em dúvida alguma coisa das que Deus revelou e a Igreja nos ensina? Tenho dito palavras contra a fé? Tenho guardado ou lido livros proibidos, romances obscenos, ou jornais contrários à religião ou aos seus ministros? Desconfiei de Deus? Queixei-me da sua Providência? Ignoro a doutrina cristã? Falei mal da religião ou de seus ministros? Consenti em usar alguma coisa supersticiosa como benzeduras, feitiços, orações extravagantes etc.? Acreditei em sonhos, dias felizes, cartas, leituras da mão, etc.?

Segundo Mandamento: pronunciei com pouco respeito o nome de Deus, de Maria Santíssima, ou dos santos? Jurei falso? Cumpri os votos e promessas?

Terceiro Mandamento: trabalhei ou fiz trabalhar nos dias santos, sem causa justa? Ouvi a Santa Missa? Cometi alguma irreverência na Igreja?

Quarto Mandamento: honrei aos meus pais e superiores? Murmurei deles, tendo-lhes respondido mal, ou dito palavras injuriosas? Obedeci-lhes? Prestei-lhes auxílio quando se achavam em necessidade?

Quinto Mandamento: perdoei a quem me ofendeu? Tive ódio a alguém? Desejei algum mal? Disse palavras ofensivas? Briguei? Excedi-me nas comidas e bebidas prejudicando a minha saúde?

Sexto e nono Mandamentos: tenho consentido deliberadamente em algum mau pensamento? Desejei fazer alguma coisa impura? Estive entretendo em algum prazer indevido? Tive conversações desonestas? Tenho lido ou guardado algum livro ou estampa indecente? Tive olhares perigosos? Pratiquei comigo ou com outrem alguma ação impura? Dei algum escândalo?

Sétimo e décimo Mandamentos: cobicei os bens do próximo? Roubei, defraudei ou retive o alheio? Tenho pagado no prazo marcado as minhas dívidas? Tenho causado algum dano ou prejuízo? Enganei ao próximo nas compras ou vendas?

Oitavo Mandamento: fiz juízo temerário? Descobri, sem causa, algum pecado grave e oculto do próximo? Levantei falso testemunho? Menti?

Em relação aos mandamentos da Igreja:

Ouvi Missa inteira e com atenção todos os dias de preceito? Fui causa que outros a não ouvissem ou a ouvissem mal? Cumpri os preceitos da confissão e comunhão? Fiz o jejum e a abstinência?

Em relação às obrigações do próprio estado:

Um casado examinará: se ama sua mulher. Se a tem injuriado com palavras. Se a tem ofendido com ações. Se lhe tem sido fiel.
Uma casada: se ama seu marido. Se o tem ofendido com palavras ou obras. Se lhe tem sido fiel e obediente.
Os pais: se têm educado religiosamente seus filhos. Se os vigiam, procurando saber o que fazer, onde vão e como se comportam. Se os têm corrigido. Se lhes dão bom exemplo. Se os tratam com dureza excessiva, amaldiçoam ou rogam pragas contra eles. Se procuram que assistam às Missas e rezas da Igreja e recebam os santos sacramentos amiúde.
Os superiores, de qualquer classe que sejam, poderão fazer a si mesmos idênticas interrogações a respeito dos seus súditos: examinarão também se os fazem trabalhar além do que é justo e se lhes pagam os ordenados.
Um moço examinará: se fugiu ou se se afastou das companhias, diversões e convivências perigosas. Se se ocupa no estudo ou trabalho. Se obedece os conselhos e avisos de seus superiores.
Uma moça examinará: se faltou à modéstia ou escandalizou pelo modo de vestir, brincar ou outros movimentos do corpo. Se procura ou conserva amizades que a põem em perigo de ofender a Deus. Se tem cuidado das coisas da sua casa.
Um empregado: se murmurou de seus patrões ou os desrespeitou. Se cumpriu suas ordens. Se os defraudou nalguma coisa. Se cuidou bem de seus interesses.
Um negociante: se falsificou os gêneros. Se cometeu alguma fraude nas compras e vendas. Se fez algum contrato usurário, ilícito etc.
Um fabricante: se impediu que os operários fossem à missa nos dias santos. Se os fez trabalhar nos dias santos. Se os fez trabalhar mais do que era justo ou além do contrato. Se permitiu na fábrica conversas indecentes. Se consentiu nalguma desordem.
Um médico: se visitou os doentes com a frequência necessária. Se, nos casos difíceis, descurou o estudo e as consultas. Se procurou que os doentes recebessem os sacramentos, quando os julgava em perigo de vida.

III. Exame pelos sete vícios capitais

Soberba:  é um apetite desordenado de ser preferido aos outros. São filhas deste vício a jactância, vanglória, as brigas, a discórdia, desobediência. Julguei eu ser mais do que realmente sou, pelos dons da natureza ou da graça? Pretendi ser mais do que os outros? Tratei com atenção e respeito aos mais velhos e superiores? Tratei com doçura aos meus iguais? Procurei a minha honra, gabando-me de alguma coisa? Tive complacência ou vanglória da pessoa, sangue, qualidades, empregos ou riquezas? Cobicei honras ou empregos elevados? Deixei-me levar da vaidade? Apeguei-me ao meu próprio juízo, preferi o meu parecer ao alheio, ou não cedi nas disputas? Desprezei os outros? Fiz zombaria de alguma pessoa? Obedeci a meus superiores?

Avareza: é um apetite desordenado das riquezas. Cobicei o alheio? Retive o alheio contra a vontade do dono? Usei mal das riquezas, ou não dei esmola quando o exigia a caridade? Procurei os bens da terra com demasiado afã, ou pus neles o meu coração? Por causa do dinheiro, disse mentiras nos negócios, ou cometi fraudes, enganos, perjúrios, violências? Fiz boas obras por interesse temporal? Deixei alguma obra do divino serviço por cobiça ou para acrescentar riquezas?

Luxúria: é um apetite desordenado dos prazeres sensuais. Consenti em algum pensamento contra a castidade? Pensei com prazer nos pecados passados, ou desejei cometê-los outra vez? Disse alguma palavra ou tive alguma conversa contra a virtude angélica? Como me comportei nos olhares? Faltei à modéstia? Estive em alguma ocasião, baile, teatro ou reunião, em que pudesse manchar a minha alma com algum pensamento, palavra ou ação má?

Ira: é um apetite desordenado de vingança. Tive ódio a meu próximo, propósito de vingar-me, desejo de que lhe acontecesse algum mal? Entristeci-me com o bem alheio, e consenti em desejos de vingança? Disse alguma injúria a meu próximo, ou murmurei dele? Roguei pragas, proferi maldições? Tive contendas ou disputas? Perdoei as injúrias? Em minhas doenças, tive impaciência ou desejei ver-me livre delas contra a vontade de Deus? Desejei a mim ou a outros a morte? Maltratei os animais?

Gula: é um apetite desordenado de comer e beber. Comi carne nos dias proibidos? Guardei os jejuns da Igreja ou aqueles a que sou obrigado por voto? Comi ou bebi demais? Comi ou bebi só por gulodice?
Inveja: é uma tristeza desordenada do bem de outrem. Alegrei-me com o mal alheio, ou dei lugar à tristeza, quando vi a outrem na prosperidade? Senti e mostrei desgosto de ouvir os louvores do próximo, ou diminuí os louvores que outros lhe teciam? Odeio aos outros, porque me igualam ou avantajam em prosperidade e estimação? Tive inveja dos bens do próximo, ou de suas honras, dignidades, amizades, formosura, ciência ou virtudes?

Preguiça: é uma tristeza, tédio ou aborrecimento dos exercícios de piedade. Fugi da virtude por temor dos trabalhos e dificuldades? Deixei-me levar da negligência em praticar coisas árduas no serviço divino? Deixei-me vencer pela tibieza na observância dos mandamentos ou dos deveres do meu estado? Fui inconstante nas boas obras, ou as não acabei, podendo? Desconfiei nas tentações? Tive rancor ou ódio contra as pessoas boas, porque a sua virtude era para mim uma exprobação? Perdi o tempo? Empreguei-o em distrações, conversações inúteis, jogos, etc.?

IV. Exame pelos cinco sentidos

Visão: olhei para coisas formosas, vãs ou perigosas, só por vaidade, sensualidade e curiosidade? Olhei com imodéstia, liberdade ou desedificação dos outros? Fitei os olhos nalgum objeto mau ou perigoso? Olhei com leviandade de uma para outra parte?

Ouvido: apliquei os meus ouvidos a escutar conversas vãs ou curiosas, procurei notícias inconvenientes, lisonjas, louvores próprios ou murmurações? Deixei de ouvir conversações boas, sermões etc., ou os ouvi de má vontade? Recebi bom os avisos ou correções?

Língua: falei de Deus com pouco respeito? Falei da vida alheia? Descobri os defeitos do próximo? Falei alguma palavra grosseira ou não conforme ao meu estado e profissão? Fui sincero e claro com o meu diretor e confessor?

Examinem-se também os pecados cometidos com o gosto, o olfato o tato.

V. Exame pelas potências da alma

Entendimento: fui negligente em aprender a doutrina e as coisas necessárias para salvar-me? Penso frequentemente em Deus e no bem da minha alma? Afasto a minha imaginação de representações inconvenientes ou de ideias perigosas? Procurei saber alguma coisa má, inútil ou superior às minhas forças? Detive-me, propositalmente, em maus pensamentos? Sou contumaz, teimoso em minhas opiniões, ou desprezador das alheias? Julguei ou suspeitei temerariamente dos defeitos ou ditos dos outros? Segui as máximas ou ditames do mundo e da carne? Fui inconstante nos meus bons propósitos?

Memória: lembro-me com frequência dos benefícios de Deus, de seus preceitos, avisos e inspirações?  Tenho presentes os propósitos e os deveres para com Deus, para com o próximo e para comigo mesmo? Esqueci os meios de me santificar?

Vontade:  sujeitei a minha vontade cumprindo com prontidão e alegria os mandamentos de Deus, da Igreja e as ordens dos superiores? Procurei fazer a vontade alheia, desde que nisso não houvesse pecado? Tive má intenção nas boas obras, buscando-me a mim nelas, bem como fazer o meu gosto e vontade? Acaso me apropriei dos talentos, obras e coisas como se as não houvesse recebido de Deus?

(texto publicado originalmente em http://www.saopiov.org/)

sexta-feira, 12 de março de 2021

ORAÇÃO AO SANTO ANJO DO HORTO

Eu te saúdo, Santo Anjo, que consolastes Jesus no Monte das Oliveiras. Tu consolastes meu Senhor Jesus Cristo em sua agonia.

Contigo louvo a Santíssima Trindade, que te escolheu dentre todos os Anjos, para consolar e fortalecer a quem é Consolo e Fortaleza de todos os aflitos e que diante dos pecados do mundo e, de modo especial, diante dos meus pecados, repleto de dor, caiu ao solo.

Pela honra que recebeste e pela disponibilidade, humildade e amor com que ajudaste a santa humanidade de meu Salvador Jesus, eu te peço um arrependimento perfeito dos meus pecados. Consola-me na tristeza que atualmente me aflige e em todas as outras penas que vão sobrevir, especialmente na hora da minha agonia. Amém. 

(Oração de Bento XV, papa da Igreja, 1914 - 1922)